domingo, 9 de novembro de 2025

Regulamento do Estatuto do Estudante com Necessidades Educativas Específicas da Universidade de Aveiro

O Regulamento n.º 1220/2025, de 7 de novembro, cria o Regulamento do Estatuto do Estudante com Necessidades Educativas Específicas da Universidade de Aveiro.

1 - O presente Regulamento estabelece a disciplina aplicável aos estudantes com necessidades educativas específicas da Universidade de Aveiro, abreviadamente designadas por NEE, entendendo-se como estudante com NEE, os que apresentam dificuldade no processo de aprendizagem e participação no contexto académico, decorrentes da interação dinâmica entre fatores ambientais, como fatores físicos, sensoriais, sociais ou emocionais e ou limitações auditivas, visuais, motoras e de saúde física ou mental, e que comprometem a atividade e participação em condições de equidade e igualdade com os demais estudantes.

2 - As NEE podem ser caracterizadas como permanentes ou temporárias, sendo que, para as temporárias, as medidas expressas no presente Estatuto produzem efeitos apenas durante o período em que se verifiquem as necessidades, nomeadamente durante o período de situação de risco clínico durante a gravidez, cirurgias e pós-operatório.

3 - Enquadram-se ainda neste Estatuto os estudantes com doenças de longa duração, associadas a tratamento periódicos e frequentes e ou a tratamentos agressivos, designadamente radioterapia, quimioterapia, que os coloquem, em termos de desempenho académico numa situação desfavorável.

Rúben tem autismo e não o deixam ir à escola. “Está a perder competências”

Em Setembro, Rúben Silvestre, um adolescente de 16 anos que tem uma perturbação do espectro do autismo, foi conhecer aquela que devia ser a sua nova escola: o Estabelecimento de Educação Especial da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo – APPDA de Lisboa. "Gostou muito", conta Inês Neto, a directora pedagógica que o conhece "desde pequenino". Mas depois disso não voltou. "O meu filho está em casa, sem acesso ao que tem direito: educação escolar", lamenta o pai, Bruno Silvestre.

A razão? Uma "pescadinha de rabo na boca": os serviços do Ministério da Educação alegam que no processo de inscrição de Rúben não havia provas de que ele teria transporte para a escola, por isso informou que pretendia indeferir o pedido de ingresso na APPDA; a família diz que só pode tratar do transporte nos serviços da câmara quando tiver a confirmação da matrícula, mas que, de qualquer modo, ela própria pode transportar o filho o tempo que for preciso; o tempo passa, e o ministério não responde. (...)

Continuação da notícia em Público, por indicação de Livresco

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

A importância da Educação Especial na construção de uma sociedade inclusiva

A Educação Especial ocupa um espaço central no debate sobre os direitos humanos e sobre a qualidade da educação em sociedades democráticas. Ao longo da história, as pessoas com deficiência foram marginalizadas, tratadas como incapazes ou relegadas ao convívio apenas familiar, sem acesso aos espaços de escolares. Essa exclusão, além de injusta, reforçou preconceitos e contribuiu para a perpetuação da desigualdade social. É justamente contra esse cenário que a educação especial se mostra imprescindível, pois, não só assegura o direito a aprender, mas também promove uma transformação cultural que valoriza a diversidade humana.

É fundamental reconhecer que a educação especial não deve ser encarada como um privilégio concedido a um grupo específico, mas sim como a materialização do princípio da equidade. Enquanto a igualdade procura oferecer as mesmas condições a todos, a equidade dita o que cada pessoa necessita de recursos diferenciados para alcançar oportunidades semelhantes. Nesse sentido, a educação especial garante que as barreiras físicas, pedagógicas ou discriminatórias, sejam eliminadas ou minimizadas, assegurando a plena participação do estudante no processo de ensino.

A falta de professores com a formação adequada, a carência de recursos pedagógicos e tecnológicos, e a insuficiência de investimentos públicos ainda limitam a efetividade das práticas inclusivas. Ainda há escolas em que a inclusão se restringe ao espeto físico, o aluno com deficiência está presente em sala de aula, mas não recebe os apoios necessários para aprender de forma significativa. Esse cenário revela a urgência de repensar políticas públicas que garantam não apenas o acesso, mas também a permanência e o sucesso escolar desses estudantes.

Do ponto de vista social, a educação especial desempenha um papel estratégico, ao favorecer a convivência entre alunos com habilidades diferentes, promovendo a empatia, o respeito e a valorização da diversidade. As crianças e jovens que crescem em ambientes inclusivos tendem a tornar-se adultos mais conscientes da importância da igualdade de direitos e mais preparados para construir relações sociais pautadas pela solidariedade. Trata-se, portanto, de um processo que extrapola os limites da escola e impacta diretamente a qualidade da vida democrática.

Por outro lado, é preciso combater a visão redutora de que a Educação Especial se resume a adaptações curriculares ou ao uso de tecnologias de apoio. Mais do que isso, a educação especial deve ser compreendida como uma prática pedagógica que reconhece cada estudante como uma pessoa com direitos, potencialidades e trajetórias singulares de aprendizagem. Isso implica um compromisso ético e político de toda a comunidade escolar, romper com padrões exclusivos e promover condições de participação plena para todos.

Em suma, a educação especial é indispensável, não apenas para atender às necessidades das pessoas com deficiência, mas também para consolidar uma educação inclusiva que beneficie toda a sociedade. Ao investir em políticas consistentes, formação de docentes, recursos adequados e valorização da carreira dos docentes nesta área, o Estado contribui para a construção de uma escola que acolhe as diferenças e forma cidadãos mais críticos, justos e solidários. Não podemos continuar a ignorar a importância da educação especial na nossa sociedade.

Uma sociedade que se pretende democrática não pode abrir mão da diversidade, muito pelo contrário, deve reconhecê-la como uma das suas maiores riquezas. Nesse sentido, defender a Educação Especial é, acima de tudo, defender a dignidade humana e o direito universal à educação.

Fernando Camelo de Almeida

Fonte: SOL por indicação de Livresco

Ler para escrever, escrever para ler

Introdução

Investigadores como Kim e colaboradores (2024) têm sublinhado a importância de incluir a escrita na Ciência da Leitura. Estes autores têm defendido especificamente que a Ciência da Leitura se encontra incompleta sem a Ciência da Escrita. Porquê? A resposta a esta questão é muito simples. Décadas de investigação mostram a interdependência entre as habilidades de leitura e escrita (Graham et al., 2021; Katusic et al., 2009; Kim et al., 2024). O que isto significa exactamente? Ler e escrever não são processos autónomos. Constituem duas aptidões que se desenvolvem de forma simultânea, influenciando-se e complementando-se mutuamente. A título de exemplo, a leitura beneficia o desenvolvimento de diversas competências fundamentais para uma escrita clara e eficaz, como o vocabulário, o conhecimento gramatical e a compreensão das estruturas textuais. Por sua vez, a escrita consolida o conhecimento do significado das palavras, o domínio das regras gramaticais e a capacidade de compreender e organizar textos de forma lógica, dando origem a um ciclo de aprendizagem que beneficia tanto a leitura quanto a escrita.

De acordo com o Modelo de Literacia Interactiva e Dinâmica (Kim, 2020; figura 1), a leitura e a escrita baseiam-se essencialmente nas mesmas habilidades, a saber:

Habilidades de literacia lexical: referentes à capacidade de reconhecer, compreender e produzir palavras de forma eficiente. Estas competências envolvem processos cognitivos essenciais para a leitura e escrita, tais como a codificação, o armazenamento e a recuperação de informações relacionadas com a fonologia (sons), a ortografia (a forma escrita) e a semântica (significado) das palavras.

