sábado, 31 de março de 2018

Escola: inteligência ou emoção?

A inteligência emocional é aquela que, para além de definir o nosso comportamento e as nossas atitudes, nos permite ser honestos connosco próprios e, consequentemente, com os outros.

É a que nos permite termos consciência e entendimento acerca dos nossos sentimentos e dos das outras pessoas, de modo a que possamos expressar, potenciar e gerir as emoções para encarar os problemas como desafios, de modo realista, observando as diferentes partes e compreendendo os outros como parte dum todo, cujo retorno se reflete na gestão, na instituição escolar e nos indivíduos que a compõem.

Está, assim, a observar-se uma nova transformação social: do mesmo modo que a Era Industrial deu lugar à Era da Informação, esta está a dar lugar à Era Conceptual, uma vez mais pela ação da riqueza, do progresso tecnológico e da globalização.

Sendo certo que o nosso hemisfério esquerdo está associado às características da Era da Informação e o nosso hemisfério direito à Era Conceptual, tal não significa o domínio de um sobre o outro. 

Ao invés, pretende-se estabelecer um novo equilíbrio, dado que as diferenças vincadas entre os dois hemisférios nos fornecem uma metáfora poderosa para interpretarmos o presente e nos orientarmos no futuro.

Ao contrário do elemento físico, o elemento intelectual pode ser sempre desenvolvido. Podemos parar de nos desenvolver fisicamente, algures entre os dezoito e os vinte e cinco anos, mas o desenvolvimento emocional prossegue até morrermos. Para tal basta aprender e treinar as aptidões e as competências que o compõem.

São conhecidos inúmeras as estratégias, métodos e modelos. Porém, o que importa é estar consciente da importância do “calor humano” nas cadeiras do poder. 

Os gestores escolares contemporâneos, para além da necessidade de se encontrarem consigo próprios, terão que permitir aos outros colaboradores da comunidade escolar oportunidades e meios para o seu próprio crescimento, pelo que as instituições educativas que não incorporarem atempadamente a inteligência emocional no local de trabalho, poderão fracassar, pela impossibilidade de procederem à transição para o paradigma da escola de aprendentes do século XXI.

Se esta nova inteligência, a inteligência emocional, nos permite aceder às competências que irão marcar o ritmo da vida moderna, resta-nos adotá-la num novo modelo de gestão: a Gestão Emocional, como a chave para o sucesso profissional e a satisfação pessoal.

Neste enquadramento, o gestor ou líder do grupo organizacional, não pode subestimar o poder da sua «tribo», ignorando as emoções coletivas. É que essas emoções são contagiantes e, por isso mesmo, é natural que as pessoas prestem mais atenção aos sentimentos e às atitudes comportamentais do seu líder. 

Não obstante o modelo selecionado, a eficácia do desenvolvimento da inteligência emocional é hoje considerado um fator de sucesso das lideranças.

Daí que acredite que, ao tornar mais emocionalmente positivas as escolas, estamos a contribuir para a existência de pessoas (docentes, alunos, pais…) mais felizes e de um mundo melhor.

João Ruivo

Fonte: Educare

sexta-feira, 30 de março de 2018

Doentes com atrofia muscular com acesso a remédio inovador

Os cerca de 150 doentes que se estima existirem em Portugal com atrofia muscular espinhal 5q - afeta o sistema nervoso central, levando a fraqueza muscular, dificuldades respiratórias e até à morte no caso dos bebés - vão poder ter acesso no Serviço Nacional de Saúde a um medicamento inovador que impede o desenvolvimento da doença. Os casos mais graves - denominados fenótipo 1 - são diagnosticados em bebés a partir do primeiro mês de vida, que têm uma esperança de vida inferior aos 24 meses.

Atualmente há "quatro ou cinco crianças", segundo o presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares (APN), a serem tratadas no âmbito de um Programa de Acesso Precoce iniciado em novembro pelo laboratório que desenvolveu o medicamento nusinersen. A decisão de se iniciar o processo para a comparticipação do remédio foi tomada na terça-feira numa reunião que juntou a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), o laboratório Biogen e a APN.

A possibilidade de as pessoas diagnosticadas com esta doença acederem a este medicamento, que faz que o organismo produza uma proteína que está em falta no sistema nervoso central, foi recebida com satisfação pelo presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares. Joaquim Brites lembrou ao DN que esta era uma notícia esperada "há muito tempo". É que, com a decisão de analisar a comparticipação do remédio pelo Estado, este passará a estar disponível "para os vários tipos de AME".

O responsável estima que existam até 150 pessoas em Portugal com esta doença, mas ressalva que terá agora de ser verificado se quem se candidatar "tem as condições clínicas". "Há vários passos a ser dados, ainda vai demorar algum tempo, mas espera-se que em junho já haja condições para o medicamento ser distribuído", sublinhou.

Expectativa que também é a do laboratório Biogen. "Saiu o compromisso [da reunião] por parte do Infarmed de que até ao verão se chegaria a um acordo sobre as condições de reembolso", adiantou (...) fonte oficial da empresa. Que considerou este encontro entre as três entidades um "passo muito importante", já que, por norma, as associações de doentes não são envolvidas neste processo.

Segundo o Biogen, além da eficácia que o medicamento tem demonstrado no tratamento de crianças, começam a surgir "estudos em doentes mais velhos e com bons resultados". Ou seja, será possível controlar a perda da marcha e da massa muscular com este remédio.

Esperança a surgir

As notícias sobre a disponibilidade do Infarmed para avançar com a comparticipação deste tratamento inovador - para o qual o laboratório não avança valores por estar agora a ser iniciado o processo de avaliação - dá esperança aos pacientes mais velhos e que até agora estavam fora do âmbito do Programa de Acesso Precoce. Como a doente (...) falou, mas que pediu para não ser identificada. Já sofre de atrofia muscular espinhal 5q há muitos anos e está a efetuar os testes para saber se é elegível para o tratamento. (...) reconhece que ainda "faltam estudos científicos que comprovem a eficácia nos adultos" e, talvez por isso, tenham sido recusados os tratamentos a pessoas mais velhas.

Tem, todavia, a esperança de que possa surgir uma forma de reduzir o impacte da atrofia e fraqueza muscular, até porque "esta é uma área onde estão a surgir medicamentos, depois de vários anos sem nenhuma inovação".

Uma aposta no desenvolvimento de medicamentos para as doenças raras que também é defendida por Joaquim Benites. O presidente da APN não fala sobre os valores envolvidos - numa petição colocada online em que se referia a necessidade de tratamento para algumas crianças seguidas no Hospital Dona Estefânia podia ler-se que no primeiro ano o tratamento poderia custar 500 mil euros -, mas defende que "vale a pena apostar" na investigação. Para já, a disponibilização do nusinersen a todas as pessoas cujos médicos o solicitem e que depois de análise dos processos sejam elegíveis para o receber é uma prioridade para o Infarmed. "Prevê-se que o medicamento esteja disponível para as entidades hospitalares do SNS no início do verão, garantindo a equidade no acesso a esta terapêutica, em tempo útil, ao mesmo tempo que se garantem mecanismos de monitorização e controlo de risco clínico", garantiu.

Fonte: DN

quinta-feira, 29 de março de 2018

As crianças começam a preocupar-se com a imagem pública antes de chegar à escola

As crianças de cinco anos demonstram ser mais generosas e, de uma forma consistente, quando sabem que estão a ser observadas. Esta será uma das várias pistas que levou dois psicólogos norte-americanos a antecipar os primeiros sinais de preocupação com a reputação em crianças para a fase do jardim-de-infância. Até agora, a maioria dos estudos sugeria que os comportamentos que denunciam um cuidado deliberado com a imagem pública surgiam por volta dos nove anos, já durante a etapa do ensino básico.

O artigo com o título “Pequenas [a versão original é pint-sized, sem tradução para português mas que remete para um tamanho reduzido de algo] relações públicas: O desenvolvimento da gestão da reputação” foi publicado na revista Trends in Cognitive Sciences, do grupo Cell.

Ike Silver e Alex Shaw, investigadores na área da psicologia da Universidade de Pensilvânia e de Chicago, respetivamente, começam por constatar que até há pouco tempo existia muito ceticismo sobre o desenvolvimento de um comportamento complexo associado à reputação antes dos nove anos. Porém, notam os autores, os resultados de investigações recentes “sugerem que por volta dos cinco anos as crianças começam a perceber a ampla importância da reputação e envolvem-se numa gestão das impressões surpreendentemente sofisticada”. Tal como os adultos ou as crianças mais velhas, os miúdos que frequentam o jardim-de-infância revelam que querem ser aceites por aquelas pessoas que admiram. Os investigadores fizeram uma revisão de estudos publicados recentemente e encontraram sinais da percepção de crianças pequenas sobre a reputação, nomeadamente quando mostram agir propositadamente para ter uma imagem positiva.

Parece demasiado cedo mas o marco dos cinco anos para o início de um “sofisticado sistema de gestão da reputação” não é sequer definitivo. Pode até ser que esta preocupação com a imagem pública surja antes disso, adiantam os investigadores que constatam a necessidade de mais investigação nesta área. “Há muito tempo que os psicólogos se interessam pela forma como construímos as nossas identidades e pela diversidade de estratégias que usamos para estar na sociedade”, refere Alex Shaw, num comunicado de imprensa da Cell sobre o estudo.

Além da questão da idade, de acordo com estes investigadores, a gestão da reputação acontece em várias culturas, apesar das diferentes normas e expectativas sociais. Exemplo: “Num estudo recente com crianças da China e do Canadá, entre os sete e os 11 anos, os investigadores perceberam que os dois grupos se mostravam motivados em causar uma impressão positiva depois de praticar uma boa ação em privado, mas apresentavam estratégias diferentes: no caso das crianças chinesas havia mais probabilidades de esconderem esse bom comportamento (sinal de modéstia), enquanto nas crianças canadianas a probabilidade de divulgarem esse comportamento era maior.”

