sábado, 15 de novembro de 2025

Mariana é médica, surda e a primeira nativa de língua gestual no SNS

Mariana Couto Bártolo nunca ouviu um som na vida. A surdez passou despercebida quase até aos dois anos, mas o diagnóstico foi contundente: “Surdez neurossensorial profunda.” Aos 29 anos, é médica interna no ano comum de formação – é médica com surdez profunda desde que nasceu e a primeira falante nativa de língua gestual portuguesa no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Diz que ser surda lhe dá “uma sensibilidade e uma maneira diferente de observar os doentes”.

A médica, nascida em Setúbal e criada em Lisboa, conseguiu “mascarar” a surdez até aos dois anos – “vivia numa casa antiga com soalho de madeira e, quando sentia as vibrações, do chão virava-me” —, mas foi denunciada pelo ladrar de um cão: “Na creche havia um cão que ladrava sempre que os pais iam buscar as crianças”, recorda. Todas as crianças reagiam quando ouviam o cão, excepto Mariana, que continuava absorta nas suas brincadeiras.

Ironicamente (ou não), o seu primeiro sonho foi ser médica veterinária. Só no 9.º ano é que mudou de ideias, depois de uma professora de Matemática lhe ter “plantado a semente” da Medicina. “Esta professora perguntou-me por que é que eu não considerava ser médica e ajudar outras pessoas surdas”, lembra. E assim foi.

O percurso até lá chegar foi “desafiante”. Em conversa com o P3, lembra que as barreiras tiveram de ser ultrapassadas com “criatividade”, mesmo no curso de Medicina da Universidade Nova de Lisboa. As aulas tinham de ser “gravadas e transcritas” em conjunto com os colegas, que também reviam “o conteúdo cientificamente”.

O exame oral da “temível cadeira de Anatomia” foi outro dos momentos que lhe ficaram na memória: o professor não acedeu ao pedido de uma avaliação por escrito. “Não por discriminação”, ressalva, mas porque achou que reunia condições para a prova oral.“No dia do exame estava muito assustada, sobretudo porque não me ia expressar de uma forma que é natural para mim — tenho voz de surda”, confessa.

“Deaf gain”

Foi com esforço (e uma boa dose de criatividade) que chegou ao consultório. Hoje, admite, a comunicação com os doentes pode tornar-se desafiante, mas isso não a assusta: “Ao longo de toda a minha vida sempre me adaptei aos outros, tentando várias formas de comunicar até me entenderem”.

“Começo pela via oral, esclarecendo que sou surda e que faço leitura labial. Se me compreenderem e eu a eles, o que acontece na maioria dos casos, o atendimento prossegue assim”, exemplifica. Quando a comunicação não é clara, escrever num papel ou no computador as perguntas que precisa de ver esclarecidas é a estratégia que usa.

No contacto com os doentes, acredita que a surdez a dotou de uma “sensibilidade” e forma de observar as pessoas e a sua expressão facial que se revela muito útil. Explica que na comunidade surda existe o conceito de deaf gain, que alude à surdez não como uma deficiência, mas como algo positivo e vital para a diversidade humana, o “reconhecimento e valorização das experiências e habilidades únicas das pessoas surdas”, esclarece Mariana.

Ainda há quem acredite que Mariana não pode “exercer qualquer especialidade, especialmente as que envolvem muita comunicação”, mas a médica rejeita essa opinião: são “barreiras impostas pela sociedade e pelo que é considerado a norma” e que podem ser facilmente ultrapassadas, especialmente com o recurso à tecnologia.

“Tenho as mesmas responsabilidades do que qualquer outro colega no mesmo patamar e cumpro as minhas funções com rigor.”

A língua gestual como primeira língua

A principal diferença surge quando, à sua frente, encontra alguém que também é surdo. É a primeira médica falante nativa de língua gestual portuguesa e, na comunicação com doentes surdos (especialmente nos casos mais complexos de doentes oncológicos ou internamentos psiquiátricos), já teve um papel essencial.

“A informação, transmitida com clareza, pode ser um factor determinante para a forma como os doentes surdos controlam e encaram o seu estado de saúde”, acredita. “Ainda há um longo trabalho por fazer” no SNS para que as pessoas surdas “possam ter acesso universal à saúde”, admite.

Essa diferença sente-se não apenas no acesso à saúde, mas também no acesso à educação. Depois de ter passado os primeiros anos de formação no Instituto Jacob Rodrigues Pereira (com ensino especializado para crianças surdas), a médica escolheu o ensino regular e chegou a ter “algumas horas de aulas por semana com recurso a intérpretes de língua gestual portuguesa”. Contudo, Mariana descobriu que “não gostava desse tipo de comunicação”, por ver o intérprete como um “intermediário”.

