segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Educação pré-escolar: públicas virtudes, vícios privados

O alargamento da universalização da educação pré-escolar a todas as crianças a partir do ano em que atinjam os quatro anos de idade (anteriormente eram cinco), concretizado pela Lei n.º 65/2015, de 3 de julho, coloca algumas questões interessantes.

A compreensão da lei e dos seus sentidos extravasa, muitas vezes, o “reporte” empírico da informação contida nos textos jurídicos ou a descrição minuciosa dos trâmites legais. Este é um desses casos. Esta medida, adotada pela Assembleia da República, merece aplauso pelo seu alcance prático na vida das crianças e das suas famílias e corrige uma debilidade do nosso sistema educativo. Contudo, nem tudo o que parece é. Pondo de lado este hábito encantador de proceder a importantes “reformas” em finais de legislatura, remetendo a sua execução para um governo que há de vir, ficou claro, mal se percebeu o alcance desta inovação, prevista para o ano letivo 2016/2017, que não foi analisado se e em que medida a legislação já existente assegurou a universalização da educação pré-escolar para todas as crianças a partir dos cinco anos, tal como previa a Lei n.º 85/2009. Esta dimensão é muito importante porque não faltam alertas sobre algumas fragilidades na organização e funcionamento da educação pré-escolar, que podem comprometer o objetivo de a qualificar como uma componente essencial do sistema educativo.

Um híbrido: público, privado e terceiro setor

O ordenamento jurídico da educação pré-escolar é definido pela respetiva lei-quadro (Lei n.º 5/97) e destina-se às crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico (artigo 3.º).

O seu funcionamento é assegurado “por uma rede pública e uma rede privada, complementares entre si” (artigo 9.º), cumprindo ao Estado definir “as orientações gerais a que deve subordinar-se a educação pré-escolar, nomeadamente nos seus aspetos pedagógico e técnico” (artigo 8.º).

Esta incumbência do Estado é partilhada entre o Ministério da Educação e Ciência e o Ministério da Solidariedade e da Segurança Social que “devem assegurar a articulação institucional necessária à expansão e desenvolvimento da rede nacional de educação pré-escolar ” (artigo 5.º do Decreto Lei n.º 147/97, que estabelece o regime jurídico do desenvolvimento e expansão da educação pré-escolar e define o respetivo sistema de organização e financiamento).

Temos assim uma rede pública constituída por escolas públicas, escolas privadas e estabelecimentos das instituições particulares de solidariedade social, regulada e financiada pelos serviços de dois ministérios da administração central. 

Confuso? Ainda o é mais: as autarquias locais também são cogestores e financiadores diretos da rede. 

Daqui decorrem algumas incoerências na gestão da rede que prejudicam os alunos e as suas famílias.

Componente letiva e componente não letiva: a diferença entre pagar ou não pagar para os filhos estarem na escola

Um dos aspetos de maior significado na aprovação da Lei n.º 65/2015 é o aumento do número de alunos eventualmente abrangidos pelo princípio da gratuitidade pela frequência da chamada componente educativa. De acordo com o artigo 16.º da Lei n.º 5/97, a “componente educativa da educação pré-escolar é gratuita”. Até ao ano letivo 2016-2017, essa gratuitidade só está assegurada para crianças com mais de cinco anos de idade, embora, em boa verdade, as escolas públicas da educação pré-escolar, quando têm vaga, aceitam inscrições para crianças menores de cinco anos em regime de frequência gratuita. 

Caso diferente é o das chamadas atividades de animação e de apoio à família (AAAF), destinadas “a assegurar o acompanhamento das crianças na educação pré-escolar antes e ou depois do período diário de atividades educativas e durante os períodos de interrupção destas atividades” (artigo 3.º, n.º 1, do Despacho 9265-B/2013). Estas atividades “são comparticipadas pelo Estado de acordo com as condições sócio-económicas das famílias, com o objetivo de promover a igualdade de oportunidades” (artigo 16.º da Lei n.º 5/97).

Ora, é aqui que surgem alguns problemas, provocados pela confusão entre escolas públicas e escolas da rede social e privadas que integram a rede pública da educação pré-escolar. Como deu nota pública a edição de 22 de agosto do Jornal de Notícias, o valor que os pais que não consigam matricular os filhos numa escola pública pagarão pela componente não letiva “será substancialmente mais caro na rede social”, consequência de “uma tabela própria, que supera os valores da rede pública”. 

Esta prática – de duvidosa legalidade, desde logo por violação do princípio da igualdade, mas propiciada pela dupla tutela e pela intervenção das autarquias, que legitimam muitas vezes uma diferenciação na fixação dos critérios de cobrança – é um belíssimo exemplo de como a prossecução de uma medida política pública pode ser capturada por interesses que extravasam os fins públicos quando o Estado se coloca na posição de depender de terceiros para a prestação das suas funções sociais. 

O problema nem sequer é novo – esta notícia apenas coloca um novo enfoque na questão – e algumas autarquias superaram-no, assumindo integralmente os custos das atividades de animação e de apoio à família. 

Como nota Emília Vilarinho, investigadora da Universidade do Minho (v. “Estado e Terceiro Setor na Construção das Políticas Educativas para a Infância em Portugal: o Caso da Educação Pré-Escolar”, 2011), “as parcerias estão bem regulamentadas, os documentos são virtuosos e coerentes, mas o problema são as práticas, a implementação”, porque “o Estado não está a fiscalizar estas atividades não educativas” o que concorre para que se veja “entre jardins-de-infância públicos, sociais e privados, lógicas de quase-mercado na disputa dos “clientes”. Mais claro que isto é dificil.

Certamente a solução passará por uma fiscalização mais robusta e pelo aprofundamento da articulação entre o pré-escolar e o ensino escolar, com a atribuição da tutela pública – tanto na dimensão pedagógica como técnica - exclusivamente ao Ministério da Educação e Ciência. Ganhar-se-ia clareza e eficácia porque os critérios educativos teriam, necessariamente, que se sobrepor a outras considerações.

Existem razões históricas – ligadas à expansão da rede de apoio à infância – para que o nosso ordenamento jurídico consagre uma intervenção do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social na educação pré-escolar. Contudo, hoje é uma situação pouco lógica, que fragiliza o sistema educativo.

26 de agosto de 2015.

Tiago Saleiro

Licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa. Especializou-se em Direito da Educação e Direito dos Menores, áreas em que trabalha como jurista.

Fonte: Educare

ClickProfessor, site para docentes procurarem emprego e para serem procurados

O professor Marco Rodrigues decidiu criar uma plataforma alternativa para quem não consegue trabalhar para o Ministério da Educação e Ciência. Lançou o site ClickProfessor, onde os professores desempregados podem procurar trabalho, as empresas podem encontrar docentes e os encarregados de educação descobrir um explicador para os seus filhos.

O ClickProfessor está disponível a partir de 1 de setembro e permite aos docentes criar, de forma gratuita, um perfil com os dados relativos à sua experiência profissional e formação académica.

A informação - que pode ser disponibilizada através de um pequeno vídeo pessoal - fica acessível a todos os que procuram os serviços de um docente: empresas e famílias.

Marco Rodrigues, professor com formação na área das Belas Artes, que entrou para a docência em 2008, estava cansado da instabilidade profissional e decidiu lançar a plataforma digital. "Existem muitas alternativas para os professores e educadores de infância. Existem cursos de aprendizagem e de formação e muitas outras ofertas, porque o Ministério da Educação não é único empregador dos professores", contou (...).

Marco Rodrigues acredita que o site poderá ser "um grande aliado para os que, agora em Setembro, se encontrem novamente em situações de desemprego", uma vez que ali há "anúncios" de professores mas também de empresas que procuram docentes.

A plataforma tem ainda uma área destinada a encarregados de educação que também podem procurar, gratuitamente, um explicador para os seus filhos. "Os pais escusam de recorrer aos centros de estudo que, em alguns casos, significa pagar o dobro pelo mesmo serviço. Para os professores também é melhor porque deixa de existir um intermediário", defendeu Marco Rodrigues.

Os pais podem ler o currículo dos professores mas também ver o vídeo e entrar em contacto com qualquer um dos professores e explicadores particulares.

O responsável pelo site garante que os dados disponibilizados no site são confirmados pela ClickProfessor, que pede os documentos comprovativos e corrige eventuais erros ou gralhas.

A plataforma contém também um blogue, onde se partilham artigos, anúncios de empresas e, "no futuro, terá também um fórum".

Fonte: Público

domingo, 30 de agosto de 2015

Nuno Crato abateu onze mil professores ao quadro

Nos últimos quatro anos, o Estado integrou 4197 novos docentes mas perdeu 15 106. Governo fala em processo de estabilização, depois de escolas terem perdido 215 mil alunos.

