sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Arranca este ano lectivo o primeiro curso para deficientes em Santarém

A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Santarém vai ter pela primeira vez em Portugal um curso destinado a portadores de deficiência. Chama-se Literacia Digital para o Mercado de Trabalho, arranca este ano letivo e é inspirado no que existe há uma década na Universidade Autónoma de Madrid.

A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Santarém lança este ano letivo 2018/19 o curso de Literacia Digital para o Mercado de Trabalho, concebido de acordo com as recomendações do Conselho Nacional de Educação, e que abre portas a diversas profissões, minimizando um dos principais problemas com que se debatem as famílias de jovens portadores de deficiência: a falta de formação profissional adaptada.

Este ano serão admitidos 11 alunos, mas a ideia é replicar a experiência noutros estabelecimentos de ensino, explica a professora coordenadora do curso, Maria Barbas. O objetivo é facilitar a inclusão social e promover a empregabilidade, sobretudo nas áreas do turismo e multimédia.

O curso tem a duração de dois anos e para se inscreverem os alunos devem ter um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, competências básicas mínimas ao nível da leitura e da escrita e competência média a média/alta em termos de sociabilidade. Antes disso, e para garantir que estão aptos, os candidatos são sujeitos a uma entrevista de quase um dia com uma psicóloga especializada em desenvolvimento.

Os conteúdos da formação foram apresentados pela Departamento de Tecnologias Educativas e aprovados por unanimidade pelo Conselho Técnico Científico. Embora o curso não confira aos alunos um grau ou título, dá-lhes uma certificação legal e responde a todas as diretivas do Conselho Nacional de Educação, bem como às orientações do ministro da Tecnologia e Ensino Superior, que apelam ao alargamento da oferta a novos públicos.

O curso foi desenvolvido de forma a compreender vários domínios profissionais e obedece quer ao perfil e potencial dos estudantes, quer às actuais necessidades do mercado de trabalho, incluindo cadeiras na área do ambiente, do turismo, do património e do apoio social.

O certificado habilita os alunos a trabalhar, por exemplo, como guias ambientais em áreas protegidas ou zonas de interesse nacional, como tutores de monumentos e contadores de histórias, como colaboradores de empresas dedicadas ao ecoturismo ou ao lazer e entretenimento de idosos ou em áreas dedicadas à conservação da natureza.

Para garantir o êxito do curso, o Instituto Politécnico de Santarém estabeleceu também protocolos com diversas empresas, como a Deloitte, que oferece estágios remunerados. As propinas custam 680 euros e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social comparticipa com 50 mil euros.

O objetivo máximo é permitir uma independência pelo menos parcial e dar auto-estima a pessoas com défice cognitivo e limitações a diversos níveis, de forma a que se tornem, na medida do possível, cidadãos mais autónomos e contribuintes ativos para uma sociedade melhor.

Fonte: Sapo24

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Fenprof duvida que início do ano escolar comece sem problemas

(...) o secretário-geral da Fenprof disse que "não basta abrir as portas das escolas, mas sim saber em que condições vão abrir".

"Estamos a um dia útil do começo do ano escolar, altura de apresentação dos professores, alunos, reuniões, etc. A apresentação de alunos deverá ser em meados de setembro. Se perguntarmos se as portas das escolas vão abrir na segunda-feira é muito simples: vai lá alguém e abre a porta, o problema está em que condições", disse.

Mário Nogueira lembra que este ano ainda não foram colocados 20 mil professores da mobilidade interna, que no ano passado deu muita confusão e contestação, e a nível do pessoal não docente, as escolas continuam a ter um défice de assistentes operacionais.

"Há também ainda problemas de organização do ano. Por exemplo o ministério comprometeu-se a fazer publicar esclarecimentos diversos sobre os espaços e organização do ano letivo e não o fez. Temos também dois diplomas muito importantes que saíram durante o mês de julho, um decreto-lei sobre a inclusão escolar que veio alterar de forma significativa a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais, que tem suscitado dúvidas nas escolas", disse.

Mário Nogueira chamou também a atenção para as escolas em obras e para a retirada de amianto que deveria ter sido feito durante as férias e não foi.

"Se o ministro diz que as condições estão criadas e está a referir-se ao trabalho dos professores e das escolas, isso está feito, mas há problemas cuja resolução é da competência do ministério", disse.

"O ano escolar vai arrancar com este problema de instabilidade das escolas. Por outro lado, há ainda o problema dos docentes em relação ao congelamento de carreiras... Vamos ver o que vai acontecer", afirmou.

O ministro da Educação disse à TSF, à margem do Summer CEmp 2018, que "há pouco tempo tivemos anos letivos que se iniciaram em outubro e novembro", algo que, na visão do governante, foi contrariado.

"Pudemos fazer algo que não acontecia até 2016. Em 2016, 2017 — e acreditamos que também em 2018 — começámos com normalidade e tranquilidade os anos letivos e em setembro", disse.

"Nós pudemos, pelo menos nestes últimos dois anos, começar exatamente onde queríamos e agora estão criadas todas as condições para que o ano escolar possa começar a tempo e possamos fazer todo o trabalho de educação para a cidadania e inclusiva", sublinhou.

Fonte: Extrato de notícia do Público

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Quer um filho mais saudável? Deixe-o brincar ao ar livre

As crianças estão a ficar doentes, com menos resistência física e também psicológica. Têm medos, inseguranças, são hiperativas. Há uma “epidemia silenciosa” no mundo moderno que está a atacá-las e o combate faz-se com o brincar ao ar livre, de preferência na natureza. Mas nada de brincadeiras organizadas, diz Angela Hanscom, terapeuta ocupacional pediátrica norte-americana, fundadora de um programa que promove o contacto com a natureza e autora do livro Descalços e Felizes.

A sociedade ocidental tornou-se demasiado “programada”, começa por dizer Hanscom (...) por e-mail, ou seja, as crianças têm horários para tudo, até para brincar. “Esse hiperfoco na escola e nas atividades extras não deixa espaço para experiências enriquecedoras e feitas sem pressa, especialmente ao ar livre”, lamenta. E essa foi uma das razões por que criou o programa TimberNook, com o objetivo de “proporcionar experiências únicas de jogo ao ar livre que inspiram as crianças a jogar e a desenvolver-se”.

O projeto começou na América do Norte, EUA e Canadá, e já atravessou oceanos – pelo Pacífico chegou à Austrália e à Nova Zelândia, e pelo Atlântico conquistou o Reino Unido. A ambição é chegar a mais países, reconhece, sobretudo às escolas, onde se pode fazer um trabalho mais próximo com as crianças. Mas os pais também têm a responsabilidade de agarrar nos filhos e levá-los a contactar com a natureza. “Estamos a descobrir que precisamos de recordar e reeducar os pais sobre a importância do brincar ao ar livre. A nossa sociedade está a tornar-se cada vez mais programada, tanto em casa como na escola”, critica a especialista.

Como é que nos esquecemos da importância da natureza? “Nas últimas décadas, as prioridades da nossa sociedade mudaram muito. O horário de jantar da família foi substituído pelo treino de futebol à noite. O jogo e a brincadeira foram retirados de muitos jardins-de-infância e pré-escolares para se encaixarem mais actividades académicas”, justifica Angela Hanscom, atirando também culpas aos meios de comunicação social que inundam as famílias com notícias que se traduzem em medos e que as levam a não querer que os filhos brinquem na rua sem a supervisão de um adulto por questões de segurança.

Além de os pais terem medo que os filhos sejam raptados, roubados, agredidos, há também a preocupação com a segurança dos equipamentos, por exemplo nos parques e recreios. No livro, a terapeuta relata que muitas escolas tiraram equipamentos como escorregas altos de metal – “que pareciam ser desafios impossíveis” – e substituíram-nos por “brinquedos mais simples, de plásticos coloridos, que fazem pouco para inspirar as crianças em crescimento” e dá conta de como espaços interiores de brincadeira se tornaram uma moda. “Um parque deveria inspirar e desafiar crianças, não aborrecê-las”, escreve.