Habilidades de literacia discursiva: envolvem a capacidade de compreender e produzir textos coesos e coerentes. Segundo Kim (2020), estas habilidades baseiam-se nas habilidades lexicais, embora também dependam do domínio do vocabulário, das regras gramaticais e das estruturas sintáticas, além de exigirem conhecimento prévio e competências cognitivas de nível superior, como a capacidade de estabelecer inferências.

Habilidades de linguagem oral: habilidades como o vocabulário e as competências sintáticas são essenciais para analisar a informação linguística e construir uma representação mental do texto (isto é, compreendê-lo). Além disso, as competências de linguagem oral são fundamentais para expressar e comunicar as ideias do texto de forma clara e coerente.

Capacidades cognitivas de nível superior: As capacidades cognitivas de nível superior permitem estabelecer conexões entre as proposições do texto e o conhecimento prévio dos leitores, assim como associar as diferentes partes do texto para estabelecer inferências e preencher lacunas de informação. Neste sentido, estas exercem um papel fundamental na organização das ideias do texto de forma lógica e coerente.

Auto-regulação: Segundo Kim (2020), a leitura e a escrita dependem da auto-regulação, que envolve a capacidade de monitorizar e controlar os processos cognitivos. Leitores auto-regulados conseguem estabelecer metas, monitorizar a compreensão do texto e ajustar estratégias de leitura conforme necessário. Da mesma forma, escritores auto-regulados destacam-se na definição de objectivos, planeamento, auto-avaliação, monitorização, mantendo a atenção e a persistência, além de usar estratégias adequadas de escrita.

Conhecimento de conteúdo e discursivo: O conhecimento de conteúdo ajuda a integrar as informações do texto e a construir uma representação mental sólida, que facilita a compreensão. Além disso, fornece material para a escrita e permite um acesso mais rápido ao conteúdo. Por sua vez, o conhecimento discursivo envolve a compreensão das estruturas textuais e das características linguísticas associadas, assim como os procedimentos e estratégias para a produção de texto. Conhecer a estrutura textual facilita a identificação de informações relevantes e a compreensão das relações entre as partes do texto. Na escrita, esse conhecimento, frequentemente denominado «conhecimento de estrutura de género», ajuda a organizar e apresentar ideias de forma coerente, alinhada com o género e os objectivos de escrita.

Competências sócio-emocionais: As competências sócio-emocionais, como crenças, sentido de auto-eficácia e motivação, influenciam a forma como os leitores se envolvem com a leitura e a escrita. Estas afectam diretamente a disposição dos alunos para aprender, perseverar perante as dificuldades e acreditar na sua capacidade de progredir. Por exemplo, um aluno motivado tende a envolver-se mais activamente nas tarefas, o que frequentemente se traduz em melhor desempenho, tanto na leitura como na escrita.

Neste sentido, a literatura científica sobre a leitura e a escrita indica que estas habilidades não devem ser ensinadas de forma isolada, mas sim de maneira integrada. Mais especificamente, a investigação revela que o ensino integrado da leitura e da escrita proporciona oportunidades significativas de aprendizagem, promovendo um desenvolvimento equilibrado e eficaz em ambas as áreas.
Estudo de Kim e colaboradores (2024)

Kim e colaboradores (2024) analisaram o impacto de um programa de instrução (SRSD1 Plus) focado no ensino integrado da leitura e escrita, na aprendizagem de alunos do primeiro e do segundo ano. O estudo envolveu a participação de 10 professores e 232 alunos de quatro escolas localizadas no sudoeste dos Estados Unidos.


Figura 1. Modelo de literacia interactiva e dinâmica (Kim, 2020)


Os alunos foram distribuídos em dois grupos: o grupo de intervenção, que foi exposto ao programa SRSD Plus, e o grupo de controlo, que manteve as práticas de ensino habituais. O programa foi composto por duas componentes: a componente de ensino da leitura e escrita, baseada no modelo SRSD (componente A), e a componente Plus (componente B). A estrutura, conteúdos e métodos de ensino abordados no programa estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1. Estrutura, conteúdos e métodos de ensino do programa SRSD Plus


Os alunos foram avaliados antes e após a administração do programa SRSD Plus em três eixos diferentes:

1) Composição escrita de textos informativos e expositivos, incluindo:
  • Qualidade da escrita: Extensão e clareza no desenvolvimento e organização das ideias;
  • Produtividade/comprimento do texto: Número de palavras escritas;
  • Planeamento: (a) planeamento da composição (i.e., medida em que o texto elaborado na folha de planeamento foi incorporado na composição final); (b) número de ideias relevantes; (c) organização estrutural das ideias do texto; (d) notas organizacionais (e.g., numeração, setas, símbolos e mnemónicas).
2) Conhecimento discursivo, a partir das seguintes questões:
  • «O que fazem os bons escritores quando escrevem?»;
  • «Porque achas que algumas crianças têm dificuldade em escrever?»;
  • «Quando te pedem para escrever um texto para a aula ou como trabalho de casa, o que podes fazer para planear e redigir o texto?»;
  • «Quando escreves, pensas se o teu professor vai conseguir entender o que escreveste?»;
  • «Quando escreves, pensas se os teus amigos vão conseguir entender o que escreveste?»;
  • «Por que razão as crianças escrevem?»;
  • «Por que razão os adultos escrevem?»;
  • «Quando escreves, relês o que escreveste? Se sim, porque o fazes?»;
  • «Imagina que o teu amigo tem de escrever um texto informativo para uma aula. O que lhe dirias sobre as partes que um texto informativo deve ter?»;
  • «O que mais dirias aos teus amigos sobre o que é importante considerar ao escrever um texto informativo?».
3) Competências de linguagem oral, transcrição e leitura de palavras, nomeadamente:
  • Vocabulário: definição de palavras;
  • Proficiência na organização ou combinação de frases;
  • Soletração de palavras (proximais, quase distais e distais);
  • Fluência de escrita: Copiar o maior número possível de frases em um minuto;
  • Leitura de palavras.
Os alunos foram avaliados por colaboradores de investigação previamente treinados, num espaço silencioso da escola. Os avaliadores não tinham conhecimento do grupo a que os alunos pertenciam. As tarefas de composição escrita, ortografia e fluência foram realizadas em grupos de três a quatro alunos, enquanto as demais tarefas foram administradas individualmente.

Principais resultados:
  1. Os resultados evidenciam a eficácia do ensino integrado da leitura e escrita. O programa SRSD Plus produziu melhorias nas habilidades de escrita, conhecimento discursivo, planeamento, linguagem oral e ortografia dos alunos do primeiro e do segundo ano de escolaridade. No entanto, comparando os resultados do presente estudo com os obtidos num estudo anterior que aplicou o mesmo programa (Harris et al., 2023), os resultados observados por Kim e colaboradores (2024) foram globalmente inferiores. Segundo os investigadores, esta diferença pode dever-se ao facto de, neste estudo, o ensino da leitura e escrita ter sido realizado em grande grupo (turma), enquanto no estudo de Harris e colaboradores (2023), a instrução ocorreu em pequeno grupo. Esta poderá ter permitido maior individualização do ensino, resultando em efeitos mais expressivos.
  2. O programa SRSD Plus revelou impactos positivos na escrita de textos de opinião, principalmente na produtividade e qualidade da escrita. Embora a instrução tenha sido direccionada para a escrita de textos expositivos, os alunos mostraram capacidade para transferir as habilidades adquiridas para a produção de textos de opinião. Segundo os autores, esta transferência de conhecimento poderá estar relacionada com o ensino de estratégias comuns a ambos os tipos de texto, como a organização textual, a construção de frases claras e a inclusão de detalhes relevantes. Além disso, o ensino de estratégias de auto-regulação, vocabulário e ortografia poderá ter contribuído para esses resultados.
  3. Não foram observados efeitos significativos na leitura de palavras e fluência da escrita, apesar de o programa ter incluído treino específico nestas áreas. Este resultado pode ser explicado por dois factores. Em primeiro lugar, os alunos já apresentavam um nível de leitura dentro da média antes da implementação do programa, sem indícios de dificuldades em comparação com outros alunos, o que poderá ter limitado o potencial de melhorias adicionais nesta competência. Em segundo lugar, o tempo dedicado ao treino de fluência da escrita foi relativamente curto, somando 56-70 minutos durante o programa (8-10 minutos por sessão), o que poderá ter sido insuficiente para promover mudanças significativas nesta área.
Os resultados deste estudo mostram a eficácia do ensino integrado da leitura e escrita no ambiente de sala de aula nos primeiros anos de escolaridade. Embora a leitura e a escrita devam ser abordadas de forma independente, o ensino da leitura que não inclui oportunidades e práticas de escrita, tal como o ensino da escrita que não integra oportunidades e práticas de leitura, provavelmente prejudica a aquisição e desenvolvimento de ambas as habilidades. Os resultados deste estudo, aliados a uma vasta literatura sobre as relações entre leitura e escrita, sugerem que a Ciência do Ensino da Leitura (Kim & Snow, 2021) e os esforços políticos e de apoio à investigação devem considerar as conexões entre leitura e escrita (Graham, 2020; Kim et al., 2024).