Os quadros do Ministério da Educação e Ciência (MEC) ficaram com menos 10 909 professores em quatro anos. Desde 2011, ano em que o governo da coligação PSD--CDS entrou em funções, reformaram-se ou rescindiram com o Estado um total de 15 106 docentes, enquanto as entradas nos quadros se ficaram pelas 4197. O contingente de professores nas escolas é reforçado anualmente por contratações como a dos 3782 colocados na sexta-feira, e os cerca de 2100 horários que ainda vão a concurso a partir de quinta-feira.

A quebra do número de professores quer nos quadros quer contratados (que chegaram a ser mais de 17 mil em 2010-2011) não pode ser dissociada da redução do número de alunos: menos 215 mil desde 2010-2011. O que faz que a regra da contratação da função pública - de que por cada dois funcionários que saem entra um - não se aplica na educação. Neste momento, por cada três professores que saem do sistema, entra um.

Aliás, os concursos para admitir professores nos quadros têm intervalos de quatro anos, embora este ano tenha havido um extraordinário, quando o próximo deveria ser apenas em 2017. Desta forma, o MEC deu também cumprimento à norma europeia que proíbe a renovação abusiva de contratos e integrou nos quadros todos os professores que nos últimos cinco anos tinham dados aulas, com horários anuais e completos no mesmo grupo de recrutamento.

O ministério liderado por Nuno Crato tem sublinhado por diversas ocasiões os esforços para a "estabilização dos quadros" e para garantir apenas as entradas de docentes que o sistema precisa. Ainda na sexta-feira, com a publicação das listas de contratados, a tutela escreveu no comunicado que, no processo de contratação, "teve sempre presente e acautelou a necessidade de implementar medidas que refletem uma gestão cuidada dos seus recursos humanos no sentido de proporcionar um melhor aproveitamento dos docentes de carreira".

A ideia da reorganização dos quadros dos professores - a educação é o maior empregador público com cerca de 200 mil funcionários - tem sido uma constante. "O MEC iniciou em 2011 um processo de reorganização dos recursos humanos e de estabilização dos quadros, o que possibilitou uma maior eficiência na gestão e rentabilização dos recursos existentes", sublinhou o gabinete de Nuno Crato, quando do lançamento dos concursos para os quadros, em fevereiro.

Garantindo que só têm entrado nos quadros professores que correspondam às "necessidades definidas pelos estabelecimentos de ensino e as projeções demográficas", a tutela não esconde também as medidas que levaram à libertação de funcionários. "Entre outras medidas, destacam-se a conclusão, no essencial, do processo de reordenamento da rede escolar, o alargamento dos Quadros de Zona Pedagógica, o desbloqueamento dos pedidos de aposentação e o programa de rescisões por mútuo acordo." Só para a reforma - que o ministro garantia serem fundamentais para evitar que outros docentes de carreira ficassem sem turmas - saíram, desde 2011 e até setembro deste ano, 13 764 professores. Aderiram ao programa de rescisões mais 1342 docentes. O que dá um total de 15 106 que deixaram as escolas públicas.

Mesmo subtraindo as entradas dá uma redução significativa de funcionários vinculados. Apesar da diminuição da população escolar - que segundo o MEC "justifica uma atuação atenta e ágil dos governos" -, a Fenprof já veio a público defender que "vários fatores deveriam ter contribuído para que aumentasse a colocação de docentes": "A aposentação de milhares de professores; a saída de quase 2000 docentes por rescisão; o alargamento da escolaridade obrigatória, cuja concretização se concluiu no ano que terminou; a criação de um novo grupo de recrutamento [120 - Inglês do 1.º Ciclo]", refere.

Fonte: DN

sábado, 29 de agosto de 2015

Listas definitivas de mobilidade interna e contratação inicial


Publicitação das listas definitivas de Ordenação, Exclusão, Colocação, Não Colocação, Desistências, Retirados, Renovação e Colocação Administrativa de Mobilidade Interna e Contratação Inicial 2015/2016

Publicitação das listas definitivas de Mobilidade Interna 2015/2016




Publicitação das listas definitivas de Contratação Inicial 2015/2016

910 - Educação Especial Ordenação Colocação Não Colocação
920 - Educação Especial Ordenação Colocação Não Colocação
930 - Educação Especial Ordenação Colocação Não Colocação

Fonte: DGAE

Faça estas oito coisas e tornar-se-á mais criativo(a) e perspicaz, afirmam neurocientistas

Os testes de inteligência humana mostram que enquanto o QI – a medida das nossas capacidades analíticas – parece estar a aumentar, o pensamento criativo poderá estar a declinar porque o nosso mundo hiperativo exige que sejamos cada vez mais analíticos. O neurocientista John Kounios, professor de psicologia da Universidade de Drexel (em Filadélfia, nos Estados Unidos) e coautor, com o seu colega Mark Beeman, do livro The Eureka Factor (O Fator Eureka), estuda a forma como a criatividade – e esse momento em que de repente percebemos algo [insight em inglês] começam no cérebro. E explica-nos que há uma série de coisas muito simples que podemos fazer para estimular essa revelação súbita, o pensamento “fora da caixa”, a criatividade e os “murmúrios da intuição”.

Por que se interessou pela ciência da revelação súbita?
Houve uma controvérsia, na psicologia cognitiva, em torno da questão de saber se o pensamento muda gradualmente ao longo do tempo – num “processamento contínuo” – ou se o nosso cérebro passa de repente de um estado para outro e depois para outro. A ideia aceite na altura era que qualquer pensamento fluía gradualmente e que o que as pessoas sentiam como uma revelação súbita não era mais que um floreado emocional, um entusiasmo adicional no fim do processo de raciocínio, que fazia com que a revelação parecesse surgir de repente.

Nós concebemos algumas experiências, utilizando anagramas (sequências de letras que é preciso reordenar para identificar uma palavra) e descobrimos que algumas pessoas passam, num pulo, de não fazer a mínima ideia da solução a ter a solução. Isso mostrou-nos que a revelação súbita é um fenómeno real.

Foi então que decidi focar-me nas bases neurais da criatividade e que comecei a trabalhar com o meu colega Mark Beeman no sentido de mapearmos ao mesmo tempo onde e quando essa revelação súbita acontece no cérebro.

Eu uso a técnica de eletroencefalografia (EEG), que mede a atividade elétrica do cérebro e permite determinar exatamente quando é que algo está a acontecer no cérebro. Porém, a EEG não permite mostrar onde é que essa atividade está localizada. Mas o Mark usa a tecnologia de ressonância magnética funcional (fMRI), que deteta alterações no fluxo sanguíneo cerebral e é justamente muito útil para mostrar onde é que a atividade está a acontecer (embora o seja menos em termos temporais). Foi por isso que decidimos combinar as nossas estratégias.

E o que descobriram?
O estudo da questão da revelação súbita coloca vários desafios. Adorava enfiar pessoas dentro de um scanner cerebral e esperar que tivessem uma experiência deste tipo. Mas isso não é exequível. Portanto, o que fazemos é submetê-las a testes [da criatividade] chamados “problemas de associações remotas”.

Cada teste consiste em apresentar três palavras, como pine/crab/sauce [pinheiro/caranguejo/molho]. Os participantes têm então de pensar numa quarta palavra que permita formar uma palavra composta ou uma expressão familiar com cada uma dessas três palavras. Neste exemplo, a resposta é apple [porque com a palavra que em inglês significa "maçã" formam-se pineapple (ananás), crabapple (macieira) e apple sauce (compota de maçã)].

As pessoas podem resolver estes problemas de duas maneiras. Uma é a forma analítica, metódica – ou seja, através de um raciocínio analítico. E a outra é aquela que, por vezes, faz com que olhem para o problema e que a solução surja de repente na sua consciência. “Ah, é isso!”, pensam.

O que nós fizemos foi comparar a atividade cerebral dos dois tipos de soluções: a analítica e a da revelação. E constatámos que, precisamente no instante em que o problema é resolvido num instante de revelação, há um surto de ondas cerebrais gama no lobo temporal direito, situado acima da orelha – e, mais concretamente, no giro temporal superior anterior direito. As pessoas que resolvem o problema de forma analítica não apresentam essa atividade específica.

Também testámos as pessoas no seu estado de repouso e a seguir demos-lhes um monte de anagramas para resolver. E descobrimos que enquanto algumas pessoas, que designamos de analíticas, tendem a utilizar um raciocínio analítico para resolver estes enigmas, há um outro grupo, o dos “perspicazes” [insightful], que recorrem principalmente à revelação.

Também observámos que, mesmo em repouso, os cérebros destes dois grupos de pessoas funcionam de maneira ligeiramente diferente. As pessoas altamente analíticas apresentam um maior nível de actividade no seu lobo frontal esquerdo. E as mais perspicazes uma maior atividade no lobo parietal posterior direito, na parte traseira do cérebro.

Os lobos frontais têm a ver com concentração, controlo, pensamento estratégico – e as pessoas em cujo cérebro eles estão muito ativos são muito organizadas e muito focadas. Mas quando o lobo frontal é desativado, as pessoas têm tendência a ser relativamente dispersas e desorganizadas, mas também algo criativas.