Benefícios desconhecidos

Mas por que é importante brincar ao ar livre, de que forma contribui para o crescimento saudável da criança? “É tão importante lembrar que, se queremos filhos ‘seguros’, temos de permitir que tenham liberdade de movimentos e também oportunidades de liberdade de brincar. Os sistemas neurológicos das crianças são projectados para procurar a informação sensorial de que precisam a qualquer momento. Se continuarmos a restringir as oportunidades de brincadeira e movimento das crianças, continuaremos a ver um aumento de problemas sensoriais, como a diminuição da consciência espacial, o controlo inadequado do comportamento, a diminuição da competência em habilidades sociais e lúdicas e muito mais!”, alerta.

Hanscom faz uma relação direta entre a ausência de contacto com a natureza com problemas motores – crianças sem noção espacial, que tropeçam a todo o momento –, e com questões como a falta de atenção, hiperatividade e dificuldades de aprendizagem. “As crianças precisam de oportunidades para se movimentarem em diferentes direcções para que o líquido do ouvido interno se movimente também, isso ajuda-as a desenvolver o equilíbrio. Este sentido é fundamental para organizar todos os outros. Ajuda a regular e a acalmar o corpo e a mente e ajuda a manter a atenção.”

E, na escola, quando brincam muito no recreio, não chegam à sala de aula com demasiada energia? “Se damos às crianças tempo e espaço para brincar ao ar livre, vamos descobrindo que se tornam mais organizadas, atentas, criativas e capazes”, responde, acrescentando que à medida que vai estudando a relação criança/natureza mais benefícios encontra – “é como as camadas da cebola: encontramos cada vez mais benefícios que desconhecíamos. Alguns dos maiores benefícios são: ajudar a superar medos, aprender regras, tornar-se independente, aprender a jogar, a interagir e aumenta a criatividade”.

Quanto aos problemas motores, brincar ao ar livre permite desenvolver a força das mãos para mais tarde segurar o lápis correctamente; desenvolver os músculos dos ombros necessários para a postura e atenção; andar descalço ajuda a desenvolver pequenos músculos nos pés e tornozelos que ajuda as crianças a ficarem mais ágeis e conscientes de seu corpo no espaço, enumera. O segredo é uma hora diária de movimento, de preferência a subir e a descer árvores, a correr, a inventar brincadeiras. “A chave é dar-lhes experiências diárias de movimento.”

Quanto aos smartphones e gadgets electrónicos, é óbvio que Angela Hanscom é contra. “A eletrónica é muito viciante para crianças pequenas e, infelizmente, muitas vezes substitui o precioso tempo em que poderiam estar a remexer a terra, a subir colinas ou a escalar árvores – tudo experiências que apoiam o desenvolvimento de formas que a eletrónica não consegue.”

Fonte: Público por indicação de Livresco

terça-feira, 28 de agosto de 2018

SURF ADAPTADO. HÁ MAR E MAR, HÁ IR E SURFAR

Paraplegia, paralisia cerebral ou Trissomia 21, não importa. No mar, em cima de uma prancha, são todos iguais; o radical Garrett McNamara, a antiga campeã nacional Teresa Abraços ou Nuno Vitorino, presidente da Associação Portuguesa de Surf Adaptado, que aos 18 anos sofreu um acidente que o colocou numa cadeira de rodas. Hoje percorrem juntos algumas das melhores praias do país e desafiam todos a surfar pequenas e grandes ondas, tenham seis ou 88 anos, "desde que acompanhados pelo pai".

Começam a chegar à praia pelas oito da manhã e é fácil distinguir o grupo pelas cadeiras de rodas, pelas pranchas de surf, algumas adaptadas, pelos fatos de neoprene e até pelos voluntários. As inscrições para a aula aberta arrancam às nove, mas até lá é preciso preparar terreno, nada é deixado ao acaso. São esperados cerca de 80 participantes, segundo o presidente da Associação Portuguesa de Surf Adaptado, Nuno Vitorino, "mas numa praia mais longe podemos ter dez, 15, 20 pessoas ou apenas duas, se for nos Açores. O número não nos interessa, não queremos encher chouriços, o que temos é de cumprir o nosso objectivo, dar tudo a quem vem".

E ir implica uma logística. Para começar, um grupo animado de monitores especializados, voluntários vindos de vários pontos do país e do estrangeiro, surfistas e não só, que carregam pela areia uma quantidade infindável de material de apoio e empurram a cadeira de Nuno Vitorino, sempre ligado a um walkie-talkie, fazendo parecer a tarefa fácil.

Na véspera um dos organizadores, João Almeida, foi obrigado a ir à Nazaré e voltar, e naquela manhã já tinha estado nas Caldas da Rainha, tudo por causa das licenças obrigatórias: "Infelizmente, nem todos funcionam no mundo digital. Nas capitanias não respondem a emails, imprimem os pedidos e fazem uma pilha de papel na secretária. O nosso ficou lá no fundo e, como ninguém atende telefones, tive de andar a saltitar de um lado para o outro para conseguir uma assinatura".

Nas câmaras municipais é mais ou menos a mesma coisa: como nas capitanias, cada cabeça sua sentença. As licenças não são um pormenor, sem elas nada feito. São essenciais para o grupo poder andar de praia em praia a levar gente para o mar. E não só. Felizmente, "cobraram-nos o preço mais baixo, cerca de dois euros por metro/dia. As capitanias tratam apenas da licença de mar e de surf e é nas câmaras municipais que se trata das estruturas na areia e da publicidade. A maioria dos municípios tem licenciamento zero, pedem-nos apenas a licença da capitania e quando percebem que são acções de inclusividade no desporto até se disponibilizam para ajudar", conta João.

De resto, explica Nuno, "temos fatos, pranchas, coletes, pessoal técnico, tudo o que é preciso para quem vem surfar connosco. As pessoas só têm de trazer disposição para entrar na água".

Hoje o mar não está tão impecável quanto um surfista poderia desejar e Nuno jádecidiu que não vai à água: "Já viu a trabalheira só a despir e vestir? Mas amanhã, na Ericeira, não falho". Esta semana vai ser toda assim.

Trata-se de uma acção de activação de marca da Buondi, "que permite à associação ganhar dinheiro para ir financiando a sua actividade". Neste dia a primeira hora é para séniores – "a minha mãe também há de vir aí, já se estava a fazer ao piso" - a seguir é a vez do surf adaptado e, no final, do público em geral. À tarde a cena repete-se.

Do acidente ao regresso à água

Nuno fez bodyboard entre os 12 e os 18 anos. "Aos 18 anos sofri um acidente com uma arma de fogo". Foi no dia em que passou no exame de código. Já em casa perguntou a um amigo dois anos mais novo se queria disparar uns tiros com uma arma que ali tinha e, sem saber que estava carregada, o outro premiu o gatilho e disparou o tiro fatal.

A mãe não esquece. Trabalha a dias e estava em casa da patroa que tem há já 40 anos quando lhe telefonaram da polícia a dizer que Nuno estava no hospital. "O Nuno era muito protegido por mim, estava sempre a recomendar-lhe que tivesse cuidado a atravessar a estrada, que não ficasse na rua, que fosse para casa. E só queria saber se ele tinha sido atropelado, mas o polícia insistia em não me dizer mais nada, que fosse para Santa Maria e me dirigisse ao posto da PSP. Quando cheguei disseram-me que tinha levado um tiro do amigo, ali preso, coitadinho, sentado numa cadeira a vê-los. Disse que não queria o miúdo preso, responderam-me que tinha de ser. Depois fui por um corredor e um médico perguntou-me se era a mãe do Nuno, se queria vê-lo. "Quero". "Vá ali vestir uma bata branca". Depois pôs-me a mão no ombro – parece que estou a ver - e diz-me: "A senhora tem de ter muita calma, não sabemos se o Nuno vai sobreviver". Olhei para o tecto e disse: "Oh, meu Deus, ajuda-me. Não posso perder outro, não posso perder outro, não posso perder outro".

