quarta-feira, 31 de maio de 2023

terça-feira, 30 de maio de 2023

De bloco em bloco, Filipa Rocha constrói aulas de programação mais inclusivas

Uma ferramenta de aprendizagem digital mais inclusiva tornou Filipa Rocha uma das finalistas do Prémio Jovens Inventores 2023 (https://eurocid.mne.gov.pt/premios/premio-europeu-do-inventor-2024). A estudante de doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e professora assistente no Instituto Superior Técnico, desenvolveu um projecto que junta blocos físicos e um programa de computador para ensinar crianças cegas e com baixa visão a programar.

O trabalho chama-se Sistema de Programação Tangível Acessível Baseado em Blocos (Block-based Accessible Tangible Programming Systems, BATS), e como o nome indica, parte da programação em blocos.

Nas escolas, as aplicações usadas para introduzir programação baseiam-se num sistema de blocos. As crianças encaixam-nos no ecrã e constroem sequências de instruções para criar histórias ou animações. “Os blocos já estão definidos, têm cores diferentes e já são acções” que depois se traduzem no comportamento de uma personagem ou jogo, explica a investigadora de 27 anos.

Tendo como objectivo tornar “tudo acessível”, a equipa de Filipa transformou os blocos em peças físicas. Cada peça tem um ícone para uma acção específica que controla o comportamento de um robô. Estes ícones têm relevo e sobressaem nos blocos, o que permite que crianças com visão baixa consigam identificá-los pelo toque.

Neste sistema é possível definir a movimentação do robô, além de fazê-lo dançar e falar. O modelo criado inclui também o conceito de repetição, ou seja, não se limita a uma acção-reacção ou a uma sequência.

Além de tornar a actividade acessível, a componente física torna-a mais interactiva, comenta. Para fazer a ligação entre os blocos e o robô, a investigadora desenvolveu um software que, através da câmara de um smartphone, lê “os códigos que estão nas peças” e “faz a conexão bluetooth ao robô” que executa o que a criança construiu. Este sistema garante que todas as crianças sejam integradas em actividades de educação digital, incluindo as normovisuais. A ideia é que o sistema se torne “uma ferramenta de inclusão e de aprendizagem que pudessem usar nas salas de aula”.

O programa escolar de 1º ciclo (https://www.erte.dge.mec.pt/iniciacao-programacao-no-1o-ciclo-do-ensino-basico) inclui aulas de programação e “crianças com deficiências visuais, que estão na mesma escola, não estão a tirar proveito dessas aulas e dessa aprendizagem”. A ideia para a adaptação do programa partiu de uma sugestão do orientador de mestrado em engenharia informática.

A cooperação com professores e famílias foi de extrema importância para perceber o que podia ser melhorado nos programas. Filipa Rocha tem colaborado com o agrupamento de escolas das Olais, em Lisboa, e testou o funcionamento do BATS com 4 famílias e 5 crianças. Durante o desenvolvimento do projecto, a pandemia começou e, uma das dificuldades sentidas foi manter a comunicação. “Não queremos arranjar soluções por eles. Queremos trabalhar com eles e arranjar soluções de que gostem, que precisem e façam sentido para eles”, explica Filipa.

O pai também é engenheiro informático e, por isso, o contacto com a área esteve sempre presente na sua vida. “A tecnologia para mim sempre foi muito intuitiva”, conta. “Na realidade, não pensava em continuar para investigação”, admite. Contudo, por sentir que o projecto de mestrado não estava terminado, seguiu para um doutoramento. O objectivo é tornar o projecto de investigação numa “ferramenta de inclusão” para ser “usada nas escolas para todos terem o mesmo tipo de oportunidades”.

O sistema criado é um dos três finalistas do Prémio Jovens Inventores 2023, uma distinção para jovens até aos 30 anos que tenham criado soluções tecnológicas para problemas globais, promovido pelo Instituto Europeu de Patentes (https://www.epo.org/). Para Filipa Rocha, a nomeação “é um privilégio” que pode abrir “imensas oportunidades de colaboração e de financiamento”. O projecto vencedor será conhecido a 4 de Julho em Valência, Espanha.

Actualmente, Filipa Rocha tem colaborado com vários projectos, procurando manter-se na área da acessibilidade, principalmente para crianças. “Ligeiramente activista”, apresenta-se, não gosta de “uma falta de balanço e de equilíbrio nas coisas”.

Fonte: Público

segunda-feira, 29 de maio de 2023

10 de maio: Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual

Pela Resolução da Assembleia da República n.º 54/2023, a Assembleia da República resolve consagrar o dia 10 de maio como Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual.

Mudam-se os tempos, mudam-se os modelos de ensino?

Numa sociedade em que a tecnologia ganha cada vez mais destaque, também o mercado de trabalho se transforma. As competências pretendidas já não são as de outrora, e as skills dos candidatos vão além das designadas para a profissão.

Contudo, na escola pública, o método de ensino continua o mesmo desde há largos anos: centrado no professor, conhecimento específico no assunto, passividade e limitação do aluno, muita teoria e memorização. As skills procuradas pelos empregadores nem sempre são as mais trabalhadas na escola.

Numa altura em que as crianças parecem ter nascido a saber mexer num smartphone ou tablet, equipado com ferramentas digitais que tiram partido da Inteligência Artificial que parecem armazenar todo o conhecimento, é preciso inovar na escola. Cativar com novas formas de aprendizagem, novos métodos de ensino que lhe sejam mais estimulantes e que, ao mesmo tempo, desenvolvam capacidades procuradas pelo mercado de trabalho.

Sabia que a aprendizagem de ciências da computação pode potenciar a aprendizagem de matemática?

Novos modelos de ensino

A escola pública portuguesa está ainda muito assente em metodologias “fechadas”, em linha com a educação tradicional. Porém, novos modelos de ensino têm vindo a ganhar terreno em Portugal, em que a par das disciplinas leccionadas, é ainda promovido o pensamento crítico, as capacidades necessárias para a vida, o valor da autonomia e colaboração, capacidades analíticas e tomadas de decisão por parte dos alunos.

É o caso da metodologia STEAM, que se tem destacado nos últimos tempos. Do inglês Science (ciência), Technology (tecnologia), Engineering (engenharia), Arts (artes) e Mathematics (matemáticas), este método traz para a sala de aula todas estas disciplinas, mas de uma forma integrada. Resultado: o desenvolvimento do espírito crítico e da capacidade de resolução de problemas fundamentais para preparar melhor futuros cidadãos é promovido.

Para tal, os projectos são multidisciplinares, e passam por cinco diferentes fases: investigação, descoberta, conexão, criação e reflexão. Ao educador, cabe o papel de condutor na busca das respostas, sem qualquer influência nas conclusões dos alunos. Também o conceito de sala invertida é outro modelo diferente do tradicional. Neste caso, a lógica de sala de aula inverte-se: não é nela que se começa a aprender, mas em casa.

O aluno faz as suas próprias pesquisas na internet e em materiais online sobre temas previamente passados em sala de aula. Quando chega à escola, já tem conhecimento, criando-se o debate entre colegas e com o professor. Desta forma, a flexibilidade da aprendizagem permite que o aluno adquira mais conhecimento, promovendo, ainda, a colaboração e a autonomia.

Outro método de ensino que tem ganhado algum destaque é o do currículo flexível. O objectivo é aumentar a qualificação dos alunos nas áreas que têm maior interesse. Para tal, a estrutura curricular é dividida, havendo disciplinas comuns a todos os alunos, e outras como optativas, para que possam escolher consoante as suas preferências.

Assim, a autonomia dos alunos é trabalhada, tal como o autoconhecimento.
Nestes métodos de ensino, ao mesmo tempo que os alunos ganham conhecimento das temáticas das disciplinas mais “tradicionais”, são também desenvolvidas skills, as quais são cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho.

Em 2019, esta era a percentagem de empregos nos Estados Unidos da América que implicavam um formação nas áreas STEM, uma percentagem que se estima continuar a crescer e a ser replicada nos restantes mercados mundiais.

Ensino diferenciado para todos

Por todo o país, têm começado a surgir novas escolas com diferentes métodos de ensino. É o caso da Brave Generation Academy (BGA). Uma escola cujo programa está estruturado de acordo com o currículo britânico, mas assente numa educação personalizada e flexível, que orienta os alunos para as suas paixões.

Para o conseguir, o modelo BGA assenta em cinco características: é autodirigido, na medida em que são os alunos a traçar os seus próprios planos, sendo responsáveis pela sua escolha; personalizado, pois cada aluno tem o seu próprio programa educacional, capacidades, clubes e variedade de assuntos adaptados ao seu ritmo e ciclo de vida; híbrido, na medida em que tem um espaço físico para acolher os formandos e também uma plataforma digital de aprendizagem personalizada e flexível; ágil, dado que os recursos estão disponíveis para que os alunos alcancem todo o seu potencial; e aumentado, por oferecer mais do que a educação tradicional, complementado as disciplinas com habilidades técnicas, comunitárias e interpessoais para a comunidade.

Contudo, a BGA é uma escola privada, o que faz com que nem todas as crianças possam ter acesso a este método diferente de ensino. Para que os filhos dos seus trabalhadores possam usufruir dele, a Sonae estabeleceu uma parceria com a BGA para abrir um Hub da BGA no Sonae Campus, a sede do grupo na Maia, bem como oferecer condições especiais aos colaboradores que queiram inscrever os seus educandos nesta escola.

Todavia, existem cada vez mais programas para levar diferentes formas de ensino às escolas públicas. A Sonae, conhecendo a importância da formação e das mais-valias destes novos métodos, tem investido na sua democratização, permitindo que cada vez mais crianças possam ter acesso.