Preferindo sempre uma comunicação directa com as pessoas, optou, a partir do 9.º ano, por não ter intérprete nas aulas e esclarecer as suas dúvidas directamente com os professores.

Para ela, um ensino verdadeiramente eficaz para crianças surdas, que se equipare ao de crianças ouvintes, “tem de incluir o bilinguismo o mais precocemente possível”. É através da exposição constante, “tanto na escola como em casa”, com o português escrito e com a língua gestual portuguesa enquanto língua materna que as crianças surdas conseguem “ter um bom contacto com o mundo que as rodeia” e atingir o mesmo nível de aproveitamento escolar “que as demais crianças”, refere Mariana Bártolo. (...)

Continuação da notícia em Público com acesso livre

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Ciclo de Webinars 'Educação Inclusiva: um desafio permanente' (CNE)

O Conselho Nacional de Educação (CNE) está a realizar um Ciclo de Webinares, no âmbito das atividades da 5.ª Comissão Especializada Permanente Democratização e Desigualdades Educativas, da qual é Conselheiro o Professor David Rodrigues.

O Ciclo de Webinars tem como tema 'Educação Inclusiva: um desafio permanente' e como objetivo discutir a implementação da educação inclusiva e os desafios que ainda permanecem. Também se enquadra na discussão sobre os valores e práticas vigentes em escolas portuguesas no contexto da educação inclusiva.  

Estes webinars focam-se em três aspetos críticos da melhoria da educação inclusiva nas escolas e são transmitidos no canal de Youtube do CNE, onde podem ser (re)vistos:

  • A organização da escola para a inclusão ----- 22/10 - Pode ser (re)visto AQUI
  • A rentabilização de recursos --------------------- 05/11 - Pode ser (re)visto AQUI
  • formação de docentes ----------------------------- 12/11 - Poderão assistir AQUI

Fonte: Pró-Inclusão

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Sala Inclusiva estreou este ano letivo para garantir acessibilidade e momentos de sossego


O que em tempos era a Sala de Acesso Adaptado à Informação estreou, no início deste ano letivo, como Sala Inclusiva. O local é o mesmo de sempre e, como anos anteriores, continua situado dentro do espaço de Biblioteca, no edifício C4 da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS). Mas há alterações a registar: a renovada Sala Inclusiva arrancou com o funcionamento após uma atualização de equipamentos e aplicações informáticas que facilitam o estudo por parte de quem tem limitações visuais ou motoras. Além disso, a renovada sala passou a contar com um espaço resguardado para quem, por algum motivo, precise de fazer uma pausa a meio das rotinas diárias.

“Esta sala pode ser usada por qualquer pessoa da nossa comunidade académica que precise um local seguro e confortável”, descreve Cláudio Pina Fernandes, coordenador do Gabinete de Apoio Psicológico (GAPsi) de CIÊNCIAS. “Vamos ter pessoas que vêm aqui por causa dos equipamentos e pessoas que procuram apenas um lugar resguardado. Neste último caso, tanto podemos encontrar alguém que está diagnosticado dentro do espectro do autismo, como podemos ter alguém que sofreu de um ataque de ansiedade ou recebeu uma muito má notícia, por exemplo”, acrescenta o responsável do GAPsi.

Na Sala Inclusiva há quatro postos de trabalho preparados para receberem qualquer utilizador com necessidades específicas, incluindo utilizadores de cadeira de rodas. Três desses postos têm equipamentos adaptados para que pessoas com limitações visuais ou motoras possam desenvolver o seu trabalho. E há ainda um quarto posto de trabalho que pode ser usado por quem traz equipamento de casa. O espaço conta ainda com cacifos para os utilizadores da sala poderem deixar algum equipamento ou material de estudo no dia-a-dia. Ao fundo da sala, há ainda um espaço recolhido, com um cadeirão, para quem precisa de algum resguardo.

“É um espaço que pode ser útil para ajudar pessoas que estão a passar por situações de sobre-estímulo de luzes ou sons, por exemplo”, refere Madalena Pintão, psicóloga do GAPsi. “Além da renovação de equipamentos, alterámos a organização do espaço para podermos responder às mais variadas necessidades dos estudantes”, acrescenta a psicóloga do GAPsi.