No artigo, os psicólogos apresentam o resultado de algumas experiências que usaram a partilha de brinquedos para explorar a questão da reputação e da preocupação com a imagem no seu ambiente social nas crianças. Além de revelarem mais generosidade quando estão a ser observadas, o que indicia uma preocupação com a imagem, também adoptam mais este tipo de bons comportamentos perante “pessoas-chave”, como o professor ou educador, por exemplo.

Numa experiência de um outro estudo, as crianças revelaram mais generosidade quando estavam a ser observadas por alguém que interagia com elas do que com uma pessoa sobre a qual não tinham expectativas de interagir mais tarde. Noutra experiência com crianças de seis anos relatada no artigo, os pequenos comportaram-se de forma justa na presença de um observador, mas já não o fizeram quando foram levadas a acreditar que podiam ser injustas e, mesmo assim, parecer justas.

Por último, os investigadores referem ainda que as crianças reagem quando lhes é dito que têm uma boa reputação aos olhos dos seus colegas e que, neste contexto, é muito menos provável que cedam a fazer uma aldrabice que lhes é proposta. Ou seja, conclui-se que fazem uma gestão da sua imagem e reputação. “Na sociedade estamos muito focados na construção de imagens e na autoapresentação, e os nossos filhos são antecipadamente expostos às ideias de imagem e estatuto social”, refere Ike Silver. “As crianças são sensíveis à forma como as pessoas que estão à sua volta se comportam, incluindo os adultos que valorizam muito a sua reputação.”

Mais do que constatar que o comportamento das crianças à volta dos cinco anos já denuncia uma preocupação com a reputação e a imagem, há muita coisa que ainda não se sabe. “Sabemos que os adultos usam uma grande variedade de situações para gerir e criar impressões, mas ainda não sabemos se as crianças entendem a importância de diferentes características (coragem, riqueza inconformismo) em diferentes momentos para diferentes públicos. Assim, é importante perceber onde, neste processo, as crianças conseguem controlar a sua reputação e onde têm dificuldade em fazer isso”, refere o comunicado. Os investigadores notam que é interessante, por exemplo, constatar que as crianças não reagem de forma negativa a algumas manifestações de “auto-promoção” – o chamado pôr-se em bicos de pés no mundo dos adultos.

E há também diferenças entre os cinco e os nove anos, ou seja, entre as crianças do jardim-de-infância e as da escola primária. Segundo os autores do artigo, a “generosidade privada” é aceite de melhor forma do que a pública para os miúdos à volta dos nove anos, enquanto para os mais pequenos passa-se exactamente o contrário. Talvez, admitem os investigadores, isso aconteça porque os mais novos são mais hábeis na gestão das suas próprias reputações do que na identificação deste comportamento nos outros. Os investigadores admitem que é necessário mais investigação com crianças mais novas para chegar a conclusões mais claras sobre este tema, e deixam mais uma intrigante questão em aberto: O que será que acontece antes dos cinco anos?

Fonte: Público

quarta-feira, 28 de março de 2018

Sente-se na minha cadeira: a cidade não é para todos

Aos 13 meses, Carlos Nogueira perdeu a oportunidade de ser vacinado contra a poliomielite por uma questão de dias – o stock da vacina tinha terminado. A doença, uma infecção no sistema nervoso central, foi combatida mas deixou sequelas: matou as células nervosas responsáveis pelos movimentos dos membros inferiores, que, ainda bebé, deixou de conseguir controlar. “O início da minha vida alterou-se muito, mas com a educação que tive, o apoio que tive em casa e depois, mais tarde, no Centro de Alcoitão – onde com nove anos fiz o meu processo de reabilitação –, adquiri as ferramentas e a determinação necessárias para viver no meio deste mundo, que ainda é uma selva bastante hostil para nós, pessoas com deficiência”.

Até aos 30 anos, andou de ortóteses e canadianas. Desde então, é com a cadeira de rodas que se desloca no dia-a-dia pela área da Grande Lisboa, onde vive e trabalha. Tem 50 anos e é funcionário da Câmara Municipal de Lisboa. Entre 1998 e 2006, viveu fora de Portugal – seis anos no Luxemburgo e dois anos em Espanha – e foi lá que percebeu que era possível sair de casa, entrar no carro e ir “por ali fora, porque havia sempre solução” para qualquer obstáculo à sua mobilidade – uma realidade que não conhecia, nem conhece, ainda hoje, em Portugal.

Lisboa pode ser uma cidade completamente acessível, onde todos os cidadãos podem circular de forma autónoma, segura e confortável? O vereador do Planeamento, Urbanismo, Património e Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, Manuel Salgado, considera que não – nenhuma cidade o é. Em entrevista (...), o autarca defende, no entanto, que se avançou neste sentido nos dois últimos mandatos: no de António Costa, quando se começou a preparar um programa acelerado de reabilitação urbana e se começou a elaborar o Plano de Acessibilidade Pedonal, e no de Fernando Medina, em que se começou a pôr esse plano em prática.

A cidade onde Carlos Nogueira trabalha e na qual se move todos os dias, apesar de todos os avanços, está longe de ser acessível. Esta é uma opinião que Carlos partilha tanto com a direcção da Associação Portuguesa dos Deficientes (APD) como com a coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), Paula Campos Pinto.

“É evidente que tem havido da parte da Câmara Municipal de Lisboa, recentemente, a preocupação de criar alguns percursos com acessibilidade, mas são ainda muito insuficientes para uma circulação totalmente livre por parte das pessoas com deficiência. Há uma maior preocupação com estas situações, mas as mudanças ainda estão contidas num eixo muito específico da cidade”, diz Paula Campos Pinto, professora e investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa.

A situação da capital é também a situação nacional. Estávamos em 1982 quando foi publicado o primeiro decreto-lei a falar da importância de um país acessível a todos. Mas só em 1997 se estabeleceu um prazo de sete anos para a adaptação da via pública e de edifícios e estabelecimentos públicos. Até aí, todos os decretos-lei tinham sido suspensos ou revogados por falta de verbas. Assumido o compromisso e passados os sete anos, em 2004, Portugal ainda não garantia acessibilidade a todos. Em 2006, estabeleceu-se um novo prazo para as adaptações da via pública, dos edifícios públicos e que recebiam público, e (uma adenda) dos edifícios com licença para habitação. O prazo terminou a 8 de Fevereiro do ano passado. Do que foi feito pouco se sabe, porque não existem “dados sistematizados que permitam analisar com rigor os resultados obtidos na implementação de acessibilidades a nível nacional”, como se pode ler no decreto-lei 125/2017, publicado em outubro. Em 2006 previa-se o acompanhamento do processo de reabilitação pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que deveria receber um relatório anual das câmaras municipais e da Inspecção-Geral da Administração do Território. No entanto, esta entidade foi extinta seis meses após a publicação do decreto 163, como noticiou o Jornal de Negócios, e a responsabilidade ficou por atribuir.

Terminado o prazo, continua a existir “um expressivo conjunto de edifícios, espaços e instalações que não satisfazem condições de acessibilidade”, devido a um “desinvestimento na área”, motivado pela crise financeira que Portugal atravessou nos últimos anos. Mas não só: subsistem “barreiras culturais e atitudinais perante a diversidade e a diferença, em particular para com as pessoas com deficiência”, lê-se no decreto-lei 125/2017. A presidente da Associação Portuguesa dos Deficientes, Ana Sezudo, faz um “balanço negativo” dos últimos 20 anos.Portugal teve tempo suficiente para não deixar tantas situações por resolverAna Sezudo, Associação Portuguesa dos Deficientes

Defende que Portugal teve tempo suficiente “para não deixar tantas situações por resolver, em relação a edifícios públicos, à via pública e ao resto do edificado que recebe público, que hoje em dia já devia também cumprir todas estas normas”. Para Ana Sezudo, a falta de verbas não é desculpa, porque “o facto de se impedir agora as pessoas com deficiência de exercerem os seus direitos como qualquer outro cidadão vai com certeza acarretar muito mais despesas para o país daqui para a frente”. 

“Não tenha dúvida de que há muita obra que foi feita pós-decreto [163/2006] que não seguiu todas as regras”, admite Manuel Salgado. Um dos erros cometidos, diz o vereador (...), foi a Ribeira das Naus, que, inaugurada em 2014 e intervencionada em 2015, é classificada por Carlos Nogueira, pela Associação Portuguesa de Deficientes (APD) e pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) como “intransitável” para quem anda de cadeira de rodas. Salgado afirma que o projecto da obra é de 2009, ou seja, anterior ao Plano de Acessibilidade Pedonal (PAP), que começou a ser preparado nesse mesmo ano precisamente para evitar erros como este. Para além do piso irregular, as entidades falam dos degraus que dão acesso à rampa junto ao rio Tejo, que criam um desnível que impossibilita uma pessoa de cadeira de rodas de aceder ao espaço e se sentar junto ao rio, como qualquer outra pessoa pode fazer.

Manuel Salgado diz que agora só resta corrigir. Garante que a intervenção no piso está prevista, mas ainda não sabe dizer para quando. Note-se que este piso já foi intervencionado várias vezes desde a inauguração, sendo que a primeira intervenção aconteceu apenas três dias após a abertura ao público, devido ao aparecimento de irregularidades como buracos, pedras soltas e passadeiras com a tinta quase apagada. Por outro lado, para o problema dos degraus, admite o vereador, não há correcção possível. Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório, considera a situação lamentável: “É sempre mais difícil quando estamos a corrigir o que ficou mal feito de início e mais barato quando planeamos as intervenções urbanas numa perspetiva de acessibilidade para todos logo de raiz. Nós somos uma sociedade em acentuado e rápido envelhecimento, portanto, todas estas questões vão colocar-se com cada vez mais premência, para um conjunto cada vez mais alargado de pessoas. Esperemos que haja circunstâncias que permitam transformar esse ‘não sei quando’ num ‘muito brevemente’”.