É que a mãe de Nuno já tinha perdido uma filha. Ana nasceu quando Nuno tinha seis anos, com Trissomia 21, e morreu com quatro, precisamente em Santa Maria. "Quando vi o Nuno, a primeira coisa que ele me disse foi: "Ó mãe, não tens sorte com os filhos". Falava muito bem, parecia que não tinha nada", conta.

Três dias antes do acidente do Nuno, a 7 de Maio de 1995, houve um desastre em Alvalade, quando o Sporting recebia o Futebol Clube do Porto: a queda de um varandim provocou duas mortes e dezenas de feridos. Estavam todos em Santa Maria e por esse motivo não era permitido à família estar muito tempo nas salas. Foi pelos corredores do hospital que a mãe de Nuno conheceu outras tragédias.

Nuno acabou por ser transferido para o Hospital de São José, onde esteve quatro meses e dois dias. "Fomos muito bem tratados. Eu passava lá o dia inteiro, levava comida de casa, entrava às dez ou onze horas e só saía às seis da tarde". Dali foi para Alcoitão, onde esteve um mês e meio, e os tempos não foram fáceis: "Fomos muito maltratados pela médica, que era a directora. O Nuno diz que eu estava mal habituada porque me encheram de mimo em São José, mas eu digo que nos trataram mal".

"Eu tinha uma ilusão, achava que ele ia voltar a andar, pensei que ia recuperar com a fisioterapia e com a piscina. "Tu vais andar", dizia-lhe eu. A mãe de Nuno confessa que, no desespero, fez tudo. "Isto que lhe vou dizer não se diz, mas fui a todo o lado, não houve onde não tivesse ido". Todo o lado é a bruxas e adivinhas, gente de rezas e de mezinhas. "Toda a gente me dizia que ele que ia voltar a andar, bastava que quisesse. Foi uma luta que tive, até que deixei de lutar e disse ao Nuno: "Agora luta tu. E foi quando ele começou nisto", diz.

O nascimento da Surf Addict

Isto é a Associação Portuguesa de Surf Adaptado e o objectivo de levar deficientes para o mar. A Surf Addict, como é conhecida, não é uma escola. "O que fazemos é ensinar as escolas a dar aulas de surf adaptado, que é a forma que temos de chegar a todo o lado, de outra maneira seria impossível. Estamos a montante, a dar formação. De resto, nem todas as escolas estão vocacionadas para dar aulas de surf a deficientes nem querem – nem têm de querer – fazê-lo. Temos neste momento cinco ou seis profissionais acreditados com este nível de especialização. E nunca iremos cobrar a pessoas com deficiência para entrar dentro de água, porque o peso de ter uma deficiência já é oneroso por si só".

Como é que Nuno teve esta ideia? "Fui para a piscina fazer reabilitação e, a certa altura, o meu treinador disse-me: "Se é para treinar, é para treinar a sério. Já não voltas a andar, então tenta ser um bom atleta". Acabou com uma participação nos Jogos Paraolímpicos de 2004, em Atenas. "Não havia, nessa altura, uma cultura desportiva, que exige uma preparação intensa desde o tempo da escola. Quando chegávamos à competição vacilávamos um bocadinho. E há todo um treino mental que não temos, nos Paraolímpicos éramos 40 mil, Portugal não podia estar entre os melhores do mundo".

Em 2006 Nuno abandona a alta competição. "Pensei que nunca mais ia voltar à água". Mas voltou. "Um dia estava em Carcavelos e comecei a sentir uma grande vontade de voltar para dentro de água, de viver o mar. E disse aos meus amigos que queria voltar a surfar. Pensei que iam demover-me, mas fizeram o contrário: "Embora aí". Foi uma loucura, meteram-me dentro de água e não correu bem". Em vez de desistir, foram para casa pensar no que tinha corrido mal, como poderiam criar um plano mais estável e, devagarinho, começaram a estruturar as coisas. Nesse mesmo dia pensou: isto é muito egoísta, agora posso surfar quando quiser, mas temos de fazer isto para todos. E fizeram.

O pai do Nuno morreu há dez anos, mas "se fosse vivo ia ter muito orgulho", declara Joaquina, sempre a sorrir. "Agora sim, vejo vida. O Nuno é muito parecido comigo, muito, luta, luta... Gosta de ajudar os outros. Isto do surf para a terceira idade é por mim, para me ajudar a mim, que a partir de 28 de Abril entro na terceira idade [risos]", assegura. E estanca a uns metros da água para confessar que tem medo da água. "E se eu caio?" É do Alentejo, de Cabeção, e nunca aprendeu a nadar. "O Nuno é que aprendeu a nadar aqui, em Carcavelos, para onde vinha com amigos".

Mas Joaquina é de fibra e em Setembro resolveu inscrever-se numa piscina. "Depois tive medo e em Julho desisti. Parece que no mar não tenho medo, mas na piscina sentia uma angústia enorme e já nem me apetecia levantar de manhã, sempre nervosa. Até que disse: "Acabou!" Mas aqui meto-me em cima da prancha. Sabe o que penso? Se o Nuno consegue eu também consigo. E não tenho medo, por causa deles". Aponta para os monitores e voluntários que já estão dentro de água a surfar com os séniores, mais elas do que eles. "Se acontecer alguma coisa, agarro-me a eles. Dão-me muita segurança".

A experiência de uma campeã

A primeira inscrição na praia é de uma mulher de 43 anos. Depois seguem-se várias, sobretudo de crianças, mas também de muitos adultos, animados pela boa disposição do grupo e também pela presença de Garrett McNamara, que na água ajuda o filho de quatro anos e um equilíbrio perfeito em cima da prancha. De Mafra vem um grupo já costumeiro de amigos da Surf Addict, rapazes e raparigas com diversos tipos de deficiência, desde Trissomia 21 a paralisia cerebral. Chegam a dar os bons dias, desejosos de entrar na água.

Ainda em terra experimenta-se uma cadeira nova, tipo espreguiçadeira com rodas, própria para transportar até à água aqueles a quem falta mobilidade. É uma cadeira pensada para uma pessoa ser o mais autónoma possível, mas, afinal, parece não ser assim tão fácil de manobrar. Entre gargalhadas e chistes – "esta cadeira deve ter sido feita por um deficiente" – o grupo começa a ficar composto. Está na hora do surf adaptado e as senhoras com mais de 65 anos têm de dar a vez. Hilário tem Trissomia 21 e é dos primeiros a entrar na água: a mesma adrenalina, o mesmo riso contagiante, pura terapia.

Teresa Abraços, ex-campeã nacional de surf e número três na Europa, fala com paixão. Para fazer surf adaptado é apenas preciso "força de vontade". Está na Associação Portuguesa de Surf Adaptado desde 2012, depois de ter visto uma reportagem e ter achado que podia ajudar com a sua experiência e contactos. "Acima de tudo, temos de ter maior sensibilidade e mais cuidado, estou constantemente a pedir feedback ao surfista: se tem frio, se está confortável, se dói alguma coisa. O resto é tudo normal e o objectivo é mesmo esse, que essas pessoas se sintam normais".

É ela a monitora de Maria, uma pequenita que nasceu com paralisia cerebral e a quem os médicos fizeram um prognóstico reservado: não iria falar nem andar. Mas fala perfeitamente e anda, ainda que com limitações, depois de muita fisioterapia e determinação da família. O surf também está a ajudar. "É muito engraçado ver a evolução à medida que vão ganhando confiança. A Maria está mais ousada, mergulha com a cabeça na água e quando tomba já não se assusta. Colocamos sempre um colete, por segurança", descreve.

No caso da paraplegia são necessários dois monitores. Mais tarde vemos Teresa a ensinar Hilário, que se voltou, a tirar a prancha de cima de si e a colocar a cabeça fora de água. O mar está calmo, alguns carneirinhos fazem as delícias do público, pouco habituado a estas lides.

Não há limite de idade para a prática de surf. Um voluntário diz a sorrir que "as inscrições são dos seis aos 88, mas neste caso tem de vir acompanhado pelo pai". O primeiro surfista português, Pedro Martins, tem mais de 80 anos e costuma dizer que "o surfista não envelhece, a prancha é que vai aumentando de dimensões".