Todos os membros da comunidade académica podem usar a Sala Inclusiva, mediante solicitação aos serviços da biblioteca. “Esta sala dispõe de equipamento complexo e oneroso, que implica conhecimentos para poder ser usado. Além disso, a ideia é ter um espaço resguardado que garanta centralidade dentro de CIÊNCIAS”, conclui Cláudio Pina Fernandes.

Fonte: Universidade de Lisboa, por indicação de Livresco

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

29% das crianças apresentam problemas audiológicos em idade pré-escolar, revela estudo da ESTeSC-IPC


Um estudo realizado pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Politécnico de Coimbra (ESTeSC-IPC) revelou que 29% das crianças apresentam problemas audiológicos à entrada para o 1º Ciclo do Ensino Básico. Os dados reforçam a importância da realização de rastreios em idade pré-escolar, uma vez que as dificuldades auditivas podem ter impacto significativo na aprendizagem da leitura e da escrita.

O estudo “Preschool Hearing Screening: Nineteen Years of the Coração Delta Project in Campo Maior, Portugal”, publicado na revista Audiology Research, analisa os resultados de dezanove anos de rastreios audiológicos realizados por docentes e estudantes da ESTeSC-IPC em Campo Maior, ao abrigo de um protocolo com a associação Coração Delta. Durante este período, foram realizados rastreios a 1068 crianças, com idades entre os cinco e os seis anos. Dessas, 310 (29 por cento) apresentaram algum tipo de problema audiológico. As ocorrências mais frequentemente registadas foram alterações no timpanograma, manifestadas unilateralmente em 104 crianças (9,7%) e bilateralmente em 81 crianças (7,6%).

“Embora os rastreios auditivos neonatais estejam largamente implementados em Portugal, a prevalência de alterações auditivas quase duplica em idade pré-escolar”, explica Margarida Serrano, docente da ESTeSC-IPC e coordenadora do estudo (que conta também com a participação da docente da ESTeSC-IPC, Cláudia Reis, e dos estudantes de licenciatura em Audiologia, Joana Pereira, Joana Teixeira, João Mendes e Mariana Pereira). A investigadora explica que estas alterações podem manifestar-se através de perda de audição (que se revela tardiamente) ou de uma sensação de “som abafado” e longínquo, provocada pela presença de secreções no ouvido médio.

Estas disfunções dificilmente são detetadas por pais e professores, mas podem ter um impacto negativo na aprendizagem escolar. “No processo de aprendizagem da leitura, é essencial ter uma audição clara”, frisa Margarida Serrano, acrescentando que “a deteção precoce destes problemas é essencial para um desempenho académico de sucesso”.

Cerca de 91% das crianças observadas pelo otorrinolaringologista no local do rastreio foram encaminhadas para uma avaliação hospitalar formal, uma vez que foram confirmadas patologias ou necessidades de saúde que exigiam intervenção médica.

“Estes dados demonstram, uma vez mais, a importância da realização de rastreios audiológicos em cuidados de proximidade”, frisa Margarida Serrano, lembrando o impacto que as dificuldades audiológicas não detetadas podem representar a longo prazo. “Um estudo recentemente publicado na revista Lancet mostra que a baixa literacia é o principal fator de risco de declínio cognitivo em idade jovem”, aponta. “O papel do audiologista é fundamental para despistar eventuais problemas audiológicos, que comprometem a aprendizagem à entrada no ensino básico e, consequentemente, a capacidade cognitiva no futuro”, defende.

Desde 2007 que, anualmente, a ESTeSC-IPC colabora com a associação Coração Delta, realizando rastreios audiológicos a todas as crianças que ingressam no 1º ano de escolaridade no concelho de Campo Maior. O protocolo prevê a realização de três avaliações: otoscopia (para analisar a presença de cerúmen), timpanograma (para avaliar a membrana timpânica e o ouvido médio) e rastreio de audição. Todas as crianças que apresentam algum tipo de desvio são, imediatamente, observadas por um otorrinolaringologista, presente no local.

Fonte: Beira Digital TV por indicação de Livresco

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Educação Inclusiva: um caminho de colaboração

A educação inclusiva é um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de construir escolas mais justas e acolhedoras para todos. Um dos principais desafios deste processo é a adaptação do currículo, de modo a responder às necessidades individuais de cada aluno. É aqui que o professor de educação especial desempenha um papel crucial, identificando as alterações necessárias para apoiar o desenvolvimento de cada criança, independentemente das suas competências ou dificuldades.

Hoje, o paradigma da inclusão reconhece que o professor do ensino regular é um agente ativo e responsável por todos os alunos, contando com o apoio do professor de educação especial para definir estratégias adequadas. Esta colaboração permite criar atividades diversificadas, que estimulam diferentes formas de aprendizagem e promovem a participação de todos, tornando o processo educativo mais justo e eficaz.