Este texto é um resumo do artigo «The science of teaching reading is incomplete without the science of writing: A randomized control trial of integrated teaching of reading and writing», disponível aqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Estudo-piloto ajudou a inverter atraso na linguagem dos “bebés da pandemia”

Há efeitos da pandemia que continuam presentes. As dificuldades na comunicação e na linguagem das crianças que nasceram nesse período têm sido estudadas um pouco por todo o mundo. O antídoto também. Em Portugal, um estudo-piloto numa creche de Alcabideche, em Cascais, testou a música como peça central de um plano para recuperar os atrasos identificados nestas crianças e melhorar a aprendizagem de palavras, por exemplo. Conclusão: a estratégia resultou e não só ajudou a inverter estas dificuldades nas crianças abrangidas pelo estudo, como melhorou as capacidades de aprendizagem face ao expectável. Agora, fica ainda a faltar um plano a nível nacional.“Não só diminuímos a diferença como, no final da intervenção, a idade de desenvolvimento era superior à idade cronológica”, diz Sónia Frota, coordenadora do Baby Lab, laboratório de fonética da Universidade de Lisboa que conduziu o estudo-piloto numa creche em Alcabideche – uma instituição particular de solidariedade social que pertence ao Centro Social Paroquial de São Vicente de Alcabideche.

Há vários anos que a equipa de Sónia Frota defende a realização de um rastreio nacional que identifique os atrasos no desenvolvimento da linguagem dos “bebés da pandemia”, em comparação com os bebés nascidos antes deste período. Essa avaliação nacional nunca avançou.

No entanto, alguns estudos do Baby Lab, circunscritos à região de Lisboa e Vale do Tejo, indicam, por exemplo, que há mais dificuldades na capacidade de segmentar palavras (ou seja, partir as palavras em sílabas sonoras como “pa” ou “ma”) aos 12 meses, um menor número de palavras aprendidas aos 20 meses ou obstáculos à linguagem mesmo aos 30 meses (ou seja, dois anos e meio de idade) nos bebés nascidos até Abril de 2022. Há, no fundo, uma aprendizagem mais lenta da linguagem e, por consequência, das capacidades de comunicação – atrasos esses que têm sido associados a maiores dificuldades na vida adulta. (...)

Fonte: Extrato de notícia de Público por indicação de Livresco

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Concursos de colocação de professores sob suspeita: inspeção deteta fraudes na Educação Especial

Inspeção-Geral da Educação e Ciência obtém concordância do ministro para chamar o Ministério Público ao processo

O ministro da Educação, Fernando Alexandre, homologou em 13 de fevereiro a proposta da inspetora-geral da Educação e Ciência, Ariana Cosme, no sentido da “remessa ao Ministério Público” de uma investigação à Escola Superior de Educação de Fafe, que detetou diversos casos de inscrição irregular em cursos de formação especial, com impacto direto no acesso à carreira docente e na graduação dos professores nos concursos.

A denúncia foi assinada, em 19 de dezembro de 2022, por Rui Fernandes, presidente do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua, autoridade reguladora com poderes de Estado na acreditação das entidades formadoras e das ações de formação contínua de professores. Em causa, está a inscrição em cursos especializados de Educação Especial por parte de candidatos sem cinco anos de docência, completados previamente, o que viola o estipulado no decreto-lei 95/97, ainda em vigor.

Vários docentes que se sentem ultrapassados na carreira por colegas sem habilitação legal estão também a apresentar queixas ao Ministério Público. A CNN Portugal sabe que há outras instituições licenciadas como formadoras sob suspeita e investigação. Pelo menos desde 2012, muitos docentes dos grupos de Educação Especial denunciam casos de fraude à Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), sempre sem resultado.

Ministério dividido

A Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGAE), no relatório homologado pelo ministro, propõe a cassação dos diplomas especializados dos candidatos inscritos sem o requisito de cinco anos previsto na lei, assim como a nulidade das suas colocações nos concursos de acesso às escolas. No limite, esta medida poderá pôr sob escrutínio os concursos de professores da última década e milhares de professores no ativo.

A DGAE, num parecer datado de 29 de maio, defende a não aplicação das propostas da IGAE homologadas por Fernando Alexandre. “Não se compreenderia, em nome do interesse público, que se colocasse em causa os recursos humanos necessários” (...) [à Educação] Especial, área com carência de professores nalgumas geografias.

O mesmo parecer, assinado por um jurista designado internamente, invoca Marcelo Caetano para distinguir entre a declaração de “atos nulos” e a conformidade do Estado com “alguns dos seus efeitos”. Por um lado, para proteção da segurança jurídica de professores contratados nos últimos anos. Por outro, pelos riscos do eventualmente ressarcimento, em favor do erário público, de valores indevidos de progressão na carreira, entretanto recebidos pelos professores inscritos irregularmente. Por “decisão judicial”, sempre poderiam, mais tarde, levar “à indemnização e à reintegração na carreira” dos visados.

O ministro da Educação e a inspetora-geral, solicitados pela CNN Portugal, não quiseram comentar o assunto.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Escalabilidade e longo prazo: os dois grandes desafios da educação nos primeiros anos

O investimento nos primeiros anos foi, em grande medida, impulsionado pela evidência científica de programas como o Head Start, o Abecedarian Project ou o Perry Preschool Program. Estes três programas mostraram como frequentar a creche e o pré-escolar pode ter impacto significativo no desenvolvimento cognitivo e não-cognitivo das crianças.

Estes programas partilhavam, em geral, algumas características fundamentais. Primeira: eram experiências aleatórias. O acesso das famílias e das crianças era definido por sorteio, funcionando como uma lotaria, de modo a evitar que fatores como as características individuais, o envolvimento parental ou o contexto do aluno determinassem a participação das crianças nestes programas. Foi assim possível isolar o impacto da frequência da creche ou pré-escolar, evitando que outros fatores contaminassem a análise.

Acresce que tanto o Abecedarian como o Perry Preschool Program foram implementados em pequena escala, o que levanta dúvidas quanto à sua sustentabilidade e à possibilidade de serem replicados em contextos de maior dimensão. Existe, por isso, uma discussão sobre o seu impacto de longo prazo e que caminhos precisamos de trilhar para identificar as características que garantem a solidez dos seus resultados.