A idade é um preconceito, diz Teresa, "um disparate". E conta: "Caiá tem 43 anos, Trissomia 21, 1,49m e pesava 79 quilos quando o conheci - agora pesa 71/72 Kg. Além da Trissomia tem uma lesão cerebral, nasceu com o cordão umbilical à volta do pescoço e por momentos o cérebro não oxigenou. Mas é um espanto e o pai estimula-o muitíssimo. Tem 68 anos, é todo para a frentex, e decidi pô-lo a fazer surf para saber o que o filho sente. A primeira onda que apanhou empurrei-o, chegou à beira-mar e parecia um miúdo. Agora está sempre a gozar comigo: "Senhora professora, quando é a aula para cotas?""

Estas sessões são muito mais do que surf, servem também para mostrar que todas as pessoas podem vir para a praia, usufruir do mar e fazer as coisas que os restantes banhistas fazem. Se antes eram olhados com curiosidade, hoje já há quem torça por eles. "Às vezes vêm ter comigo: ah, tenho um afilhado que é deficiente, não sabia que também podiam fazer surf", conta Teresa. Podem e devem.

Teresa tem muitos anos de competição, começou há 35, ainda não havia mulheres no surf em Portugal. Quando soube deste projecto, ainda não existia a Associação, voluntariou-se para o que fosse necessário, "queria dar alguma coisa de mim". Tanto que largou o emprego de uma vida, na TAP Air Portugal, onde geria rotas o dia inteiro, fechada num gabinete. Eram outros voos e hoje dá aulas de surf para poder patrocinar o voluntariado.

"Digo muitas vezes ao Nuno que entendo o seu trabalho, que sei o que é lutar contra o preconceito. Quando comecei a fazer surf o meu papel também foi de inclusão das mulheres neste mundo, que era só de homens. Em 1980 não estávamos longe do 25 de Abril e do tempo em que a mulher ainda só podia viajar com autorização do marido. Não se viam mulheres a andar de bicicleta e muita gente não sabia sequer o que era o surf. Viam-me passar com a prancha debaixo do braço e pensavam que ia fazer windsurf, na altura passava a novela brasileira "Àgua Viva", e perguntavam-me pela vela", diverte-se.

"Deixei de competir porque precisava de tempo para mim e entre o trabalho e as competições quase não restava nada", explica Teresa. "Mas se a mim o surf me dá tanta alegria, imagino para quem quase só sonha poder sair de casa. Penso que no mar as pessoas esquecem completamente a deficiência, é liberdade total".

Muitos abalos, tantas histórias

Em Carcavelos, como nas restantes praias, junta-se sempre um grande grupo e todos sabem as histórias uns dos outros. Da Sara, que teve um acidente de automóvel há sete anos e uma filha há dois, do Carlos Santos, que se despistou de mota em 2001, ou de Joaquim Delgado, atleta de alta competição que ficou tetraplégico a fazer um triplo mortal. "Este é o nosso quintal".

E é ali, no jardim de ondas, que procuram a normalidade. "Tenho sorte porque trabalho aqui perto e a hora de almoço é sagrada, tenho de vir ao quintal. E não é só no Verão, é também no Inverno", afirma Joaquim. Chamam-lhe o rei da praia de Carcavelos e toma banho até sem fato.

"Tenho muito a mania de ir para longe e no Inverno ia ter com os surfistas, eu em fato de banho, eles de fatos completos. A primeira sensação que tive é que a prancha ia para um lado e eu saia pelo outro, mas experimentei e gostei. Sou muito aventureiro, mas um aventureiro consciente".

Joaquim Delgado era atleta de alta competição e tinha tudo menos uma vida sedentária. Nisso não mudou. "Tenho tantos anos de acidente como o Carlos tem de vida", diz. Carlos é de 1977 e o acidente de Joaquim foi em 1979. Na altura não havia nada adaptado, mas como estava habituado ao meio da ginástica de competição, no primeiro fim-de-semana em casa foi logo dar aulas de rítmica. "Comparado com o que existia antes em termos de adaptação, hoje temos uma vida de luxo. Mas ninguém está preparado. As cadeiras de rodas não vinham para a areia, eu descia a rampa, saltava para a areia e ia sozinho até à água. Chegava a fazer este percurso cinco vezes para ir ao banho. Quando a maré estava vazia era muito difícil, tinha de andar de costas e as pessoas não se desviavam", testemunha. Em 1981 correu todas as praias de Sesimbra para sul e mergulhou em cada uma sem a ajuda de ninguém. Um espécie de grito do Ipiranga.

Carlos Santos conhece Nuno Vitorino há uns bons anos. "Foi ele que me convidou a experimentar o surf. Desde então, sempre que posso e que estou disponível venho aos encontros organizados pela Associação.

Como Carlos, Sara teve um acidente de viação, não de moto, mas de carro. Aconteceu mais recentemente, há sete anos. Fala "neles" e em "vocês" para distinguir deficientes e normais. Faz surf adaptado há cinco anos, começou com a Associação Salvador. A mudança em termos desportivos também foi grande: "Eu dançava, era o meu trabalho. Tive de trocar de profissão, mudar tudo. Era bailarina e animadora de cruzeiros". A dança e o kickboxing eram tudo para Sara. "Tentei vários desportos adaptados e o surf veio pela sensação de liberdade. É uma coisa que quase consigo fazer autonomamente, é quando me sinto mais livre".

O processo de adaptação não é igual para todos. O trabalho foi e continua a ser uma das maiores dificuldades. "Não penso que as pessoas tenham uma mente fechada, o que me parece é que os edifícios não estão preparados e nem têm condições para ser adaptados. Por isso, e com medo da legislação, as empresas preferem não dar trabalho a pessoas com mobilidade condicionada a ter queixas na ACT".

"A família e os amigos ajudaram-me muito. Mas passei pelas fases todas, a revolta, o não querer aceitar, até cheguei a pensar suicidar-me, não queria ficar assim. Depois pensei: tenho duas hipóteses, matar-me ou levantar a cabeça e andar para a frente. Optei pela segunda e aprendi a viver desta maneira". Hoje diz que tem uma vida relativamente normal, embora diferente dos que têm mobilidade completa. "As coisas têm de ser mais planeadas, mais organizadas. Um dos problemas é que muitas vezes os sítios dizem que são adaptados, mas não são. A primeira vez que tentei estar sozinha fui passear para a vila de Peniche e foi um filme, entre hotel, escadas e pedras da calçada". Mas conseguiu. Tem carro adaptado, "sem elevador, porque é muito dinheiro", e pede ajuda a quem passa: "Desculpe, podia meter a cadeira no carro?" ou "Podia tirar a cadeira do carro?" "E tenho uma filha de dois anos, a Bianca, a quem amamentei e que sobe para a cadeira para brincar comigo. Tive uma gravidez normal, a sensibilidade é diferente, até a sensibilidade interna, mas senti a Bianca e no hospital foram impecáveis", recorda Sara.

Não é à toa que o lema da Associação é: "Não queremos saber se é difícil, apenas se é possível".

Surfar pela Europa

A Associação tem vindo a crescer de dia para dia. Hoje chegam pedidos da Finlândia ou da Polónia, muitas vezes a perguntar se têm campos de férias. "Como não temos fins comerciais, não temos uma estrutura que nos permita receber 20 pessoas em cadeiras de rodas vindas da Polónia. Se a viagem coincidir com um evento, no entanto, todos são bem recebidos", garante Teresa.

A Surf Addict realiza por ano, entre Abril e Setembro, cerca de seis a oito acções em praias nacionais. Este ano a última está programada para o dias 15 de Setembro, na praia de Carcavelos. Mas há outras, pedidas por diversas organizações, como a que está prevista para 8 de Setembro, também em Carcavelos, em parceria com o Parlamento Europeu, que vai fazer uma campanha a lembrar a importância do voto nas eleições europeias, que terão lugar de 23 a 26 de Maio de 2019.