A planificação de aulas inclusivas permite que todas as crianças se sintam envolvidas e valorizadas. Por exemplo, os professores podem recorrer a material adaptado, como textos em formatos diferentes (simplificados ou com pictogramas), atividades práticas em grupo que respeitem diferentes ritmos de aprendizagem ou tarefas que permitem que cada aluno avance ao seu próprio ritmo. Outra estratégia eficaz é a diversificação de métodos de ensino, combinando explicações orais, recursos visuais, jogos educativos e atividades digitais, de forma a atingir vários estilos de aprendizagem.

Mais do que ensinar conteúdos, os professores trabalham para criar um ambiente seguro e emocionalmente acolhedor, onde cada criança se sinta apoiada. A colaboração entre os profissionais da educação envolve não apenas a adaptação do currículo e da avaliação, mas também a promoção do bem-estar emocional dos alunos. Quando os professores atuam de forma coordenada, conseguem identificar dificuldades precocemente, reforçar a autoestima das crianças e criar estratégias que favoreçam o sucesso de todos.

Além das adaptações curriculares, também a avaliação deve ser ajustada, tendo em conta as diferentes formas de aprender. Avaliar não é apenas medir conhecimentos é, sobretudo, compreender o progresso de cada aluno e perceber se as estratégias usadas estão a resultar. Para que cada aluno possa evoluir, é necessário que a avaliação seja flexível, adaptada às necessidades e ao ritmo de aprendizagem de cada criança. Os professores podem usar avaliações diferenciadas, como trabalhos práticos, apresentações orais, portefólios ou autoavaliações, adaptando os critérios às necessidades de cada aluno. Estas estratégias permitem reconhecer e valorizar os esforços de todos, promovendo motivação e autoestima.

Outro aspeto essencial é a sensibilização para a diferença. As crianças devem aprender desde cedo a compreender e aceitar que todos somos diferentes e que é essa diversidade que enriquece a escola e a sociedade. Os alunos devem compreender que cada pessoa é única e que a inclusão beneficia toda a comunidade escolar. Este processo ajuda a construir um ambiente de respeito, empatia e cooperação, onde cada criança se sente aceite e valorizada pelo que é. Professores podem implementar dinâmicas de grupo, debates e atividades colaborativas criando uma comunidade escolar mais inclusiva e acolhedora.

Para que a inclusão seja uma realidade em todas as escolas, é fundamental que os profissionais da educação invistam na formação contínua. Através da aprendizagem e da partilha de experiências, os professores conhecem novas metodologias, exploram recursos e encontram estratégias eficazes para promover a participação de todos. Este investimento permite que todos os alunos tenham acesso a oportunidades iguais de aprendizagem, independentemente das suas características ou dificuldades.

Em suma, a verdadeira inclusão constrói-se em equipa através da colaboração e do compromisso conjunto dos professores. A articulação entre professores de educação especial e de ensino regular, a adaptação curricular, a avaliação diferenciada, a sensibilização para a diversidade e a formação contínua são pilares que tornam a escola um espaço de aprendizagem, respeito e desenvolvimento para todos os alunos.

Quando todos os profissionais trabalham em equipa, constroem-se verdadeiras pontes para a inclusão, permitindo que cada criança encontre o seu lugar, desenvolva todo o seu potencial e sinta orgulho de pertencer à comunidade escolar.

Inês Ferraz

Fonte: Público por indicação de Livresco

domingo, 9 de novembro de 2025

Regulamento do Estatuto do Estudante com Necessidades Educativas Específicas da Universidade de Aveiro

O Regulamento n.º 1220/2025, de 7 de novembro, cria o Regulamento do Estatuto do Estudante com Necessidades Educativas Específicas da Universidade de Aveiro.

1 - O presente Regulamento estabelece a disciplina aplicável aos estudantes com necessidades educativas específicas da Universidade de Aveiro, abreviadamente designadas por NEE, entendendo-se como estudante com NEE, os que apresentam dificuldade no processo de aprendizagem e participação no contexto académico, decorrentes da interação dinâmica entre fatores ambientais, como fatores físicos, sensoriais, sociais ou emocionais e ou limitações auditivas, visuais, motoras e de saúde física ou mental, e que comprometem a atividade e participação em condições de equidade e igualdade com os demais estudantes.

2 - As NEE podem ser caracterizadas como permanentes ou temporárias, sendo que, para as temporárias, as medidas expressas no presente Estatuto produzem efeitos apenas durante o período em que se verifiquem as necessidades, nomeadamente durante o período de situação de risco clínico durante a gravidez, cirurgias e pós-operatório.