O Head Start — o programa mais conhecido e com aplicação em larga escala — revela resultados que variam consoante a métrica utilizada e o momento da avaliação. Algumas análises apontam para impactos positivos a curto prazo (à saída do pré-escolar), que parecem depois esbater-se por volta dos 11 anos ou no 3.º ciclo. Contudo, a longo prazo, observam-se efeitos positivos em dimensões como a probabilidade de acesso ao ensino superior ou aspetos comportamentais, incluindo o risco de depressão ou a incidência de comportamentos ilícitos na idade adulta.

Outros dois casos têm merecido atenção. O primeiro é um programa de pré-escolar em Boston que abrangeu crianças entre os três e os cinco anos. Mais uma vez, numa experiência aleatória, algumas crianças passaram de cobertura a tempo parcial para tempo integral. Graças a registos oficiais centralizados, foi possível acompanhar estas crianças ao longo do tempo. Observaram-se assim impactos positivos, sobretudo no final do ensino secundário, nomeadamente maior probabilidade de concluir a escolaridade obrigatória, melhores resultados nos exames de acesso ao ensino superior e maiores taxas de ingresso na universidade.

Um programa no Tennessee — também de grande escala e que abrange, todos os anos, cerca de três quartos das crianças do Estado — apresenta resultados em sentido oposto. Entre 2009 e 2010, também se determinou o acesso das crianças recorrendo a sorteios aleatórios em regiões com excesso de procura. Inicialmente, as crianças que frequentaram o pré-escolar apresentaram melhores desempenhos em literacia e numeracia à saída do programa. No entanto, quando reavaliadas no 6.º ano, esses efeitos tinham desaparecido por completo.


De todos estes exemplos, emergem dois padrões. Por um lado, os impactos no percurso escolar a longo prazo não são consensuais. Por outro, os efeitos positivos são frequentemente mais pronunciados em crianças provenientes de contextos socioeconómicos mais frágeis e em dimensões não-cognitivas e comportamentais.


É por isso necessária mais investigação que nos permita responder não apenas à questão do acesso ao pré-escolar, mas sobretudo ao tipo de acesso, nomeadamente:
  • que práticas em sala mais impulsionam o desenvolvimento das crianças?
  • qual a formação mais adequada para os educadores?
  • que experiências pedagógicas nos primeiros anos estão associadas a melhores resultados, não só imediatos, mas também nos anos seguintes?
Aqui reside também um ponto central no presente debate sobre o pré-escolar e a creche: a escalabilidade. Escalar estes programas significa frequentemente que o investimento por criança é menor, a que acresce menor capacidade de monitorização contínua da sua implementação. É precisamente neste processo que os tão desejados efeitos persistentes podem perder-se.

No contexto português, marcado pela necessária expansão da rede de creches face à oferta ainda diminuta, este é, pois, um tema particularmente relevante no futuro próximo.

Pedro Freitas

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Apoios financeiros decorrentes da celebração de contratos e acordos de cooperação, no âmbito da educação especial, para o ano letivo de 2025-2026

Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2025, de 30 de outubro, altera a Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2025, de 5 de maio, que autoriza a realização da despesa relativa aos apoios financeiros decorrentes da celebração de contratos e acordos de cooperação, no âmbito da educação especial, para o ano letivo de 2025-2026.

Assim:

a) Em 2025 - € 4 190 000,00, com a seguinte distribuição:
i) Estabelecimentos de ensino particular de educação especial - € 1 850 000,00;
ii) Cooperativas e associações de ensino especial e instituições particulares de solidariedade social - € 2 340 000,00;

b) Em 2026 - € 8 380 000,00, com a seguinte distribuição:
i) Estabelecimentos de ensino particular de educação especial - € 3 700 000,00;
ii) Cooperativas e associações de ensino especial e instituições particulares de solidariedade social - € 4 680 000,00.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Associação Portuguesa de Autismo do Norte pede ajuda ao Ministério da Educação

A presidente da Associação Portuguesa para Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do Norte pediu esta terça-feira ao Ministério da Educação que capacite com mais formação professores e auxiliares para uma melhor inclusão das crianças com autismo no ensino regular.

“Nunca tivemos uma parceria com o Ministério da Educação. Foi sempre uma frustração nossa, foi não conseguirmos essa parceira”, lamentou Ana Maria Gonçalves, fundadora e presidente da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do Norte (APPDA – Norte), com sede em Vila Nova de Gaia (Porto).

Em entrevista à Lusa, no âmbito do 41.º aniversário, Ana Gonçalves explicou que nestas quatro décadas o que mais mudou na instituição foi o aumento do número de casos de crianças diagnosticadas com autismo ou com outras perturbações do desenvolvimento.

Por outro lado, assume que há coisas que nunca mudaram ao longo destes 41 anos, como por exemplo a falta de acordos de cooperação entre o Ministério da Educação e APPDA – Norte.

“Sinto que as famílias estão muito frustradas e muito tristes, e quando fazemos reuniões é o desabafo delas”, revelou a responsável da Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS).

Segundo Ana Maria Gonçalves, a inclusão das crianças com autismo está prevista no ensino regular, mas estes menores ficam encostados ao fundo da sala.

“Tudo bem, há inclusão, mas depois o meu filho está encostado ao cantinho, numa cadeirinha no fundo [da sala], porque pelas suas características eles às vezes são um bocadinho desestabilizadores, porque têm esse comportamento. Depois, como os professores estão muito sós, as crianças com aquelas características, normalmente ficam encostadas na sala”, desabafou.

Segundo Ana Maria Gonçalves, uma das formas para capacitar os professores e auxiliares do ensino regular, e até os restantes alunos, seria pôr a associação a dar formação.

“O professor do ensino normal também precisa de aprender, e até as crianças ditas normais, [para] que comecem desde cedo a perceber que há crianças como eles diferentes. Há tudo isto que a sociedade tem de preparar”, argumentou.

Segundo a presidente, seria essencial haver um professor do ensino especial que pudesse estar algumas horas na escola para pôr em prática o programa para estas crianças especiais.

Vânia Silva, vogal da direção da APPDA – Norte, e mãe de um menino de 6 anos com autismo, também lamentou que nas escolas não haja ensino especial na maioria das vezes, nem haja auxiliares capacitados para ajudar os estudantes com autismo.

“Nas escolas, ou não há ensino especial ou o que há é reduzido, e se essa auxiliar está a acompanhar o ensino especial, quando a professor de ensino especial vai, ela continua aquele trabalho. Claro que não é uma profissional, mas recebeu dali muitos ‘inputs’ e consegue treinar com a criança. É fundamental”, considerou Vânia Silva.

Segundo a responsável da associação, seria importante que docentes e auxiliares fizessem formação e a APPDA – Norte presta esse serviço, todavia, até para entrar na escola os técnicos sentem que existem escolas onde "há resistência”.

Um outro apelo que Ana Gonçalves faz é ao Ministério da Saúde, para que haja mais cooperação no sentido de ter visitas de médicos na instituição e ter enfermeiros no apoio diário.

“Era muito importante termos um acordo de cooperação com o Ministério da Saúde (…). Nós precisávamos de um médico que viesse à associação de 15 em 15 dias para que os nossos utentes não tivessem de se deslocar ao centro de saúde”, declarou, explicando que sempre que há uma deslocação ao centro de saúde é “muito problemático”.

Ter um enfermeiro é outra necessidade elencada pela responsável, tendo em conta que é quem “vai conseguir detetar situações às vezes simples” no dia a dia dos utentes.

A APPDA – Norte foi fundada em 1984 e dá apoio 110 pessoas no Porto e Gaia.

