Em duas semanas, Fátima Gomes, professora na Secundária de Barcelos, já teve três reuniões do conselho pedagógico dedicadas à avaliação de desempenho. Mas a escola ainda nem conseguiu aprovar as fichas com base nas quais vai ser apreciado o trabalho dos docentes. "Tenho quatro turmas de Português do 12.º ano. Adoro dar aulas e não tenho tido tempo para as preparar", desabafa esta professora, responsável pela avaliação de 16 colegas do seu departamento.
Crítica desde o início do novo modelo de avaliação de desempenho, que este ano lectivo se aplica a todos os 140 mil professores, Fátima diz que o arranque em força do processo está a confirmar todos os seus receios. Mas não deixa de fazer o seu trabalho. "Decidimos fazer tudo o que nos é pedido para mostrar como o modelo é incongruente. Mas estamos a tentar minorizar os estragos inerentes aos articulados e às fichas do Ministério da Educação. Não quero aprovar instrumentos que vão tornar ainda mais complicada a vida dos meus colegas."
No meio do esforço, diz que é "enlouquecedor" encontrar uma lógica num processo que é "alienado" da realidade. "É um desgaste imenso", continua, exemplificando com o trabalho que estão agora a ter com os parâmetros relativos ao "empenho" dos docentes. A ideia é não prejudicar os professores por exercerem direitos consagrados na lei, como as faltas por morte ou assistência a filhos.
Outra questão prende-se com a influência dos resultados dos alunos na avaliação dos docentes. Em Julho, o conselho científico para a avaliação dos professores (CCAP) recomendou que, neste ano lectivo, "o progresso dos resultados escolares não seja objecto de aferição quantitativa". Há escolas que o vão fazer, a Secundária de Barcelos não deve ser uma delas. "A lei diz que as grelhas devem ser constituídas em função das recomendações do CCAP. E eu também não posso compactuar com o que pretende ser um aumento estatístico do sucesso dos alunos", sustenta Fátima Gomes.
"Receio que haja um grande número de notas negativas nos testes diagnósticos [que estão a ser feitos agora], porque todo a melhoria conseguida até ao final do ano vai ser considerada como trabalho do professor", admite Deolinda Peralta, professora na Secundária José Cardoso Pires (Loures). E se a "viciação" dos testes é apenas um receio, uma coisa é certa, testemunha: "Há um excesso de preocupação com estas provas que não se justifica."
Na Secundária José Cardoso Pires também não se iniciaram as reuniões que cada avaliado terá de ter com o avaliador para a definição dos seus objectivos individuais. Mas nesta escola, garante Deolinda Peralta, "não se fala de mais nada, nem se faz mais nada". "Toda a gente está centrada na avaliação e não no trabalho com os alunos", relata, criticando alguns dos indicadores que estão a ser construídos. "Para mim, não é possível medir a dimensão ética ou a relação pedagógica com os alunos fora de aula." Deolinda garante ainda que o processo está a ter consequências no relacionamento entre colegas. "As pessoas estavam bem dentro da escola. Agora não estão."
Os relatos repetem-se: "Não estou a inventar que há professores que, nesta altura do ano, já estão esgotados, com efeitos negativos na preparação das aulas e acompanhamento dos alunos. Há pessoas a passar 40 e 50 horas por semana na escola por causa do aparato burocrático associado à avaliação. É uma reunite pegada", conta Mário Machaqueiro, professor e avaliador na Secundária de Caneças, que descreve as fichas de avaliação como um "delírio de tarefas" solicitado a todos.
Indício de ilegalidade
A delegação de competências relativas à avaliação por parte dos coordenadores dos departamentos é outro dos pontos que está a dar polémica. A questão tem sido discutida por professores na Internet, que alegam estar a ser cometida uma ilegalidade. É que as regras definidas pela tutela dizem que a delegação de competências - quando um coordenador de departamento não consegue avaliar todos os professores da sua área - obedece ao Código do Procedimento Administrativo. Este determina que os "actos de delegação de poderes estão sujeitos a publicação no Diário da República". Apesar de já vários avaliadores terem passado a avaliação a outros colegas, não se conhecem diplomas publicados nesse sentido.
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, admite que há aqui "fortes indícios de ilegalidade" e garante o apoio da Fenprof a docentes que venham a ser avaliados por professores que receberam competências, sem ter sido publicado o respectivo despacho. Ao "mail verde" da Fenprof continuam a chegar dezenas de reclamações sobre a avaliação.
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