É o caso do projecto desenvolvido pela Ensico, uma associação que defende o ensino da computação para todos os estudantes do ensino básico e secundário, mediante a proposta de um programa e metas curriculares que promovem a literacia e ética digital assentes no domínio das ciências da computação. Nele, as crianças e jovens são estimulados para atuarem como criadores e empreendedores, acompanhando as mudanças e as tendências sociais, económicas e tecnológicas.

Para que este tipo de ensino chegasse a mais alunos, a Sonae aliou-se à Ensico, em 2020, e tem contribuído para que já tenha sido possível impactar 1600 alunos do primeiro ao terceiro ciclo, apoiar 31 escolas e 40 professores, realizar 21 workshops e passar mais de 1500 horas com alunos. E os resultados falam por si: nos estudantes envolvidos no projecto da Ensico, verificou-se uma melhoria no ensino do português e da matemática, além do desenvolvimento de competências criativas e promoção de conhecimento.

A probabilidade de um aluno ter sucesso na escola é de apenas 31% se a sua mãe apenas tiver o 9.º ano de escolaridade? Esta percentagem sobe para 70%, se a mãe tiver uma licenciatura.

Portugal é dos principais países da OCDE em que o contexto socioeconómico mais determina o sucesso académico dos alunos. Sabia que os estudantes carenciados reprovam cinco vezes mais do que os alunos mais favorecidos?

Para a Sonae, a educação é o mais poderoso elevador social, que não conhece barreiras ou limites e tem o poder de transformar gerações. Por isso, é parceira da Teach for Portugal, uma organização sem fins lucrativos que defende que o lugar de onde uma criança vem não deve afectar para onde vai. Por isso, atua com o objectivo de diminuir as desigualdades educativas e proporcionar às crianças de meios mais desfavorecidos a oportunidade de atingirem o seu máximo potencial.

Para o conseguir, a Teach for Portugal criou o Programa de Desenvolvimento de Liderança, que aplica em escolas públicas portuguesas de meios carenciados, focando-se sobretudo em turmas de segundo ciclo (5.º e 6.º ano).

Assim, a par do plano curricular, as crianças aprendem com outros métodos de ensino, através de actividades pedagógicas e lúdicas, durante e fora do tempo lectivo.

O intuito é trabalhar quatro dimensões: meta-cognição e resultados académicos, cidadania ativa, gestão emocional e liderança. Áreas importantes não só para o dia-a-dia das crianças, como também do seu futuro enquanto trabalhadores.

Desde a sua criação, em 2019, a colaboração da Teach For Portugal nas escolas mais do que duplicou a subida das médias dos alunos do quinto para o sexto ano, anualmente, acelerando, ainda, a redução das negativas do primeiro para o terceiro período em mais de 30%.

A desigualdade educativa é uma realidade com efeitos devastadores a longo prazo, contribuindo para o desemprego, pobreza e enfraquecimento da economia, e afetando a mobilidade social.

O problema é enraizado, complexo e exige o envolvimento da sociedade. É por isso que a Sonae se junta à Teach For Portugal, para, através de um modelo de ensino colaborativo e com foco no aluno, contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa.

A sociedade está a mudar, e com ela a forma como aprendemos, assim como aquilo que as empresas procuram num candidato a determinado cargo.

Porque a educação não é apenas um direito, é um motor de desenvolvimento social e económico. (...)

Fonte: Público por indicação de Livresco

sábado, 27 de maio de 2023

Esquizofrenia: é possível ter uma vida?

O estudo internacional PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), conduzido pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), avalia o desempenho na leitura dos alunos do 4.º ano de escolaridade. Com a divulgação dos resultados de 2021, os 20 anos deste estudo — aplicado pela primeira vez em 2001 e realizado de cinco em cinco anos — permitem avaliar as tendências da chamada “literacia de leitura”.

Esta avaliação faz-se com base num quadro de referência desenvolvido conjuntamente pela IEA e pelos países participantes. O estudo inclui um teste de leitura de textos informativos e de textos literários e questionários aplicados ao aluno, à família, aos professores e ao diretor da escola, o que permite enquadrar os resultados dos alunos no seu contexto individual, familiar, de aprendizagem e de escola.

No estudo de 2021, participaram 57 países e regiões/sistemas educativos, além de 8 regiões em análise comparativa. O teste decorreu durante o confinamento da covid-19, com problemas adicionais na recolha dos dados e na avaliação final, pois 14 dos 57 participantes aplicaram o teste já a alunos no 5.º ano.

Resultados globais

Em 2021, para os alunos do 4º ano, os países do Sudeste Asiático e a Federação Russa mantêm a liderança na leitura, seguindo-se a Inglaterra, a Finlândia, a Polónia, a China (Taipei) e a Suécia. Em contrapartida, os últimos lugares da lista são ocupados pelo Brasil, pela República Islâmica do Irão, pela Jordânia, pelo Egito e pela África do Sul.

Portugal está ao nível da Espanha e da Eslovénia, situando-se na 22.ª posição da tabela dos países participantes na primeira fase, com uma média de 520 pontos, significativamente acima do ponto central do PIRLS (500 pontos).

Em Portugal

Portugal participa no PIRLS desde 2011, o que permite analisar a sua evolução ao longo de três ciclos.

Em 2021, os resultados dos alunos portugueses pioraram, mantendo a tendência de decréscimo linear que se observa desde 2011. Portugal registou uma descida significativa de 8 pontos relativamente a 2016, e de 21 pontos relativamente a 2011. O mesmo não aconteceu em Singapura, líder neste e nos ciclos anteriores do estudo. Já a Finlândia segue a mesma tendência de Portugal, com uma descida significativa de 17 pontos no desempenho médio por comparação com o ciclo anterior de 2016.


Evolução dos resultados

Por comparação com 2016, e alunos no 4.º ano, só três países melhoraram o desempenho médio em leitura, oito países mantiveram-no e 21 países pioraram-no. Assim, quase dois terços dos países participantes tiveram uma descida do desempenho entre 2016 e 2021, sugerindo uma influência negativa generalizada da pandemia.


Níveis de leitura

Para caracterizar o desempenho dos alunos, o PIRLS descreve níveis de proficiência hierarquizados numa escala de quatro níveis: baixo (de 400 a 475 pontos), intermédio (de 475 a 550), elevado (de 550 a 625) e avançado (625 ou mais). Existe ainda um nível inferior ao nível baixo, para alunos com pontuações inferiores a 400 pontos.

Em Portugal, aproximadamente 6% dos alunos conseguiram alcançar o nível avançado de leitura, e a mesma percentagem não chegou sequer ao nível básico.

Por comparação com 2016, os dados de 2021 mostram que aumentou a percentagem de alunos nos níveis mais baixos e diminuiu a de alunos nos níveis mais elevados. Apenas, cerca de um quarto dos alunos portugueses atingem o nível médio de Singapura.


A leitura por género

Portugal é o país, de entre os 57 participantes, com menor diferença significativa entre raparigas e rapazes (6 pontos). Em 2021, a média do desempenho das raparigas foi 523 pontos e a dos rapazes foi 517 pontos. Já em 2016 a diferença foi de 2 pontos (o que não é uma diferença significativa). Na maioria dos países, continua a verificar-se a tendência de melhor desempenho das raparigas.



Diferenças socioeconómicas e regionais

A diferença de pontuações dos alunos portugueses com nível socioeconómico elevado (555 pontos) e baixo (488 pontos) foi de 67 pontos, o que, neste tipo de estudos internacionais, se estima corresponder a cerca de dois anos de escolaridade consecutivos e mostra o grande fosso na leitura dos alunos de Portugal.


As escolas privadas (554 pontos) apresentam melhor desempenho que as públicas (515 pontos). Contudo, as análises detalhadas dos fatores que explicavam os desempenhos dos alunos no estudo de 2016 mostraram que a diferença entre o ensino público e o privado desaparece quando se corrigem as diferenças considerando os recursos facilitadores da aprendizagem (e que indicam o nível socioeconómico das famílias), as quais valorizam a aprendizagem da leitura.

Em termos regionais, houve uma grande disparidade no desempenho médio dos alunos. A zona (NUT II) do país com melhor desempenho foi a Madeira (532 pontos), onde nos últimos anos se implementou o projeto de manuais digitais — ainda que só no 2.º e 3.º ciclos e secundário, mas com possível contaminação ao 1.º ciclo. As zonas Norte e Centro e a Área Metropolitana de Lisboa apresentaram um desempenho de 522 pontos, e o Algarve, de 519 pontos. O Alentejo e os Açores registaram médias inferiores a 500 pontos (498 e 497 pontos, respetivamente).

As crianças com elevadas competências precoces de literacia (14% da amostra) tiveram 546 pontos, mais 33 pontos do que as crianças com reduzidas competências precoces (51%), com 513. Os alunos com elevada confiança na sua capacidade de leitura (42%) tiveram em média 554 pontos, ao passo que os que têm confiança reduzida (21%), 465 pontos. Por fim, os alunos de escolas com elevada ênfase no sucesso académico (6%) têm, em média, mais 42 pontos (550) do que os alunos de escolas com pouca ênfase (508). Estes indicadores já tinham sido identificados em Portugal no estudo de 2016 e são um fator comum à maioria dos países.

Efeitos da pandemia

O PIRLS 2021 foi a única avaliação internacional de desempenho educacional que recolheu dados durante a interrupção letiva provocada pelo covid-19, o que a torna uma fonte extremamente rica e valiosa para investigar o impacto da pandemia no ensino e na aprendizagem da leitura.

Em Portugal, a recolha de dados decorreu no período inicialmente planeado, entre 12 de abril e 30 de junho de 2021, durante a fase final da pandemia.

A conclusão generalizada é que o decréscimo observado nos resultados de quase dois terços dos participantes pode explicar-se em parte pelo fecho das escolas durante o confinamento.