De facto, as pessoas que sofrem de transtorno do défice de atenção e hiperatividade (ADHD na sigla em inglês) tendem a ter um desempenho melhor nos testes de criatividade.

Também descobrimos uma terceira categoria de pessoas, que podem ser altamente analíticas ou altamente perspicazes e que conseguem mudar voluntariamente o seu estado cerebral, passando de um destes estilos cognitivos para o outro quando necessário.

Portanto, somos capazes de pensar das duas maneiras. Há uma melhor que a outra?
Há problemas que podem ser resolvidos de ambas as maneiras – analiticamente ou através de um instante de revelação. Outros são mais adaptados ao raciocínio analítico. Se eu apresentar a alguém uma coluna de números a adicionar, não é possível esperar encontrar a resposta olhando para eles. Talvez alguns “savants” [pessoas com capacidades excecionais, como pode acontecer no autismo] o consigam, mas a maioria das pessoas não é capaz. O que elas sabem é como, passo a passo, adicionar os números e calcular o resultado.

Contudo, há problemas que não têm este tipo de constrangimentos, que são abertos. Por exemplo: como fazer para ser feliz? Para ser boa pessoa? Aqui não há regras de base particulares, não existe uma fórmula que se possa aplicar para chegar à resposta. E as pessoas resolvem frequentemente este tipo de problemas através de instantes de revelação, que são uma forma de criatividade que nestes casos se torna desejável possuir.

Ora, como é cada vez mais frequente que os problemas com que somos confrontados no mundo atual, enquanto indivíduos e enquanto sociedade, sejam demasiado complexos, imbricados e globais – o terrorismo, a poluição… –, o facto é que não existe um método simples para os resolver. Exigem criatividade.

Como é que os leitores podem estimular a sua perspicácia, a sua criatividade?
A perspicácia é como os gatos. Não é possível mandar nela. Podemos incentivá-la, mas não a podemos controlar. A criatividade e a perspicácia derivam de um estado cerebral particular. Portanto, se conseguirmos colocar-nos nesse estado mental, aumentamos as nossas hipóteses de ter revelações criativas.

E com base em estudos científicos, sabemos que o facto de alterar alguns aspetos do nosso ambiente pode ajudar.

1) Ser positivo(a): Tem havido muita investigação, nos últimos 20 a 30 anos, que mostra que ser positivo (a) aumenta a criatividade. Quando a nossa disposição é algo negativa, ansiosa, isso melhora, pelo contrário, o pensamento analítico.

A criatividade provém de um sentimento de segurança. Quando nos sentimos em segurança, somos capazes de arriscar. E a criatividade é intelectualmente arriscada. As ideias novas podem estar erradas. Pôr essas ideias em prática pode suscitar resistências.

Quando sentimos ameaças subtis, inconscientes, temos a impressão de que não nos é permitido errar. Precisamos de ficar focados no tema em causa, não nos podemos afastar do problema em si ou daquilo que temos de fazer.

Nós também observámos que a existência de prazos, que subentende uma ameaça implícita ou consequências negativas se não forem respeitados, pode gerar ansiedade e deslocar a nossa estratégia cognitiva para uma forma mais analítica de raciocínio. Os prazos podem conduzir a um aumento da produtividade analítica, mas se um empregador quer mesmo qualquer coisa “fora da caixa”, inovador e original, talvez um prazo menos rígido possa suscitar mais criatividade.

Num outro estudo, descobrimos que as pessoas que resolviam os problemas de forma analítica apresentavam maior atividade no seu córtex visual – ou seja, estavam focadas no exterior. Mas antes de as pessoas resolverem um problema num instante de revelação, a sua atividade cerebral no córtex visual diminuía: estavam a focar a sua atenção para dentro.

Também antes desse instante de revelação, verificava-se uma maior atividade no cingulado anterior das pessoas, uma região do cérebro situado no meio da cabeça. O cingulado anterior tem como função monitorizar o resto de cérebro para detetar conflitos – e também deteta diferentes estratégias de resolução de problemas. E como não é possível utilizar duas estratégias ao mesmo tempo, são as mais óbvias que costumam ser fortemente ativadas. As outras – as intuições, os palpites, que tendem a ser mais criativas, até bizarras ou excêntricas – são menos ativadas, mais fracas, mais distantes.

Porém, quando a nossa disposição é positiva, ficamos mais sensíveis a “apanhar” essas ideias inconscientes menos activadas. E quando as detectamos, a nossa atenção pode virar-se para elas e elas podem surgir na nossa cabeça como uma revelação. Pelo contrário, se estivermos de mau humor e o cingulado anterior não for activado, seguimos o caminho mais forte, que costuma ser o mais fácil. Portanto, a boa disposição expande literalmente o nosso pensamento.

2) Grandes espaços: a atenção percetual – a maneira como focamos a nossa visão – parece estar relacionada com a chamada “atenção conceptual”. Se estivermos num espaço exíguo, por exemplo a trabalhar num cubículo, não é possível dar largas à nossa atenção visual. Ela permanece focada nesse espaço estreito. E quando a atenção visual se encontra restringida, o mesmo acontece com a atenção conceptual, que se torna estreita e focada, promovendo o pensamento analítico.

Mas se nos encontrarmos num espaço amplo – num grande gabinete com um pé direito alto ou fora de portas –, a nossa atenção visual alarga-se para encher esse espaço e a nossa atenção conceptual expande-se.

É por isso que muitas personalidades criativas gostam de estar lá fora, de fazer longas caminhadas na natureza e que vão à procura de inspiração nos espaços abertos e amplos. Quando conseguimos ver ao longe, podemos pensar de forma mais lata.

3) Evitar objetos cortantes: nós descobrimos que quando as pessoas estão rodeadas de objetos pontiagudos e de arestas marcadas, tais como um sofá anguloso ou um corta-papel que parece um punhal, isso pode causar aquele sentimento subtil e inconsciente da existência de uma ameaça. E quando isso acontece, a atenção estreita-se.

Portanto, o ambiente ideal para fomentar a revelação súbita é um grande espaço, bem arejado, “mobilado” com objectos fofos e arredondados.

4) As cores da natureza: como pensamos na cor vermelha como numa cor da urgência, associada ao sangue, aos carros de bombeiros e aos sinais de Stop, ela capta e estreita a atenção. Mas as cores do meio exterior, como o azul do céu ou o verde das árvores, têm sido associadas à relaxação, à expansão, à geração de um sentimento de segurança que ajuda a atenção a expandir-se e aumenta a criatividade.

Isto não vale para todos. Se o nosso passatempo favorito for cultivar rosas, poderemos associar o vermelho às rosas que amamos.

5) Fazer pausas: quando estamos bloqueados e marcamos um intervalo para fazer algo completamente diferente, esquecemos a má ideia em que estávamos fixados. Isso permite que outras ideias, melhores ideias, cheguem à superfície da nossa consciência como bolhas. E se estivermos a trabalhar num problema sem o conseguir resolver, a pausa torna o nosso cérebro mais sensível as coisas à nossa volta relacionadas com o problema. Ficamos mais observadores e conseguimos estabelecer uma associação, que a seguir se torna consciente sob a forma de uma súbita revelação.

6) Dormir: uma das ferramentas mais poderosas para promover a perspicácia é o sono. Se estiver bloqueado(a), durma uma sesta, vá para a cama. Conseguirá expurgar melhor a ideia inútil em que se fixou e ficará mais sensível a pistas suscetíveis de resolver os problemas.

Uma das descobertas mais interessantes das neurociências dos últimos 20 anos é que quando adquirimos memórias, elas são armazenadas sob uma forma temporária e frágil, semelhante ao cimento fresco. O cimento começa por ser mole e só endurece quando seca – tornando-se então forte e durável. As memórias também. Endurecem graças a um processo de consolidação, que decorre principalmente durante o sono.

De facto, a consolidação da memória também transforma a memória. Faz ressaltar os pormenores, as relações ocultas e pode ser a base da criatividade e da revelação.

É por isso que existem tantas histórias de pessoas que acordam a meio da noite com uma ideia nova ou a solução de um problema. Tal como Paul McCartney, que acordou uma manhã com uma melodia na cabeça. Era a da canção Yesterday. Simplesmente, apareceu. O sono é um supercarregador da criatividade.

7) Não fazer nada: não fazer nada é um trabalho criativo, porque quando estamos conscientemente a não fazer nada, a parte consciente ocupa apenas uma minúscula parte do nosso cérebro – e que o resto, a parte inconsciente, esse não pára. Há um processo que os psicólogos cognitivos chamam “incubação” – que é o cérebro a remoer associações. Essas associações podem depois surgir na consciência como revelações súbitas. O sono e o não fazer nada são dois supercarregadores do processo de incubação, por que deixam vaguear a nossa mente sem haver nenhuma tarefa especial para cumprir.

Quando as pessoas têm constantemente a mente cheia de tarefas, isso inibe o processo de incubação. Não quero dizer com isso que as pessoas devam tornar-se eremitas ou livrar-se de todos os gadgets, que também incentivam a incubação. Mas precisamos de um equilíbrio entre não fazer nada e fazer coisas. Precisamos de ambos para alimentar a criatividade e a perspicácia.