3 - Enquadram-se ainda neste Estatuto os estudantes com doenças de longa duração, associadas a tratamento periódicos e frequentes e ou a tratamentos agressivos, designadamente radioterapia, quimioterapia, que os coloquem, em termos de desempenho académico numa situação desfavorável.

Rúben tem autismo e não o deixam ir à escola. “Está a perder competências”

Em Setembro, Rúben Silvestre, um adolescente de 16 anos que tem uma perturbação do espectro do autismo, foi conhecer aquela que devia ser a sua nova escola: o Estabelecimento de Educação Especial da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo – APPDA de Lisboa. "Gostou muito", conta Inês Neto, a directora pedagógica que o conhece "desde pequenino". Mas depois disso não voltou. "O meu filho está em casa, sem acesso ao que tem direito: educação escolar", lamenta o pai, Bruno Silvestre.

A razão? Uma "pescadinha de rabo na boca": os serviços do Ministério da Educação alegam que no processo de inscrição de Rúben não havia provas de que ele teria transporte para a escola, por isso informou que pretendia indeferir o pedido de ingresso na APPDA; a família diz que só pode tratar do transporte nos serviços da câmara quando tiver a confirmação da matrícula, mas que, de qualquer modo, ela própria pode transportar o filho o tempo que for preciso; o tempo passa, e o ministério não responde. (...)

Continuação da notícia em Público, por indicação de Livresco

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

A importância da Educação Especial na construção de uma sociedade inclusiva

A Educação Especial ocupa um espaço central no debate sobre os direitos humanos e sobre a qualidade da educação em sociedades democráticas. Ao longo da história, as pessoas com deficiência foram marginalizadas, tratadas como incapazes ou relegadas ao convívio apenas familiar, sem acesso aos espaços de escolares. Essa exclusão, além de injusta, reforçou preconceitos e contribuiu para a perpetuação da desigualdade social. É justamente contra esse cenário que a educação especial se mostra imprescindível, pois, não só assegura o direito a aprender, mas também promove uma transformação cultural que valoriza a diversidade humana.

É fundamental reconhecer que a educação especial não deve ser encarada como um privilégio concedido a um grupo específico, mas sim como a materialização do princípio da equidade. Enquanto a igualdade procura oferecer as mesmas condições a todos, a equidade dita o que cada pessoa necessita de recursos diferenciados para alcançar oportunidades semelhantes. Nesse sentido, a educação especial garante que as barreiras físicas, pedagógicas ou discriminatórias, sejam eliminadas ou minimizadas, assegurando a plena participação do estudante no processo de ensino.

A falta de professores com a formação adequada, a carência de recursos pedagógicos e tecnológicos, e a insuficiência de investimentos públicos ainda limitam a efetividade das práticas inclusivas. Ainda há escolas em que a inclusão se restringe ao espeto físico, o aluno com deficiência está presente em sala de aula, mas não recebe os apoios necessários para aprender de forma significativa. Esse cenário revela a urgência de repensar políticas públicas que garantam não apenas o acesso, mas também a permanência e o sucesso escolar desses estudantes.

Do ponto de vista social, a educação especial desempenha um papel estratégico, ao favorecer a convivência entre alunos com habilidades diferentes, promovendo a empatia, o respeito e a valorização da diversidade. As crianças e jovens que crescem em ambientes inclusivos tendem a tornar-se adultos mais conscientes da importância da igualdade de direitos e mais preparados para construir relações sociais pautadas pela solidariedade. Trata-se, portanto, de um processo que extrapola os limites da escola e impacta diretamente a qualidade da vida democrática.

Por outro lado, é preciso combater a visão redutora de que a Educação Especial se resume a adaptações curriculares ou ao uso de tecnologias de apoio. Mais do que isso, a educação especial deve ser compreendida como uma prática pedagógica que reconhece cada estudante como uma pessoa com direitos, potencialidades e trajetórias singulares de aprendizagem. Isso implica um compromisso ético e político de toda a comunidade escolar, romper com padrões exclusivos e promover condições de participação plena para todos.

Em suma, a educação especial é indispensável, não apenas para atender às necessidades das pessoas com deficiência, mas também para consolidar uma educação inclusiva que beneficie toda a sociedade. Ao investir em políticas consistentes, formação de docentes, recursos adequados e valorização da carreira dos docentes nesta área, o Estado contribui para a construção de uma escola que acolhe as diferenças e forma cidadãos mais críticos, justos e solidários. Não podemos continuar a ignorar a importância da educação especial na nossa sociedade.