O projeto e a obra do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) são da responsabilidade da EDP, mas o percurso junto ao rio que lhe dá acesso, revestido inteiramente por calçada portuguesa, é da responsabilidade da câmara de Lisboa. Manuel Salgado diz que o problema é comum a grande parte da frente ribeirinha e que a câmara sabe que é preciso resolvê-lo. O objectivo da autarquia é aproveitar todas as obras para estabelecer condições de acessibilidade, minimizando desta forma os custos. “A câmara sabe que há um problema geral na cidade que tem de ser recuperado e isso será feito à medida das nossas necessidades. À medida que faço a intervenção nos arruamentos – seja para reparar o saneamento, seja para reparar o pavimento do arruamento – tenho os pavimentos dos passeios para recuperar”, explicou Manuel Salgado.

Não sabe quando vai corrigir o percurso que dá acesso ao MAAT, mas admite que o devia ter feito aquando da construção do museu: “Houve uma falha. A câmara errou, porque quando autorizou [a construção do] MAAT, devia ter obrigado a fazerem um pavimento confortável”. Nas normas que regulam as intervenções em Espaço Público – tanto as estabelecidas pelo Plano de Acessibilidade Pedonal, como as que constam no manual de apoio a projecto e obra de espaço público, do departamento de Espaço Público da Câmara Municipal de Lisboa – não é definido qual o material a utilizar na construção deste pavimento confortável. Estabelecem-se apenas as características que este deve ter: deve ser contínuo, anti-derrapante, estável e durável (ou seja, não se deve deslocar nem desgastar com o uso normal).

A calçada portuguesa reveste, segundo dados da câmara de Lisboa, cerca de 90% da rede pedonal. É também considerada, por quem nela circula com mobilidade reduzida, um dos maiores obstáculos em via pública. A solução adoptada no Eixo Central de Lisboa – a convivência da calçada com uma faixa de pavimento confortável e liso – será a solução a adoptar sempre que possível, nas obras de reabilitação urbana. A directriz consta do manual de apoio a projecto e obra do Departamento de Espaço Público da autarquia. No entanto, esta solução não poderá ser aplicada em todo o lado. O decreto-lei 163/2006 admite excepções quando as adaptações a fazer puserem em causa património histórico. Com isto por base, a câmara decidiu não aplicar esta faixa nas freguesias que constem do centro histórico.

Nessas, “o princípio geral é o da manutenção ou reconstrução da calçada de vidraço branco. Nos pontos mais íngremes destas freguesias estão a ser estão usadas soluções mistas de cubos de vidraço e granito, o que aumenta a tracção e a segurança para quem desce estes passeios”, segundo informações enviadas pela câmara ao PÚBLICO, por escrito, após a conversa com Manuel Salgado. No entanto, em 2014 (já o Plano de Acessibilidade Pedonal estava a ser aplicado), a calçada portuguesa da Rua da Vitória, em plena Baixa Pombalina, foi substituída por pedras de lioz polidas. Desde logo chegaram queixas dos cidadãos, relativas à falta de aderência do pavimento, classificado como escorregadio, e à sua rápida degradação.

Para o vereador do Urbanismo, as maiores conquistas do último mandato foram a elaboração do conjunto de normas que agora regula as intervenções em espaço público e a sensibilização dos serviços da câmara para a necessidade urgente de tornar a cidade acessível a todos. Agora, diz Manuel Salgado, “a acessibilidade deixou de ser uma coisa excepcional para passar a ser a cultura da câmara”, e pautará todas as obras. Por estar intrinsecamente em todos os projectos, adiantou Manuel Salgado, para este mandato não há uma verba que lhe esteja destinada exclusivamente. A câmara assumiu, no entanto, o compromisso de investir anualmente nesta área “pelo menos 3% do seu orçamento”. Além disso, em Janeiro foi aprovada em reunião de câmara a adjudicação do Acordo Quadro para Obras de Promoção da Acessibilidade e Segurança na Via Pública para cumprimento do Plano de Acessibilidade Pedonal, o que significa que pelo menos 3,6 milhões de euros lhe estarão destinados. A informação é divulgada na página de Facebook do Plano de Acessibilidade Pedonal, que já antes – a 19 de Dezembro de 2017 – tinha mencionado estar prevista para o mesmo uma verba de 10,9 milhões de euros. O Programa Bairro 100% Seguro, integrado no novo programa de apoio a idosos da câmara de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia (SCML), reservará outros 10 milhões para a adaptação de passeios, passagens de peões e paragens de autocarros.

Fazendo o balanço das obras do último mandato, Manuel Salgado diz que, das 9200 passadeiras existentes, foram adaptadas 2500, ainda que no site em que constam as adaptações feitas estejam só perto de 400 (número também anunciado, mais uma vez, na página de Facebook do Plano de Acessibilidade Pedonal). Para este mandato, Manuel Salgado comunicou o objectivo de adaptar 3000 passadeiras. Através do Programa Pavimentar 2015-2020, no qual a autarquia investiu 25 milhões de euros, dos 1725 quilómetros de comprimento da rede pedonal de Lisboa, “foram executados mais de 300 arruamentos, numa extensão de cerca de 93 quilómetros”. O PÚBLICO pediu ainda à Câmara Municipal de Lisboa que disponibilizasse dados como o número de edifícios por adaptar antes e depois do plano, o número de paragens de autocarro existentes e por adaptar, e o número de coimas aplicadas, no decurso do último ano, às entidades que não adaptaram as suas instalações no prazo definido por lei. Até à data de publicação deste trabalho, a câmara não os disponibilizou.

A Associação Portuguesa de Deficientes aplaude as intervenções em espaço público do último mandato. No entanto, defende que as pessoas com mobilidade reduzida deviam estar incluídas na discussão sobre as prioridades de investimento da câmara, e reclama mais e melhor diagnóstico de obstáculos, fiscalização e formação dos intervenientes no processo de reabilitação. A associação aponta ainda para o facto de a câmara não ter tocado em várias áreas cuja reabilitação é urgente: a acessibilidade de edifícios públicos e de utilização pública, de edifícios com licença para habitação e dos transportes públicos. Manuel Salgado garante que é precisamente nestas áreas que a autarquia planeia investir nos próximos quatro anos. A Câmara Municipal detalhou, ainda na informação enviada por escrito, que a prioridade são “escolas básicas do 1.º ciclo, edifícios de serviços municipais e da Assembleia Municipal, espaços de atendimento ao público e edifícios onde trabalham funcionários com deficiência, que correspondem a: 24 escolas básicas do 1.º Ciclo, seis equipamentos culturais, sete mercados municipais, dois equipamentos desportivos, três parques e jardins e seis cemitérios”. O PÚBLICO pediu esclarecimentos sobre que espaços em concreto iriam ser intervencionados, mas a Câmara Municipal de Lisboa, até à data desta publicação, não os forneceu.

A calçada portuguesa reveste, segundo dados da câmara de Lisboa, cerca de 90% da rede pedonal. É também considerada, por quem nela circula com mobilidade reduzida, um dos maiores obstáculos em via pública. A solução adoptada no Eixo Central de Lisboa – a convivência da calçada com uma faixa de pavimento confortável e liso – será a solução a adoptar sempre que possível, nas obras de reabilitação urbana. A directriz consta do manual de apoio a projecto e obra do Departamento de Espaço Público da autarquia. No entanto, esta solução não poderá ser aplicada em todo o lado. O decreto-lei 163/2006 admite excepções quando as adaptações a fazer puserem em causa património histórico. Com isto por base, a câmara decidiu não aplicar esta faixa nas freguesias que constem do centro histórico.

Nessas, “o princípio geral é o da manutenção ou reconstrução da calçada de vidraço branco. Nos pontos mais íngremes destas freguesias estão a ser estão usadas soluções mistas de cubos de vidraço e granito, o que aumenta a tracção e a segurança para quem desce estes passeios”, segundo informações enviadas pela câmara (...), por escrito, após a conversa com Manuel Salgado. No entanto, em 2014 (já o Plano de Acessibilidade Pedonal estava a ser aplicado), a calçada portuguesa da Rua da Vitória, em plena Baixa Pombalina, foi substituída por pedras de lioz polidas. Desde logo chegaram queixas dos cidadãos, relativas à falta de aderência do pavimento, classificado como escorregadio, e à sua rápida degradação.

Para o vereador do Urbanismo, as maiores conquistas do último mandato foram a elaboração do conjunto de normas que agora regula as intervenções em espaço público e a sensibilização dos serviços da câmara para a necessidade urgente de tornar a cidade acessível a todos. Agora, diz Manuel Salgado, “a acessibilidade deixou de ser uma coisa excepcional para passar a ser a cultura da câmara”, e pautará todas as obras. Por estar intrinsecamente em todos os projectos, adiantou Manuel Salgado, para este mandato não há uma verba que lhe esteja destinada exclusivamente. A câmara assumiu, no entanto, o compromisso de investir anualmente nesta área “pelo menos 3% do seu orçamento”. Além disso, em Janeiro foi aprovada em reunião de câmara a adjudicação do Acordo Quadro para Obras de Promoção da Acessibilidade e Segurança na Via Pública para cumprimento do Plano de Acessibilidade Pedonal, o que significa que pelo menos 3,6 milhões de euros lhe estarão destinados. A informação é divulgada na página de Facebook do Plano de Acessibilidade Pedonal, que já antes – a 19 de dezembro de 2017 – tinha mencionado estar prevista para o mesmo uma verba de 10,9 milhões de euros. O Programa Bairro 100% Seguro, integrado no novo programa de apoio a idosos da câmara de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia (SCML), reservará outros 10 milhões para a adaptação de passeios, passagens de peões e paragens de autocarros.

