O cancro infantil mais frequente é um cancro do sangue e tem um nome tão assustador como a própria doença: leucemia linfoblástica aguda. Atinge sobretudo crianças com menos de cinco anos e caracteriza-se pela acumulação, na medula óssea e no sangue, de glóbulos brancos imaturos, incapazes de lutar contra as infecções. Como a medula já não fabrica suficientes células funcionais - incluindo glóbulos vermelhos e plaquetas –, os doentes ficam anémicos. Sem tratamento, morrem em poucas semanas.
Cerca de 15 por cento dos casos de leucemia linfoblástica aguda devem-se mais à proliferação descontrolada das células precursoras de um tipo de glóbulos brancos: os linfócitos T, as mesmas células imunitárias que são o alvo privilegiado do vírus da sida. Até aqui, pensava-se que a leucemia aguda de células T se devia a mutações genéticas num gene – induzidas, por exemplo, pela exposição do feto a radiações –, mas uma equipa liderada por João Taborda Barata, do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa (IMM), desvendou agora um mecanismo totalmente diferente de cancerização. Os resultados acabam de ser publicados online pela revista Journal of Clinical Investigation e poderão abrir o caminho a novos tratamentos.
A equipa – constituída por elementos do IMM e do Hospital de Santa Cruz em Carnaxide, do Centro Infantil Boldrini em Campinas no Brasil, da Universidade de Dundee no Reino Unido e da Universidade do Indiana nos EUA – mostrou que a leucemia aguda de células T também pode ser desencadeada, directamente, pela interacção de duas proteínas presentes dentro das células. Uma delas, a PTEN, é uma proteína que inibe o desenvolvimento dos tumores malignos. Já se sabia que, nesta leucemia, esta proteína se encontrava inactivada (razão por que se pensava que o responsável fosse uma mutação no gene que comanda o seu fabrico). Mas o que os cientistas descobriram agora é que uma enzima, a CK2, que é capaz de alterar quimicamente outras proteínas celulares, consegue “cortar” uma pontinha da PTEN e torná-la inactiva. A partir dai, as consequências são as mesmas: cancerização da célula e desenvolvimento da leucemia. Os cientistas colheram amostras de sangue em doentes com leucemia linfoblástica aguda de células T e mostraram que, efectivamente, o gene da PTEN destas células era normal e que a culpada pelos estragos era a CK2. Para mais, escrevem, as células apresentavam níveis anormalmente altos de radicais livres, que também contribuem para a inactivação da PTEN. “O que se passa é que há inactivação da PTEN por mecanismos que afectam a actividade da proteína. A consequência final é exactamente a mesma que a mutação genética da PTEN: a activação de uma via tumoral, que ocorre na larga maioria dos casos de leucemia T”, diz Ana Silva, co-autora do trabalho, citada num comunicado do IMM.
Os cientistas mostraram também que, in vitro, a aplicação de inibidores da CK2 aos linfócitos T reactiva a proteína PTEN, o que então provoca a morte das células cancerosas – algo que não acontece quando esses mesmos inibidores da CK2 são aplicados a linfócitos T normais. “Com os nossos resultados, conseguimos também revelar potenciais novos alvos terapêuticos contra as leucemias T”, salienta João Taborda Barata no mesmo documento.
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