8) Tomar duche: o duche é um sítio fantástico para deixar vaguear a mente, para incubar pensamentos e preparar o terreno da revelação. Debaixo do chuveiro, a água é cálida, não sentimos fronteiras entre a nossa pele e o exterior do nosso corpo. Sentimo-nos expansivos. Há um ruído branco em pano de fundo e o que vemos está um pouco desfocado, levando-nos a virar o nosso pensamento para dentro, como se estivéssemos em condições de privação sensorial. Permite que a nossa mente vagueie e que a nossa atenção se expanda. É por isso que as pessoas tendem a ter grandes ideias no duche.

Fonte: Exclusivo PÚBLICO/Bloomberg/The Washington Post

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Panta Rei

Desculpem este título que pode ser incompreensível para alguns dos leitores. Apresso-me a explicar o seu significado.

Heráclito, o filósofo grego da antiguidade clássica, desenvolveu um pensamento filosófico que híper-simplificando seria expresso por estas duas palavras gregas: panta rei isto é, tudo se move. Heráclito ficaria famoso pelo sua citadíssima frase “ninguém se pode banhar duas vezes nas mesmas águas do rio”. Tudo se move. Nós e o rio. O nosso poeta maior Luís de Camões não deixou de se referir à mudança: “Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades (…).” Hoje, em Portugal, fala-se ainda mais em mudança do que o costume: em vésperas de eleições legislativas e presidenciais todos os partidos referem a necessidade imperiosa de mudança. Feitas as contas, ninguém quer continuar os valores e as práticas destes quatro últimos anos de governação.

Mas esta coluna não é sobre comentário político mas sim sobre Educação. Quero pois dirigir-me às pessoas a quem interessa a Educação (afinal a toda a população portuguesa) e em particular aos professores.

Como afirmava Heráclito tudo se move e se transforma, e, talvez, não haja campo em que esta mudança seja mais notória e sensível do que a Educação. Todos os anos letivos as escolas se defrontam com realidades, recursos e problemas novos e devem organizar-se para responder com qualidade e atempadamente às novas realidades que se lhes apresentam. 

Todos os anos letivos a escolas se dirigem a alunos diferentes: não falamos só dos que vêm de novo, falamos também dos mesmos alunos que se apresentam com novas experiências, novos conhecimentos e hábitos diferentes. Talvez muitas destas crianças e jovens olhem a escola de forma diferente e por isso a escola, se não os quiser perder, tem que os olhar de forma diferente. Tudo se move e a escola vive na urgência de mudar para chegar a todos os seus alunos. Sabemos o quão difícil é este desiderato. Por vezes parece que vivemos uma antinomia insuperável: de um lado a normalização, o que se espera que os alunos aprendam até ao fim do ano, as metas curriculares, os programas; do outro lado a consciência que nem todos os alunos podem chegar ao mesmo tempo às mesmas metas, a necessidade de diferenciar, a banalização do insucesso e o conformismo com perder alguns alunos. Mudar a escola tem a ver com educar todos os alunos, mesmo aqueles — sobretudo aqueles — que têm mais dificuldades em seguir o ritmo e as exigências do currículo uniformizado para o “aluno tipo”. A mudança da escola passa certamente por construir pontes. Pontes entre o que a escola é e o que queremos que seja, entre o que se espera dos alunos e o que nós achamos que se devia esperar deles, entre o que eles sabem e o que nós sabemos, entre a norma e a diferença.

Estas mudanças passam-se ativamente debaixo dos nossos olhos. E damos um exemplo: hoje em dia nenhum professor acredita que os seus alunos aprendem da mesma forma que ele aprendeu, sabe que os seus alunos são sensíveis a estratégias diferentes, sabe que as motivações dos seus alunos não são as mesmas que ele tinha na idade deles, enfim, não tem dúvida que um aluno de hoje olha a Educação noutra perspetiva. E se nenhum professor acredita que os seus alunos sejam semelhantes aos alunos do tempo em que o professor era aluno, o que é que se passa? A resposta é difícil mas em muitos casos é “passa-se pouca coisa”. Quer dizer, apesar de a escola estar diferente, de os alunos serem diferentes, de as expectativas serem diferentes, de serem precisos outros métodos de ensino, outras formas de interação com o conhecimento, novas relações entre escola, professor e alunos, a escola não mudou como seria necessário. E, no entanto, tudo mudou. Muda pelo menos desde o tempo de Heráclito…

No início de um novo ano letivo precisamos de escolas, professores, alunos, famílias e comunidades crentes que tudo se move. O que se passou no ano letivo passado pode inspirar algumas compreensões para o que se vai passar este ano, mas não chega. Não basta fazer como antes porque a nossa realidade, os nossos alunos, os nossos filhos, nós próprios estamos diferentes. Lidar com esta imprevisibilidade, com esta novidade permanente é uma das grandes dificuldades da profissão de professor, certamente um dos fatores que mais contribui para o desgaste e o cansaço que todos os finais de ano letivo invadem, como uma epidemia, as nossas escolas. Mesmo profissionais que trabalham em Educação têm dificuldade em entender este desgaste profissional dos professores que implica estar presente e ativo quotidianamente em realidades muito diversificadas.

Gostaria de ver o início de cada ano como uma nova e intacta oportunidades para fazer diferente e para fazer melhor. Fazer melhor na nossa Educação talvez pudesse ser guiado por três ideias muito simples: antes de mais, todos temos que fazer a nossa parte. Não há escola boa sem bons professores e bons professores cumprem com as boas práticas da sua profissão, fazem a parte que lhes diz respeito. Em segundo lugar, ensinar todos os alunos: para isso é preciso fazer mudanças na forma de ensinar, pedir ajuda, dar ajuda, encontrar outras formas de organizar o ensino e a aprendizagem na sala de aula. Por fim, não desistir do que sabemos e do que acreditamos. Este é um compromisso que temos que consagrar de novo todos os anos: o compromisso pela escola viva, cidadã, inclusiva e equitativa. O objetivo não pode ser manter inalterada a escola e abdicar de alguns alunos; o objetivo deve ser mudar a escola para não perder nenhum aluno. Evoco Sophia quando escreveu “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. Nós professores, vemos, ouvimos e lemos, temos experiência, não sabemos falar “eduquês”. Sabemos o que queremos.

Panta rei, tudo se move. Quero desejar aos meus colegas professores energia e determinação para que que não desistam de se mover na escola, com a escola, com os alunos com as famílias de modo a que possamos construir uma escola de qualidade e para todos os alunos neste ano letivo de 2015/16.

David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão — Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Público

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

UTAD aposta em “jardins terapêuticos”

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), através do curso de Arquitetura Paisagista, está a realizar estudos com vista à implementação de “jardins terapêuticos” em espaços hospitalares e instituições sociais, procurando demonstrar a sua mais-valia na promoção da saúde do bem-estar físico, social e psicológico dos utentes.

Segundo Frederico Meireles, docente e investigador da UTAD, “as áreas residenciais com jardins de proximidade têm provado ter menor ocorrência de problemas mentais, promovendo a interação social e o sentimento comunitário, oportunidades de escape às atividades diárias exigentes e espaços para exercício físico, bem como oportunidades para restauração mental e alívio do stress, e também nesta medida, as zonas urbanas próximas dos espaços verdes são mais seguras e menos propensas à violência e ao vandalismo”.

É justamente a vocação dos parques e jardins para a regeneração mental e física do ser humano que vem merecendo a atenção da UTAD, procurando-se com a sua implementação ver provada uma eficiente redução dos custos com a saúde e segurança das sociedades urbanas. (...)

Entretanto, e no âmbito deste mesmo projeto, a jovem investigadora Lina Fernandes tem vindo a estudar o caso da quinta da Associação de Paralisia Cerebral de Vila Real, com o intuito de desenvolver um espaço exterior adaptado às necessidades terapêuticas.

Mais recentemente o projeto final de mestrado de arquitectura paisagista de Guilherme Fernandes, focou o campus da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM), em Sabrosa, tendo resultado no projeto de um espaço adaptado a utilizadores com necessidades especiais e com capacidade de auxiliar as terapias no espaço exterior.

Outros estudos em desenvolvimento em parques e jardins, pelos professores Frederico Meireles Rodrigues e Sandra Costa, têm também focado o comportamento das pessoas, a sua percepção e a relação emocional que estabelecem com os espaços exteriores.

Fonte: Ciência Hoje por indicação de Livresco

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Uma questão perfumada...