Fazendo o balanço das obras do último mandato, Manuel Salgado diz que, das 9200 passadeiras existentes, foram adaptadas 2500, ainda que no site em que constam as adaptações feitas estejam só perto de 400 (número também anunciado, mais uma vez, na página de Facebook do Plano de Acessibilidade Pedonal). Para este mandato, Manuel Salgado comunicou o objectivo de adaptar 3000 passadeiras. Através do Programa Pavimentar 2015-2020, no qual a autarquia investiu 25 milhões de euros, dos 1725 quilómetros de comprimento da rede pedonal de Lisboa, “foram executados mais de 300 arruamentos, numa extensão de cerca de 93 quilómetros”. O PÚBLICO pediu ainda à Câmara Municipal de Lisboa que disponibilizasse dados como o número de edifícios por adaptar antes e depois do plano, o número de paragens de autocarro existentes e por adaptar, e o número de coimas aplicadas, no decurso do último ano, às entidades que não adaptaram as suas instalações no prazo definido por lei. Até à data de publicação deste trabalho, a câmara não os disponibilizou.

A Associação Portuguesa de Deficientes aplaude as intervenções em espaço público do último mandato. No entanto, defende que as pessoas com mobilidade reduzida deviam estar incluídas na discussão sobre as prioridades de investimento da câmara, e reclama mais e melhor diagnóstico de obstáculos, fiscalização e formação dos intervenientes no processo de reabilitação. A associação aponta ainda para o facto de a câmara não ter tocado em várias áreas cuja reabilitação é urgente: a acessibilidade de edifícios públicos e de utilização pública, de edifícios com licença para habitação e dos transportes públicos. Manuel Salgado garante que é precisamente nestas áreas que a autarquia planeia investir nos próximos quatro anos. A Câmara Municipal detalhou, ainda na informação enviada por escrito, que a prioridade são “escolas básicas do 1.º ciclo, edifícios de serviços municipais e da Assembleia Municipal, espaços de atendimento ao público e edifícios onde trabalham funcionários com deficiência, que correspondem a: 24 escolas básicas do 1.º Ciclo, seis equipamentos culturais, sete mercados municipais, dois equipamentos desportivos, três parques e jardins e seis cemitérios”. O PÚBLICO pediu esclarecimentos sobre que espaços em concreto iriam ser intervencionados, mas a Câmara Municipal de Lisboa, até à data desta publicação, não os forneceu.

Nos últimos anos, “progredimos em algumas áreas e houve coisas que foram melhoradas”, reconhece Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH). “O problema é a lentidão com que avançamos”, continua a coordenadora, salientando que este é um problema grave, uma vez que a falta de acessibilidade “compromete, naturalmente, a participação das pessoas com deficiência na vida social, política e económica da sociedade”.

Em 2017, a Associação Portuguesa de Deficientes recebeu 113 queixas sobre falta de acessos a edifícios, transportes, via pública e estacionamento. Segundo o Observatório, no ano anterior, foram apresentadas 284 queixas por práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência. O ODDH contabiliza assim as queixas recebidas por 11 entidades, como o Instituto Nacional de Reabilitação (INR), a Provedoria da Justiça e a Direcção-Geral do Património Cultural. Um problema adicional é a falta de dados concretos sobre a acessibilidade do país, defende Paula Campos Pinto: é “indicador do que ainda temos de andar”.

Em falta estão também dados concretos sobre a população nacional com deficiência. Os últimos remontam aos censos de 2001, que contabilizavam 156 246 pessoas com deficiência motora, 163 569 com deficiência visual, 84 172 com deficiência auditiva, 70 994 com deficiência mental, 15 009 com paralisia cerebral e 146 069 com outra deficiência. Nos censos de 2011, explica a Secretária de Estado para a Inclusão, Ana Sofia Antunes, foi tomada a decisão de focar as questões “não num conceito de deficiência, mas num conceito de incapacidade”, ou seja, nas dificuldades de realização de tarefas: ver, ouvir, subir escadas ou tratar da higiene pessoal autonomamente. “Isto não são realidades específicas das pessoas com deficiência”, disse Ana Sofia Antunes.

Em Dezembro de 2016, dois meses antes de terminar o prazo estabelecido pelo decreto-lei 163/2006 para a adaptação das cidades, o Bloco de Esquerda fez um levantamento junto dos 308 municípios nacionais sobre o cumprimento da legislação das acessibilidades. Chegaram-lhe apenas as respostas de 107, tendo a grande maioria confirmado nunca ter feito nenhum relatório sobre o estado da respectiva cidade. Braga foi a única cidade que garantiu ter levantado contra-ordenações contra privados por incumprimento da legislação. João Curvêlo, assessor do BE, declarou ao PÚBLICO que o Bloco vai voltar a questionar as câmaras municipais, tendo em conta que quase um terço dos municípios não respondeu e que desde este levantamento inicial já se realizaram eleições autárquicas.

O decreto-lei publicado em outubro de 2017 atribuía a tarefa da fiscalização ao INR, à Inspecção-Geral das Finanças (IGF) e às câmaras municipais, que também têm competências para determinar a instauração dos processos de contra-ordenação e aplicar as coimas e sanções acessórias. À data desta publicação, um ano depois de terminado o prazo, nem pelo INR nem pela IGF foram aplicadas quaisquer coimas pelo incumprimento da legislação. O INR ainda está a constituir as equipas técnicas de promoção da acessibilidade e a IGF incluiu estas acções no Plano de Atividades para 2018, e, se nos últimos dois meses já instaurou algum processo de contra-ordenação, só o comunicará “após a respetiva homologação, a anonimização de dados pessoais e a protecção de informação protegida pelo dever de sigilo”. O esclarecimento foi feito por escrito (...).

O diploma previa também a constituição de uma Comissão para a Promoção das Acessibilidades, responsável por fazer o diagnóstico “da situação actual das acessibilidades nos edifícios, instalações e espaços da administração central, local e institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados e de fundos públicos”. Segundo o Instituto Nacional de Reabilitação, esta comissão encontra-se em fase final de constituição, e entrará em funcionamento “logo após emissão de despacho de constituição do sr. ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social” – o que poderá acontecer até Abril. Depois de criada, a Comissão para a Promoção da Acessibilidade terá um ano para realizar o diagnóstico e apresentá-lo ao Governo.

Fonte: Público

terça-feira, 27 de março de 2018

Quantos estrangeiros deve ter uma escola? Até 20%





As escolas com melhores desempenhos em relação à média nacional e à média da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE) são as que têm uma “mistura saudável” entre alunos portugueses e imigrantes, revela um estudo dos investigadores Isabel Flores e David Justino, a partir da análise de resultados a Matemática no Programme for International Student Assessment (PISA) de 2015.

Olhando para os resultados dos alunos portugueses neste estudo internacional, que é levado a cabo de três em três anos, verificou-se que, para ter a “mistura saudável”, a percentagem máxima de estrangeiros numa escola deve ser de 20%, diz a investigadora do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa, e a mínima de 1%. “As escolas beneficiam em ter alguns imigrantes, mas não demais.”

É que a partir dessa percentagem máxima começa a desenhar-se um cenário de guetização, que também não é positivo. Mais: tendencialmente, as escolas com mais de 16% de imigrantes estão inseridas em meios mais pobres, o que significa, regra geral, resultados mais fracos. 

Tanto as escolas com mais de 20% de imigrantes, como as que não têm, de todo, alunos estrangeiros apresentam desempenhos inferiores no PISA, explica a consultora que está a transformar este estudo num paper co-assinado pelo ex-ministro da Educação David Justino, da Universidade Nova de Lisboa. O hiato face à média nacional chega a ser de 50 pontos. O que significa que nestas escolas onde não há diversidade, ou onde há demasiada concentração de estrangeiros, os alunos podem ter um atraso de mais de um ano na aprendizagem face aos colegas do resto do país.

A percentagem de alunos imigrantes em Portugal é de cerca de 10% — o que inclui os chamados imigrantes de primeira geração (nascidos fora de Portugal e filhos de pais estrangeiros) e os de segunda geração (nascidos em Portugal, filhos de imigrantes). Os dois conceitos são usados pelos autores desta análise.

O PISA é um estudo desenvolvido pela OCDE para avaliar a literacia dos alunos aos 15 anos em três áreas: Leitura, Ciências e Matemática. Em Portugal, na última edição, foram avaliados 7325 jovens de 246 estabelecimentos de ensino. Que obtiveram um resultado acima da média de outros países. Os autores basearam a sua análise na Matemática, na qual a média nacional dos testes PISA foi de 492 contra 490 nos 70 países do estudo da OCDE

Embora os alunos imigrantes tenham o mesmo perfil socioeconómico e cultural que os portugueses, o simples estatuto de imigrante conduz a perdas de 25 pontos, concluem ainda. Isto é, se os alunos portugueses ficaram acima da média da OCDE com os seus 492 pontos a Matemática, os imigrantes situaram-se abaixo, com 467 pontos. Esta diferença equivale a um atraso na aprendizagem de entre seis a sete meses relativamente aos colegas portugueses.

Falta de apoio

Quando se trata de um falante de outra língua — o que é o caso de 30% dos alunos imigrantes — o desempenho médio a Matemática baixa mais 10 pontos. Um sentimento de pertença à escola negativo, que é a regra entre os alunos imigrantes — nos portugueses, pelo contrário, é positivo — representa uma perda de outros cinco pontos. E a falta de apoio da família, que também é uma característica verificada entre os estrangeiros, faz o desempenho nos testes PISA baixar mais três pontos. 

Em suma, esta acumulação de fatores — serem imigrantes, não se sentirem integrados e não falarem português em casa — cria “focos de discriminação”, refere a especialista que está a fazer um doutoramento sobre parcerias público-privadas na educação.

Porém, “curiosamente, os imigrantes são menos ansiosos — têm menos medo de não saber a resposta, de ter más notas, de errar”. E estão tão motivados para aprender quanto os portugueses, com níveis próximos da OCDE. Têm é menos apoio dos pais.