De fora vêm também voluntários, como Lukas Kanne ou Lara, dois surfistas alemães. Lukas vive em Hamburgo, trabalha na área a contactou a Associação para saber se poderia ajudar. Gostou tanto da experiência que sempre que está de férias vem a Portugal para surfar e participar nas aulas abertas.

E este é o grupo que acompanha Nuno Vitorino nesta aventura de levar portugueses e estrangeiros para dentro de água. Confessa que sem a ajuda de todos a tarefa seria impossível. Até porque hoje se ressente mais: "É a PDI, ando mais cansado. Tenho 41 anos e desde o ano passado sinto vontade de dormir à tarde, preciso de férias", ri-se.

Não é de admirar. Nuno é informático na Câmara Municipal de Lisboa, "um patrão ausente". E recentemente licenciou-se em Relações Internacionais pelo ISCSP. "Tinha o 9.º ano e chateava-me ir a palestras e serem todos doutores e engenheiros e eu ser o outro. Sousa Lara foi meu regente de curso, adorei. Tem aquele ar de quem se mete com as miúdas todas, mas é uma grande cabeça. E tem aquelas coisas de direita e eu achava graça a uma pessoa de esquerda como eu ir tirar um curso numa faculdade de direita".

Mesmo numa cadeira de rodas, Nuno já teve os seus sustos. O pior de todos aconteceu na praia de São Lourenço, na Ericeira, quando apanhou com uma onda e saiu da prancha. "Fiquei sem nada lá de baixo, o colete a querer sair e eu a abraçá-lo... Depois foi controlar-me para não entrar em pânico". Os outros ouvem a história e dizem que o susto foi deles. Nuno garante que já estavam todos contentes, a fazer a contagem decrescente, como no boxe. A mãe Joaquina é que não pode saber destas histórias, para não se afligir. Mal sabe Nuno que o desejo da mãe é um dia saltar de pára-quedas. É assim o gosto aventureiro, filho de peixe sabe nadar.

Fonte: SAPO24 por indicação de Livresco

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Regresso às aulas em segurança

Com o novo ano letivo à porta, a Direção-Geral do Consumidor (DGC) publicou a brochura informativa “Regresso às aulas em segurança”, que visa alertar para a promoção da saúde e da segurança dos mais novos no seu regresso às aulas neste ano letivo 2018-2019.
O folheto – Regresso às aulas em segurança – dá conselhos e informações sobre alguns produtos específicos para o início do ano letivo e a sua organização, promovendo a segurança de crianças e jovens no que diz respeito a diversos aspetos, desde o material escolar ao vestuário, passando pelas deslocações e alimentação, e tendo em conta a reutilização e uma série de dicas para poupar e gerir o consumo de uma forma mais sustentável.
Para mais informações sobre os direitos dos consumidores, os consumos juvenis e outras matérias relacionadas com o tema aceda a www.consumidor.gov.pt e visite a página do facebook da DGC.
Fonte: DGE

domingo, 26 de agosto de 2018

O que é um bom professor?

Relativamente ao primeiro, registe-se a análise crítica no que diz respeito “a uma pergunta que deixámos de fazer há muitos anos: o que é um bom professor?” (Nóvoa, 2009:11). Reconhecendo ser impossível definir o que é um bom professor, Nóvoa procura evitar as “listas intermináveis de competências cuja simples enumeração se torna insuportável”, optando por “apontamentos simples, sugerindo disposições que caracterizam o trabalho docente nas sociedades contemporâneas” (Nóvoa, 2009:12):

a) O conhecimento – “O trabalho do professor consiste na construção de práticas docentes que conduzam os alunos à aprendizagem”;
b) A cultura profissional – “Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão. O registo das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação são elementos centrais para o aperfeiçoamento e a inovação. São estas rotinas que fazem avançar a profissão”.
c) O tato pedagógico – “Nele cabe essa capacidade de relação e comunicação sem a qual não se cumpre o acto de educar. E também essa serenidade de quem é capaz de se dar ao respeito, conquistando os alunos para o trabalho escolar. Saber conduzir alguém para a outra margem, o conhecimento, não está ao alcance de todos. No ensino, as dimensões profissionais cruzam-se sempre, inevitavelmente, com as dimensões pessoais”;
d) O trabalho em equipa – “Os novos modelos de profissionalidade docente implicam um reforço das dimensões colectivas e colaborativas, do trabalho em equipa, da intervenção conjunta nos projectos educativos de escolas”.
e) O compromisso social – “Educar é conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo nascimento, pela família ou pela sociedade.

(Nóvoa: 2009)

Fonte: Terrear de Matias Alves

sábado, 25 de agosto de 2018

Educação na 1.ª Liga

O intuito do presente artigo é reiterar, uma vez mais, aos altos responsáveis políticos – tendo em conta que passadas as férias, o enfoque incidirá sobre o OE 2019 (Orçamento do Estado para 2019) – que não é mais aceitável relegar a Educação para 2.º plano. O campeonato político da Escola Pública pertence à 1.ª Liga, não podendo os nossos superiores destinar-lhe um orçamento de dimensão regional.

O OE 2019 deve apostar no aumento da qualidade do Ensino Público, desde já inquestionável, numa ação continuada que permita auxiliar as escolas a fomentar o sucesso e reduzir o abandono escolares, aumentar o nível de escolarização da população, prosseguir com a requalificação e conservação das escolas, conceder orçamentos dignos e realistas aos estabelecimentos de ensino, afetar recursos humanos essenciais (professores, técnicos especializados, funcionários) e atribuir efetiva autonomia.

Equacionando a pluralidade da intervenção, considero que o investimento deve fundamentalmente abranger:

Professores. Atender às suas justas aspirações pelo reconhecimento do tempo de serviço prestado que querem apagar; rejuvenescer o corpo docente (com desgaste anormal decorrente da profissão e pela prevalência no sistema de profissionais acima dos 50 anos), podendo, a partir dos 60 anos e até à reforma, optar pelo exercício de funções não letivas;

Assistentes operacionais (AO). Resolver definitivamente a escassez destes valorosos profissionais é uma prioridade. Existindo portaria que estabelece o rácio do número de funcionários a que cada escola tem direito, cumpre à tutela, com a celeridade devida, autorizar a sua contratação pelas escolas, não esquecendo de legislar no sentido de viabilizar que estes sejam substituídos quando falecem, rescindem os seus contratos de trabalho, mormente quando adoecem (estimam-se centenas de AO numa situação que se prolonga ad aeternum);

Parque informático. Substituir os computadores (obsoletos) das escolas, adquirir novos gadgets de mobile learning (tablets, iPhones/smartphones, e-readers, entre outros) e substituir a ineficaz rede wi-fi.

É legítimo que a Educação e os seus profissionais, profundamente penalizados pelas medidas de austeridade, se sintam estimados e recompensados.

A Escola Pública é indubitavelmente inovadora e versátil, proporcionando as melhores aprendizagens, sustentadas pela elevada qualidade que todos reconhecem. Todavia, esta poderia ser potenciada, caso houvesse mais vontade e assertividade do ministério que gere o dinheiro público, o das Finanças.

Repudio o paradoxo que remete o Ministério da Educação para parente pobre ou o elege filho pródigo ora se apresente alvo dos propósitos do OE, ora objeto dos programas eleitorais, respetivamente.

Verdadeiro desígnio nacional, a Educação não serve apenas para abrilhantar os discursos políticos, devendo sê-lo sustentadamente nas práticas gestionárias, assim como no OE 2019, que necessitará, por conseguinte, de sofrer alterações para gáudio das comunidades educativas e de um país que o exige.

Filinto Lima

Professor e director; membro da direcção da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas

Fonte: Público por indicação de Livresco

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Felicidade em estado líquido para crianças com necessidades especiais

Foi inaugurado em Matosinhos o primeiro parque aquático da Europa adaptado a crianças com doenças crónicas. Situado no Kastelo, uma unidade de cuidados paliativos pediátricos, tem como objetivo ajudar na reabilitação.

"Olha o Joaquim! Que felicidade! Ai que giro! Fantástico!". Joaquim brinca com um repuxo de água que cai em forma de cogumelo. Passa a cabeça pela fina parede líquida, abre os braços, flete as pernas, volta a esticá-las, está visivelmente feliz.