Uma sociedade que se pretende democrática não pode abrir mão da diversidade, muito pelo contrário, deve reconhecê-la como uma das suas maiores riquezas. Nesse sentido, defender a Educação Especial é, acima de tudo, defender a dignidade humana e o direito universal à educação.

Fernando Camelo de Almeida

Fonte: SOL por indicação de Livresco

Ler para escrever, escrever para ler

Introdução

Investigadores como Kim e colaboradores (2024) têm sublinhado a importância de incluir a escrita na Ciência da Leitura. Estes autores têm defendido especificamente que a Ciência da Leitura se encontra incompleta sem a Ciência da Escrita. Porquê? A resposta a esta questão é muito simples. Décadas de investigação mostram a interdependência entre as habilidades de leitura e escrita (Graham et al., 2021; Katusic et al., 2009; Kim et al., 2024). O que isto significa exactamente? Ler e escrever não são processos autónomos. Constituem duas aptidões que se desenvolvem de forma simultânea, influenciando-se e complementando-se mutuamente. A título de exemplo, a leitura beneficia o desenvolvimento de diversas competências fundamentais para uma escrita clara e eficaz, como o vocabulário, o conhecimento gramatical e a compreensão das estruturas textuais. Por sua vez, a escrita consolida o conhecimento do significado das palavras, o domínio das regras gramaticais e a capacidade de compreender e organizar textos de forma lógica, dando origem a um ciclo de aprendizagem que beneficia tanto a leitura quanto a escrita.

De acordo com o Modelo de Literacia Interactiva e Dinâmica (Kim, 2020; figura 1), a leitura e a escrita baseiam-se essencialmente nas mesmas habilidades, a saber:

Habilidades de literacia lexical: referentes à capacidade de reconhecer, compreender e produzir palavras de forma eficiente. Estas competências envolvem processos cognitivos essenciais para a leitura e escrita, tais como a codificação, o armazenamento e a recuperação de informações relacionadas com a fonologia (sons), a ortografia (a forma escrita) e a semântica (significado) das palavras.

Habilidades de literacia discursiva: envolvem a capacidade de compreender e produzir textos coesos e coerentes. Segundo Kim (2020), estas habilidades baseiam-se nas habilidades lexicais, embora também dependam do domínio do vocabulário, das regras gramaticais e das estruturas sintáticas, além de exigirem conhecimento prévio e competências cognitivas de nível superior, como a capacidade de estabelecer inferências.

Habilidades de linguagem oral: habilidades como o vocabulário e as competências sintáticas são essenciais para analisar a informação linguística e construir uma representação mental do texto (isto é, compreendê-lo). Além disso, as competências de linguagem oral são fundamentais para expressar e comunicar as ideias do texto de forma clara e coerente.

Capacidades cognitivas de nível superior: As capacidades cognitivas de nível superior permitem estabelecer conexões entre as proposições do texto e o conhecimento prévio dos leitores, assim como associar as diferentes partes do texto para estabelecer inferências e preencher lacunas de informação. Neste sentido, estas exercem um papel fundamental na organização das ideias do texto de forma lógica e coerente.

Auto-regulação: Segundo Kim (2020), a leitura e a escrita dependem da auto-regulação, que envolve a capacidade de monitorizar e controlar os processos cognitivos. Leitores auto-regulados conseguem estabelecer metas, monitorizar a compreensão do texto e ajustar estratégias de leitura conforme necessário. Da mesma forma, escritores auto-regulados destacam-se na definição de objectivos, planeamento, auto-avaliação, monitorização, mantendo a atenção e a persistência, além de usar estratégias adequadas de escrita.

Conhecimento de conteúdo e discursivo: O conhecimento de conteúdo ajuda a integrar as informações do texto e a construir uma representação mental sólida, que facilita a compreensão. Além disso, fornece material para a escrita e permite um acesso mais rápido ao conteúdo. Por sua vez, o conhecimento discursivo envolve a compreensão das estruturas textuais e das características linguísticas associadas, assim como os procedimentos e estratégias para a produção de texto. Conhecer a estrutura textual facilita a identificação de informações relevantes e a compreensão das relações entre as partes do texto. Na escrita, esse conhecimento, frequentemente denominado «conhecimento de estrutura de género», ajuda a organizar e apresentar ideias de forma coerente, alinhada com o género e os objectivos de escrita.