Em Portugal, 85% dos alunos, segundo os encarregados de educação, ficaram em casa por causa da covid-19. Destes, só 16% não tiveram a aprendizagem afetada negativamente pelo vírus, 55% sentiram alguma interferência, e 14% foram fortemente afetados.

A descida do desempenho médio dos alunos portugueses entre 2016 e 2021 pode sugerir um impacto negativo da pandemia nos resultados. Observou-se esse impacto nas provas de aferição entre 2018 e 2021 (antes e depois da pandemia): os resultados pioraram no 5.º ano de escolaridade, sobretudo na oralidade e na leitura e educação literária (mais 18,5 e 27,2 pontos percentuais na percentagem de alunos que não sabe/não responde).

Discrepâncias entre o estudo online e em papel

O PIRLS 2021 foi aplicado em formato digital em 25 países, entre eles Portugal. Para alinhar e manter a tendência com os resultados dos anos anteriores, realizou-se um estudo paralelo, designado de invariância de modo — isto é, comparando os resultados em papel com os resultados em suporte digital.

Em Portugal, participaram 6111 alunos no estudo digital, com um desempenho médio de 520 pontos, e 2032 alunos no estudo em papel, com desempenho médio superior (531 pontos). Já em 2016, no estudo de leitura online ePIRLS, os alunos portugueses tinham tido piores resultados online (522) que em papel (528), uma diferença significativa de 6 pontos.

O fosso entre o digital e o papel parece ter quase duplicado, com uma diferença de 11 pontos em 2021. Portugal foi, a par de Taiwan (diferença de 16 pontos), um dos dois participantes em que os resultados em digital foram significativamente inferiores aos do papel. Em três outros, os resultados em digital foram superiores (a Noruega teve mais 16 pontos, a Lituânia, mais 10 pontos, e a Arábia Saudita, mais 31 pontos). Nos outros 20 países, a variação não foi significativa.

Estes estudos paralelos, de invariância de modo, servem para calibrar o valor final apresentado pelo relatório PIRLS. Assim, o valor reportado (520 no caso de Portugal) mantém a comparabilidade com os resultados anteriores, considerando a dificuldade relativa dos dois modos de aplicação e constituindo, por isso, a estatística de referência do relatório.

O que aconteceu e como melhorar

Entre 2016 e 2021, ocorreram várias alterações às medidas educativas específicas da aprendizagem do Português.

Se, por um lado, apenas em 2021 se revogaram os programas e as metas curriculares em vigor desde 2015, em 2016 adotou-se a flexibilidade curricular e, dois anos depois, começaram a aplicar-se as aprendizagens essenciais. Em regra, os grupos disciplinares de Português das escolas e dos agrupamentos decidiram o que deviam ou não ensinar do programa, em orientações que vigoram desde o ano letivo 2016/2017. Nas orientações do pré-escolar desapareceram as recomendações de leituras de histórias. O fim, em 2016, das provas finais de 4.º ano também pode explicar os piores resultados. O efeito das avaliações externas com consequências (como os exames) tem sido, aliás, repetidamente verificado em vários países, entre eles Portugal.

O que se pode fazer para inverter a tendência da literacia de leitura de Portugal? Há variáveis que podem ajudar a melhor o desempenho dos alunos portugueses.

A prática e o incentivo da leitura no seio familiar são dos melhores preditores da literacia alcançada pelas crianças, bem como as práticas precoces de leitura (reconhecer letras, palavras e sons, conseguir reconhecer palavras e associá-las a imagens, etc.), quer em ambiente pré-escolar, quer na família.

Já nas escolas, as práticas focadas na leitura em voz alta, os ditados e a leitura seguida de questões sobre a informação presente nos textos são boas preditoras, bem como a ênfase da escola no sucesso escolar.

Por fim, currículos bem estruturados e avaliações intercalares válidas e fiáveis, que diagnostiquem e corrijam problemas de aprendizagem de leitura, são frequentes nos países que obtêm melhores resultados sistematicamente no PIRLS.

Fonte: Iniciativa Educação, com gráficos dinâmicos

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Professores entre os grupos profissionais mais envelhecidos, revela o INE

A idade média da população empregada situava-se nos 44,2 anos, nos Censos 2021, o que representou um acréscimo de 2,8 anos face a 2011, encontrando-se os professores nos grupos profissionais mais envelhecidos, com uma idade média de 48,7 anos.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) destacou esta terça-feira o subgrupo “professor dos ensinos básico (2.º e 3.º ciclos) e secundário”, com uma média etária de 50,2 anos“, ao divulgar um conjunto de dados sobre as profissões e a escolaridade da população, com base nos resultados definitivos do XVI Recenseamento Geral da População e VI Recenseamento Geral da Habitação – Censos 2021.

“Na última década, paralelamente ao reforço da escolaridade da população assistiu-se ao crescimento do grupo profissional com maior qualificação — “especialistas das atividades intelectuais e científicas” — e, simultaneamente, aquele que requer menos estudos — “trabalhadores não qualificados”, lê-se no Destaque do INE publicado esta terça-feira.

As profissões relacionadas com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) “viram o seu peso reforçado”, com destaque para “diretores dos serviços das Tecnologias da Informação e Comunicação” (132,3%), “analistas e programadores, de software, web e de aplicações” (112,1%) e “especialistas em base de dados e redes” (134,7%), em que a população empregada mais do que duplicou.

Também o grupo dos “especialistas em finanças e contabilidade” (151,8%), onde se incluem profissões como contabilistas, consultor financeiro, analista financeiro e o grupo dos “especialistas em organização administrativa” (136,9%), registaram crescimentos “muito significativos” na última década.

“Entre 2011 e 2021, observou-se um acréscimo da população empregada com ensino superior em todos os grupos profissionais, em particular nos “representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos” (18,6 pontos percentuais), “pessoal administrativo” (11,8 pontos percentuais) e “técnicos e profissões de nível intermédio” (11,2 p.p.).

Na última década, assistiu-se a “um ligeiro reforço da taxa de feminização do emprego no grupo “representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos”, de 33,9% para 36,7%.

Em 2021, a população com ensino superior representava 19,8%, contra 13,9% em 2011.

Considerando o universo da população empregada em 2021, a proporção com ensino superior ascendia a 30,3% (22,3% em 2011).

Na última década, os “especialistas das atividades intelectuais e científicas” constituíam o grupo profissional em que se verificou o maior crescimento da população empregada (3,3 p.p.), seguindo-se os “trabalhadores não qualificados”, com um acréscimo de 2,3 p.p. passando a representar 15,4% da população empregada.

“Em contrapartida, o maior decréscimo observou-se no grupo dos “trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices” (-2,1 p.p.).

Fonte: Observador por indicação de Livresco

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Como a Estónia apoia os mais dotados

O que se faz atualmente na Estónia para identificar, motivar e celebrar alunos com capacidades acima da média?

O que dizer dos alunos acima da média, os chamados sobredotados? Onde é que o sistema educativo os encaixa? Serão estes alunos campeões que se automotivam? Saberão estes jovens o que querem, sendo capazes de seguir a sua vocação de forma autónoma? Como podemos identificá-los e onde é que os encontramos?

A Estónia participou no PISA pela primeira vez em 2006. De temperamento modesto, os estónios ficaram surpreendidos com os resultados e a posição elevada que obtiveram nesta classificação internacional. Uma das conclusões que os legisladores retiraram desta estreia foi a de que a Estónia devia ter mais alunos de topo. A análise de dados indicava a existência de talento que deveríamos conseguir identificar e o nosso sistema educativo devia fazer mais para desenvolver o potencial escondido no meio da curva de distribuição. Doze anos depois, os resultados do PISA 2018 mostraram algum progresso: a percentagem de alunos com desempenho elevado aumentou em todos os parâmetros avaliados.

Porque importa valorizar e procurar os alunos sobredotados? Infelizmente, os sobredotados causam muitas vezes perturbações na aula, porque fazem perguntas incómodas, ou tendem a passar despercebidos, por se sentirem aborrecidos. Se um professor seguir os manuais e o programa regular, o aluno sobredotado conseguirá «ir na maré» aula após aula, cumprindo o seu percurso escolar sem grande esforço nem motivação. O próprio Albert Einstein teve dificuldades na escola. «É muitas vezes difícil de perceber que uma criança [destas] tem necessidades especiais. Uma criança sobredotada é como um frágil rebento de uma planta: precisamos de a cuidar e de a alimentar bem para que se torne uma bela árvore», disse uma psicóloga que é mãe de uma criança sobredotada na Estónia. O seu filho começou a ler aos três anos, mas assim que entrou para a escola, a família começou a receber queixas e o menino a adoecer e a ter dificuldades. Sentia-se desmotivado. Quando a mãe conversou com a professora e lhe disse que ele podia (devia) ter problemas mais difíceis para resolver, a professora respondeu que o menino tinha uma caligrafia muito má, e que seria preferível trabalhar nisso. Os pais mudaram o filho de escola e a situação alterou-se. Alguns anos mais tarde, era o melhor aluno da escola e participou nas Olimpíadas Internacionais de Ciências.

O tema das crianças sobredotadas chegou ao governo na Estónia. O documento que delineia a estratégia da educação até 2035 descreve os alunos sobredotados como crianças com necessidades educativas especiais e defende a necessidade de seguir uma abordagem integrada na sua educação. Importa reconhecer que os alunos de topo são as mentes brilhantes do nosso futuro. A sociedade tem muito a ganhar se os identificar e os ajudar a desenvolver o seu potencial máximo.

Se as crianças sobredotadas são vistas como crianças com necessidades educativas especiais, o que é que está a ser feito na prática para as ajudar?