Isabel Bandeira está também feliz, por estes miúdos e pelo filho dela, Afonso: "Ele adora água. A água faz muito bem a estas crianças. Ajuda-as a ter a liberdade que não sentem de outra forma".

Afonso tem uma citopatia mitocondrial com epilepsia associada. Tem quase 8 anos, está no Kastelo desde os 6, e a mãe acha que ele tem melhorado significativamente. "Relaciona-se mais com as pessoas. A nível intelectual, não fala, mas consegue expressar-se, consegue ser malandro, gozar com as pessoas à maneira dele", explica Isabel.

As terapias associadas ajudam a promover as melhorias na saúde e uma maior qualidade de vida das crianças desta unidade de cuidados continuados.

Teresa Fraga, a enfermeira responsável pelo Kastelo , destaca a importância deste espaço aquático: "Em primeiro lugar, é promover felicidade e igualdade em relação a outras crianças consideradas saudáveis, que podem frequentar qualquer espaço de lazer. Estas não, já estão limitadas".

Felicidade, relaxamento, estimulação sensorial. Três objetivos fundamentais desta equipa, que caça sorrisos. "Estes sorrisos são o euromilhões de quem cuida diariamente delas", sublinha Teresa Fraga.

Os sorrisos das crianças e também dos pais. Joana Vilela é a mãe de Rafael. "Faz-lhe muito bem a estimulação da água e o barulho. Ganha alegria, outro nível de consciência, nota-se que palra e parece que quer falar sobre a felicidade que está a sentir".

Todos os dias é uma nova etapa, garante Joana, "super emocionada".

Este projeto foi financiado pela sociedade civil, através do apoio de várias empresas e particulares.

Fonte: Reportagem da TSF por indicação de Livresco

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Praias acessíveis galardoadas em 2018

Podem ser consultadas aqui as praias portuguesas galardoadas pelo Programa “Praia Acessível – Praia para Todos!” na presente época balnear.

A informação apresenta-se organizada por concelhos, agrupados por regiões hidrográficas no referente ao território continental (Norte, Centro, Tejo e Oeste, Alentejo e Algarve), e por ilhas, no caso da Madeira e dos Açores.

Mais de dois terços das praias classificadas pelo Programa disponibilizam já, às pessoas com mobilidade condicionada, equipamentos que lhes permitem aceder ao banho e/ou ao passeio na praia: cadeiras de rodas, canadianas e andarilhos anfíbios.

Felicitam-se os municípios responsáveis pelas zonas balneares galardoadas, pela forte capacidade de mobilização que, ano após ano, têm demonstrado no desenvolvimento deste Programa – ao qualificarem e tornarem cada vez mais acessíveis e inclusivas as praias portuguesas dão um contributo valioso para a promoção de Direitos consagrados na Constituição e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Fonte: INR

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Jovem com síndrome de Down vence concurso de beleza

Aos 19 anos, Kate Grant tornou-se a primeira pessoa com trissomia 21 a ganhar um concurso de beleza a nível mundial, conseguindo bater 40 candidatas do mundo inteiro no “Teen Ultimate Beauty of the World”, realizado em Portadown, na Irlanda do Norte.

O concurso, aberto a todas as pessoas, independentemente da altura, do peso ou do estado civil, apoiava a diversidade e estava dividido em três categorias: crianças, adolescentes e maiores de 20 anos.

A vitória permitirá a Kate Grant fazer várias sessões fotográficas durante um ano e, na próxima edição, será jurada e mentora de outras jovens.

“Ser bondoso, ter compaixão e brilho interior” são as principais características de beleza para Kate. A norte-irlandesa, que sempre sonhou com um lugar no mundo da moda, deseja ser um exemplo para outras pessoas com necessidades especiais.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

A AFID - Associação Nacional de Famílias para a Integração da Pessoa Deficiente - e o INR organizam cursos para a inclusão

A Associação Nacional de Famílias para a Integração da Pessoa Deficiente (AFID) em parceria com o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) e a Fundação AFID Diferença lança um conjunto de cursos até dezembro, que têm como objetivo capacitar quadros médios e superiores na gestão de Organizações Não Governamentais (ONG).

Como já é tradição a Associação AFID promove mais uma ronda de cursos de capacitação. Sob o lema “Inclusão + Diagnosticar, Intervir e Estimular”, este projeto tem como objetivo o desenvolvimento de vários cursos de formação, abertos a todas as pessoas que possam ter interesse pelas áreas abordadas.

A capacitação e partilha de novas técnicas e experiências serão os pilares deste projeto para a criação de intervenções de excelência.

O primeiro curso acontece na Fundação AFID Diferença, no auditório Dra. Maria Lutegarda a 3 e 4 de setembro sob o tema “Capacitar para o Diagnóstico e Intervenção para Evolução da Aprendizagem para públicos com Necessidades Educativas Especiais”.

Este curso visa ensinar os formandos a reconhecer sinais de alerta para o despiste de alunos com necessidades educativas especiais. Este primeiro curso terá a presença da psicóloga clínica, Dra. Margarida Paulino, da terapeuta ocupacional Dra. Iolanda Teixeira e terá como convidado o terapeuta da fala, Dr. José Paulo Arruda.

As inscrições podem ser feitas no site da Fundação AFID Diferença: www.afid.pt

Agenda
Setembro:

- Dias 3 e 4, das 09:30h às 17:30h na Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:       
Curso: Capacitar para o Diagnóstico e Intervenção para Evolução da Aprendizagem para públicos com Necessidades Educativas Especiais.
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.


- Dias 13 e 14, das 09:30h às 17:30h na Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:
Curso: Qualidade de Vida – Modelo de Schalock e Verdugo
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.


Outubro:
- Dias 18 e 19, das 09:30h às 17:30h na Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:
Curso: Inclusão de Pessoas com Deficiência nas Organizações
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.

- Dias a definir (35 horas), na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa:
Curso: A Centralidade da Pessoa na Intervenção Social (2ª edição)
*Valor: 80€ por pessoa individual, 60€ para colaboradores de entidades sociais.

- Dias a definir (14 horas), Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:
Curso: Empowerment das Pessoas com Deficiência
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.


Novembro:

- Dias 19 e 20, das 09:30h às 17:30h na Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:
Curso: A Arte pela Inclusão
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.

- Dias a definir (35 horas), na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa:
Curso: A Centralidade da Pessoa na Intervenção Social (3ª edição)
*Valor: 80€ por pessoa individual, 60€ para colaboradores de entidades sociais.

- Dias a definir (14 horas), na Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:
Curso: Programa de Estimulação Sensorial e Cognitiva Snoezelen
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.

Dezembro:

- Dias 20 e 21, das 09:30h às 17:30h na Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:
Curso - Capacitar para o Diagnóstico e Intervenção para Evolução da Aprendizagem para públicos com NEE (2ª edição)
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.

- Dias 13 e 14, das 09:30h às 17:30h na Fundação AFID Diferença, auditório Drª. Maria Lutegarda:
Curso - Qualidade de Vida – Modelo de Schalock e Verdugo (2ª edição)
*Valor: 35€ por pessoa individual, 25€ para colaboradores de entidades sociais.



A AFID – Associação Nacional de Famílias para a Integração da Pessoa com Deficiência celebrou em 2018 33 anos de existência. Ao longo do seu vasto percurso criou também a Fundação AFID Diferença, que por sua vez comemorou 13 anos, uma instituição particular de solidariedade social que se dedica a iniciativas de reabilitação, educação, formação e inserção socioprofissional de pessoas com deficiência. Desenvolve igualmente um conjunto de atividades de apoio à comunidade e serviços de proximidade nos domínios da assistência e solidariedade social, apoio à infância e à terceira idade. É a primeira Instituição da área social, em Portugal, certificada pelas Normas ISO 9001:2008, pela Marca ISS, Nível A e pelo EQUASS Excellence.  
Atualmente, a AFID, na sua globalidade, atende perto de 1500 pessoas – Infância (AFIDKIDS), Pessoas com Deficiência (AFIDREAB) e Pessoas Idosas (AFIDSÉNIOR) - e para as quais trabalham diariamente 211 colaboradores. Trata-se de uma das principais instituições sociais do país – pela dimensão, abrangência e complementaridade dos seus serviços e, sobretudo, pela qualidade impressa na gestão e intervenção técnica. A AFID enquanto associação de famílias mantém o seu objetivo ao nível da representação dos direitos das famílias e das pessoas com deficiência.  