O tipo e a qualidade de apoio que uma sociedade dá às pessoas com deficiência é um espelho direto do grau de civilização e humanismo dessa sociedade


“Reparei que pões perfume à tua filha.” A pergunta caiu assim, de repente, e a mãe da Vera ficou surpresa. “Porque não?”, retorquiu. “Não pões à tua?” As duas crianças, de dois anos de idade, estavam frente a frente, nos respetivos carrinhos de passeio, a Francisca agitando-se, rindo, fazendo caretas para a Vera. Esta, com paralisia cerebral, emitia sons e tentava libertar-se da cinta que a mantinha na posição de sentada.
“Sim, ponho, isso é um facto... mas a Francisca é normal, quer dizer, a Vera, como é assim, não deve dar muito por isso… foi por isso que achei original.”

A mãe da Vera disse, com um tom calmo: “Sabes que a Vera, por ser ‘assim’, como tu dizes, tem algumas funções muito desenvolvidas, como é o caso do olfato. E pondo-lhe um perfume bom estará também protegida quando encontra pessoas rançosas e mentalmente malcheirosas. Percebes a ideia...”
E enquanto a conversa terminava logo ali, a Francisca despedia-se da Vera acenando-lhe um adeus e a Vera tentava sorrir, mesmo que com muita dificuldade.

Foi decidido! Hoje ninguém anda de óculos. É, leitor, quer ler o i, procurar um livro na sua livraria preferida ou até escolher um CD para ouvir em casa? Paciência. Queria ir ao banco e acabou no sapateiro… azar! E… cuidado com essas escadas. Ui! Deve ter doído, esse trambolhão. Não sabe onde está o seu carro? Nem sabe ler as matrículas? Ah! Já nem reconhece os seus filhos entre as várias crianças que estão na escola. Pois é… tudo isto porque hoje não o deixaram usar os seus óculos, você, um deficiente que sem a sua prótese ocular se transforma numa pessoa com handicap.
Agora imagine que este sonho (pesadelo, leia-se) é real para muitos e que estes ainda são desconsiderados pelos outros, que se julgam superiores na escala humana? 

Ainda não nos convencemos de que o caminho não é “integrar”, ou seja, dar umas benesses aos “pobres desgraçados”, mas construir uma sociedade e um meio ambiente onde todos possam estar. Todos temos deficiências, só que algumas são aceites e outras não. O que é injusto. O que não é decente. O que fere os valores fundamentais da humanidade!

Mesmo com enormes melhorias e avanços, há ainda que lutar para que as pessoas portadoras de deficiência, seja qual for o seu grau de handicap, vivam plenamente a cidadania. A variedade do tecido social é a sua maior “mais-valia”. Aliada a esta conceção do mundo está a questão da qualidade de vida e de como este conceito, associado aos conceitos de felicidade, autoestima, respeito por si e pelos outros e participação, constitui os objetivos individuais e sociais, ao nível dos diversos ecossistemas, numa perspetiva solidária e complementar da sociedade. Uma sociedade onde todos possam, se quiserem, “usar perfume”, pesem ainda as muitas barreiras, obstáculos e dificuldades que se colocam no quotidiano da pessoa com deficiência e da sua família.

A sociedade é composta por diversas matizes e cada um de nós, mesmo vendo-nos a nós próprios como “sem deficiência”, temos também uma série de “fraquezas” e mesmo handicaps, os quais muitas vezes nos causam até maior impacte social e relacional do que as consideradas deficiências “tradicionais” – veja-se a timidez, por exemplo. A complementaridade do tecido social e a participação de todos na vida comum é a única maneira de potenciar toda a riqueza da espécie humana.

É por isso que a mãe da Vera lhe põe perfume, tal como a mãe da Francisca… todavia, na atitude preconceituosa da mãe da segunda é que reside a diferença conceptual e civilizacional.

Mário Cordeiro

Pediatra

Fonte: Jornal I

Para os pais que não são professores, isto pode ser difícil de entender

É real e de conhecimento pessoal. Tem 53 anos, 26 de profissão a que se entregou com amor, hoje cansado. Estava efetivo a 160 quilómetros diários (80 para lá e 80 para cá) da casa onde vive com duas filhas. Concorreu para mudança de quadro de escola, para se aproximar da residência. Conseguiu colocação numa escola 40 quilómetros mais perto (20 para lá e 20 para cá). Dois dias depois, o absurdo caiu-lhe em cima: a escola onde o colocaram não tem horário para ele. Alma angustiada, empurraram-no para a dança macabra da “mobilidade por ausência de componente letiva”, que pode terminar em “requalificação” e despedimento.

Está apresentado. É um dos muitos, com vidas adiadas. Algumas, para sempre! É professor.

Daqui a dias vai falar-se, muito, do costume: das crianças que voltam às aulas, do que os pais gastaram para lá as pôr e das escolas que ainda não abriram. Não se falará, certamente, da situação profissional dos professores.

São muitos os estudos que têm procurado estabelecer o impacto das condições de trabalho na saúde física e mental dos profissionais. Esse impacto, em organizações humanamente evoluídas, é também assumido como um dos indicadores determinantes do grau de eficácia das organizações. Claro está que não estou a falar do nosso ministério da Educação, para quem pouco importa que cresçam exponencialmente os níveis de ansiedade dos professores e diminuam os que medem a motivação profissional. É outra a eficácia que atrai o interesse do ministério.

O stress ocupacional crónico (desequilíbrio entre as exigências e a capacidade de lhes responder) está genericamente presente na classe dos professores e pode originar o chamado burnout, entendido como um estádio continuado de fadiga física e psicológica. Sendo um problema das pessoas, é, antes, um problema do clima social criado e das organizações para as quais as pessoas trabalham.

Um pouco por toda a parte, é a insuspeita OCDE que o diz, os professores apresentam índices de mal-estar superiores, quando comparados com outros profissionais. A Organização Internacional do Trabalho classificou a profissão como de risco físico e mental e os que lidam de perto com os professores portugueses identificam níveis consideráveis de exaustão emocional, face ao aumento de situações problemáticas e desagradáveis, designadamente impotência para reagir e resolver perturbações de comportamento por parte dos alunos, e conflitos importantes de compatibilização da vida profissional com a vida pessoal e familiar.

Há dias, noticiava-se num telejornal que os médicos do hospital de Faro estavam exaustos. Motivo? O aumento sazonal da população estava a obrigá-los a 48 horas de “banco” por semana. É fácil avaliar o nível de responsabilidade que se abate sobre um médico, particularmente em serviço de urgências. Não é difícil admitir que os médicos têm limites humanos e que tal stress imposto diminui, forçosamente, a capacidade para responderem ao que lhes é pedido. Se, genericamente, não terei dificuldade em ganhar apoiantes para o que acabo de afirmar, o mesmo não direi quando a reflexão analisa os níveis de responsabilidade, stress e carga de trabalho a que os professores estão sujeitos.

As referências habituais à carga de trabalho dos professores raramente procuram perceber a influência que ela pode ter na qualidade das aprendizagens dos alunos e no contributo que dá (ou não dá) para o seu processo de desenvolvimento humano. Outrossim, quase sempre se centram em comparações injustas e descabidas, a maior parte das vezes movidas por essa chaga que é a inveja social. E por aqui chego ao que deu título à crónica de hoje. Estava no blog de Diana Ravitch, que muitos professores conhecerão. Não sei eu, nem sabe ela, quem foi o autor. Mas é uma bela proposta. Pode ser que muitos pais portugueses a aceitem, quando em breve voltarem a levar os filhos à escola. Reza assim, em tradução livre:

“Cinco dias por semana, ensinamos os vossos filhos./ Significa isso que os educamos./ Que brincamos com eles./ Que os disciplinamos./ Que nos divertimos com eles./ Que os consolamos./ Que os elogiamos./ Que os questionamos./ Que batemos com a cabeça na parede por causa deles./ Que rimos com eles./ Que nos preocupamos com eles./ Que tomamos conta deles./ Que sabemos coisas deles./ Que investimos neles./ Que os protegemos./ Que os amamos./ Todos nos deixaríamos matar pelos vossos filhos./ Não está escrito em lado nenhum./ Não faz parte do manual do professor./ Não vem citado nos nossos contratos./ Mas todos o faríamos.

Por isso, por favor, hoje à noite, deem aos vossos filhos, sim, um abraço muito, muito apertado.

Mas na segunda-feira, se virem os professores dos vossos filhos, abracem-nos também a eles.”

Santana Castilho

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Fonte: Público

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Câmaras já podem entregar actividades curriculares a empresas



Este é mais um passo na veia "privatizadora" do atual governo. Tudo pode, ou melhor, tudo é para privatizar. Naturalmente, a educação acaba por ser, também, envolvida nesta teia. 
Começa-se por transferir as competências da educação para os municípios, naquilo que alguns designam por processo de "municipalização da educação", embora outros caracterizem como processo de "descentralização da educação", e, posteriormente, abre-se caminho à sua concretização por empresas. O processo de concretização das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) por empresas é o exemplo paradigmática.
Trata-se de uma temática que pode, e deve, ser analisada sob várias perspetivas. No entanto, há uma questão prévia: aparentemente, o Estado não consegue gerir a educação, apresentando-a essencialmente como uma despesa pública, mas, ao transferi-la para os municípios e ou empresas, como os colégios privados, estes conseguem gerir e, em alguns casos, obter lucro. Não questiono a fórmula adotada, mas, antes, o papel do Estado. Este é o financiador da educação, independentemente da modalidade publica, municipalizada ou privada, mas, enquanto gestor, o Estado é, aparentemente, incompetente. Como se depreende, fica mal na fotografia.