A análise dos dados mostra ainda que há uma concentração de imigrantes: 70% estudam num quarto de todas as escolas do país. “Isto significa que se criam guetos: há poucas escolas que recebem todos os imigrantes” e outras que não recebem nenhuns.

Face a este cenário, que políticas se podem desenhar? As escolas deveriam ensinar a língua portuguesa aos pais para que eles pudessem falar em casa com os filhos, sugere Isabel Flores.

Deviam também ter “momentos para integrar os imigrantes”, para reforçar o seu sentimento de pertença, prossegue.

Já quanto ao problema da guetização, a atual forma de colocar alunos na escola, por zonas, é “um convite” a enganar o sistema, refere. O desejável seria criarem-se sistemas de colocação que estabelecessem uma percentagem máxima de aceitação de alunos estrangeiros de 16% a 20%, defende, de modo a não concentrar excessivamente alunos com as mesmas características. Até porque a educação é “um dos factores mais importantes de integração”.

Fonte: Público

segunda-feira, 26 de março de 2018

ME promove formação contínua sobre quadro legal que não existe!

Que se pretende?!

Formatar profissionais para medidas que negam a própria inclusão?

Logo que foi aprovado o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro (era Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues), muitas foram as preocupações que a FENPROF manifestou, com enfoque para a criação das polémicas escolas de referência e de unidades especializadas, mas, igualmente, para a aplicação da CIF ou a distinção, para acesso a apoios especializados, entre alunos com necessidades de caráter permanente e de caráter temporário. Já na altura se previam as dificuldades que, de imediato, começaram a sentir-se em sala de aula, com muitos milhares de alunos com necessidades educativas especiais afastados de qualquer apoio. 

A proposta de alteração àquele quadro legal, apresentada em julho de 2017 (o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, integra um Governo que criou uma Secretaria de Estado para a Inclusão de Pessoas com Deficiência), é tão ou mais preocupante e vai na linha da que apresentou o anterior governo do PSD/CDS (era, então, Nuno Crato o Ministro da Educação). 

Em tempo oportuno, a FENPROF emitiu parecer e esteve presente nas apresentações públicas promovidas pelo Ministério da Educação, ficando a aguardar o anúncio de eventuais alterações ao projeto que foi colocado em audição pública. 

Acontece que, apesar de não se saber qual o motivo por que, há meses, se desconhece o paradeiro daquele projeto de diploma legal, o Ministério da Educação está a promover ações de formação contínua financiadas, ao que parece, por fundos comunitários, no Porto, em Coimbra e em Évora. Nestas formações, confirma quem nelas participa, está a ser promovido o novo enquadramento legal, isto é, aquele que não foi ainda, sequer, aprovado. 

Quando terminou a audição pública, em setembro de 2017, o ME admitiu, publicamente, que tinham sido recebidos muitos pareceres com vista à alteração da proposta, boa parte extremamente críticos em relação a alguns dos seus aspetos. Contudo, neste momento, as formações estão a ser realizadas com base na proposta inicial, que não é lei nem se sabe se virá a ser. 

Esta postura demonstra, na opinião da FENPROF, falta de seriedade dos governantes, pois denota falta de transparência e encobrimento das suas verdadeiras intenções. Por esse motivo, o processo surge invertido: primeiro, faz-se a formação e, só depois, se aprova o diploma. Um diploma que, a ser aprovado sem alterações ao projeto conhecido, representará uma alteração significativa, de sentido negativo, da estrutura e das formas de organização do apoio educativo a prestar aos alunos com necessidades educativas especiais. 

Com estas formações, o Ministério da Educação dá a entender que é sua pretensão formatar um grupo de futuros formadores que, posteriormente, tentarão convencer os docentes, tanto dos grupos de recrutamento de Educação Especial, como os do regular, da alegada bondade do quadro legal que, ainda, não está aprovado nem publicado. 

Recorda-se que a FENPROF, em janeiro de 2017, reuniu com a Secretária de Estado para a Inclusão das Pessoas com Deficiência e, já nessa data, conhecendo o relatório intermédio sobre as alterações ao Decreto-Lei n.º 3/2008, contestou o conceito de Inclusão então apresentado. Naquela reunião ouviu-se afirmar que, provavelmente, “nem todos os alunos podem estar na escola”, o que é inadmissível vindo de governantes, pois a estes compete garantir o preceito constitucional de que todos os cidadãos são iguais em direitos, afastando alguns do convívio e da escolarização com os seus pares. Quem fez tal afirmação referia-se, certamente, a alunos autistas, alunos com Trissomia 21, alunos hiperativos, entre outros, o que parece confirmar que quando os atuais governantes falam de Inclusão referem-se a um conceito distinto daquele que era suposto e exigido, à custa da segregação/exclusão de muitos alunos. 

A confirmar-se a aprovação do diploma legal, sem alterações ao projeto posto em discussão pública, para o Governo, inclusão é ter os docentes do regular a trabalhar sozinhos com os alunos com necessidades educativas especiais, recorrendo a processos de diferenciação pedagógica e flexibilização do currículo, praticamente impossíveis nas suas atuais condições de trabalho e num quadro de reconhecido desgaste e envelhecimento. 

O Ministério da Educação não explica como é que os docentes conseguirão tão extraordinário desempenho em turmas com 30 alunos, com vários anos de escolaridade (1.º Ciclo) e, em alguns casos, com 4, 5, 6 ou mais alunos com necessidades educativas especiais por turma, com currículos extensos e complexos… ainda mais, impedindo o recrutamento de recursos, impondo que estes se limitem aos já existentes nas escolas. 

Que pretenderá o ME/Governo com uma proposta que, tudo indica, na sanha de poupar dinheiro, negará princípios fundamentais da inclusão, desde logo, através da repristinação de normas que permitirão o regresso de alunos a ambientes segregados? 

Pretenderá sacudir para cima dos docentes das turmas o previsível fracasso deste novo enquadramento? Criar condições para que, confrontados com as dificuldades, sejam os docentes a rejeitar estes alunos nas turmas, dada a falta de condições para um processo de verdadeira inclusão? Dentro do grupo dos que apresentam necessidades educativas especiais, pretenderá distinguir os alunos ditos “medianos” e que acompanham as matérias gerais dos que, não o conseguindo, serão excluídos das escolas? Pretenderá que todos os recursos humanos da Educação Especial (docentes e não docentes) sejam retirados das escolas e entregues às autarquias ou aos CRI, ao invés de os reforçar, isso sim uma necessidade premente? 

Inclusão, como sabem e bem repetem os especialistas, não significa dar o mesmo a todos, mas dar a cada um o que cada um necessita! Não é esse o princípio que parece subjazer à formação que anuncia a publicação do novo regime. Um regime que não hesita em burocratizar a atual vertente pedagógica dos docentes do grupo de recrutamento 910, provavelmente, com a exclusiva intenção de reduzir o número de profissionais que o mesmo integra. Um regime que, desde logo, desrespeita aqueles que deverão merecer a máxima consideração: os alunos com necessidades educativas especiais. 

Face a este quadro, a FENPROF entende que o Ministério da Educação deverá ser transparente, esclarecer os objetivos da formação que tem estado a ser promovida (para além de aproveitar o financiamento comunitário que obteve, claro), informar a comunidade educativa e a sociedade em geral sobre quais as alterações que, na sequência do debate público que promoveu, serão introduzidas no projeto que esteve em discussão e, eventualmente, recuar e retomar a discussão, até à consagração de um diploma que sirva verdadeiramente a frequência saudável no sistema educativo de todas crianças e jovens.

O Secretariado Nacional da FENPROF

Fonte: Fenprof

domingo, 25 de março de 2018

Um terço dos alunos entra no secundário com negativa a Matemática

São muitos os alunos que entram no ensino secundário sem terem conseguido passar a Matemática. Em 2015/2016, último ano com dados divulgados, 33% dos alunos que concluíram o 9.º ano, o último do ensino básico, tiveram negativa a Matemática, tendo por isso reprovado nesta disciplina, mostram dados tornados públicos pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

Neste estudo, a DGEEC seguiu o percurso individual dos alunos nos três anos de escolaridade do 3.º ciclo (7.º, 8.º e 9.º) para saber quais tinham sido as suas notas internas (dadas pelo professores), quantas negativas somaram e quantos conseguiram levar estas notas para terreno positivo no ano letivo seguinte. Foram analisados dados respeitantes a cinco anos: de 2011/2012 a 2015/2016.

Neste período de tempo, a percentagem de alunos que concluiu o 9.º ano com negativa a Matemática subiu de 23% para 33%. E a proporção dos que conseguiram recuperar desta negativa oscilou entre 16% e 20%. Das 12 disciplinas que fazem parte da matriz curricular do 3.º ciclo, Matemática é a que tem maior percentagem de negativas e também aquela onde menos alunos conseguem recuperar, transformando estas “negas” em classificações positivas.

“Estes dados mostram que os nossos alunos não estão a ter uma formação básica a Matemática”, comentou (...) a presidente da associação de professores da disciplina, Lurdes Figueiral, que manifestou a sua “preocupação” face a estes resultados, que já tinham sido evidenciados em outros estudos da DGEEC, relativos apenas ao ano letivo de 2014/2015, sobre as notas internas por disciplina no 2.º e 3.º ciclo que foram atribuídas naquele período.


Para a Associação de Professores de Matemática (APM), adiantou Lurdes Figueiral, estes dados vêm comprovar que é necessário levar por diante “uma séria avaliação e um investimento profundo na análise e na resolução da questão do ensino e aprendizagem da Matemática no ensino básico, com a adoção de medidas abrangentes que incidam sobre os programas curriculares, apoios e acompanhamento nas dificuldades identificadas nos alunos o mais precocemente possível (que como indicam também os resultados, não podem ser mais do mesmo), formação e acompanhamento dos professores, sobretudo no que toca às práticas lectivas”.