Fonte: Porto Canal por indicação de Livresco

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Concurso externo extraordinário de seleção e de recrutamento de docentes para o ano escolar de 2025-2026

Foi publicado o Aviso n.º 26971-A/2025/2, de 27 de outubro, que procede à abertura do concurso externo extraordinário de seleção e de recrutamento de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar de 2025-2026, previsto no Decreto-Lei n.º 108/2025, de 19 de setembro.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Movimento Cidadão Diferente critica apoios a colégios privados de ensino especial

O Movimento Cidadão Diferente manifestou este sábado profundo desagrado perante a decisão do Governo de reforçar em 2,9 milhões de euros o apoio aos colégios privados de ensino especial, medida que considera contrária ao espírito da educação inclusiva.

Em comunicado, este movimento recordou que o decreto-lei n.º 54 de 2018, que estabelece os princípios e as normas que garantem a inclusão, refere que a educação inclusiva deve garantir a presença, a participação e o sucesso de todos os alunos independentemente das suas características pessoais e das suas necessidades específicas.”E aponta como caminho a transformação das práticas das escolas regulares para que possam responder à diversidade e criar ambientes de aprendizagem acessíveis e colaborativos reforçando os apoios dentro da escola comum e não através de respostas segregadas fora dela”, sublinhou.

Segundo este movimento, este diploma traduz uma visão de escola aberta a todos onde cada criança e jovem tem lugar e direito a aprender em conjunto com os seus pares. Por isso, acrescentou, a decisão de canalizar milhões de euros para colégios privados de ensino especial vai em sentido oposto ao que este diploma defende, pois representa um investimento na separação e não na inclusão. “É um sinal claro de que o Governo continua a não apostar de forma consistente na escola pública regular, que é onde deve acontecer a verdadeira inclusão”, considerou.

O Movimento Cidadão Diferente ressalvou que o Estado, em vez de dotar as escolas com recursos humanos, técnicos e materiais de que precisam para responder à diversidade, opta por financiar estruturas paralelas que perpetuam uma lógica de exclusão e marginalização.

Os Centros de Recursos para a Inclusão têm vindo a denunciar reiteradamente a falta de investimento e de condições para dar resposta adequada aos alunos com necessidades específicas, apontou. Para o movimento, as equipas estão sobrecarregadas, os meios são escassos e o financiamento é insuficiente para garantir acompanhamento terapêutico psicológico e pedagógico contínuo, o que compromete o direito à aprendizagem e o princípio de igualdade de oportunidades.

A educação inclusiva não é uma opção, mas sim uma obrigação legal, moral e um compromisso com a dignidade humana e com a justiça social, vincou. Motivo pelo qual o Movimento Cidadão Diferente apelou a uma inversão urgente de prioridades, pedindo ao Governo que invista, de forma clara, na escola pública e regular para garantir recursos permanentes, equipas multidisciplinares e formação contínua de professores. “Condições para que todos os alunos possam aprender juntos na diferença e com respeito mútuo”, concluiu.

Fonte: Observador por indicação de Livresco

Empregabilidade inclusiva: o valor ainda por reconhecer em Portugal

A diversidade, a equidade e a inclusão estão cada vez mais presentes na agenda social e empresarial, mas, ainda assim, a empregabilidade de pessoas com deficiência continua a enfrentar obstáculos muito significativos.

Segundo o relatório Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2024 (ODDH), em 2022, a taxa de emprego das pessoas com deficiência em Portugal era de 65%, contra 79,7% da população sem deficiência. No desemprego, o contraste repete-se: 14,7% nas pessoas com deficiência, com idades entre os 20 e os 64 anos, face a 9,1% dos restantes. O relatório destaca ainda que apenas 46,1% das pessoas com deficiência grave têm trabalho.

Mais do que cumprir as obrigações legais, contratar pessoas com deficiência é um ato de justiça social e cidadania, que reconhece o potencial destes profissionais ao criar-lhes oportunidades para que possam contribuir de forma positiva para a sociedade e para a economia. As competências destas pessoas têm um valor económico real e é necessário aprender a reconhecer esse valor. São as equipas diversificadas que tornam as empresas mais inovadoras, criativas e colaborativas. Em Portugal, já existem várias empresas, de diferentes dimensões e setores, que integram pessoas com deficiência de forma estruturada e consistente, ganhando não só em competitividade, mas também em reputação junto dos investidores, equipas e clientes.

Apesar dos avanços na integração de jovens com deficiência, ainda persistem barreiras culturais, comunicacionais e estruturais. A falta de informação leva a receios e crenças desajustadas por parte das empresas, mas que podem ser ultrapassados recorrendo aos recursos práticos e guias de boas práticas disponíveis no mercado, para as orientar nas abordagens ao recrutamento, integração e desenvolvimento de carreira de pessoas com deficiência.

A inclusão não tem de ser complexa nem cara. Muitas vezes, são as pequenas mudanças que geram os maiores impactos. Algo tão simples como disponibilizar informação acessível, criar programas de mentoria interna, dar feedback valorizando competências ou envolver as equipas nas adaptações faz toda a diferença. Formações rápidas sobre diversidade e inclusão, processos de recrutamento acessíveis, entrevistas adaptadas ou a construção de uma cultura organizacional inclusiva são passos concretos e ao alcance de qualquer entidade empregadora.

As empresas não estão sozinhas neste caminho. Podem contar com parcerias locais, associações, centros de apoio, ou até mesmo plataformas online e organizações especializadas que facilitam o recrutamento inclusivo e prestam apoio técnico às empresas em todas as fases, desde a adaptação do posto de trabalho à sensibilização das equipas, até ao acompanhamento pós-colocação. (...)

Susana Lavajo

Fonte: Extrato do texto do Público

sábado, 25 de outubro de 2025

Professores de Educação Especial: “Estamos a fazer um acompanhamento de armazém”

Foi uma luta de quatro anos. Tantos quantos os que Diana esteve à espera de vaga numa escola que acolhesse os seus dois fi lhos gémeos, diagnosticados com autismo, hiperactividadee outras comorbilidades. Não falam, mas comunicam de outras formas. "Se querem alguma coisa empurram-me para o sítio ou levam a minha mão. Às vezes dizem alguma coisa com intenção, outras vezes dizem por dizer. Outra questão é que são fugitivos. Não têm noção do perigo."

Durante esses quatro anos, a família virou-se para dentro e a casa transformou-se numa espécie de creche improvisada. "Não conheciam muitas mais pessoas, não lidavam com mais crianças, o que não era benéfico para desenvolverem as suas competências sociais." Até que as vagas apareceram, mas o ensino inclusivo que esperava para os seus fi lhos não. "No primeiro ano de pré-escolar, ou seja, no ano passado, a primeira reunião que tivemos para fazer o RTP [o relatório técnico-pedagógico, que fundamenta a necessidade de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão] foi em Fevereiro, quase seis meses depois de a escola já ter começado", diz esta mãe.

Este ano, quase no final de Outubro, ainda não têm professora de Educação Especial. Frequentam uma escola pública no distrito de Setúbal, mas as dificuldades em conseguir um lugar foram iguais mesmo no privado. Essa demora na integração numa escola teve consequências no desenvolvimento destas crianças, que têm hoje cinco anos. "Até no parque a brincar com outros meninos estavam muito no mundo deles, o que acabou por melhorar muito depois de terem entrado na escola", diz Diana, que tem mais duas fi lhas, com 14 e 11anos, e enfrentava tudo isto num contexto de violência doméstica.

Não é um relato isolado de como a educação inclusiva não está a chegar a todos os alunos que dela necessitam. "Estamos quase no final de Outubro e muitas crianças ainda estão sem apoio. Às vezes os professores que estão a dar apoio no início do ano ficam com uma turma porque há falta de professores e deixam depois de dar esse apoio. Algum dia isto vai ter de acabar e o Estado vai ter de assumir que é sua obrigação garantir uma educação equitativa", nota Lourenço Santos, membro do Movimento por uma Inclusão Efectiva, que tem posto este tema na agenda. (...)