Atividades de animação e de apoio à família, da componente de apoio à família e das atividades de enriquecimento curricular

A Portaria n.º 644-A/2015 aplica-se aos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico e define as regras a observar no seu funcionamento, bem como na oferta das atividades de animação e de apoio à família (AAAF), da componente de apoio à família (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular (AEC).

Devo partilhar o diagnóstico?

Na entrega dos resultados de uma avaliação, da qual resulte o diagnóstico de uma perturbação do desenvolvimento, surgem quase invariavelmente as perguntas da parte dos pais: “E agora, o que devemos fazer, devemos informar a escola? Devemos explicar ao nosso filho? Deve ficar integrado na legislação da educação especial? Que consequências virão daí?”.

As respostas obviamente devem ser de acordo com a situação particular de cada família, e apesar dos dilemas que existem em torno ao diagnóstico, acredito que os pais e o próprio individuo têm o direito de saber o diagnóstico, pois é a forma de poderem finalmente ter a resposta aos seus porquês e comos, “porque reage ela assim?”, “porque não aprende como os outros?”, “como posso ajudar?”, “como vai ser o seu futuro?”. Acredito que a escola também precisa dessa informação para poder compreender o aluno, activar as medidas necessárias e munir-se dos recursos adequados para levar este aluno a alcançar o seu potencial máximo.

Só faz sentido uma avaliação e um diagnóstico se tivermos em vista a resposta às necessidades da criança. O objetivo de uma avaliação, de um diagnóstico, não é simplesmente dar um nome clínico às características da criança. A avaliação deve ser vista apenas como um ponto de partida, como uma ferramenta que visa ajudar na tomada de decisões, nomeadamente para determinar a elegibilidade para a educação especial e respetivos serviços e para fornecer linhas orientadoras para intervenção. A avaliação deve estar integrada num processo, que daí se inicia, tem uma continuidade e aí há de retornar, pois deve-se continuar a avaliar, para monitorizar os progressos e esclarecer diagnósticos que nem sempre são claros.

É natural que os pais tenham receio que o diagnóstico venha a marcar o seu filho negativamente, que leve à estigmatização, desvalorização, que seja reduzido apenas a um rótulo, a uns códigos e que deixe de ser visto como o João, aquela criança divertida, cheia de vida e de graça. Passa a ser o caso com dislexia e eles passam a ser os pais do aluno complicado e o docente passa a ser o professor daquele aluno com necessidades educativas especiais. Outro receio é que o João deixe de ter desafios na sua aprendizagem, que haja um desinvestimento nas suas capacidades e apenas sejam vistas as suas incapacidades.

Mas, por outro lado, é natural que se um aluno não estiver devidamente identificado e tiver algum tipo de dificuldade, especialmente no caso das dificuldades mais “invisíveis”, como as de aprendizagem, perturbações da linguagem ou perturbações comportamentais, comecem a ser-lhe atribuídos alguns tipos de rótulo, pelo próprio individuo e por quem o rodeia, como “o preguiçoso”, “o mal-educado”, “o desleixado”, “o burro”, “o que tem mau feitio”, “o que vive no mundo da lua”, o que obviamente vai ter um impacto na sua confiança e na sua autoimagem. Estes são os rótulos negativos, os que não vão ajudar a compreender, a aceitar, a apoiar, a incluir…

Estes receios dos pais podem ter algum fundamento se pensarmos “Será que a escola, a sociedade está realmente sensibilizada e disponível para aceitar, compreender e receber a diversidade?”

Provavelmente ainda não… mas penso que por falta de informação. Acredito que se houvesse mais informação disponível para toda a comunidade, diminuiriam os impactos negativos de um diagnóstico, aumentaria a verdadeira inclusão.

Fiquei agradavelmente surpreendida com os testemunhos de utentes do CADIn sobre o diagnóstico, pois vão ao encontro desta perspetiva: os pais valorizaram de forma positiva tomarem conhecimento do diagnóstico e darem a conhecer o diagnóstico aos filhos e à escola. As respostas foram unânimes quanto à razão para ainda existirem algumas situações de não inclusão das pessoas com necessidades educativas especiais – a falta de informação.

Na minha opinião deve-se portanto dar a conhecer à família, ao individuo e à comunidade escolar o diagnóstico, mas com um objetivo claro, de levar a uma aceitação do próprio e dos outros, de levar a um ajustamento das expectativas, de serem identificadas as necessidades de forma a serem implementadas as melhores respostas, pois o aluno não tirará proveito nenhum da sua presença na sala de aula se houver uma indiferença em relação às suas caraterísticas e se não forem feitas as adaptações necessárias para que consiga atingir o seu potencial máximo. Para além disto, se os alunos com necessidades educativas especiais não forem referenciados, avaliados e identificados, o Ministério da Educação não toma conhecimento da urgência de recrutar mais recursos materiais e humanos para as escolas, o que leva à escassez de respostas adequadas.

Obviamente nunca se deve esquecer que o diagnóstico não define o individuo enquanto pessoa e é essa pessoa que devemos aceitar, receber, respeitar e incluir. Não devemos esquecer que o João é aquela criança divertida, cheia de vida e de graça, e que também tem dislexia, pelo que devemos compreender quando tem algum receio em ler em voz alta. Devemos ver a família do João, como os pais da criança alegre, que souberam procurar respostas e que querem ajudar o filho a superar as dificuldades. E o professor do João é o professor daquela turma, mas não deve sentir-se sozinho, deve ter toda uma comunidade escolar que também se responsabiliza para responder às necessidades daquele aluno com vontade de aprender.

Leonor Ribeiro

Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação do CADIn

Fonte: Público

Uso excessivo da Net pode vir a ser considerado perturbação mental

A Associação Americana de Psiquiatria, responsável pela edição do manual de diagnóstico das doenças mentais (DSM), uma espécie de bíblia para muitos dos que trabalham nesta área, está a ponderar incluir a chamada “perturbação de uso da Internet”, o uso excessivo das novas tecnologias, na próxima revisão da obra. A dependência extrema da Net poderá, assim, vir a integrar o catálogo das perturbações psiquiátricas, como já acontece, por exemplo, com o jogo patológico.

Especialistas (...) demonstram algumas reservas em relação a esta possibilidade, apesar de reconhecerem que o problema é "preocupante". Tão preocupante que a equipa de Daniel Sampaio, diretor do serviço de psiquiatria do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, criou há cerca de um ano um “núcleo de utilização problemática de Internet” para dar resposta ao número crescente de pedidos de consulta para problemas deste tipo. Problemas de adolescentes e jovens adultos, basicamente, e que usam de forma excessiva uma série de novas tecnologias, sobretudo jogos online.

Os dados disponíveis para Portugal indicam que o problema é sério. Um recente estudo do Instituto Universitário de Psicologia Aplicada (ISPA) mostrou que quase três quartos dos jovens (até aos 25 anos) inquiridos apresentavam sintomas de dependência do mundo digital. E, destes, 13% exibiam níveis severos de dependência. Em casos extremos, o vício online pode implicar isolamento, comportamentos violentos e até exigir tratamento. Coordenado por Ivone Patrão, este trabalho passou por três fases de aplicação de questionários a cerca de 900 adolescentes e jovens dos 14 aos 25 anos. 

O núcleo do Hospital de Santa Maria cobre escolas da zona, como as secundárias Virgílio Ferreirade Benfica e a Gomes Ferreira, exemplifica Daniel Sampaio. Mas quem se enquadra, afinal, neste tipo de definição? “São pessoas que não fazem mais nada, [estão viciadas] sobretudo em jogos online. Chegam a faltar às aulas, não cumprem os seus compromissos”, sintetiza, sublinhando que este comportamento está habitualmente "associado a ansiedade e a depressão" e que a adição surge muitas vezes como uma espécie de “tranquilizante”.

Na DSM 5 (que é de 2013), apesar da única dependência comportamental incluída ser o “o jogo patológico”, a Internet gaming disorder (perturbação de jogo na Internet) aparece já no apêndice das entidades que se reconhece precisarem de mais investigação. Mas o problema é mais lato, estendendo-se às novas tecnologias em geral.

Não deitem fora agenda em papel

“Isto está em estudo há muito tempo”, frisa Daniel Sampaio, que lembra que estão a ser feitos trabalhos de campo para se perceber o uso excessivo da Net preenche ou não os critérios para ser considerado uma perturbação psiquiátrica. O que se pode dizer, por enquanto, é que o problema “existe e é preocupante”, enfatiza. Mas não se sabe ainda se vale a pena elencá-la como uma perturbação independente por si mesma. Classificar como doença situações que podem ser apenas problemas de comportamento pode ser complicado, alerta. 