Competências sócio-emocionais: As competências sócio-emocionais, como crenças, sentido de auto-eficácia e motivação, influenciam a forma como os leitores se envolvem com a leitura e a escrita. Estas afectam diretamente a disposição dos alunos para aprender, perseverar perante as dificuldades e acreditar na sua capacidade de progredir. Por exemplo, um aluno motivado tende a envolver-se mais activamente nas tarefas, o que frequentemente se traduz em melhor desempenho, tanto na leitura como na escrita.

Neste sentido, a literatura científica sobre a leitura e a escrita indica que estas habilidades não devem ser ensinadas de forma isolada, mas sim de maneira integrada. Mais especificamente, a investigação revela que o ensino integrado da leitura e da escrita proporciona oportunidades significativas de aprendizagem, promovendo um desenvolvimento equilibrado e eficaz em ambas as áreas.
Estudo de Kim e colaboradores (2024)

Kim e colaboradores (2024) analisaram o impacto de um programa de instrução (SRSD1 Plus) focado no ensino integrado da leitura e escrita, na aprendizagem de alunos do primeiro e do segundo ano. O estudo envolveu a participação de 10 professores e 232 alunos de quatro escolas localizadas no sudoeste dos Estados Unidos.


Figura 1. Modelo de literacia interactiva e dinâmica (Kim, 2020)


Os alunos foram distribuídos em dois grupos: o grupo de intervenção, que foi exposto ao programa SRSD Plus, e o grupo de controlo, que manteve as práticas de ensino habituais. O programa foi composto por duas componentes: a componente de ensino da leitura e escrita, baseada no modelo SRSD (componente A), e a componente Plus (componente B). A estrutura, conteúdos e métodos de ensino abordados no programa estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1. Estrutura, conteúdos e métodos de ensino do programa SRSD Plus


Os alunos foram avaliados antes e após a administração do programa SRSD Plus em três eixos diferentes:

1) Composição escrita de textos informativos e expositivos, incluindo:
  • Qualidade da escrita: Extensão e clareza no desenvolvimento e organização das ideias;
  • Produtividade/comprimento do texto: Número de palavras escritas;
  • Planeamento: (a) planeamento da composição (i.e., medida em que o texto elaborado na folha de planeamento foi incorporado na composição final); (b) número de ideias relevantes; (c) organização estrutural das ideias do texto; (d) notas organizacionais (e.g., numeração, setas, símbolos e mnemónicas).
2) Conhecimento discursivo, a partir das seguintes questões:
  • «O que fazem os bons escritores quando escrevem?»;
  • «Porque achas que algumas crianças têm dificuldade em escrever?»;
  • «Quando te pedem para escrever um texto para a aula ou como trabalho de casa, o que podes fazer para planear e redigir o texto?»;
  • «Quando escreves, pensas se o teu professor vai conseguir entender o que escreveste?»;
  • «Quando escreves, pensas se os teus amigos vão conseguir entender o que escreveste?»;
  • «Por que razão as crianças escrevem?»;
  • «Por que razão os adultos escrevem?»;
  • «Quando escreves, relês o que escreveste? Se sim, porque o fazes?»;
  • «Imagina que o teu amigo tem de escrever um texto informativo para uma aula. O que lhe dirias sobre as partes que um texto informativo deve ter?»;
  • «O que mais dirias aos teus amigos sobre o que é importante considerar ao escrever um texto informativo?».
3) Competências de linguagem oral, transcrição e leitura de palavras, nomeadamente:
  • Vocabulário: definição de palavras;
  • Proficiência na organização ou combinação de frases;
  • Soletração de palavras (proximais, quase distais e distais);
  • Fluência de escrita: Copiar o maior número possível de frases em um minuto;
  • Leitura de palavras.
Os alunos foram avaliados por colaboradores de investigação previamente treinados, num espaço silencioso da escola. Os avaliadores não tinham conhecimento do grupo a que os alunos pertenciam. As tarefas de composição escrita, ortografia e fluência foram realizadas em grupos de três a quatro alunos, enquanto as demais tarefas foram administradas individualmente.