Desde 2016 que uma organização sem fins lucrativos chamada Centro de Talento da Estónia promove ativamente diferentes formações, palestras e conferências sobre este assunto. Pais de crianças sobredotadas, professores e psicólogos são convidados a integrar uma rede que se preocupa com o desenvolvimento destes jovens e que compreende que o seu talento é muito valioso para a sociedade. Este centro é gerido por professores da Universidade de Tartu, umas das mais antigas e mais prestigiadas universidades do país. A própria universidade contribui para estimular estes jovens de mentes inquietas e brilhantes, oferecendo aulas sobre diferentes disciplinas a alunos que queiram aprender mais e ter contacto com outras realidades, além das que a sua escola oferece. Estas aulas são oferecidas pela Escola de Ciências de Tartu, que tem como objetivo desafiar os alunos de acordo com aquilo que eles mais precisam. Também há programas e diretrizes de aprendizagem que podem ser seguidos à escala nacional: o centro disponibiliza conteúdos online sobre diversos temas e ainda organiza academias de ciência durante as férias escolares.

Como se identificam desde cedo os alunos com maior potencial no sistema escolar?

Quando as crianças iniciam o seu percurso escolar, aos sete anos, há cerca de 24 crianças em cada sala de aula. Todas estas crianças têm conhecimentos, interesses e percursos diferentes. Pede-se à professora (na Estónia esta é por norma uma ocupação das mulheres) que tenha em conta as necessidades de cada criança. Na maioria das vezes, a professora irá dar mais atenção aos alunos com dificuldades, deixando os mais capazes trabalhar de forma autónoma.

Algumas escolas iniciam a busca pelo talento nos primeiros anos da escolaridade básica. Uma escola em Tartu lançou um programa conhecido por «programa de enriquecimento», que começou a procurar crianças com aptidão especial para a matemática no terceiro ano. No lançamento, selecionaram 17 alunos de um total de 110 e formaram um «clube de Matemática» de participação voluntária, com aulas semanais que duravam 90 minutos e seguiam um programa especial criado para estas crianças. Estes alunos dedicaram-se à resolução de problemas, à geometria, à robótica, à criação de modelos matemáticos, à programação e a outras tarefas. No fim do programa, tinham de escolher um tema para apresentar um trabalho final. Isto podia ser feito individualmente ou em grupo. O programa foi muito bem recebido: as crianças fizeram amigos com interesses semelhantes, gostaram dos desafios e sentiram-se motivadas.

Há muitas outras iniciativas, tais como clubes de diferentes disciplinas ou feiras de ciências. Algumas escolas apostam em alunos mais velhos, mas todas são unânimes: dar aos alunos oportunidade para explorar os seus interesses faz crescer a sua motivação e interesse pelo estudo.

Para conseguirmos implementar a nossa estratégia nacional de desenvolvimento de crianças sobredotadas, há vários aspetos que temos de assegurar: um programa curricular robusto que garanta flexibilidade às escolas e às suas prioridades, um orçamento adequado, professores motivados e competentes que sejam especialistas nas disciplinas que lecionam e apoio dos pais.

Outra tradição que faz parte do sistema educativo da Estónia são os concursos nacionais de escolas, ou Olimpíadas, que existem desde 1953. Os alunos que participam nestas Olimpíadas investem muito no estudo das suas disciplinas favoritas. Caso sejam apurados na sua escola, entram no campeonato regional e depois nacional, cujos vencedores participarão nas competições científicas internacionais. Elizaveta é uma estudante de Narva que participou nas Olimpíadas Internacionais de Ciência Climática em 2022 e conseguiu obter uma medalha de bronze entre 55 000 participantes. Os seus desafios foram encontrar soluções para a energia nuclear da Dinamarca e a escassez alimentar na Zâmbia e em Angola. Recebeu-os com muito entusiamo, mas afirmou que a sua parte preferida do evento foi a possibilidade de conhecer pessoas que também estão interessadas nas alterações climáticas. Em 2022, alunos oriundos da Estónia participaram em cerca de vinte Olimpíadas internacionais. Tal como no exemplo anterior, estes jovens referiram que a sua participação nestes concursos é uma forma muito motivadora de alargar o seu conhecimento e de conhecer outros participantes com os mesmos interesses.

Outros eventos de âmbito nacional para crianças com talento são os saraus e concursos de música, de dança e desportivos. Mais recentemente, tornaram-se também mais comuns e populares os concursos onde alunos de escolas profissionais mostram o seu talento nas profissões que adquiriram.

Em suma, os alunos sobredotados são um dom precioso em qualquer escola. São alunos especiais, que precisam de orientação, apoio e incentivo. «Eu não tenho nenhum talento especial. Sou apenas apaixonadamente curioso», disse uma vez Albert Einstein. O nosso papel enquanto educadores é preservar e nutrir a curiosidade do maior número de mentes curiosas possível.

Gunda Tire

terça-feira, 23 de maio de 2023

Encontros: “Acessibilidade, desafios e oportunidades – Melhorias a realizar na legislação e conquistadas no território”

A Estrutura de Missão para a Promoção das Acessibilidades (EMPA) e o Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P. (INR), pretendem dar início a um ciclo de iniciativas com as quais pretendem criar sinergias no âmbito do Regime Jurídico de Acessibilidade, mais concretamente, de aplicação das Normas Técnicas de Acessibilidade (NTA).

As iniciativas visam auscultar as entidades: ONGPD, Administração Pública (Central e Local) e Técnicos do setor privado, nomeadamente Ordens Profissionais representativas do setor da construção.

O principal objetivo destes encontros passa por compilar informação de oportunidades de melhorias e promover redes colaborativas para esclarecimento de questões técnicas. É convicção da EMPA e do INR que a partilha de experiências e conhecimento, impulsionará novas dinâmicas promotoras de melhores práticas de acessibilidades.

O 1º Encontro irá decorrer nos dias 25 e 26 de maio e contará com a presença das equipas técnicas que intervêm no espaço público, da Câmara Municipal do Porto e da Câmara Municipal de Lisboa.

Durante 2 dias consecutivos, as equipas terão oportunidade de partilhar trabalhos em curso, experiências e preocupações. O evento contará com a presença da ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal e incluirá visitas ao terreno.

Fonte: INR

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Prova de aferição digital internacional. Alunos portugueses com mais dificuldades

Os alunos portugueses revelaram ter mais dificuldades na prova digital do programa internacional de aferição, face à tradicional. Ainda assim, os resultados de 2021 mostram uma subida de 12 lugares na classificação geral.

Este tipo de prova é realizado de cinco em cinco anos e serve para avaliar a evolução dos alunos e o ensino em contexto internacional.

Fonte: RTP com vídeo, por indicação de Livresco

domingo, 21 de maio de 2023

O analfabetismo funcional, os rankings e Singapura

Poderia começar esta crónica com dados, números e posições em rankings. Mas escolho começá-la com um país localizado no Sudeste Asiático e composto por 63 ilhas. Esse país, de parcos recursos naturais, escolheu desenvolver a sua economia apostando na melhor matéria-prima de que dispõe: as pessoas. E fê-lo da única forma que torna realmente possível quebrar ciclos e inverter tendências. Esse país chama-se Singapura e apostou todas as suas fichas na educação.

Os dados são unânimes: os estudantes de Singapura são dos mais bem preparados do mundo. quer falemos no ensino secundário, quer no ensino básico. E a diferença para os restantes países da OCDE faz com que, por exemplo na área da matemática, os alunos de Singapura, aos 15 anos, estejam cerca de três anos adiantados em conhecimentos comparativamente aos seus colegas dos Estados Unidos da América.

No que toca à literacia em leitura, matemática e ciências, Singapura tem sido um verdadeiro caso de estudo. E esta semana, quando foram divulgados os resultados do PIRLS 2021 (programa que avalia a literacia em leitura de estudantes de dezenas de países no final do 4.º ano de escolaridade), ninguém ficou surpreendido quando percebeu que Singapura voltou a classificar-se em primeiro lugar, com uma média de 587 pontos, mais 67 pontos do que Portugal, que ocupa o 22.º lugar no ranking de 43 países.

E, sim, eu sei que os rankings não são tudo e que há quem os abomine de morte por nunca contarem a história toda. Assim sendo, e antes de elogiar o que de bom se tem feito ao nível da educação em Singapura, deixem-me dizer que tenho a perfeita noção de que o sistema brutalmente competitivo do país faz com que os estudantes desenvolvam um medo muito maior de falhar do que os estudantes de outros países. Não duvido de que a pressão possa chegar a ser desumana para as crianças que, no final do ensino primário, que dura seis anos (4+2) e que é obrigatório no país, têm de realizar um exame de saída da escola que determina a sua progressão futura. É consoante a nota deste exame que as crianças são depois encaminhadas para o ensino secundário ou para o ensino profissional.

Então, sim, sou perfeitamente capaz de reconhecer as falhas deste sistema, mas não consigo conceber que continuemos a ignorar os seus pontos positivos. De uma perspectiva mais pessoal, deixem-me contar-vos que decidi que o Pedro, que vai iniciar o primeiro ciclo em Setembro, vai manter-se no colégio onde agora frequenta o pré-escolar. E esta escolha deve-se a duas importantes razões: em primeiro lugar, o facto de ele ser surdo e de a única Escola de Referência para a Educação Bilingue de Alunos Surdos ficar a 60 quilómetros da nossa casa e, em segundo, o facto de este colégio ensinar Matemática através do método de Singapura.

De forma resumida, o que este colégio fez foi enviar a Singapura um grupo de trabalho para perceber quais as grandes diferenças no ensino da Matemática daquele país para, depois, poder adaptá-las à realidade portuguesa. E o que acontece hoje é que a Matemática é ensinada de forma muito mais intuitiva e totalmente diferente das restantes escolas, o que obrigou, inclusive, a que o colégio criasse os seus próprios manuais. E agora, em modo confessional, assumo que me custa a entender porque é que o Ministério da Educação não faz um caminho semelhante e não procura trazer para Portugal aquilo que de melhor se faz a nível de ensino em cada um dos diferentes países.