“A maior parte das pessoas, mesmo que faça uso da tecnologia durante horas excessivas, ainda não o entende como uma adição”, sustenta Alexandra Rosa, que é psicóloga da saúde no Hospital dos Lusíadas e chama a atenção para outro problema relacionado com este: o da utilização constante de iPhones ou de agendas eletrónicas, que pode acabar por prejudicar a memória. “Com os iPhone as pessoas deixam, por exemplo, de decorar datas de aniversário".

A psicóloga até já se acostumou a recomendar aos seus doentes a não deitarem fora a velha agenda de papel. “A visualização e o treino de outros aspetos da memória são muito importantes, até porque a tecnologia também falha”, frisa.

Sobre o uso excessivo da Internet em geral, Alexandra Rosa lembra que está a ser tudo muito rápido: "No espaço de 15 anos, ficamos habituados ao contacto permanente, e agora sentimos ansiedade quando tememos ficar desligados do mundo”. O que defende é que a diferença entre o que será normal ou patológico deve ser ponderada em função da utilização que é feita da tecnologia. “Quando a pessoa deixa de ter padrões relacionais, quando prejudica o seu trabalho, o seu sono e até a sua alimentação, isso já é motivo de preocupação”, considera.

“Pode haver dependência de tudo e mais alguma coisa”, defende o coordenador nacional para a saúde mental, o psiquiatra Álvaro Carvalho, para quem nem todo o tipo de comportamentos excessivos deve ser entendido como patológico. "Isso depende de o uso da Internet poder ou não ser altamente pernicioso para o desenvolvimento, contribuir para desarranjar a vida, como acontece com a dependência do jogo", compara. 

"Face a uma prevalência muito elevada, e no caso de pessoas que não vivem para outra coisa, estão sempre ligados à Net", isto deve ser encarado como um motivo de preocupação, reconhece. Mas alerta que a DSM 5 "teve uma grande influência da indústria farmacêutica" e que esta perversidade até foi "denunciada pelo coordenador" da anterior versão do manual. O que Álvaro Carvalho teme é que "a psiquiatrização de comportamentos" seja usada para aumentar "a prescrição de medicamentos".

O que se pode fazer nos casos extremos de dependência, então? É preciso que haja "um diagnóstico precoce e uma tentativa de reeducação", nomeadamente através de "intervenção psicoterapêutica", preconiza. Mas reconhece que existem "poucas respostas" deste tipo no Serviço Nacional de Saúde.

Fonte: Público

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Prémio de Inovação Tecnológica Eng.º Jaime Filipe

Convidam-se os investigadores e inventores, das áreas do design e das tecnologias a participar na edição 2015 do Prémio Engenheiro Jaime Filipe. As candidaturas podem ser apresentadas, por pessoas singulares ou coletivas, de 10 de julho a 30 de setembro.

Este prémio visa promover a invenção de equipamentos, instrumentos, utensílios e tecnologias que aumentem a autonomia das pessoas com deficiência nos actos da vida diária, pessoal e social, que estimulem eprolonguem as suas capacidades físicas, cognitivas e sociais, e contribuam para uma maior qualidade de vida.

Participe e divulgue esta informação a todas as pessoas que desenvolvam a sua atividade nos processos de inclusão e participação das pessoas com deficiência.

Fonte: INR

domingo, 23 de agosto de 2015

Aos nove anos, Carlos estuda química na universidade

Prodígio mexicano está a fazer a escola primária online, para poder frequentar presencialmente as aulas de bioquímica e energia molecular no ensino superior. Com três anos, já sabia ler.

Chama-se Carlos Santamaría Díaz e aprendeu a ler aos três anos. Não por imposição dos pais, mas quando lhe ensinavam uma letra "queria todas", conta o pai, Fabián Santamaría, ao jornal espanhol El País. Entrou para o infantário quando tinha um ano e meio, mas desde os cinco que é capaz de assimilar um livro completo de ciências da escola secundária e aprendeu a tabela periódica em duas semanas. Aos nove, frequenta a licenciatura de bioquímica e energia molecular na Faculdade de Química da Universidade Nacional Autónoma do México.

Ao mesmo tempo, vai fazendo online a escola primária. Este esquema em paralelo foi encontrado pelos pais que já não sabiam o que fazer ao filho, que adormecia durante as aulas do primeiro ciclo. Não que estivesse cansado, dizem os progenitores. Simplesmente... aborrecia-se. "Nenhuma disciplina me dava trabalho, mas não gostava de nenhuma", diz Carlos. Desde que a sua história foi tornada pública, não percebe porque tantas câmaras e tantos jornalistas querem recolher o seu testemunho, e limita-se a explicar que estuda química porque gosta, ainda que aos três anos lhe agradasse mais a astronomia, admite, sem ponta de vaidade.

A tarefa mais complicada tem cabido aos pais, que enfrentaram grandes dificuldades nas escolas mexicanas: quando tentavam que estudasse num nível de escolaridade acima do seu, os professores asseguravam-lhes que o filho tinha uma memória fora do normal, mas que não compreendia aquilo sobre o qual gostava de falar. Foi por isso que decidiram viajar para Espanha, durante um ano: em Valencia, uma professora de química que chefiava um laboratório estudou com Carlos durante uma hora por semana e dava-lhe a conhecer matérias científicas que o pequeno "devorava", diz o El País.

Quando regressaram ao México, e sabendo que o filho iria mais uma vez aborrecer-se e perder o interesse pelas matérias da escola primária, os pais de Carlos decidiram tentar a sorte na universidade. A criança teve de fazer um exame de admissão e foi aceite depois de 15 minutos com um especialista em química, Eduardo Rodríguez de San Miguel. "Não é que seja um génio que sabe tudo, mas foca a sua atenção naquilo que lhe interessa", contou o investigador ao El País. Logo que lhe perguntaram sobre os seus interesses, Carlos começou a falar de bioquímica.

O jovem estudante passou assim a frequentar as aulas na universidade e, paralelamente, vai fazendo o quarto ano na escola primária, sempre online. Mas não é um "rato de biblioteca", ao que tudo indica. Também gosta de brincar com os primos, andar de bicicleta e não dispensa os videojogos, como qualquer outra criança da sua idade.

Fonte: DN

sábado, 22 de agosto de 2015

Patos e lontras ajudam portadores de deficiência em Miranda do Douro

A Estação Biológica Internacional (EBI), sediada em Miranda do Douro em colaboração com a associação Leque, está a desenvolver uma nova terapia de relaxamento, com recurso a patos e lontras, destinada a pessoas portadoras de deficiência física ou mental.

David Velasco, diretor da EBI explica que esta é uma nova experiência terapêutica de comunicação destinado a pessoas com necessidades especiais. "Contudo, há alguns anos, um outro projeto teve o seu começo com crianças autistas, a bordo dos nossos navios que fazem os cruzeiros ambientais no Douro Internacional e no lago da Sanabria (Espanha), onde utilizamos algumas das espécies da fauna desta duas zonas transfronteiriças", destacou.

No parque náutico de Miranda do Douro, no distrito de Bragança, onde está instalada a EBI, está a ser desenvolvida "uma nova terapia de relaxamento e comunicação" com recursos a aves, como patos mergulhadores ou lontras e que começa a ser uma espécie de "ajuda" aos jovens e menos jovens com necessidades especiais.

"Agora em colaboração com a Leque, o que estamos a fazer é: implementar um projeto-piloto com recursos a uma espécie de patos especiais [patos mergulhadores] que permitem ultrapassar barreiras que animais maiores criam no relacionamento com estas pessoas especiais e principalmente portadoras de deficiência", explicou o técnico.

Os patos mergulhadores "interagem bem" com os utentes, havendo um bom relacionamento, já que "são animais dóceis de fácil trato". "O principal objetivo do programa é criar ligações com quem apresenta dificuldades em comunicar e ao mesmo tempo relaxar e acalmar estas pessoas", frisou.

Por outro lado, David Velasco, acrescenta que o programa terapêutico com recurso às lontras está agora a começar. "Vão nascer duas crias que vão ser treinadas para este programa. Contudo, o casal de progenitores já faz as delícias de quem por ali passa", explicou.

E não foi difícil, após alguns minutos de contacto com patos e lontras, verificar o sorriso e a alegria das crianças que frequentam o Centro de Férias de Turismo Rural Inclusivo da associação Leque, o que se tornou num "momento especial".

A diretora da Associação de Pais e Amigos de Pessoas com Necessidades Especiais - Leque, Celmira Macedo, explica que esta colónia de férias é um momento em que as famílias podem respirar, uma vez que podem tirar férias tranquilamente. "Estamos a conciliar o turismo rural como turismo terapêutico. Muitas destas crianças e jovens têm necessidades específicas e por esse motivo necessitam de um apoio terapêutico aliando a natureza à reabilitação psicomotoras de cada um dos intervenientes", explicou.

Segundo a técnica, é a primeira vez que associam a ruralidade e terapêutica e com resultados considerados como "muito bons" já que também é o único centro que tem uma componente noturna.