Mais em: www.afid.pt

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

“Usar umas aplicações para os meninos estudarem a tabuada não é ser inovador”


Foi sua a ideia de fazer esta entrevista via Skype. Além de “fã da tecnologia”, Rui Lima, 41 anos, é professor do 1.º ciclo e diretor pedagógico do Colégio Monte Flor, em Carnaxide. É também um inovador, no sentido do termo. “A tecnologia não pressupõe inovação, pressupõe uma ligação ao mundo em que vivemos, mas isso não é ser inovador, é estar ligado ao mundo real. A forma como usamos a tecnologia é que pode ser muito inovadora ou não.” Como professor, gosta de ensinar usando kahoots, é a favor dos telemóveis na sala de aula, mas tem consciência das suas limitações, para ser usado na criação de conteúdos.

Colaborou com a Direção-Geral de Educação nos projetos ASPECT, eQNet, Etwinning, Creative Classrooms Lab e Co-Lab. E o trabalho na área da inovação pedagógica não passou despercebido. Recebeu o prémio Microsoft Innovative Educator Expert em 2011, 2013, 2014, 2015 e 2016. Em 2017, partilhou algumas das suas ideias no livro “A escola que temos e a escola que queremos” mas, se pudesse, já lhe fazia algumas atualizações. Em entrevista ao EDUCARE.PT, Rui Lima lembra que a educação não pode alinhar em modas, sem antes refletir sobre elas. Mesmo que as modas ditem que é preciso aprender programação ou substituir os manuais pelos tablets.

Educare.pt (E): A tecnologia é vista ora como a chave para o sucesso educativo ora como o distrator do foco dos alunos nos estudos. Em que é que ficamos?
Rui Lima (RL): Ficamos a meio caminho, entre as duas. Sou fã da tecnologia. Mas, nos últimos anos, tenho reparado que, apesar do potencial incrível da tecnologia para a aprendizagem, existem muitos obstáculos. Às vezes, a nossa infraestrutura nas escolas não está preparada para fazer determinadas atividades que dependem só da tecnologia. Quando a tecnologia falha, é preciso ter um recurso sem tecnologia. Em todo o caso, o foco nunca pode estar na tecnologia, não é a panaceia para todos os males do ensino.  

Muitas vezes, a tecnologia ajuda os alunos a fazerem aprendizagens e aquisições importantes de conhecimentos e competências. Outras vezes, é um fator distrator. Temos uma geração que tem uma facilidade muito grande com a tecnologia, mas nem sempre têm o mesmo à vontade quando ela está direcionada para a aprendizagem. Por isso, é no meio caminho entre as duas opções que me situo.    

E: Com o Plano Tecnológico da Educação, os programas e.escola e e.escolinha, em 2008 e nos anos seguintes, as escolas foram equipadas com computadores, portáteis, ligação à Internet e quadros interativos nas escolas. Olhando para trás, esse programa fez sentido?
RL: Fez todo o sentido. Para muitos dos professores e alunos, o primeiro contacto que tiveram com a tecnologia passou mesmo pelos Magalhães, pelo e.escolas e pelos quadros interativos nas salas de aula. Quase 10 anos depois as coisas já estão obsoletas. O problema da tecnologia também é esse. O investimento é muito grande, não pode ser feito de uma vez e depois, durante um intervalo temporal tão grande, não haver mais nada. Faz com que a maior parte dos equipamentos que estão nas escolas já não funcionem corretamente. O Plano Tecnológico da Educação foi um passo muito importante na simplificação de processos, até extra escola. Basta pensar no número de famílias que passou a entregar o IRS online quando tinha o Magalhães. Isto mostra o acréscimo da tecnologia em muitas coisas.

Houve muitos erros na forma como se colocaram os dispositivos e os equipamentos nas escolas. Muitos professores não os dominavam. Enquanto professor do 1.º ciclo utilizei muito o Magalhães, mas na grande maioria das escolas os portáteis serviram para os meninos se divertirem em casa ou levar para a escola, mas só para jogarem. O processo criativo não saiu nada beneficiado com isso. Os computadores na sala de aula só fazem sentido se for para promover competências. Se for para os meninos jogarem, pode ser divertido, mas não precisavam daquele equipamento, que tinha muitos recursos para a aprendizagem. Seja como for o programa foi muito vantajoso. Fui fã dessas medidas e continuo a ser. Não apostar na tecnologia é mantermo-nos desligados do mundo que nos rodeia.   

E: Foi considerado pela Microsoft um dos professores mais inovadores do mundo. Inovar é ensinar através da tecnologia?
RL: Decididamente que não. Transmito cada vez mais a ideia de que podemos ter a sala repleta de tecnologia e sermos completamente tradicionais ou podemos ter só post-it e canetas na nossa mesa e ser muito criativos e inovadores na forma de trabalhar com os alunos. A tecnologia não pressupõe inovação, pressupõe uma ligação ao mundo em que vivemos, mas isso não é ser inovador, é estar ligado ao mundo real. A forma como usamos a tecnologia é que pode ser muito inovadora ou não. Esse é um dos grandes cavalos de batalha que tenho tido na disseminação da inovação. Usar umas aplicações para os meninos estudarem a tabuada não é ser inovador. Posso pôr os meninos a aprender a tabuada com um jogo de cartas; não preciso da tecnologia e não serei menos inovador por isso.

E: Os smartphones entram na sua sala de aula?
RL: Entram, mas sempre após um processo muito negociado com os alunos. O facto de os alunos levarem o telemóvel para a sala de aula não é inovador. Pode ser inovador o processo de negociação das regras para a utilização dos dispositivos. Sou a favor da utilização do telemóvel na sala de aula, apesar de trabalhar com alunos do 1.º ciclo que não têm telemóvel ou têm mas fica em casa. Reconheço, no entanto, que o telemóvel tem algumas condicionantes se for usado como ferramenta para a aprendizagem. É bom para fazer pesquisas; posso ser muito criativo usando-o para fazer projetos de fotografia ou vídeo, mas é ainda muito limitado no que toca à criação de conteúdos. Para isso, um computador ou um tablet funcionam sempre melhor do que o telemóvel.

O telemóvel funciona muito bem para atividades como kahoots, como responder a questionários, atividades que não são propriamente muito inovadoras, porque os alunos estão apenas a ter um papel passivo. O professor pergunta e eles respondem. A grande mudança que tem de ser feita é o aluno deixar de ser só esse sujeito passivo na sala de aula, que utiliza o smartphone para responder a perguntas do professor, e passar a ser ele a criar as próprias perguntas para fazer aos outros alunos. Pôr os alunos a criarem kahoots para os outros colegas já é ser inovador. E também é possível criar kahoots no telemóvel, mas não é muito prático estar a escrever e ter de ir buscar imagens. Nesse aspeto, creio que o telemóvel ainda tem limitações.  