E se o PIRLS de 2021 não chegar para percebermos a qualidade académica dos alunos de Singapura, podemos sempre analisar os dados do Programa de Avaliação Nacional de Alunos (PISA, em inglês), repetido a cada dois anos e coordenado pela OCDE, em que cerca de 600 mil estudantes do secundário de 71 países realizam um teste de duas horas que avalia a sua literacia em leitura, o seu domínio da matemática, das ciências e a sua capacidade de resolução de desafios em contexto de vida real/prática. E aqui, outra vez, Singapura dá cartas, com resultados de 549 pontos em literacia em leitura, 569 pontos em matemática e 551 pontos em ciências. Só para ajudar a comparação deixem-me referir que, nestes domínios, a média da OCDE foi, respectivamente, de 487, 489 e 489 pontos.

Claro que não defendo um sistema baseado apenas em rankings, em que o bem-estar e a saúde mental das crianças sejam pouco mais do que pormenores, mas confesso que a falta de literacia em leitura, por exemplo, é coisa para me adoecer. Crianças e jovens que lêem, mas que são incapazes de interpretar. Juntam letras, formam palavras, mas não compreendem o que elas lhes querem dizer. E na área das ciências? Imaginam os perigos de formarmos uma geração acrítica, incapaz de compreender o método científico e totalmente permeável à banha da cobra debitada por impostores? Nenhum de nós quer uma sociedade de “terraplanistas”, verdade?

Não podemos copiar tudo o que se faz em Singapura, mas há muito que lá podemos beber. E uma dessas coisas é a forma de tratar os professores, que são, de longe, a carreira mais admirada e valorizada do país. A selecção dos futuros professores começa cedo e estes são escolhidos de entre os 5% de estudantes do ensino pré-universitário (que dura entre dois e três anos) com melhor desempenho académico. Mas nem todos os pré-seleccionados ficam; aliás, apenas um em cada oito é convidado a ficar depois de ser avaliado em termos de vocação, humanismo e capacidade de comunicação. E mal entram no curso passam a ser contratados e a poder usufruir de salãrio, férias, seguro de saúde e outros benefícios. Todos os que terminam a sua formação para professores têm emprego garantido. O desemprego é inexistente nesta classe.

Para além destas exigências na formação e nas vantagens óbvias no início de carreira, os professores de Singapura têm ainda direito a 100 horas anuais para desenvolvimento profissional e, na sua avaliação anual, os que mais se destacam recebem importantes prémios financeiros. Também os directores de escola têm formação própria e rigorosa e sabem que a cada 6/8 anos têm de mudar de estabelecimento de ensino.

E a juntar à questão dos professores o país desenvolveu um método de ensino baseado na compreensão e na resolução de problemas. É um método dinâmico, muito virado para casos práticos e contextos reais. Um modelo que pôs Singapura, um país com cinco milhões de habitantes, no topo do mundo da educação.

Um em cada sete alunos em Singapura, aos 15 anos, tem um pensamento matemático avançado. A média da OCDE neste patamar é de 2,4%. Em Singapura, 91% dos alunos atingiram um nível elevado a ciências e são os melhores do mundo em leitura e análise de textos.

A minha avó sempre me disse que devemos aprender com os melhores. Se o ministro da Educação a tivesse conhecido, a esta hora já tinha os bilhetes de avião comprados.

Carmen Garcia

Fonte: Público

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Ensino de música para alunos cegos ou com baixa visão no âmbito do projeto Musicar

São intuitos de cada um destes laboratórios fazer uma síntese das matérias focadas nas 10 ações de formação MUSICAR, concluídas no passado dia 12 de maio, e assinalar propostas de ensino da música para alunos surdos e para alunos cegos ou com baixa visão a serem ensaiadas nas fases seguintes do projeto.

Inscrição neste formulário
(O link de acesso será enviado para o e-mail indicado.)

Fonte: INR

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Jogo para promover os direitos humanos das pessoas com deficiência vai ser levado às escolas

Aliar a vertente lúdica à educação e, através de um jogo de tabuleiro, consciencializar para os direitos humanos das pessoas com deficiência: é este o ponto de partida do KIT Direitos Humanos, uma iniciativa desenvolvida por investigadores do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. A par do jogo, aquela instituição criou também, este ano, o primeiro Núcleo de Estudos da Deficiência em Portugal e vai apresentá-lo publicamente esta quinta-feira, na presença de Ana Sofia Antunes, secretária de Estado da Inclusão, num seminário no Iscte.

“Há uma ideia fundamental que é a de que os direitos humanos são para se levar a sério”, explica Luís Capucha, docente que lidera a equipa do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do Iscte e coordenador científico do núcleo, a propósito dos dois projectos. O trabalho de desenvolvimento do jogo, uma mistura entre o tradicional jogo da glória e o monopólio, iniciou-se há três anos. O kit vai ser utilizado em escolas básicas e secundárias, associações ligadas às escolas e grupos informais de educação com o objectivo de envolver e de sensibilizar os mais novos e as famílias para a inclusão.

Além de visar os direitos humanos das pessoas com deficiência, são também chamados ao tabuleiro “os diferentes tipos de barreiras que estas pessoas encontram no quotidiano”, refere o investigador. Há, por exemplo, cartões com frases como “o que achas sobre o professor te deixar sempre fora da sala de aula porque não consegues acompanhar?” que dão conta desses entraves.

O intuito é, pois, o de avançar com uma série de iniciativas capazes de incutir na sociedade a necessidade de “coesão social e de não-segregação das pessoas com deficiência”. Para isso, defende Luís Capucha, importa desenvolver e expandir políticas nas comunidades como o Modelo de Apoio à Vida Independente capazes de dar autonomia às pessoas com deficiência e assentes numa lógica de “diferenciação”, por oposição à segregação.

“É a ideia de não ter de concentrar as pessoas que têm o mesmo problema numa sala ou num mesmo centro de actividades ocupacionais. Nessas condições elas não evoluem nem participam”, explica Luís Capucha. “Queremos contribuir para promover a mudança ao nível dos comportamentos e dos valores sociais das novas gerações em relação à deficiência." (...)

Fonte: Parte de notícia do Público

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Os alunos conseguem instalar a aplicação das provas de aferição

O presidente do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) explicou, esta segunda-feira, que a aplicação para as provas de aferição foi enviada na semana passada por questões de segurança, sendo uma aplicação simples que "até os alunos podem instalar".

Na passada sexta-feira, a Associação Nacional de Professores de Informática (ANPRI) criticou o facto de o "manual de instruções" para a realização das provas ter chegado às escolas dois dias antes do arranque das provas de aferição, dia em que souberam que seria preciso instalar uma aplicação nos computadores dos alunos.O presidente do IAVE, Luís Pereira dos Santos, explicou hoje que a aplicação foi enviada no final da semana passada "por questões técnicas de segurança", garantindo tratar-se de "uma aplicação de instalação muito simples".

"É uma aplicação que é necessária para garantir a segurança e a equidade entre os alunos, mas é uma aplicação de instalação muito simples. Não é necessário um professor muito especializado para fazer essa instalação, até os próprios alunos a podem fazer", disse aos jornalistas, acrescentando que são precisos apenas alguns segundos para descarregar a aplicação.

Além disso, Luís Pereira dos Santos salientou que as escolas podem fazer a instalação de "forma muito gradual", até porque a primeira prova digital é a de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e vai decorrer ao longo de duas semanas.

"As escolas vão ter tempo para, com serenidade, fazer essa aplicação", disse, acrescentando que a prova de TIC será realizada por cerca de 80 mil alunos do 8.º ano entre os dias 16 e 26 de maio.

"O nosso sistema de provas eletrónicas foi concebido de forma a ser simples e a não implicar a intervenção de professores mais especialistas nesta matéria", acrescentou.

A aplicação permite, através da instalação nos computadores dos alunos, que estes não possam sair da sua prova antes de a terminarem nem aceder a outras aplicações, explicou o gabinete de imprensa do ministério da Educação em declarações à Lusa.

Aos jornalistas, o ministro João Costa defendeu hoje que o modelo das provas digitais representa muito menos trabalho para as escolas, quando comparado com as provas em papel, que obrigam os professores a deslocarem-se à escola sede para ir buscar os envelopes com as provas, depois fazer a distribuição pelas escolas, abrir envelopes, organizar por turmas, fazer verificação e reportar informações ao Júri Nacional de Exames.

"Toda esta logística era muito mais complexa do que o que está agora aqui em causa", disse João Costa.

Este ano, mais de 250 mil alunos do 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade vão realizar as provas em formato digital

As provas de aferição começaram no início do mês, com os alunos do 2.º ano a mostrar as suas competências a Educação Artística e Educação Física, mas só na próxima semana arranca a "época" das provas digitais, com a prova do 8.º ano de TIC.

A 24 de maio os alunos do 8.º ano realizam a "componente de Observação e Comunicação Cientifica da prova de Ciências Naturais e Físico Química" e a 2 de junho os alunos do 5.º ano fazem a prova de Português.

Seguem-se as provas de Ciências Naturais e Físico Química (8.º ano), História e Geografia de Portugal (5.º ano) e Matemática (8.º ano).

A 15 de junho, será a vez dos alunos do 2.º ano realizarem a prova de Português e Estudo do Meio e a 20 de junho Matemática e Estudo do Meio.