Inglês entre as disciplinas "negras"

Para além da Matemática, as outras três disciplinas “negras” no 3.º ciclo são Inglês, Físico-Química e Português. A percentagem de alunos que concluíram o 9.º ano chumbados a Inglês passou de 11% para 9% entre 2011/2012 e 2015/2016. A Físico-Química subiu de 8% para 9% e a Português baixou de 7% para 4%.

Estas mesmas disciplinas são também, e pela mesma ordem, aquelas onde, a seguir a Matemática, os alunos revelam maiores dificuldades em transformar uma nota negativa numa positiva. 


José Moura Carvalho, da Associação Portuguesa de Professores de Inglês, aponta fatores transversais a todas as disciplinas que afetam as aprendizagens, como acontece com o “elevado” número de alunos por turma, a “desmotivação” dos estudantes e o “fosso imenso” que separa a escola do mundo onde estes vivem cá fora, nomeadamente no que respeita ao uso de novas tecnologias. Frisa que “os professores descartam os conhecimentos e competências que os alunos adquirem por estas vias”.

Ora, adianta, as “tecnologias podem ser centrais para a aprendizagem” e ainda mais quando se trata de aprender uma língua estrangeira, possibilitando, por exemplo, o contacto regular com “falantes nativos de inglês”. Existem programas e aplicações disponíveis para tal, não estão é nas escolas, o que não devia acontecer, refere.

José Moura Carvalho considera que é necessário dar formação aos professores para que estes possam adotar “metodologias mais ativas” de ensino, defende que a carga horária da disciplina deveria ser reforçada e que pelo menos durante um dos tempos semanais as turmas deveriam ser divididas ao meio de modo a permitir um melhor treino da oralidade.

O estudo da DGEEC mostra também que 97% dos alunos que chumbaram no 9.º ano em 2014/2015 tiveram negativas a Matemática. E que no ano letivo seguinte, 2015/2016, apenas 31% conseguiram recuperar essa negativas. Para o investigador e professor da Universidade do Minho, Leandro Almeida, esta é mais uma prova de que “o rendimento do aluno, e a sua recuperação, não depende da repetição de matérias por retenção ou reprovação, mas sim da qualidade da aprendizagem e da qualidade do ensino do professor que necessariamente deve atender à capacidade e forma de aprender do aluno”.

Fonte: Público

sábado, 24 de março de 2018

O PERCURSO ESCOLAR: Deteção, acompanhamento, apoios, orientação


Com
David Rodrigues, 
Presidente da Pró - Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial e Conselheiro Nacional de Educação e 

Eunice Freitas 
Professora de Educação Especial, doutoranda em Ciências da Educação na Especialidade de Educação para a Saúde 

A moderar: 
Armandina Soares 

Repensar a Inclusão garantindo a Equidade Social são questões para as quais David Rodrigues e Eunice Freitas nos desafiam. David Rodrigues centrar-se-á na necessidade de todos os alunos poderem usufruir de um apoio educativo precoce e diferenciado que lhes permita desenvolver todas as suas capacidades, reforçando a ideia de não "deixar ninguém para trás", apontando soluções que competem aos professores apoiados por equipas multidisciplinares. 
Eunice Freitas, que nos últimos cinco anos tem trabalhado com turmas Bilingues, levar-nos-á a refletir sobre a problemática de um grupo particular - os alunos surdos - e aponta vias que promovam a sua inclusão. 

sexta-feira, 23 de março de 2018

Sampaio da Nóvoa defende valorização dos professores para sucesso dos alunos

Valorizar a profissão dos professores e modernizar o ambiente das escolas, que ainda tem origens no século XIX, são algumas das mudanças que o embaixador de Portugal na UNESCO considera essenciais para o sucesso educativo.

À margem da Cimeira Internacional da Carreira Docente (CICD), que começou nesta quinta-feira em Lisboa, Sampaio da Nóvoa saudou o trabalho que tem sido feito nos últimos anos em Portugal, mas defendeu que ainda há muito por fazer. "Há coisas muito boas em Portugal. Desde logo a formação de professores que se mantém sólida nas últimas décadas e as políticas de formação de professores são muito importantes", disse o embaixador da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

"O bem-estar dos professores, a confiança, a eficiência e eficácia" é um dos principais temas da cimeira que reúne em Lisboa decisores políticos, sindicatos e especialistas de 19 países.

Tanto Andreas Schleicher, diretor de Educação e Competências da OCDE, como Susan Hopgood, presidente da Internacional Educação (IE), defenderam a ideia de que o sucesso educativo só é possível com professores profissionalmente valorizados e realizados.

Andreas Schleicher lembrou algumas das conclusões de estudos da OCDE, tais como não existir uma relação direta entre a proporção de dinheiro gasto em educação e o sucesso dos estudantes, mas, pelo contrário, existir uma relação entre os professores que se sentem profissionalmente valorizados e os resultados académicos dos seus alunos.

Nesse sentido, Sampaio da Nóvoa lembrou que ainda há trabalho por fazer em Portugal, tal como melhorar "o acesso à profissão docente, dar apoio nos primeiros anos de exercício profissional, que é um tempo absolutamente decisivo para o bem-estar dos professores" assim como melhorar "as condições de trabalho nas escolas".

Para o ex-reitor da Universidade de Lisboa, "o grande debate da educação no século XXI vai ser a criação de novos ambientes educativos", até porque o ambiente que existe atualmente foi "construído no século XIX" e "não é adaptado às grandes mudanças do futuro".

"A criação de ambientes na escola e a valorização da profissão, que tem a ver com a reputação, o prestígio e a relação com as comunidades, é absolutamente central", disse, considerando que "os portugueses, de um modo geral, confiam na sua escola e nos seus professores, mas ainda há muito caminho pela frente e muito trabalho para fazer".

Temos de ir dando esses passos para a valorização dos professores, das suas carreiras, do ambiente de trabalho", defendeu.

No discurso de abertura da cimeira, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, sublinhou a importância do papel efectivo e a percepção pública da profissão docente.

Já o secretário-geral da EI, David Edwards, sublinhou a importância do setor público, defendendo que "o futuro da profissão docente só pode ser moldado no setor público".

"Espero que os ministros ignorem aqueles que argumentam que as forças do mercado melhoram as escolas e que de alguma forma a tecnologia pode substituir os professores. Nada poderia estar mais longe da verdade. Em vez disso, esta cimeira tem uma oportunidade única de criar políticas práticas, que melhorem a vida profissional dos professores e, por sua vez, a vida de seus alunos", afirmou David Edwards.

Fonte: Público

A morte do silêncio

Confessou-me recentemente um octogenário, com o qual tenho vindo a aprender outro significado de ser jovem: 

“– Grande parte do que sou fica a dever-se ao romance de Máximo Gorki, A Mãe. Foi com ele que abri os olhos para começar a compreender o mundo”. 

Como se pode calcular, depois de chegar a casa, não resisti e mandei vir o revolucionário livro do escritor russo. Cerca de uma semana depois, ultrapassada a última página, senti que conseguira compreender um pouco melhor o percurso cívico daquele homem de longos cabelos brancos, nascido na década de 30, atraído pela ideologia comunista na luta contra o Estado Novo. Um autodidacta, a quem a vida roubou a possibilidade de estudar de modo formal, mas, ainda assim, sempre marcado por uma vontade imensa em compreender e transformar a sociedade em que vivia. Por isso, nunca se cansou de criar bibliotecas públicas, de dirigir e colaborar nas mais variadas instituições culturais da comunidade local, de praticar desporto, escrever, ler, conviver... 

Ora, dificilmente se poderá hoje compreender um indivíduo sem conhecer de antemão os livros que mais o marcaram, bem como as grandes referências universais da sua vida ou, por exemplo, as relações interpessoais que travou. Serve isto para tentar dizer que, nesta era do digital, um dos grandes desafios que se coloca à Escola é conseguir voltar a colocar os livros nas mãos dos seus alunos. E a partir da leitura promover depois momentos de partilha oral e escrita (neste último caso, os jornais escolares constituem uma ferramenta fulcral). O que pressupõe tempo para amadurecer as ideias e aprender a não ter medo de errar e ousar pensar. Sem erro não pode haver pensamento. 

Os jovens portugueses não têm hoje menos capacidades do que os seus homónimos do passado. Antes pelo contrário. O problema é que as crianças e os jovens de hoje são o fruto de uma época em que o sistema educativo, logo no primeiro ciclo (antiga “Escola Primária”), foi transformado na antecâmara da universidade. Eles são o fruto de uma época alucinante, atravessada pela pandemia das dependências digitais, que recorrentemente matam o tempo e o silêncio, pré-requisitos fundamentais ao pensamento, à criatividade e à criação de efectivos laços interpessoais. 

Enquanto aluno e professor, as experiências que mais me marcaram resultaram quase sempre de estratégias aparentemente simples, mas muito bem planeadas. Uma delas, que nunca mais vi replicada, consistia em consagrar no calendário um dia da semana à leitura. Assim, no âmbito da disciplina de Português, os alunos saíam da sala em pequenos grupos, dirigiam-se à biblioteca e depois de requisitarem um livro, à sua escolha, regressavam à sala, onde permaneciam o resto do tempo, simplesmente, em silêncio, a ler. Cerca de dez minutos antes de soar a campainha, iam devolver as obras e na aula seguinte apareciam com um breve texto ou um desenho inspirados na leitura realizada. A dinâmica foi ensaiada pelo professor logo nas aulas iniciais, com a imposição de regras muito claras, e a verdade é que ao longo de todo o ano lectivo nunca se registou qualquer incidente. Excepções, dirão os mais pessimistas… 

Dou por mim muitas vezes a pensar que o historiador do futuro, que um dia se debruce sobre a nossa época e o sistema educativo em particular, ficará, por certo, admirado com a nossa ambição em criar professores universitários logo no primeiro ciclo. A quantidade e a densidade de conteúdos são de tal modo avassaladoras que as explicações extra-curriculares são cada vez mais uma necessidade, logo a partir do 1.º ano. Não, não exagero! Infelizmente, o sistema educativo é cada vez mais um meio de perpetuar o poder das classes privilegiadas (Pierre Bourdieu) e transformar a pobreza numa herança quase irreversível. 