Em 2023/24, eram 93.696 os alunos a quem tinham sido mobilizadas medidas selectivas ou adicionais — por comparação, em 2020/21, eram 78.268 os estudantes sinalizados. A taxa de incidência global ronda os 8%, mas no 2.º e no 3.º ciclo é superior aos 10%. Tem havido um aumento do número de alunos sinalizados, que acabam por ser referenciados cada vez mais cedo, enquadra Ana Simões, coordenadora do departamento de Educação Especial e educação inclusiva da Federação Nacional dos Professores (Fenprof).

"Os levantamentos que temos feito anualmente mostram cada vez mais falta de recursos para responder às necessidades de cada aluno, sejam mais docentes de Educação Especial, psicólogos, terapeutas ou assistentes operacionais. Sem estes recursos, a educação inclusiva torna-se um bocado fantasia", observa. (...)

"Os alunos estão na escola. É onde devem estar, ao pé dos seus colegas, mas depois falta a resposta adequada para cada uma das características, coisas tão simples como ter um assistente operacional com um aluno o dia todo. É por isso que há muita contestação, quer dos pais destes alunos, que exigem e bem que o direito à educação seja cumprido, quer dos docentes porque não conseguem dar a resposta a estes alunos nem aos outros porque estão sozinhos nas salas. Raras são as turmas que têm apenas um aluno com necessidades específicas e a diferenciação pedagógica com turmas de 25, 28, 30 alunos é impossível", nota. (...)

Rui Foles traça o mesmo cenário: "Nós, professores de Educação Especial, sentimo-nos a enganar os encarregados de educação. Apesar de alertarmos, não estamos a prestar o serviço  que deveríamos prestar aos alunos. Estamos a fazer um acompanhamento de armazém em que recebemos os alunos e estamos a acompanhá-los só para chegarem ao fi m do dia sem problemas."

Falta, como diz, "uma ligação professores - médicos - família". Uma das sugestões que faz é que a lei de educação inclusiva seja revista. "Temos uma manta de retalhos em que temos de chegar aos que têm uma dificuldade cognitiva ligeira e aos que são autistas não verbais , por exemplo. E temos de andar aqui a fugir de um lado para o outro e tentar socorrer todas as pontas, cheios de burocracia, sem terapias", diz o professor. Além disso, insiste que o rácio de alunos por professor e auxiliares tem de ser cumprido e que os professores que trabalham nas unidades de ensino estruturado deveriam ter uma majoração no vencimento ou no tempo de serviço. (...)

Até lá, "as crianças continuam a ver o futuro comprometido com estes atrasos ano após ano", lamenta Lourenço Santos. "Se o Estado não quer investir na educação acabará, mais à frente, a subsidiar estas crianças porque não tiveram o apoio que seria suposto e vão ser jovens adultos muito menos autónomos e muito menos independentes do que aquilo que poderiam ser."

Fonte: Excertos da notícia do Público

Quase 500 crianças com necessidades educativas especiais em risco de ficar sem apoio escolar

Quase 500 crianças com necessidades educativas especiais estão em risco de ficar sem qualquer tipo de apoio escolar. Os colégios particulares, para onde foram encaminhadas pelo Ministério da Educação, estão sem dinheiro. O jornal Público conta que a verba transferida pelo Estado não é atualizada há dois anos e, por isso, há colégios que podem fechar portas ainda este ano letivo. Em declarações à TSF, o presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular, Rodrigo Queiroz e Melo, lembra que o problema repete-se há vários anos.

"Vivemos anos de inflação, os trabalhadores têm direito às suas progressões na carreira e é absolutamente fundamental o Governo resolver este assunto, que representa uma ínfima parte do Orçamento do Estado para a educação", explica à TSF Rodrigo Queiroz e Melo, referindo que estas "são crianças que não têm outra alternativa".

"Não são crianças que se possa dizer que no ano letivo seguinte estarão no ensino geral. Elas vieram do ensino geral por não haver nenhuma resposta para eles, estamos a falar de alunos com enormes dificuldades educativas, são alunos enviados para o colégio pelo Ministério da Educação e, por isso, queremos confiar que este Governo vai resolver de vez a questão", sublinha.

Para resolver a crónica falta de financiamento, Rodrigo Queiroz e Melo pede uma verba de dez mil euros anuais por cada criança com necessidades especiais.

"Neste momento, o Ministério da Educação paga por cada aluno, durante um ano, seis mil euros. Sabemos que um aluno no ensino estatal custa pelo menos 7500 euros. O Estado gasta em média com os seus alunos em turmas grandes e com um professor em cada turma mais do que aquilo que paga para a escolarização destes alunos [com necessidades especiais]. Percebe-se que o valor está completamente desajustado, é necessário um valor que não seja inferior a mil por mês, portanto, dez mil euros por ano", argumenta.

Cinco colégios de educação especial escreveram uma carta ao Ministério da Educação, na semana passada, para pedir "uma resposta urgente à situação de insustentabilidade financeira e risco de encerramento". Na passada quarta-feira, os pais e representantes dos colégios esperavam ser recebidos no Parlamento, mas o encontro foi adiado, devido ao luto nacional decretado pela morte de Francisco Pinto Balsemão.

Fonte: TSF por indicação de Livresco

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A máquina do Estado falha na educação inclusiva

Ao longo desta semana, temos publicado uma série de artigos sobre os sectores públicos onde a máquina do Estado mais tem falhado — sobretudo pela dificuldade em atrair e captar mais profissionais. Já falámos sobre os técnicos de reinserção social, os oficiais de justiça e de registo, os magistrados e os profissionais de saúde. Nos próximos dias, chegaremos à Educação, em particular, à falta de professores e de assistentes operacionais nas escolas e ao impacto que isso tem na educação inclusiva, em particular nos alunos com necessidades específicas.

Alunos com deficiência, perturbações do espectro do autismo, dislexia ou hiperactividade precisam, muitas vezes, de medidas adicionais: apoio psicopedagógico reforçado, adaptações curriculares ou terapias específicas. Mas, quase dois meses após o início do ano lectivo, há escolas que continuam sem todos os professores de Educação Especial de que necessitam. Há turmas e centros de apoio sobrelotados, faltam assistentes operacionais e muitas terapias não estão a ser asseguradas. Há alunos sem o acompanhamento adequado e pais preocupados com o desenvolvimento dos seus filhos.

Como me disseram vários professores, o ensino que está a ser prestado a estas crianças com necessidades específicas está longe do que deveria ser. “Nós, professores de educação especial, sentimo-nos a enganar os encarregados de educação. Apesar de alertarmos, não estamos a prestar o serviço que deveríamos prestar aos alunos. Estamos a fazer um acompanhamento de armazém em que recebemos os alunos e estamos a acompanhá-los só para chegarem ao fim do dia sem problemas”, disse-me Rui Foles, professor de Educação Especial, que, no ano passado, apresentou uma escusa de responsabilidades por trabalhar há meses numa unidade de ensino estruturado sobrelotada.

Há um mês, à porta do Ministério da Educação, em Lisboa, o Movimento por uma Inclusão Efectiva voltou a denunciar esta realidade. Mesmo depois de a Assembleia da República ter debatido a petição pública Por uma Inclusão Efectiva nas Escolas, nenhuma das medidas propostas foi, até agora, implementada. O movimento exige a fiscalização do decreto-lei 54/2018, que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva.

Em 2022, um relatório da OCDE sobre a educação inclusiva em Portugal reconhecia que existia “um compromisso generalizado com os princípios da diversidade, equidade e inclusão”, mas alertava para grandes disparidades nas práticas das escolas. O documento apontava várias fragilidades: a insuficiente preparação inicial e contínua dos professores em inclusão, e uma visão ainda demasiado limitada da diversidade, centrada apenas nos alunos com necessidades educativas especiais.