Fonte: JN por indicação de Livresco

domingo, 14 de maio de 2023

Há duas vezes mais crianças com seis anos que ficam no pré-escolar

Érica Rodrigues matriculou a filha nesta quinta-feira na "escola primária". Camila ainda tem cinco anos e só celebrará os seis em Outubro, mas desde os três que tem uma mochila onde guarda o material que pretende utilizar quando entrar no 1.º ano. Está “ansiosa” para a nova fase, confirmou a mãe, de 36 anos, ao PÚBLICO: “Há dois anos que a escola é um objectivo para ela.”

Como só celebra seis anos depois de 15 de Setembro, os pais de Camila podiam matricular a filha no 1.º ciclo com cinco anos ainda, pedindo que entrasse no ensino básico se houvesse vagas, ou então esperar que ela completasse os seis anos para iniciar o 1.º ano.


O instinto de Érica, que vive em Lisboa e trabalha numa empresa tecnológica, dizia-lhe para esperar: queria proteger a filha por mais um ano da frustração de errar e da pressão dos testes: “A Camila tem noção da necessidade de aprender, mas é a primeira vez que vai sentir este tipo de tensão.”

Mas depois de consultar psicólogos, o pediatra, a educadora, Érica percebeu que se a filha ficasse mais um ano na pré-escola, podia desenvolver outra frustração: ver os colegas avançarem, enquanto ela ficava à espera da experiência pela qual tanto anseia. Camila teria de acrescentar 365 dias ao calendário onde já vai contando o tempo que lhe falta até entrar no 1.º ano.

Embora em casa a menina parecesse pouco interessada em algumas tarefas — como a escrita, exemplifica a mãe —, na escola era totalmente empenhada e tendia a procurar mais actividades do que alguns dos seus colegas. Por isso, Érica decidiu aplicar as recomendações dos peritos que consultou e matricular Camila no 1.º ano de um percurso que terá pelo menos 12.

Mas casos como este são cada vez menos comuns, indicam os dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

O número de crianças que permanece no ensino pré-escolar com seis anos de idade celebrados até ao último dia do ano civil, ao invés de avançar para o 1.º ciclo ainda com cinco, mais do que duplicou entre as épocas lectivas de 2010/2011 e 2020/2021.


Segundo os dados do portal “Educação em Números”, no ano lectivo 2020/2021 havia 12.740 alunos que, embora já tivessem seis anos a 31 de Dezembro de 2020, ainda frequentavam o ensino pré-escolar. Dez anos antes, em 2010/2011, eram menos de metade: 5346 crianças.

Os dados tornam-se ainda mais expressivos se tivermos em conta que o número de nascimentos decresceu quase 25% do ano 2004 para 2014, quando estas crianças nasceram.
Maturidade, autonomia. O que pesar na decisão

Um despacho normativo de 2017 fixou que a matrícula no 1.º ano é obrigatória para todas as crianças que completam seis anos até ao dia 15 de Setembro do ano em que essa nova época lectiva começa. O ingresso das crianças nascidas depois dessa data e até ao último dia do ano é condicional. Os tutores podem matriculá-las no 1.º ano à mesma, mas a entrada só será permitida se ainda existirem vagas.

O Ministério da Educação não respondeu ao PÚBLICO sobre quantas crianças começaram o 1.° ano com cinco anos no último ano lectivo, nem quantas não o puderam fazer por falta de vagas. Mas Fernanda Viana, especialista em Psicologia da Educação na Universidade do Minho, revelou que os casos de falta de vagas para as crianças em situação condicional são pontuais e verificam-se sobretudo em zonas com uma elevada densidade populacional. Só que “há mais pais a escolherem esperar”.

Foi o caso de Rita Cunha. Há sete anos, a assistente social de Almada estava na mesma situação que Érica porque o filho mais velho, Guilherme, só celebraria seis anos em Dezembro. Ouviu opiniões de psicólogos e educadores, mas só um deles incentivou a mãe a matriculá-lo no 1.º ciclo. Todos os outros defenderam que Rita devia esperar até que o filho completasse seis anos.

Em entrevista ao PÚBLICO, a mãe, agora com 45 anos, explica o que pesou na sua decisão: “Era importante ganhar maturidade, brincar mais um ano e não ter pressão de iniciar logo a aprendizagem.” O facto de os colegas de turma terem evoluído para 1.º ciclo não entrou na equação: como a família estava a mudar de cidade, Guilherme já teria de mudar de escola e encontrar um novo núcleo social. Agora, com 12 anos, é “um aluno de mérito”.

De todos os aspectos que Fernanda Viana aconselha os pais a considerarem para tomarem uma decisão, o facto de os colegas entrarem no 1.º ano mais cedo do que o filho é o que menos deve pesar. Outros mais preponderantes, diz, são a maturidade social (a forma como a criança se relaciona com os pares), a capacidade de lidar com a crítica, a qualidade do ensino pré-escolar que recebeu, a sua autonomia para se organizar e completar tarefas (como os trabalhos de casa) e a maturidade cognitiva. E não conta apenas a capacidade de ler e escrever: “A matemática no 3.º ano é muito exigente, mas não costuma ser tão estimulada no pré-escolar.”

"Na dúvida, não avançar"

Isabel Abreu-Lima, especialista em Psicologia da Educação na Universidade do Porto, é apologista da decisão de Rita Cunha. “Na dúvida, é melhor não avançar.”

“Ficar para trás é o menor dos males”, defende, em entrevista ao PÚBLICO. A investigadora concorda que há excepções: as crianças em situação condicional podem avançar para o 1.º ano quando estão “muito avançadas" — cognitiva e socialmente.

É que, quando um aluno chega ao 1.º ano, encontrará um ambiente totalmente diferente — algo que Isabel questiona: “Porque é que dos cinco para os seis anos se pede um salto tão grande se, em termos de idade, não é o é?”

A psicóloga considera que deve haver flexibilidade no ensino para que cada criança receba os estímulos que são mais adequadas para ela, independentemente de estar no pré-escolar ou na primária.

É o mesmo apelo que o pediatra Alberto Caldas Afonso, do Centro Hospitalar do Porto, deixa. “Há ciclos para brincar, estudar, trabalhar e viver a reforma que devem ser respeitados”, considera o clínico. A idade é um indicador, mas cada caso é um caso. Os sinais a que os pais podem estar atentos são a capacidade de aprender canções, contar histórias e terminar jogos. Mas o ideal é fazer uma avaliação psicológica. E ouvir os educadores, que têm termo de comparação com dezenas de crianças: “Conhecem-nas como ninguém”, termina Isabel Abreu-Lima.

Fonte: Público

sábado, 13 de maio de 2023

Federação acusa escolas públicas de recusarem alunos com diabetes

Escolas públicas que recusam a inscrição de alunos por serem diabéticos, crianças impedidas de fazer educação física ou professores que tratam os meninos por "o diabético" são algumas das denúncias da Federação de Pessoas com Diabetes.

"Temos conhecimento de muitos casos inacreditáveis que não podem acontecer, como por exemplo, termos professores que tratam as crianças por "o diabético"", desabafou Emiliana Querido, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Pessoas com Diabetes (FPAPD), em entrevista à Lusa.

O início do ano letivo é quando surgem mais problemas, porque é quando as escolas são confrontadas com chegada de novos meninos.

Em média, setembro é sinónimo de "dez novos pedidos de ajuda", mas estão sempre a surgir novos casos: "No mês passado, por exemplo, ficámos a conhecer três novas histórias", contou a responsável.

A maioria dos problemas acontece no pré-escolar ou no 1.º ciclo, quando as crianças ainda precisam de ajuda para vigiar a glicemia, administrar a insulina ou contar os hidratos de carbono que vão consumir.

Quando chegam à escola, as famílias sentem-se desamparadas ao descobrir que não existe a rede de apoio com que estavam a contar.

"Os pais não querem fazer queixa, querem apenas ser ajudados", explicou Emiliana Querido, contando que existem relatos de todo o país, do litoral ao interior, tanto em escolas públicas como colégios privadas.

"Há escolas que simplesmente não aceitam a inscrição e estamos a falar de escolas públicas", acusou a presidente da federação, contando que o argumento dos estabelecimentos é a falta de pessoal para responder às necessidades da criança.

A presidente da FPAPD recordou casos de "professores que não deixam a criança estar com os dispositivos de medição de glicemia consigo, que não deixam a criança ir à casa de banho. Quando existe uma visita de estudo, há já vários casos em que tentam que a criança não vá. Pedem declarações médicas que não são de todo necessárias".

Emiliana Querido contou ainda a história de "uma menina que estava a ingerir açúcar porque estava a sentir-se com hipoglicemia a disseram-lhe que não podia comer na aula".

A estes casos somam-se as vezes em que a escola sugere aos pais que mudem a criança de escola ou de turma. Emiliana Querido questionou como é que se pode pedir a uma criança que "mude toda a sua vida", deixe os amigos para trás e a relação com professores e educadores.

A presidente admitiu, no entanto, que às vezes estas sugestões surtem efeito, porque os pais preferem mudar para uma escola onde se sintam apoiados do que imaginar o seu filho sem ajuda, "mesmo que isso implique uma gestão familiar muito mais difícil".

Para Emiliana Querido, estas situações têm de ser evitadas, até porque algumas já revelaram ter efeitos psicológicos graves: "Conhecemos casos de adolescentes que ainda frequentam consultas de psicologia por episódios traumatizantes na escola".

Para Emiliana Querido, este é um problema de fácil resolução, uma vez que a diabetes é uma doença que não exige um acompanhamento permanente e, com o passar do tempo, a criança vai-se tornando cada vez mais autónoma.

Sobre os resultados das denuncias que chegam à Federação, Emiliana explica que muitos pais não querem fazer queixa por medo de represálias, mas para a Direção-Geral da Gestão Escolar, "sem queixa formal, não é possível identificar a situação específica e atuar em conformidade".

A Lusa contactou o Ministério da Educação para saber quantas queixas foram recebidas nos últimos anos e quais as consequências, assim como quais os procedimentos a que as escolas estão obrigadas, mas não recebeu qualquer resposta até ao momento.