Esta é, porém, apenas a ponta de um icebergue, ou seja, um elo de uma tendência muito mais vasta, da qual não se pode dissociar a aberração do Novo Acordo Ortográfico, cujos malabaristas socráticos deixaram há muito, curiosamente (ou talvez não), de abençoar publicamente o “admirável mundo novo” que ajudaram a criar (leia-
-se, o caos do “aspeto”, da “ata”, das “endorreativas”, do “perentório”, do “infantojuvenil” e quejandas preciosidades que para aí circulam). 

O monstro, é certo, não reside apenas em Portugal, ele estende os seus tentáculos, pelo menos, à chamada cultura ocidental. E se há alguma palavra que pode definir esse movimento ela terá de ser a indiferença. 

Deste crescente isolamento cívico, numa época obcecada em matar o silêncio e o vazio, decorre uma progressiva campanha de morte ao pensamento. E se as pessoas reflectem cada vez menos, há também uma crescente dificuldade em separar o essencial do acessório, a verdade da mentira. Esvaziado das ferramentas que poderiam ajudar cada indivíduo a construir, em função do outro, a sua própria narrativa para conferir sentido à existência, o indivíduo entra num círculo vicioso de esquecimento. 

Esquecer torna-se o resultado quase inevitável de um processo vertiginoso. E quando, pelas mais variadas circunstâncias da vida (v.g., morte de um ente querido), o sujeito entra em confronto com esse vazio, tende rapidamente a preenchê-lo, entretendo-
-se, ou seja, distraindo-se de si mesmo. Por isso é que muitos jovens já não conseguem viver afastados do smartphone. A vertigem provocada pelo vazio do abismo à frente dos pés tornar-se-ia insuportável. 

Vários autores, como Habermas, invocaram o conceito de “presentismo” para sustentar, em traços gerais, que o Homem contemporâneo, desligado do passado e do futuro, vive apenas no seu instante imediato. Segundo creio, a tendência mais geral é para que o indivíduo assuma uma experiência ainda mais radical com o tempo: ausentando-se, numa espécie de alienação permanente. 

Vivemos na era da indiferença, o produto de uma época progressivamente esvaziada de referências, horrorizada pelo silêncio e temerosa do pensamento próprio (os comentadores que para aí proliferam são pagos para pensar pelos outros). 

Regressar aos livros e, em especial, aos grandes clássicos é uma das opções para colocar alguma ordem nessa estrada da morte, onde ainda circulamos quase todos de olhos vendados. E numa época com tanta transformação científica e tecnológica, marcada pela aceleração do tempo, urge aprender a abrandar, “ouvir” e interrogar o silêncio, sem o qual a vida, sublinhe-se, perderia grande parte do significado… 

Renato Nunes 
(renato80rd8918@gmail.com)

quinta-feira, 22 de março de 2018

"O segredo da Finlândia é todas as escolas serem igualmente boas"

Em Lisboa para participar numa conferência sobre educação, a ministra Sanni Grahn-Laasonen falou (...) na residência da embaixadora Tarja Laitiainen no Restelo.

Destacando o respeito da sociedade finlandesa pelos professores e a autonomia de que estes gozam, a ministra da Educação finlandesa admite que com as raparigas a obterem resultados escolares tão melhores do que os colegas do sexo masculino, a preocupação agora no seu país é evitar que o abismo cresça e "procurar formas de motivar os nossos rapazes a estudarem".

A Finlândia foi considerada há dias o país mais feliz do mundo, a educação é essencial para essa felicidade?
Claro que sim. Ficámos muito surpreendidos e felizes com o resultado. Celebrámos o nosso centésimo aniversário em 2017 e isso deu-nos uma excelente oportunidade para olharmos para o que alcançámos desde a independência. Passámos de um país muito pobre e distante para o mais feliz do mundo. Estamos no topo de muitos rankings. A educação teve um papel crucial. Estou muito orgulhosa por os ministros que vieram antes de mim terem desenvolvido o sistema de educação finlandês constantemente. Por isso nos tornámos um dos países com um dos melhores desempenhos. O ensino é uma profissão muito popular na Finlândia. Muitos dos nossos jovens talentosos querem ser professores. É uma profissão respeitada. E isso tem uma explicação histórica. Antigamente, havia pequenas comunidades muitas vezes com um só professor para ensinar as crianças. Quisemos dar a cada criança igualdade de oportunidades. Independentemente do passado familiar. Como mãe, agradeço que a minha filha possa ir à escola mais próxima e que seja tão boa como qualquer outra na Finlândia. Esse é um dos segredos da nossa educação: que todas as escolas sejam igualmente boas e que todas ofereçam a melhor educação.

O respeito pelos professores é um dos segredos da educação finlandesa, outro é dar liberdade às crianças para serem crianças?
Sim. Quase não há exames nacionais e os professores são profissionais com muita formação. Todos têm mestrado. Damos-lhes muita autonomia, de forma a que possam escolher os materiais que usam, os métodos que usam. São eles que decidem como ensinam, onde ensinam. Claro que temos um plano nacional de educação, que foi recentemente renovado, mas os professores têm autonomia e acho que isso nos deu excelentes resultados.

Uma das maiores queixas dos pais em Portugal é o excesso de trabalhos de casa. Como é na Finlândia?
Também temos trabalhos de casa, mas não muitos. E os dias de escola são bastante curtos. Por exemplo, quando a escola começa, aos 7 anos, só têm quatro horas de aulas por dia. Não temos de ter dias longos e muitos trabalhos de casa graças à alta qualidade dos professores. Depois as crianças podem ter passatempos. Não queremos que a nossa escola seja demasiado stressante. Queremos que aprender seja divertido. Muitas escolas oferecem atividades para os alunos, sobretudo os mais novos. E estamos a tentar diversificar a oferta.

O que pode Portugal aprender com o sistema de ensino finlandês? Podemos esperar mais cooperação?
Já cooperamos bastante. O meu colega português do Ensino Superior e Ciência [Manuel Heitor] visitou a Finlândia no início do ano. E eu estou muito feliz por participar nesta conferência, com o sindicato dos professores. No futuro podemos trocar mais ideias e aprender uns com os outros. Estou a fazer contactos e espero que o nosso sistema de educação seja ainda mais aberto e internacional. Há universidades finlandesas que têm acordos com universidades portuguesas.

Direito de voto, primeiras deputadas ainda antes da independência. As mulheres finlandesas sempre foram pioneiras. Isso deve-se muito à educação?
A educação teve um impacto muito forte. Eu, por exemplo, sempre achei que queria ter ambos: uma carreira e uma família. Não havia cedências. Para isso é importante que os pais também assumam as responsabilidades em casa e com os filhos. A Finlândia tem sido muito ativa na construção de uma sociedade igualitária. E espero que isso continue no futuro. Quero viver num país em que a minha filha de 4 anos pode ser aquilo que quiser quando crescer. Não importa se se é rapaz ou rapariga ou em que família se nasceu. Neste momento na Finlândia chegámos ao ponto em que as raparigas estão a ter resultados tão melhores do que os dos rapazes, e estamos preocupados que esse abismo possa crescer nos próximos anos. E estamos à procura de formas de motivar os nossos rapazes a estudar.

Na Finlândia têm uns kits de maternidade que incluem, entre outras coisas, três livros, um deles para o bebé. Nunca é cedo de mais para começar a educar uma criança?
Não. E segundo as últimas investigações, é importante começar a ler para a criança ainda antes de esta nascer. É importante começar cedo. Nós temos este kit de que estamos muito orgulhosos. É uma forma de apoiarmos as jovens famílias e encorajá-las a ler, o que é importante mais tarde para a criança. Quando uma família está à espera de um bebé, receber o kit é um momento maravilhoso. Traz roupas, fraldas e outros produtos para o bebé.

Têm exportado esta ideia. Há países interessados no kit?
Sim. Vários países já se mostraram interessados (México, uma experiência no Canadá).

Em 2016 lançou uma campanha contra o racismo e o discurso de ódio. Estes são novos desafios da educação?
Sim. Temos discutido muito isso a nível europeu. Temos de combater juntos o populismo, mas também as redes sociais, que dão cada vez mais espaço aos discursos de ódio. Temos de educar os jovens para pensarem de forma crítica.

Fonte: DN

Publicações da Agência Europeia para as Necessidades Especiais e Educação Inclusiva

A Agência Europeia para as Necessidades Especiais e Educação Inclusiva divulga as seguintes publicações:
Agency eBulletin and RSS news feed: https://www.european-agency.org/news/subscription

quarta-feira, 21 de março de 2018

SÍNDROME DE DOWN “Não é só querido e fofinho, é um trabalhador”

O horário de pequeno-almoço dos hóspedes já terminou e Daniel sai da cozinha para fazer mais algumas das tarefas que lhe estão atribuídas: levanta toalhas das mesas, limpa o balcão esvaziado das iguarias matinais, prepara tudo para que logo à noite a sala de refeições do hotel esteja pronta para o jantar. Dois pisos acima, Noemi anda atarefada com as colegas na limpeza dos quartos. E no bar onde acaba de entrar ao serviço, Carlos trata dos copos, vai atendendo aos pedidos que lhe chegam. Os dois primeiros estão ao serviço no Hotel Axis Porto (que só por acaso fica em Matosinhos), o terceiro dá apoio no bar do The Independente Hostel & Suites, em Lisboa. Em comum têm uma deficiência intelectual e serem três casos de sucesso que os responsáveis pelo projecto internacional ValueAble querem ver replicados. Haja mais hotéis e restaurantes disponíveis para integrar a rede que será apresentada nesta quarta-feira na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, para assinalar o Dia Mundial da Síndrome de Down.