Principais resultados:
  1. Os resultados evidenciam a eficácia do ensino integrado da leitura e escrita. O programa SRSD Plus produziu melhorias nas habilidades de escrita, conhecimento discursivo, planeamento, linguagem oral e ortografia dos alunos do primeiro e do segundo ano de escolaridade. No entanto, comparando os resultados do presente estudo com os obtidos num estudo anterior que aplicou o mesmo programa (Harris et al., 2023), os resultados observados por Kim e colaboradores (2024) foram globalmente inferiores. Segundo os investigadores, esta diferença pode dever-se ao facto de, neste estudo, o ensino da leitura e escrita ter sido realizado em grande grupo (turma), enquanto no estudo de Harris e colaboradores (2023), a instrução ocorreu em pequeno grupo. Esta poderá ter permitido maior individualização do ensino, resultando em efeitos mais expressivos.
  2. O programa SRSD Plus revelou impactos positivos na escrita de textos de opinião, principalmente na produtividade e qualidade da escrita. Embora a instrução tenha sido direccionada para a escrita de textos expositivos, os alunos mostraram capacidade para transferir as habilidades adquiridas para a produção de textos de opinião. Segundo os autores, esta transferência de conhecimento poderá estar relacionada com o ensino de estratégias comuns a ambos os tipos de texto, como a organização textual, a construção de frases claras e a inclusão de detalhes relevantes. Além disso, o ensino de estratégias de auto-regulação, vocabulário e ortografia poderá ter contribuído para esses resultados.
  3. Não foram observados efeitos significativos na leitura de palavras e fluência da escrita, apesar de o programa ter incluído treino específico nestas áreas. Este resultado pode ser explicado por dois factores. Em primeiro lugar, os alunos já apresentavam um nível de leitura dentro da média antes da implementação do programa, sem indícios de dificuldades em comparação com outros alunos, o que poderá ter limitado o potencial de melhorias adicionais nesta competência. Em segundo lugar, o tempo dedicado ao treino de fluência da escrita foi relativamente curto, somando 56-70 minutos durante o programa (8-10 minutos por sessão), o que poderá ter sido insuficiente para promover mudanças significativas nesta área.
Os resultados deste estudo mostram a eficácia do ensino integrado da leitura e escrita no ambiente de sala de aula nos primeiros anos de escolaridade. Embora a leitura e a escrita devam ser abordadas de forma independente, o ensino da leitura que não inclui oportunidades e práticas de escrita, tal como o ensino da escrita que não integra oportunidades e práticas de leitura, provavelmente prejudica a aquisição e desenvolvimento de ambas as habilidades. Os resultados deste estudo, aliados a uma vasta literatura sobre as relações entre leitura e escrita, sugerem que a Ciência do Ensino da Leitura (Kim & Snow, 2021) e os esforços políticos e de apoio à investigação devem considerar as conexões entre leitura e escrita (Graham, 2020; Kim et al., 2024).

Este texto é um resumo do artigo «The science of teaching reading is incomplete without the science of writing: A randomized control trial of integrated teaching of reading and writing», disponível aqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Estudo-piloto ajudou a inverter atraso na linguagem dos “bebés da pandemia”

Há efeitos da pandemia que continuam presentes. As dificuldades na comunicação e na linguagem das crianças que nasceram nesse período têm sido estudadas um pouco por todo o mundo. O antídoto também. Em Portugal, um estudo-piloto numa creche de Alcabideche, em Cascais, testou a música como peça central de um plano para recuperar os atrasos identificados nestas crianças e melhorar a aprendizagem de palavras, por exemplo. Conclusão: a estratégia resultou e não só ajudou a inverter estas dificuldades nas crianças abrangidas pelo estudo, como melhorou as capacidades de aprendizagem face ao expectável. Agora, fica ainda a faltar um plano a nível nacional.“Não só diminuímos a diferença como, no final da intervenção, a idade de desenvolvimento era superior à idade cronológica”, diz Sónia Frota, coordenadora do Baby Lab, laboratório de fonética da Universidade de Lisboa que conduziu o estudo-piloto numa creche em Alcabideche – uma instituição particular de solidariedade social que pertence ao Centro Social Paroquial de São Vicente de Alcabideche.

Há vários anos que a equipa de Sónia Frota defende a realização de um rastreio nacional que identifique os atrasos no desenvolvimento da linguagem dos “bebés da pandemia”, em comparação com os bebés nascidos antes deste período. Essa avaliação nacional nunca avançou.

No entanto, alguns estudos do Baby Lab, circunscritos à região de Lisboa e Vale do Tejo, indicam, por exemplo, que há mais dificuldades na capacidade de segmentar palavras (ou seja, partir as palavras em sílabas sonoras como “pa” ou “ma”) aos 12 meses, um menor número de palavras aprendidas aos 20 meses ou obstáculos à linguagem mesmo aos 30 meses (ou seja, dois anos e meio de idade) nos bebés nascidos até Abril de 2022. Há, no fundo, uma aprendizagem mais lenta da linguagem e, por consequência, das capacidades de comunicação – atrasos esses que têm sido associados a maiores dificuldades na vida adulta. (...)

Fonte: Extrato de notícia de Público por indicação de Livresco