E: As tecnologias permitiram estreitar as relações entre professores e alunos, fora da escola. Os professores podem ser “amigos” dos seus alunos nas redes sociais?
RL: Eu sou amigo dos meus alunos no Facebook. Mas, para que isso seja assim, tenho alguns cuidados com o que escrevo e o que publico. Trabalho com alunos do 1.º ciclo, mas muitos deles têm computador e perfil nas redes sociais, apesar de não terem idade para tal. Recordo-me de um aluno me dizer que no Facebook tinha mais um ano do que eu. Devemos ter algum cuidado, no entanto, algumas coisas saem mais facilitadas [deste estreitar de relações]. Dou, muitas vezes, um exemplo de como a escola mudou e as interações entre professores e alunos mudaram, neste caso, não com o Facebook mas com o Skype: Tinha uma aluna que queria trazer para a escola um coelhinho e, numa quinta-feira à tarde, estava eu numa pizzaria, manda-me uma mensagem, por Skype, a perguntar se amanhã podia levar o coelhinho para mostrar à turma. Respondi, imediatamente, que sim. No dia seguinte, ela levou o coelhinho. Se não houvesse tecnologia, na sexta-feira é que me perguntaria se poderia levar o coelhinho. Teria de esperar sábado e domingo. E só na segunda-feira é que levaria o coelhinho. Percebe-se, nesta situação, o benefício da tecnologia, mas também porque é que os alunos, hoje em dia, têm mais dificuldade em esperar. Tudo tem de ser imediato. Estas mudanças de postura, de comunicação, têm coisas positivas e negativas, mas é assim o mundo em que vivemos, não vamos andar a combater contra ele.

A “mudança”

E: A sociedade acalenta esta ideia de que a escola tem de mudar porque os alunos também mudaram. Acha que este é um motivo válido para a mudança?
RL: Há vários fatores para que a escola tenha de mudar. Um deles é o facto de os alunos serem muito diferentes do que eram há 10 anos. Sou professor desde 2001, portanto, em 17 anos houve mudanças incríveis na forma de os alunos se comportam, de interagirem com os colegas e com os professores. Se os alunos mudaram, a escola não pode permanecer igual. Mas essencialmente, a escola tem de mudar porque a forma como está organizada não respeita a diversidade entre os alunos, não respeita as diferentes inteligências dos alunos. A escola continua muito focada na capacidade ou nas inteligências lógico-matemática e linguística; todas as outras são relegadas para segundo plano. Continuamos a ouvir dizer que os bons alunos são os que têm boas notas nas "áreas nucleares", seja lá isso o que for.

Acho muito engraçado que, em Portugal, se coloque a questão de que os bons alunos são os que são bons a Matemática e, atualmente, a figura mais importante do nosso país ser um desportista. Passamos sempre ao lado até do que é a nossa realidade. Não desvalorizando os alunos que são brilhantes a Matemática e a Português, também não podemos desvalorizar os que são bons noutras áreas.         

E: Afinal, o que está a faltar para termos uma escola voltada para o século XXI?
RL: Já estamos no século XXI há alguns anos! (risos) A escola ainda uniformiza muito, ainda está muito virada para a cultura do teste e da penalização do erro. Evidente que não podemos ficar contentes quando erramos, mas são os erros que nos levam a melhorar. O desporto é um bom exemplo disso. Eu fui desportista, joguei futebol amador e aprendi sempre muito com os meus erros. Aprende-se muito com os erros, mas a escola ainda penaliza demasiado as falhas. Ora, isso já não se ajustava nem ao século XX. Estando no século XXI, é hora de mudar o paradigma: preocuparmo-nos mais com a criança e não tanto com o conteúdo, com o programa.

É evidente que há conhecimentos básicos, não estou a desvalorizá-los, mas o conhecimento, hoje em dia, está acessível de outra forma. Consigo aceder ao conhecimento de modo mais simples, através da Internet. A competência que temos de ter é a de olhar para a Internet e perceber o que são factos reais e fake news, informação fidedigna ou não fidedigna. Essas é que são as competências para o século XXI. Uma das competências do século XXI é precisamente o pensamento crítico, olhar e ser capaz de refletir se o que se lê faz sentido ou não.

E: Quando a escola promover esse pensamento crítico, podemos dizer que já está voltada para o século XXI?
RL: Quando estivermos voltados para o século XXI, já precisamos das competências para o século XXII e XXIII. O mundo muda cada vez mais depressa. Ainda há dias lia um artigo no World Economic Forum sobre as profissões que estão em ascensão, e a maior parte delas  - tirando a enfermagem e os cuidados de saúde, que estão em ascensão dado o envelhecimento da população - não existiam há 10 anos. Profissões como os “app developpers” ou os “social media managers”. Por isso, a escola vai ter de mudar. Estamos a preparar os alunos para uma realidade que nem eles nem nós sabemos muito bem como será daqui a 10 ou 20 anos.

E: Desde que publicou o livro “A escola que temos e a escola que queremos” em março de 2017, alguma coisa mudou?
RL: A mudança é lenta, porque na educação não podemos andar com experimentalismos. Devemos dar passos seguros e não podemos ir em modas, que é outro receio que também tenho. Dinamizo algumas ações relacionadas com a programação em escolas, e agora está na moda. Toda a gente aposta na programação e acha-se que os alunos vão ser todos programadores. Há uns dias, o pai de uma aluna minha, que é dentista, dizia-me que nunca tinha pensado que teria de perceber de programação, e hoje tem de perceber muito sobre o que é a tecnologia. Essa é a parte da programação que é importante para os alunos; nem todos vão ser programadores.

Não podemos viver de modas, como agora todos os alunos têm de ser programadores, ou agora temos de usar tablets nas escolas e acabar com os manuais. Se pensarmos no peso que os manuais têm nas costas da criança, vemos que é mau, mas e as outras questões de manuseio do livro, de escrever no livro, que são muito diferentes de escrever num tablet? Não gosto de estar a fazer revoluções para daqui por um ano, ou dois, perceber que isto não estava bem feito. A transformação tem de ser gradual. Não vamos acabar com tudo o que era do século XX para pôr em prática coisas do século XXI, mesmo sem saber se elas vão resultar.    

E: No dia 16 de maio foi conhecido o nome do vencedor do Global Teacher Prize em Portugal. Este tipo de concursos traz alguns benefícios ao sistema educativo?
RL: Sim, traz, pelo menos por causa da visibilidade nos média que é dada ao trabalho dos docentes. O aspeto mais positivo do Global Teacher Prize é precisamente o reconhecimento. Passar regularmente na televisão exemplos de professores inovadores que estão a fazer a diferença nas suas escolas é muito importante, porque um dos problemas da classe docente é o pouco reconhecimento que há por parte da própria sociedade. Por isso, estas iniciativas acabam por ser importantes, porque mostram professores cada vez mais preocupados em inovar e em fazer a diferença.

E: O professor César Bona, precisamente um dos premiados pelo “Nobel” da Educação, o Global Teacher Prize, diz que o principal desafio dos professores é fazer com que os alunos queiram ir à escola, gostem das aulas e de aprender. Concorda?
RL: Concordo, mas acredito que é preciso ir um bocadinho mais ao fundo dessas questões e perceber porque é que os alunos gostam ou não gostam de aprender e de ir à escola. Para mim, o aspeto mais importante é a relação emocional que existe entre o professor e os alunos. Quando não há relação emocional, não há empatia, vai ser impossível o aluno ter um compromisso com a aprendizagem.

Se conseguirmos que haja uma empatia com o trabalho que é feito, com o professor que estabelece uma boa relação pedagógica com os alunos, uma empatia com os colegas e um trabalho colaborativo, isto vai fazer com que os alunos gostem de ir à escola e de participar nas atividades que são propostas. O que remete também para a necessidade de olharmos para a aprendizagem não como um processo em que é transmitido ao aluno o que ele tem de saber, mas um processo construtivo em que o aluno vai aprender com um projeto que culmina na execução de um trabalho ou na preparação de um evento.   

E: Tem sempre vontade de ir dar aulas?
RL: (Risos) Não sou diferente dos outros professores. Às vezes também venho maldisposto para as aulas. Também me zango com os alunos e, depois, paro para pensar e percebo que não me devia ter zangado. Mas a minha escola funciona um bocadinho ao contrário. Quando estou menos bem-disposto, a escola até me faz sentir melhor. Isso tem a ver com o próprio ambiente que se vive na escola. Tenho a sorte de ter uma equipa fantástica de colaboradores, auxiliares, professores e pais com quem trabalho. Tenho uma direção que respeita os professores, os pais e é muito colaborante. Esse tipo de liderança é a parte mais importante e está presente em todas as escolas que são inovadoras e apresentam resultados, não nos testes, mas nas aprendizagens.

Fonte: Educare