Recentemente trocaram o horário de Carlos Alves e passaram-no para a noite. O que quer dizer que o homem de 28 anos entra às 17h e sai pela 1h30. A essa hora, com o metro já parado, a alternativa para regressar a casa, na Avenida Almirante Reis, é, quase sempre a mesma: “Vou a pé”. São mais de 35 minutos de caminho, madrugada fora, mas Carlos, que tem uma deficiência intelectual que resulta numa incapacidade de mais de 60%, não se queixa. Diz que o percurso se faz bem e o horário nocturno traz vantagens recompensadoras: “Tem muito mais gorjetas do que durante o dia, não há comparação”, diz, com o sorriso aberto que parece nunca o largar.

Essa boa disposição, a motivação para o trabalho e a responsabilidade foram algumas das razões para que os proprietários do The Independente quisessem que Carlos continuasse a trabalhar no bar do hostel depois de terminado o estágio. Ele – tal como Daniel e Noemi, no Porto – chegou à unidade hoteleira através do projecto On My Own… At Work, que foi uma espécie de predecessor do ValueAble, e que tal como este foi financiado pela Comissão Europeia. O “OMO”, como é designado por quem esteve ligado ao projecto desenvolvido em Portugal, Espanha e Itália, criou estágios em contexto de trabalho para pessoas com síndrome de Down ou deficiência intelectual e desenvolveu uma aplicação com um conjunto de vídeos que ajudam o estagiário e quem o recebe a lidar com um trabalhador diferente.

Os vídeos curtos pretendem ser um instrumento que permita ultrapassar algumas dificuldades que surjam – há um em que o estagiário chega atrasado e a pessoa responsável por lhe atribuir tarefas lhe explica que tal não pode voltar a acontecer; outro em que se vê uma funcionária a corrigir a ordem dos talheres que um estagiário com síndrome de Down deixara trocados, depois de ele sair. Não pode ser, explica-se no vídeo, é obrigatório corrigir o que é mal feito para que ele aprenda como se faz.

No fundo, o que poderia ser dito e explicado a qualquer estagiário, mas que no caso dos participantes no OMO se torna ainda mais necessário, explica Alexandra Lobato, da Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 (APPT21), e que coordena o projecto ValueAble a nível nacional. Tanto o OMO como o ValueAble são exclusivamente voltados para a hotelaria e a restauração, e há uma razão para isso. “Além de ser uma área que está a crescer muito, permite tarefas repetitivas e variadas. A actividade profissional deve ser rotineira, fácil de planear e de organizar, porque os nossos estagiários têm alguma dificuldade de adaptação a situações novas”, diz.

Por isso, quem quiser aderir ao projecto – e a APPT21 espera que surjam muitos parceiros, em todo o país – pode estar seguro de que não vai ver-se a braços, sozinho, com um trabalhador diferente. O ValueAble, tal como o OMO, prevê que os estágios sejam acompanhados por um tutor e Manuel Francisco de Miguel, administrador do grupo Axis, que desde 2001 colabora com a APPT21, diz que não podia ser de outra forma. “Quando vem um estagiário com trissomia 21, não se pode largá-lo à porta. Tem que haver uma simbiose entre a associação e o hotel. Alguém que nos ensine a lidar com eles. É imprescindível”, diz. 

“Gosto muito de trabalhar no hotel"

Foi assim com Daniel. Fez o estágio através do OMO e agora está a fazer um estágio profissional através do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Quando ele terminar, terá um contrato de trabalho, garante Manuel Francisco de Miguel. Carlos segue o mesmo percurso. Noemi tem uma história um pouco diferente. O serviço de limpeza do Hotel Axis Porto é feito com recurso a uma empresa externa e é através dela que Noemi permanece no hotel. Neste momento a sua actividade é financiada por uma bolsa da SIC Esperança. Quando esta terminar, já na próxima semana, deverá continuar em regime de voluntariado. Não é a solução ideal, reconhecem o Axis e a APPT21, mas, neste momento, é a garantia de que a mulher de 25 anos poderá continuar ali. “Gosto muito de trabalhar no hotel e vou lutar até ao fim para ficar. Não desisto”, diz Noemi, a quem todos tratam por Mimi.

Noemi é, como muitas jovens mulheres da sua idade, vaidosa. Quando percebe que a vão fotografar, tira o aro que segura o cabelo, penteia-se com os dedos e volta a colocá-lo na cabeça. Sara Oliveira, psicóloga da APPT21 explica que ela passou por outra experiência de trabalho, num infantário, de que não gostou. Depois esteve algum tempo em casa, antes de regressar ao hotel. “Em casa, ela ficou deprimida. A mãe ficou admirada, disse que nem sabia que isso era possível, mas ela estava mesmo deprimida”, conta Sara. “Desde que esteja aqui a trabalhar, não há menina!”, contrapõe Arménia Neves, subgovernanta do Axis, que faz a integração no housekeeping – designação do serviço de limpeza que Mimi faz.

Arménia não mente. Diz que, no início, ficou “apavorada” quando soube que ia receber estagiários com trissomia 21. “Foi assustador, mas foi só nos primeiros dias. Rapidamente percebemos que eles são super-responsáveis. Nota-se que estão com todo o empenho a trabalhar”. Com Mimi não foi diferente. “Eu digo-lhe: preciso da tua ajuda e conto com ela. As quatro horas que vem são uma mais-valia. Ela trabalha a meu par; o que ela faz, eu não preciso de fazer. Sei que ela consegue tratar sozinha de um quarto do princípio ao fim, dentro do tempo dela”, explica.

Simão Sá, diretor do Axis Porto, diz que não foi favor nenhum ficar com Daniel e manter Mimi ligada ao hotel, apesar dos receios iniciais. “É claro que nos perguntamos ‘será que vai correr bem, que a equipa se vai habituar?’ Mas no final [do OMO] achámos que eram uma mais-valia. Criou-se um espírito de equipa muito grande. No dia-a-dia tentamos que a equipa funcione como uma família e eles vieram trazer uma dinâmica nova. Todos tentaram ajudar. E eles revelam um grande entusiasmo pelo trabalho”, diz.

No The Independente ninguém do hostel quis prestar declarações – “querem que o foco seja no Carlos, não no hostel”, explicam-nos –, mas Alexandra revela a avaliação do estágio do jovem funcionário. “O que nos disseram foi que ficavam com ele porque ele merecia e era uma mais-valia. Levou espírito de equipa e motivação para o trabalho, era o elo de ligação entre os colegas. E que, se dependesse deles, ficariam com o Carlos até à idade da reforma”, diz, antes de lançar um “ainda não tinhas ouvido isto, pois não, Carlos?” ao homem sorridente sentado ali ao pé.
Portugal ainda está pouco receptivo

O drama de tudo isto, diz Alexandra, é que Portugal ainda está pouco receptivo a integrar no mundo do trabalho estes funcionários diferentes. Patrícia Marques, da APPT21, diz que, quando procuravam encontrar parceiros para o OMO, passaram uma semana e meia a enviar emails para diferentes unidades hoteleiras e restaurantes. “Dos cem emails que enviámos a única resposta que recebemos, de alguém que não tinha qualquer relação connosco, foi do The Independente Hostels & Suites, e logo para receber quatro estágios”, diz. Carlos, Noemi e Daniel são, por enquanto, os casos de sucesso deste trabalho de anos. Muito pouco, admite Alexandra. “Tivemos 28 estágios, e só três colocações. Para nós, excelente seria termos uma taxa de colocação na ordem dos 50%, mas neste momento não ultrapassa os 10%”, diz Alexandra. “Mas nós acreditamos mesmo nisto”, diz.

E olha lá para fora. Em Espanha há mais de 30 parceiros do ValueAble, entre hotéis e restaurantes. Em Itália, a participação chega aos 17. A Alemanha, a Turquia e a Hungria juntaram-se também ao projecto e o objectivo – o único objectivo do ValueAble – é criar uma rede de hotéis e restaurantes que aceitem receber estágios de pessoas com trissomia 21 ou deficiência intelectual, podendo, idealmente, integrar alguns no mercado de trabalho. “Actualmente, as preocupações de integração estão muito voltadas para a educação – o que é bom –, mas esquecemo-nos que dois terços da nossa vida é feita a trabalhar. O que acontece a estas pessoas depois dos 18 anos? Há muitas fechadas em casa ou instituições que poderiam estar a trabalhar”, diz Alexandra Lobato.

Por cá, há agora estágios em vias de arranque em novas unidades hoteleiras e as responsáveis da APPT21 esperam que a divulgação do projecto contribua para chamar mais parceiros. Mais hotéis e restaurantes, em todo o país, que abram as suas portas a estes estagiários. Mais famílias, sobretudo fora de Lisboa e do Porto, que percebam que os seus filhos podem ter uma vida realmente independente, a trabalhar. Mais associações e instituições que contactem a APPT21 (valueable@appt21.org.pt) para descobrir como podem conseguir um estágio para aquele utente, que apesar de ter capacidade para trabalhar, está sem fazer nada. “As pessoas têm muita tendência para tratar estes jovens adultos, sobretudo os que têm trissomia 21, como ‘meninos’, de dizer ‘são tão queridos, tão fofinhos’. É preciso mudar mentalidades, perceber que aquele jovem não é só querido e fofinho, é um trabalhador”, diz Alexandra.

Ter mais consciência da nossa responsabilidade social, defende, e, se isso não for suficiente, ostentar algum orgulho pelo selo que distingue os parceiros do ValueAble. Os hóspedes reparam e mostram-se agradados quando descobrem o que significa, diz Arménia, antes de lançar um olhar sorridente a Mimi. “Olha que preciso mesmo de ti aqui na segunda-feira.”

Fonte: Público