"Sabemos que algumas escolas fazem um bom trabalho. Mas também nos chegam estes pedidos de ajuda", lamentou a presidente da FPAPD, lembrando que desde 2019 existe uma orientação bastante completa para os cuidadores de crianças e jovens com diabetes tipo 1 na escola, "mas não se veem melhorias no que toca à integração".

A presidente criticou ainda a falta de uma legislação "que vincule a escola a dar uma resposta adequada", e a falta de informação e meios para ajudar estas crianças, que a federação estima serem cerca de 4.000. .

Para Emiliana Querido, o desconhecimento sobre a doença acaba por assustar e afastar os adultos da responsabilidade. Por isso, a federação quer que "as escolas sejam alvo de um programa de mais informação e formação": Era muito importante existir uma campanha forte para as escolas.

E concluiu: "Estes meninos podem ter uma vida escolar normal, pode fazer educação física e ir às suas aulas, podem fazer refeições na cantina da escola, mas é preciso o envolvimento de todos".

Fonte: RR por indicação de Livresco

Nota: Esta notícia e o seu conteúdo parecem desproporcionados e desajustados na medida em que nenhuma escola pública pode recusar a matrícula de um aluno, salvo se houver alternativa na zona, perante fundamentação explícita.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Criança com 5 anos deve fazer mais um ano de pré-escolar ou entrar no 1.º ano? Leia os conselhos dos especialistas - e saiba que "nunca se perde nada" em adiar

Será acertado deixar ao critério das vagas a matrícula no primeiro ciclo de uma criança que ainda não completou seis anos? Falámos com um pediatra, um professor do ensino básico, um psicólogo e uma educadora de infância para ajudar os encarregados de educação no processo de decisão. Se tiver dúvidas, a opinião é unânime: não há vantagens em apressar o início do percurso na escolaridade obrigatória

A legislação em vigor estabelece que as crianças que fazem seis anos entre 16 de setembro e 31 de dezembro são as chamadas "condicionais", ou seja, podem entrar no primeiro ciclo naquele ano letivo apenas se sobrarem vagas, depois de entrarem todos os alunos que já tenham feito seis anos antes desta data. E, todos os anos, pais ou educadores de crianças com aniversários nos últimos três meses do ano questionam-se: devo fazer a matrícula ou aguardar mais um ano e deixá-lo no pré-escolar?

O pediatra Manuel Magalhães diz que o mais importante é que os pais não se demitam desta decisão, deixando-a ao critério da aleatoriedade das vagas, ou mesmo sucumbindo à pressão de estabelecimentos de ensino que precisem de mais alunos para completar turmas. "Há situações em que as escolas fazem mesmo pressões sobre os pais, decidem que as crianças vão entrar e os pais não têm grande voto na matéria", diz à CNN Portugal.

Mas a verdade é que os pais podem ter "voto na matéria": a matrícula de uma criança condicional não é obrigatória - ao contrário do que acontece para as crianças que já completaram seis anos - e, portanto, antes de avançarem com o processo, os encarregados de educação podem decidir ouvir quem mais de perto lida com as crianças, seja um educador de infância, o pediatra ou, eventualmente, um psicólogo a trabalhar na área educacional. "É importante os pais não se demitirem dessa responsabilidade", reforça Manuel Magalhães. "O sistema de ensino deve ser focado nas crianças e não na sua estrutura. Tem de se adaptar às crianças e não o contrário", assinala.

Numa altura em que ainda decorrem as matrículas para o primeiro ciclo do ensino básico - terminam no próximo dia 15 de maio - o pediatra decidiu publicar nas redes sociais conselhos para encarregados de educação indecisos entre fazer este ano ou no próximo a matrícula dos seus educandos, recorrendo à evidência científica compilada no relatório técnico da American Academy of Pediatrics, que indica que não existe uma idade ideal para começar no primeiro ano, mas sim vários fatores no desenvolvimento da criança que mostram se ela está ou não pronta a sentar-se numa sala de aulas.

Segundo o relatório técnico norte-americano, há aspetos que devem ser desenvolvidos em idade pré-escolar e que permitirão uma "transição mais suave" para o primeiro ano, explica Manuel Magalhães. Entre estes aspetos estão, por exemplo, um crescimento harmonioso em que a criança tenha desenvolvido competências básicas, nomeadamente cuidar da sua higiene e alimentar-se de forma autónoma, correr, saltar, desenhar e picotar, que tenha capacidade de estabelecer relações emocionais, de reconhecer os seus sentimentos, que tenha uma noção de valores e cultura e, naturalmente, que saiba ouvir e falar de forma organizada, tendo noção das letras e conhecendo bem os números.

"Se tiverem dúvidas, falem com os vossos pediatras", diz Manuel Magalhães, que considera que não existe, por norma, qualquer desvantagem em adiar a entrada no primeiro ciclo. "Os pais acham que vão perder um ano. Eu digo, não vão perder, vão ganhar um ano! Um ano de competências, de atenção, de brincar, de liberdade na aprendizagem", sublinha. "Os pais têm a ideia de que vão atrasar, de que eles vão perder os amigos da sala. As crianças habituam-se rapidamente a novos grupos de amigos, esta questão não deve ser uma preocupação", garante.

Treinar a brincar no pré-escolar

Manuel Magalhães aconselha mesmo os pais das crianças que tenham feito agora cinco anos e que, pela data de aniversário, sejam previsivelmente condicionadas à existência de vaga para entrar na escola primária, a falarem sobre o tema com o pediatra ou médico de família. E sugere que vão amadurecendo a decisão ao longo do tempo, olhando para a criança que têm em casa e para as suas características, sem deixarem para a altura das matrículas essa reflexão.

"Na consulta dos cinco anos são avaliadas várias coisas e o médico percebe, por exemplo, se há até sinais de alarme", acrescenta. "Se eu tivesse agora um filho de cinco anos, queria brincar muito com ele, para treinar, por exemplo, a linguagem compreensiva e expressiva: perceber se ele me diz o que quer, o que sente, e para isso tenho de comunicar com ele, fazê-lo pedir-me coisas, explicar a sua vontade e perceber se ele faz as coisas que eu lhe peço. A articulação das palavras também é importante, porque pode ter impacto na forma como aprendem a ler e escrever, e depois analisar também a atenção. Pode ser a criança mais inteligente do mundo, mas se eu estiver a explicar algo e ela não me ouvir, não vai perceber", resume o médico.

E como se treinam estas competências em idade pré-escolar? A brincar. "Fazer puzzles, desenhos, pinturas, atividades mais calmas que obriguem a pensar e a cumprir regras", sugere o pediatra, que sublinha ainda a importância dos jogos de tabuleiro para a aquisição de competências várias, como contar as pintas dos dados, esperar pela vez ou compreender instruções. A destreza do punho é importante, treinar a motricidade fina para que a mão comece a desenhar o que cabeça imagina, diz ainda Manuel Magalhães, e a aprendizagem também pode acontecer no dia-a-dia enquanto as crianças sobem ou descem lanços de escadas e contam degraus. "As famílias estão cansadas, trabalham o dia todo, ao fim do dia não há grande disponibilidade para fazer este tipo de brincadeiras e é normal os pais ficarem indecisos nesta questão", admite. Mas lembra que é muito mais fácil para os mais novos aprenderem competências, como números e letras, em brincadeiras organizadas, do que sentados numa secretária de frente para o quadro, a ouvir um professor.

"Salvo algumas exceções, que as há, as crianças chamadas condicionais deveriam entrar sempre no ano seguinte. Nunca se perde nada em adiar", repete. Já sobre as matrículas antecipadas - é possível pedir para matricular no primeiro ciclo uma criança de cinco anos que só faça os seis a partir de janeiro do ano seguinte, ainda que esta possibilidade esteja condicionada a um relatório da equipa que acompanha o aluno na escola e à avaliação de um psicólogo - Manuel Magalhães é contundente: "Sou absolutamente contra. Não vejo razão nenhuma para que isso tenha de acontecer".

Também há casos em que os pais, por considerarem que é necessário maior amadurecimento da criança, pedem o adiamento da matrícula no primeiro ciclo, atirando a frequência do primeiro ano para os sete anos do futuro aluno. Nestes casos, também é necessária justificação médica e avaliação especializada, uma vez que se trata de adiar uma matrícula que, por lei, é obrigatória. "Se faltarem competências consideradas essenciais, nesses casos, com a antecedência devida, a questão deve ser colocada à educadora, deve ser feita uma avaliação psicológica, formal, sobre se o aluno beneficia de estar mais um ano na pré-escola e treinar melhor a brincar", explica o pediatra, que volta a dizer: o mais importante é os pais não se sentirem pressionados pelo contexto e conseguirem tomar uma decisão informada e ponderada.

A pressão parental para avançar

Hélder Ramos é professor do ensino básico há quase 20 anos e nunca esquece uma criança de cinco anos que lhe entrou na sala logo no início da carreira. "Era um miúdo muito bom. Mas nunca foi ótimo. Não lhe deram tempo", lamenta, em declarações à CNN Portugal. "Nestas idades, seis meses de crescimento fazem uma diferença abismal", acrescenta. "O que vai definir se uma criança tem um bom desempenho escolar é a maturidade, a resiliência. De que adianta saber ler e escrever, mas não ter paciência para fazer um trabalho ou, quando erra, para respirar fundo, aprender e avançar?", questiona.