E deixava algumas recomendações: a criação de uma estrutura coordenada de apoio local às escolas e aos agrupamentos na promoção da equidade e da inclusão, a construção de um sistema de financiamento “coerente”, o reforço da monitorização e avaliação da educação inclusiva, a melhoria da formação, do recrutamento, retenção e atractividade da profissão docente.

No dia da manifestação, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, reconheceu que, tal como noutras áreas do sistema educativo, também na educação inclusiva há falhas. Comprometeu-se a reforçar os meios disponíveis nas escolas e anunciou que está em curso uma avaliação a este regime, que deverá estar concluída até Outubro. Contudo, as eventuais alterações só deverão ser implementadas no próximo ano lectivo.

Até lá, para muitos pais e alunos, as dificuldades continuarão.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

EDP abre candidaturas para programa de formação profissional para pessoas com deficiência

A EDP lança o RiseAbility, uma iniciativa ibérica destinada a preparar e a capacitar pessoas com deficiência para o mercado de trabalho. Com duração de um mês, o programa tem como objetivo fortalecer competências, promover a inclusão, e fomentar a diversidade no ambiente profissional

A EDP abriu candidaturas para o programa RiseAbility, uma iniciativa inovadora que visa capacitar pessoas com deficiência, visível ou invisível, ajudando-as a superar barreiras existentes no acesso ao mercado de trabalho. As candidaturas estão abertas a partir de hoje, dia 13 de outubro, até ao final do mês e o programa decorrerá de 10 de novembro a 19 de dezembro. As candidaturas podem ser feitas aqui.

Com o lançamento desta iniciativa, a EDP reforça o seu compromisso em criar um ambiente de trabalho mais inclusivo e de promoção da diversidade. O programa, maioritariamente online para garantir total acessibilidade, está estruturado em seis etapas.

Na primeira etapa, o programa irá focar-se no autoconhecimento, para que os participantes identifiquem os seus pontos fortes e definam objetivos de desenvolvimento. Na segunda etapa, o objetivo será desenvolverem competências-chave como gestão do tempo, produtividade e gestão de expectativas no local de trabalho. Na terceira, os participantes terão a oportunidade de acompanhar profissionais da EDP, numa experiência prática em ambiente profissional.

Na quarta etapa, o foco será a resolução de problemas, pensamento crítico e a gestão de tarefas, com feedback personalizado. Na quinta e penúltima etapa, os participantes serão incentivados a explorar o networking, a desenvolver a sua marca pessoal e a aproveitar oportunidades de mentoria. Já na última etapa, o foco será preparar os participantes para o mercado de trabalho, através de simulações de entrevistas, revisão de currículos e estratégias eficazes de procura de emprego.

A integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um fator decisivo para promover a inclusão social, a independência económica e a valorização pessoal de todos os cidadãos. Por isso, a EDP tem procurado reforçar o seu compromisso em garantir a igualdade de oportunidades, demonstrando empenho com o recrutamento e desenvolvimento de pessoas com deficiência.

Para este programa, a EDP conta em Portugal com três parceiros, a Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão (APPDI), a Valor T e o Nova SBE Inclusive Community Forum.

A EDP assume-se como empresa líder mundial no sector da energia, com presença na Europa, América do Norte, América do Sul e Ásia-Pacífico. A empresa opera em quatro plataformas principais (Ativos de Produção Renovável, Redes, Soluções para Clientes e Gestão Global de Energia), com cerca de 12000 colaboradores em todo o mundo, às quais proporciona uma experiência de trabalho que tem sido certificada e reconhecida por diferentes entidades, como o Top Employers Institute ou a revista Forbes.

Para mais informações consulte o site da EDP aqui.

Fonte: EDP

Alunos de ensino especial da Cercifeira continuam sem aulas

O ano letivo começou há cerca de mês e meio, mas os alunos do ensino especial da Cercifeira, no concelho de Santa Maria da Feira, continuam sem aulas, por falta de professor. E não há data para as aulas começarem. O Ministério da Educação, Ciência e Inovação acusa a instituição de não ter pedido atempadamente um professor.

"É uma situação inadmissível", considera Cátia Santos, mãe de um dos cinco alunos que compõem a turma de ensino especial. Diz que o filho está "muito fragilizado" e a fazer "medicação de SOS todos os dias", devido à falta das aulas especificas. "Estas crianças precisam de rotinas para terem estabilidade emocional e comportamental", explicou a encarregada de educação. Os dias têm sido de sobressalto constante e com poucas horas de sono: "Como o meu filho está instável e exige cuidados permanentes não tenho dormido mais de quatro horas."

Para além da Cerci, Cátia contactou vários organismos, entre os quais a "Inspeção Geral de Educação, o Ministério da Educação e Ciência, a DGESTE - Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares, e a DGAE - Direção-Geral da Administração Escolar", mas sem sucesso na resolução do problema. (...)

Fonte: JN por indicação de Livresco

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Uma IA inclusiva: apoiando alunos com necessidades educacionais especiais

A OCDE vai realizar uma webinar , no dia 7 de novembro, pelas 15:00 horas (CET).

Como a inteligência artificial pode ajudar a criar ambientes de aprendizagem mais inclusivos para alunos com necessidades educacionais especiais? E por que é importante aprofundarmos a nossa compreensão sobre como avançar e usar a IA de forma responsável no contexto da educação especial para promover a equidade e a inclusão nas escolas e na sociedade?

Neste webinar vão apresentar as conclusões de um recente documento de trabalho da OCDE, intitulado «Aproveitar a inteligência artificial para apoiar alunos com necessidades educativas especiais», que analisa ferramentas de IA concebidas para ajudar alunos com necessidades diversas a atingir os seus objetivos educativos. Em seguida, juntamente com um painel de especialistas, analisam-se as bases de investigação, os processos de desenvolvimento e as aplicações práticas de ferramentas de IA selecionadas, destacando tanto os seus potenciais benefícios como os riscos associados.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Pão com Coração: a padaria inclusiva que está a mudar vidas em Cascais

Tudo começou quando Cláudia da Silva Mataloto e a sua equipa do Cascais Food Lab descobriram que existem mais de duas mil pessoas com necessidades especiais no concelho de Cascais. “Como já estávamos a trabalhar na área da pastelaria e padaria, achámos que seria uma ótima oportunidade para oferecer formação e saída profissional a pessoas com deficiência. A verdade é que nem sempre têm as mesmas oportunidade ou são valorizadas pelas suas competências”, começa por explicar a coordenadora de comunicação.

Por isso, com ajuda da Cercica (Cooperativa de Educação, Reabilitação e Capacitação para a Inclusão em Cascais), foi criado há cerca de três anos um novo curso de técnico de padaria e pastelaria. “A seleção é feita por eles, mas temos reparado que são escolhidas pessoas com deficiências cognitivas e ligeiras deficiências motoras. Ainda assim, é possível incluir pessoas com certo nível de incapacidade”.

O curso, “construído de raiz”, equivale ao 12.º ano, à semelhança de qualquer curso profissional. A diferença é que o curso e as aulas estão adaptadas às condições dos alunos. Depois das aulas, é realizado um estágio onde os alunos vão para locais particulares, que os acolhem. “Da primeira turma de sete pessoas, seis estão empregados e dois ficaram no local onde estagiaram“.

Além disso, os jovens têm oportunidade de ingressar no programa Erasmus, que os leva durante uma semana a conhecer novas realidades. “O ano passado fomos à Finlândia”, recorda Cláudia.