No total, são 26 crianças vindas de todo o país, principalmente, dos grandes centros urbanas como Lisboa, Porto, Braga, Guimarães entre outras cidades.

"Este trabalho de inclusão poderá ser replicado em qualquer lugar do país, ou até da vizinha Espanha", concluiu.

Todo este trabalho inclusivo e terapêutico tem lugar até ao final do mês de agosto na colónia do Barrocal do Douro, no concelho de Miranda do Douro, e conta com o apoio de diversas entidades públicas e privadas.

Fonte: Público

As férias de Verão

Por esta altura, muitos pais estão ao mesmo tempo exaustos de cuidar das suas crianças, e tristes por voltar ao trabalho e não passar mais tempo com elas. Uma preocupação comum é a re-adaptação das crianças à escola.

Uma corrente de pensamento em pedagogia lamenta as longas férias de verão. As crianças perdem os hábitos escolares e parte dos conhecimentos do ano letivo anterior por falta de prática. Os professores passam parte do início do novo ano a recuperar os "danos" feitos pelo verão. Para além disso, umas férias longas implicam um ano letivo mais concentrado e por isso apressado. As férias de verão serão também promotoras da desigualdade. As crianças de meios sociais mais favorecidos têm campos de férias e atividades familiares em que o conhecimento é estimulado e aprofundando, que não estão ao dispor dos mais desfavorecidos.

Estes argumentos levam algumas famílias portuguesas a escolher escolas privadas com férias de verão mais curtas. Outros defendem a abolição das longas férias de Verão no sistema público.

No entanto, não é claro que os argumentos acima sejam relevantes. Outra corrente em pedagogia fala da importância das crianças terem tempo para brincar livremente, sem supervisão. Estes tempos estimulam a criatividade e a independência. Por sua vez, outros notam a importância da diversidade na educação, e o verão oferece o tempo fora do currículo único da escola pública em que pais e crianças podem responder às necessidades específicas da criança. As férias longas podem aliás ajudar a combater a desigualdade, porque são um tempo em que as crianças fazem novos amigos, fora da sua vizinhança.

Nos EUA estas discussões levaram alguns distritos escolares a adotarem calendários "todo-o-ano". O número de dias de aulas é o mesmo, mas existem 4-6 pausas de 4-6 semanas espalhadas durante o ano. Isto permite-nos estudar o efeito das férias de verão. Uma dificuldade, no entanto, é que os distritos que escolhem estes calendários alternativos talvez sejam aqueles que sabem que iriam beneficiar com eles. Mas, se impuséssemos a mesma medida a todos, os efeitos até podiam ser negativos.

Um conjunto de economistas olhou para o efeito do calendário todo-o-ano num distrito da Carolina do Norte que o impôs, não por escolha pedagógica, mas porque teve um aumento rápido no número de alunos. Dividindo os alunos em diferentes turmas com férias curtas em alturas diferentes, o mesmo edifico escolar pode acolher mais 20-30% de alunos com o calendário todo-o-ano. Comparando os alunos desse distrito com colegas que moram uma rua ao lado num distrito que não teve de fazer esta mudança, podemos aprender o efeito das ferias de verão

Os resultados são claros: as férias de verão não têm efeito no desempenho escolar dos alunos. Nem em média, nem na desigualdade entre grupos. Talvez todos os argumentos acima se cancelem mutuamente. Talvez nenhum deles seja válido. Seja como for, esta é uma preocupação a menos para os pais. Gozem o resto das férias.

Ricardo Reis

Fonte: Dinheiro Vivo por indicação de Livresco

Este ano as famílias vão gastar mais com o começo das aulas

As famílias portuguesas vão gastar mais dinheiro este ano com o regresso às aulas, segundo um inquérito que aponta para uma despesa média de 528 euros entre livros e outros materiais para o dia a dia da escola. 

A menos de um mês do início de mais um ano letivo, as famílias voltam a calcorrear livrarias e superfícies comerciais à procura das melhores campanhas e descontos de material escolar. 

Apesar das promoções, a fatura vai voltar a subir este ano e quanto mais velhos são os alunos mais caros ficam os livros: no 1.º ciclo os manuais obrigatórios, sem cadernos de atividades, rondam os 25 euros, mas no secundário ultrapassam facilmente aos 200 euros. 

As famílias estimam gastar 528 euros, mais 19 euros que no ano passado, segundo o "Estudo sobre as Intenções de Compra dos Portugueses no Regresso às Aulas 2015", que realizou 600 entrevistas telefónicas em todo o país. 

Além dos manuais, as compras vão recair essencialmente em vestuário e calçado (85%), despesas de educação (78%) e artigos de desporto (73%), segundo o estudo em que foram consideradas as respostas de 238 pessoas, porque eram quem tinha filhos em idade escolar ou em que o próprio estava a estudar. 

A forma que muitas famílias (51%) encontram para conseguir fazer face às despesas é repartindo as compras, comprando os manuais escolares num momento diferente do restante material. 

Apesar da elevada fatura, a maioria dos inquiridos (94%) quer que os filhos tenham manuais novos mas já se começa a notar um aumento de pessoas que veem com bons olhos os livros em segunda mão: em relação ao ano passado, regista-se um aumento de 33% de pessoas que optam por manuais usados, alguns pedem emprestado a familiares ou amigos enquanto outros recorrem a “lojas” de segunda mão. 

Na internet, existem sites de vendas e de trocas gratuita, mas também existem espaços físicos onde as famílias podem ir, tal como os apoiados pelo “Movimento pela Reutilização dos Livros Escolares”. 

Este movimento divulga na sua página online - www.reutilizar.org - os cerca de 200 bancos de recolha e partilha gratuita de livros escolares em todo o país que já permitiu a milhares de famílias poupar na compra de material e que continuam a funcionar. 

(...) o fundador do movimento, Henrique Cunha, lamentou as constantes mudanças de metas curriculares e de manuais por parte das escolas que dificultam a sua reutilização, contrariando a legislação em vigor que estabelece um prazo de seis anos de vida para os livros. 

O Movimento decidiu por isso lançar no início do verão uma campanha de recolha de reclamações e denúncias de casos em que os pais consideram que houve ou está a haver algum tipo de “obstáculos à reutilização dos manuais” que vão fazer chegar ao provedor da Justiça a 15 de setembro. 

Outra das questões feitas aos inquiridos durante o mês de maio foi se pretendiam dar semanada aos filhos e quais os valores: em média, as famílias dão 20 euros para os filhos gastarem no período de aulas (mais três do que no ano passado), mas 31% dos inquiridos disse que o valor máximo da semanada seria de 10 euros, segundo o estudo realizado pelo Observador Cetelem.

Fonte: TVI24 por indicação de Livresco

A mão de obra barata da educação

Sabe-se já que os professores das AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), afinal, não vão ter de devolver ao Estado os subsídios sociais que receberam indevidamente há mais de um ano, por erros administrativos do sistema aos quais foram alheios. Ficam pois sem efeito as notificações recebidas do Instituto da Segurança Social (que, certamente, deram cabo das férias a alguns deles), continuando, contudo, a estranhar-se que o organismo do Estado não tenha ponderado a quem assacar as responsabilidades dos erros antes de cair sobre os professores.

De todo o modo, é uma preocupação a menos (mas apenas uma) para estes profissionais, a quem o Estado tem vindo a explorar desumanamente ao longo dos anos. Conheço bem a atividade dos professores das AEC. São licenciados e mestres, alguns preparam doutoramento. Gente do mais alto nível. Nas escolas onde vou, chamado para as ações com os meus pequenos leitores, lá os encontro. Jovens, dinâmicos, criativos, ensinam inglês, educação musical, expressão plástica, artes de palco, dança, atividades físicas e desportivas, educação para a cidadania, informática, xadrez, dramatizam as histórias com os alunos, constroem cenários, inventam peças de teatro, agarram nos poemas dos escritores convidados, aplicam-lhes uma música e põem os alunos a cantar empolgados, formando coros de vozes coloridas e alegres. Com o contributo destes professores, a escola não é uma seca. Longe disso. É um espaço de cor, alegria e vida, um motor de criatividade e autoestima. Nos espetáculos festivos, enchem os olhos aos pais, tios, avós e bisavós das crianças, que ali vão deslumbrar-se, orgulhosos, com os desempenhos inocentes das suas pequenas vedetas.

E o Estado o que lhes dá em troca? Miséria. Recebem remunerações mensais que, por vezes, nem chegam aos 300 euros, são "chutados" para a rua quando as aulas acabam sem ao menos se acautelarem os programas de continuidade pedagógica. São a mão de obra barata da Educação. Nem sequer podem pedir o subsídio de desemprego, nem subsídio de férias, nem de Natal, nem de maternidade. E se faltam um dia por doença... já não o recebem.

Como pode um país avançar com um Estado (seja ministério, seja autarquias...) que não vai mais além do que isto?

Alexandre Parafita

Escritor

Fonte: JN por indicação de Livresco