Falando sobre matrículas antecipadas aos cinco anos - com as quais discorda - o professor defende que uma criança, para ter sucesso no 1.º ciclo, não pode saber apenas decifrar letras. Mas constata que, muitas vezes, os pais são iludidos pelo facto de os filhos já saberem ler e contar antes dos seis anos, pedindo ao estabelecimento de ensino um avanço do percurso escolar que não beneficia as crianças. "Os pais precisam de dizer aos amigos que o filho deles sabe mais do que os outros", lamenta. "Estão menos preocupados com o desempenho real das crianças e com o seu sucesso emocional, querem que ela faça habilidades e atividades para mostrarem aos amigos que também têm filhos", critica, dizendo que vê muitas vezes pressão parental para que os alunos avancem mais depressa do que o esperado.

Para o professor, é muitas vezes desvalorizada a motricidade fina, o saber pegar corretamente no lápis para escrever, conseguir rasgar papel com as mãos ou usar uma tesoura. "A pega correta no lápis, por exemplo, permite escrever de forma fluída e sem cansar. Com uma pega errada, a mão está em tensão constante e a escrita é muito dificultada. Às vezes, as crianças mais novas consolidam uma forma errada de escrever as letras e os números, com movimentos incorretos, e isso vai dificultar a escrita numa fase posterior", explica ainda o docente. "Quando reagimos à maturidade das crianças, estamos a forçar essa mesma maturidade", comenta, defendendo que os mais novos têm de ter a liberdade para brincar no devido tempo. "Mas sempre que um pai diz que o filho entrou na escola aos cinco anos, di-lo com vaidade".

Sobre as crianças condicionais, admite que há quem amadureça mais cedo e tenha condições para avançar, "da mesma maneira que está previsto na lei, no primeiro ciclo, que seja possível fazer os quatro anos em apenas três, porque realmente existem crianças de exceção. O problema é que são exatamente uma exceção. Se fossem a regra e as crianças estivessem todas prontas aos cinco anos, mudavam-se as normas", atalha. E há diferenças, naturalmente, entre uma criança que faz 6 anos a 16 de setembro e aquela que os completa a 31 de dezembro. E nem sempre o desenvolvimento é linear. "Se há dúvidas, falem com a educadora, levem eventualmente a um psicólogo. É a educadora quem tem termos de comparação com outros alunos e conhece aquele filho tão bem como os pais, passa muitas horas por semana com ele num contexto em que a criança vai agir de forma diferente da que se estivesse em casa", garante, apontando um caminho aos encarregados de educação mais desorientados.

Hélder Ramos defende ainda que os currículos do ensino básico são "extensos e intensos" e que não há vantagens em sujeitar crianças não preparadas a uma carga mais pesada tão cedo. Na dúvida, "a educadora de infância deve ser sempre a primeira pessoa a opinar", sublinha.

Valorizar a opinião do educador de infância

Hélder Leal é psicólogo educacional e defende que o tema das matrículas condicionais é "de extrema importância", porque o desenvolvimento humano "é motivado por diversos factores intrínsecos e extrínsecos que não se reduzem a questões de natureza legal" como esta, em que as datas de frequência do primeiro ano são definidas por despacho.

"Os dados empíricos vão revelando que existem, muito frequentemente, dificuldades consideráveis de natureza cognitiva e comportamental que acometem crianças que tenham ingressado precocemente na escolaridade obrigatória", diz o psicólogo à CNN Portugal. Hélder Leal também defende que o educador de infância é quem está mais habilitado para emitir uma opinião sobre se a criança deve entrar com cinco anos na escola primária e tem um "papel fundamental na relação com os pais", devendo garantir que qualquer decisão é sempre tomada em nome do superior interesse do aluno.

E ter em conta o interesse da criança também significa, muitas vezes, ir contra a pressa dos encarregados de educação ou resistir à "pressão parental", admite o psicólogo. "Os pais não têm, na maioria dos casos, as competências e o distanciamento emocional para tomar esta decisão de forma autónoma e íntegra", reflete.

Hélder Leal admite que, até há poucos anos, era "quase inexistente" a procura de um psicólogo, por parte dos encarregados de educação, para os auxiliar na tomada de decisão sobre a altura mais adequada para a matrícula. "Hoje temos uma geração de pais que pensam de forma diferente e que procuram respostas de modo a amenizar as dificuldades dos filhos no ingresso na escolaridade obrigatória", assinala. Ainda assim, admite que há pais que são mais obstinados em relação ao início da frequência escolar e que, nestes casos, educadores e psicólogos não são considerados nem ouvidos.

"Infelizmente, muitas dessas situações são posteriormente sinalizadas para avaliação psicológica ou requerimentos para serem acompanhados pela educação especial", lamenta. O psicólogo vai mais longe e defende mesmo uma mudança que preveja o fim do ingresso das crianças condicionais no primeiro ano, por considerar que poderia ajudar a "reduzir bastante as dificuldades de aprendizagem e as dificuldades emocionais" que surgem, geralmente, no segundo ano de escolaridade.

"Mais do que alfabetização na educação pré-escolar, são fundamentais as questões de natureza emocional e comportamental, como sejam o conseguir estar sentado, o saber esperar pela sua vez, o gosto e interesse em aprender ou o conseguir lidar com a frustração. Muitas vezes, a criança tem boas competências cognitivas mas falta-lhe maturidade emocional. Daí podem resultar consequências negativas no seu percurso escolar associadas, por exemplo, a dificuldades em lidar com o insucesso", explica o especialista.

Sobre um eventual ingresso no ensino primário aos sete anos, Hélder Leal não esconde que vê vantagens neste adiar do percurso escolar, perante uma escolaridade muito exigente que ocupa muito tempo letivo e pós-letivo aos mais novos. "As metodologias de ensino estão ultrapassadas, são muitas vezes arcaicas face ao paradigma digital actual. O tempo e o espaço para brincar encolheu consideravelmente e, infelizmente, cinge-se cada vez mais ao brincar sozinho, ao brincar à distância, sem toques, nem cheiros nem sabores e nem dissabores", declara.

O psicólogo diz também que vão surgindo pais - "talvez alternativos" -, mas mais conscientes para as questões do desenvolvimento dos filhos, e que requerem adiamentos do início do percurso letivo. Não condena, antes pelo contrário: "É importante refletir que, se não se brinca em idade precoce, poucas vezes se brinca dali para a frente", conclui.

Em relação às matrículas antecipadas, de crianças com cinco anos, diz que é sobretudo necessário perceber o que motiva este tipo de pedidos dos encarregados de educação. "Existem casos de crianças sobredotadas que, não sendo devidamente acompanhadas, resultam em prejuízo emocional e comportamental sério. São crianças que devem ser acompanhadas por um psicólogo não apenas pontualmente, mas ao longo do desenvolvimento", resume.

Salvaguardar a parte emocional

Elsa Antunes é educadora de infância desde 1991. "Já tenho na sala filhos dos meus alunos, e acho que ainda vou ter netos dos meus alunos", comenta a rir-se, ao telefone com a CNN Portugal. Acumula uma longa experiência de trabalho com crianças em idade pré-escolar e admite que a sua forma de pensar foi mudando ao longo dos anos, sobretudo em relação à idade de entrada no 1.º ciclo do ensino básico. De um modo geral, e sem entrar em casos específicos, diz que responde normalmente da mesma forma se lhe pedem opinião. "Digo que deixem as crianças amadurecer. É importante brincar e não perdem nada".

Garante que é mais comum que os encarregados de educação queiram que os filhos vão mais cedo para o primeiro ano - "mesmo não tendo maturidade" - do que os pais que refletem sobre um eventual adiamento. Descartam o grau de exigência do primeiro ciclo, a importância da parte lúdica e preferem o avanço possível, mesmo que isso faça a criança "bloquear" numa fase mais tardia e ter dificuldades no ensino primário.

Elsa Antunes recorda também que, no jardim de infância, a brincadeira é orientada por um educador mas as crianças aprendem muito na interação umas com as outras, que é facilitada pelas dinâmicas de sala, que não se repetem no primeiro ano. "É uma mais-valia para o desenvolvimento", assinala. E se os pais dizem que ficar no pré-escolar mais um ano "é só um ano perdido", a educadora assegura que não. "Mais um ano no pré-escolar não vai ser igual. Vamos ter outras crianças, outras atividades, outras temáticas, outras maneiras de trabalhar", diz Elsa Antunes. "De há uns tempos para cá vejo uma mudança de mentalidade, as pessoas estão mais despertas para isso", nota. "Antes pensava-se que brincar não é aprender. Mas aprende-se sobretudo a brincar", reforça.

A educadora de infância diz também que é preciso deixar de "crucificar os pais", muitas vezes mergulhados na rotina dos dias corridos e sem muito tempo ou ferramentas para avaliar a evolução dos filhos. E garante que a opinião de quem acompanha as crianças em sala do pré-escolar é sempre "uma mais-valia", em qualquer decisão. "Reconheço que há crianças que são muito interessadas e isso nota-se comparativamente com os mais velhos. Não é que tenham mais capacidades, mas de facto estão mais à frente", refere. "Estão sempre atentos, dão sugestões. E quando falamos de um tema ou projeto, eles conseguem agarrar nos conhecimentos adquiridos e transpo-los para outro projeto, usá-los em situações que nem nós, adultos, tínhamos pensado".

Duvida da necessidade de acelerar processos mas assume que, quando lhe pedem relatórios sobre matrículas antecipadas de crianças em idade precoce, os faz sempre "em consciência", independentemente daquela que percebe ser a vontade dos pais. "Não vamos esconder a realidade", desabafa.

Sobre o papel dos educadores de infância na preparação das crianças, Elsa Antunes vinca também que não é no pré-escolar que os mais pequenos devem aprender a ler ou escrever. "Não é esse o nosso papel", explica. "As crianças têm contacto com a as letras, os números, a adição e subtração, com as palavras. Mas um dos factores mais importantes que vejo para uma criança frequentar o primeiro ciclo é sem dúvida a maturidade", resume.

Fonte: CNN Portugal por indicação de Livresco