Desta formação nasceu necessidade de aplicar todo o conhecimento a um contexto real, além de ser essencial mostrar à comunidade todo o trabalho desenvolvido. Por isso, a 24 de setembro, abriu ao público a Pão com Coração no Mercado da Vila de Cascais.

“As pessoas que passam pelo mercado podem ver a turma a executar as suas tarefas, bem como comprar os produtos. Funciona como uma padaria regular, mas todo o serviço é feito exclusivamente pelos alunos, com orientação dos professores”.

Antes do estágio, este é o primeiro contacto dos alunos com o “mundo real” e dá oportunidade do público interagir com o projeto. “Podem vê-los a trabalhar, colocar questões e há uma dinâmica com o público. É bom para desenvolver as skills de comunicação, desenvolvimento pessoal e autoestima”.

O Pão com Coração promete ainda ser um catalisador social. “Aqui, os formandos encontram não apenas um local de aprendizagem e experimentação, mas uma ponte para a autonomia financeira e para a valorização das suas competências pela comunidade”, salienta a Câmara Municipal de Cascais. (...)

Fonte: New in Cascais por indicação de Livresco

sábado, 18 de outubro de 2025

Podem o vocabulário e a compreensão auditiva ajudar alunos com dislexia?

Os adolescentes com dislexia enfrentam frequentemente dificuldades na compreensão da leitura, a par de défices na fluência. No entanto, apesar destes défices, alguns destes adolescentes conseguem atingir níveis de compreensão adequados, fenómeno designado por resiliência na compreensão da leitura. O estudo de Lefèvre e colaboradores (2025) procurou perceber de que forma o vocabulário, a compreensão auditiva e o nível socioeconómico contribuem para essa resiliência em adolescentes com dislexia, oriundos de contextos desfavorecidos. Participaram 95 alunos, do 9.º ao 11.º ano de escolaridade, e os resultados da investigação estão publicados no artigo «Reading comprehension resiliency in adolescents with and without dyslexia relates to vocabulary, listening comprehension and socioeconomic status» da revista Learning and Instruction.

Introdução

A dislexia é um problema de aprendizagem que afeta a fluência da leitura, a descodificação de palavras e a ortografia. Embora as competências de descodificação e compreensão geralmente estejam associadas, uma percentagem significativa de pessoas com dislexia alcança uma compreensão leitora acima do que se poderia prever. Isto é reconhecido na literatura científica como resiliência na compreensão da leitura (Jackson & Doellinger, 2002)., i. e., a capacidade de compreender bem um texto mesmo com dificuldades na leitura em voz alta ou na leitura rápida.

Estudos anteriores sugerem que esta resiliência pode dever-se a boas capacidades linguísticas orais, especialmente no que diz respeito à semântica (e. g. vocabulário e compreensão auditiva) (Welcome et al., 2009). A investigação mostra ainda que o nível socioeconómico influencia significativamente o desenvolvimento da linguagem. As crianças de famílias com nível socioeconómico elevado tendem a ser mais expostas a uma linguagem rica e variada, o que favorece o desenvolvimento da compreensão oral e do vocabulário. Por outro lado, crianças de meios desfavorecidos têm maior risco de dificuldades linguísticas e de leitura. Essas disparidades no ambiente linguístico ajudam a explicar a associação entre baixo nível socioeconómico e capacidades verbais reduzidas. Assim, o nível socioeconómico surge como um factor preditor precoce das competências verbais, como o vocabulário e a compreensão auditiva (e. g. Carlie et al., 2024; Fernald et al., 2013).

Quando se juntam as dificuldades de processamento fonológico, na dislexia às desvantagens linguísticas associadas ao baixo nível socioeconómico, aumenta-se o risco de dificuldades graves na leitura (Catts & Petscher, 2022).

Estudo de Lefèvre e colaboradores (2025)

O estudo investigou de que forma o vocabulário e a compreensão auditiva ajudam a explicar a resiliência na compreensão da leitura em adolescentes com dislexia, sobretudo quando pertencem a níveis socioeconómicos desfavorecidos.

Participantes: dois grupos de adolescentes franceses, do 9.º ao 11.º ano.
  1. Grupo com dislexia: n = 56 (31 do sexo feminino e 25 do sexo masculino);
  2. Leitores típicos: n= 39 (30 do sexo feminino e 9 do sexo masculino).
Para o grupo com dislexia, exigia-se um diagnóstico formal. Nenhum participante tinha histórico de lesão cerebral, défices auditivos ou visuais não corrigidos.

Os grupos foram equiparados quanto à idade cronológica (de 12,7 anos a 18 anos) e ao raciocínio não-verbal.

Nenhum participante obteve resultados abaixo do percentil 5 em testes de vocabulário e compreensão verbal, o que garantiu a exclusão de casos com perturbação do desenvolvimento da linguagem, condição frequentemente comórbida (i. e, que co-ocorre) com a dislexia.


Tabela 1. Instrumentos

Principais resultados

Na comparação entre os grupos, não foram encontradas diferenças significativas na compreensão leitora. Este resultado confirma a resiliência na compreensão leitora em adolescentes com dislexia. Isto é, apesar de dificuldades claras na fluência da leitura e na consciência fonológica, adolescentes com dislexia conseguem ter bons níveis de compreensão leitora, reforçando a ideia de que a dislexia afeta a descodificação das palavras, mas não necessariamente a compreensão.

Além disso, o vocabulário e a compreensão auditiva estavam preservados nos participantes com dislexia, o que sugere que as dificuldades semânticas não são uma característica central da dislexia, mas sim uma consequência de menor exposição à leitura.

Os resultados sugerem que a resiliência na leitura decorre do uso estratégico das capacidades semânticas para compensar as dificuldades de leitura (por exemplo, deduzindo o sentido do texto através do conhecimento prévio e do vocabulário, mesmo lendo devagar — semantic bootstrapping). Por outro lado, a ausência daquelas capacidades pode levar a um perfil típico de maus compreendedores — com boa fluência, mas compreensão deficitária.

O estudo concluiu ainda que o nível socioeconómico influencia indiretamente a compreensão da leitura, através do seu impacto no vocabulário e na compreensão auditiva. Contextos familiares mais ricos em estímulos linguísticos favorecem o desenvolvimento de capacidades semânticas; contextos mais desfavorecidos representam um risco adicional, uma vez que a qualidade e a quantidade das interações linguísticas precoces afetam o desenvolvimento da linguagem. Neste sentido, crianças de níveis socioeconómicos mais desfavorecidos podem desenvolver perfis semelhantes aos dos maus compreendedores; enquanto crianças de nível socioeconómico elevado, ainda que com dislexia, podem apresentar maior resiliência na compreensão leitora, o que evidencia o papel crítico do ambiente familiar. Intervenções familiares precoces, centradas na interacção pais-filhos, podem impulsionar significativamente o desenvolvimento da linguagem (Leung et al., 2020). Alguns programas escolares também têm sido eficazes em aumentar o vocabulário e o conhecimento semântico.

Conclusões e Implicações para a prática
  • As capacidades semânticas bem desenvolvidas (vocabulário e compreensão auditiva) ajudam a compensar défices na leitura em adolescentes com dislexia, permitindo uma boa compreensão de textos.
  • O nível socioeconómico influencia o desenvolvimento do vocabulário e da compreensão auditiva, tornando-se um factor de risco ou protecção para a resiliência na compreensão leitora.
  • As estratégias de intervenção devem apostar no desenvolvimento da linguagem oral e no ensino do vocabulário, sobretudo em contextos socioeconómicos desfavorecidos, para apoiar não só os alunos com dislexia, mas todos os alunos em risco de dificuldades na leitura.
Este texto é um resumo do artigo «Reading comprehension resiliency in adolescents with and without dyslexia relates to vocabulary, listening comprehension and socioeconomic status», disponível aqui.