domingo, 28 de fevereiro de 2021

O valor do que é raro

Devia ter-se chamado Ana Raquel, mas como nasceu a 13 de Maio, numa reviravolta inesperada, acabou por ficar Lúcia Jacinta. Não me lembro de muitas coisas sobre a doença dela porque, com seis anos, as minhas preocupações estavam centradas em saber se podia ser a Navegante da Lua na brincadeira do recreio ou se, mais uma vez, teria de me contentar em ser a Navegante de Júpiter. Mas lembro-me de um dia lhe perguntar porque é que não tinha unhas. Ela encolheu os ombros e disse que não sabia e, a bem da verdade, aquilo pouco me chateou. Imagino que, na minha cabeça de criança, as unhas não fossem uma coisa assim tão importante.

Há uns tempos, andava em arrumações e encontrei uma daquelas clássicas fotografias de turma em que aparecemos alinhados em duas filas. E lá estava ela. Mas agora, já adulta, os meus olhos viram o que a inocência de criança nunca me deixou ver: o rosto dela era o típico rosto de gnomo que associamos à síndrome de Williams. A boca larga, os dentes pequenos, os olhos grandes e puxados... E depois lembrei-me de que ela cantava muito e quase sempre. E esta é, também, uma das características típicas desta alteração no cromossoma 7. Vinte e nove anos depois de entrar para a escola primária percebi que a minha colega de turma era uma raríssima. Mais uma entre tantas que celebramos hoje.

Não sei porque é que a Lúcia não tinha unhas, uma vez que nada do que li atribui essa característica aos portadores desta condição. Mas consigo imaginar que esta síndrome não vivesse sozinha naquele corpo franzino de menina que falava demais (portadores de síndrome de Williams são, em regra, extremamente sociáveis e conversadores — há quem diga, inclusivamente, que esta síndrome é o oposto do autismo). Não sei onde a Lúcia está agora, o que faz da vida, como foi o seu desenvolvimento ou qual foi o diagnóstico exacto que lhe atribuíram em criança. O que sei é que ela faz, seguramente, parte dos 6% da população portuguesa que sofre de uma doença rara.

Utilizando a definição da União Europeia, são consideradas doenças raras as que afectam menos de cinco pessoas em cada dez mil. E estão, actualmente, descritas cerca de seis a oito mil doenças deste tipo. Algumas delas, dentro da “raridade”, acabam por atingir um número significativo de indivíduos, mas outras são tão absolutamente raras que o seu diagnóstico é quase sempre tardio, o prognóstico desconhecido (por existirem tão poucos casos no mundo que não é possível prever a evolução da doença) e a experiência de as vivenciar, como portadores ou como pais, acaba por se assemelhar a uma travessia no deserto.

Ter um filho diferente é uma prova muito dura. Ter um filho tão diferente que não há forma de saber o que nos espera é o corolário da solidão. Sabiam que há pais que nunca chegam a ter um nome para a doença dos filhos? E, por experiência própria, garanto-vos que ter um diagnóstico grave é muito doloroso. Mas é infinitamente pior viver sem ter diagnóstico nenhum. Porque isso impede que se façam planos, que se tracem metas realistas, que se antecipem problemas. Viver na escuridão é estabelecer morada num purgatório de onde desapareceram todas as certezas.

O meu primo Tiago tem vinte e cinco anos. E há cerca de vinte e três que os pais lutam, todos os dias, para lhe dar uma boa vida. Não sei quantas especialidades o seguem neste momento nem quantos tratamentos diferentes já foram tentados. Sei que o diagnóstico definitivo não aparece. Tem epilepsia, tem défice cognitivo, tem problemas hormonais severos e perdeu a capacidade de andar. Mas tem sido impossível juntar todos os sintomas e chegar a uma conclusão. Tudo o que parece nunca é. Todas as suspeitas caem em saco roto. E os pais do Tiago, filhos únicos, desesperam pelo dia em que faltem ao filho.

Este desespero é, aliás, transversal a todos os pais de “raros” com quem falei. Se de um lado existe sempre o horror dos números que diz que 30% das crianças com doenças raras morrem antes dos cinco anos, do outro existe o medo pelo futuro dos filhos no dia em que os pais lhes faltarem. Ser raro, neste contexto, está longe de ser uma mais-valia. Ser raro é uma prova de fogo.

Todos os anos, no último dia de Fevereiro, se celebra o Dia Mundial das Doenças Raras. E o objectivo do dia de hoje é sensibilizar a população para este tipo de doenças e para as dificuldades que os seus portadores enfrentam para obterem um diagnóstico, um tratamento ou, quando possível, uma cura. E por falar em tratamentos e curas, sendo que um dos objectivos da indústria farmacêutica passa pelo lucro, é óbvio que existe uma enorme relutância em desenvolver medicamentos para estas doenças, uma vez que o pequeno mercado a que se destinam dificilmente conseguirá retornar a quantia investida na investigação e no desenvolvimento dos fármacos.

Quem é que não se lembra do caso da pequena Matilde, a bebé portuguesa com atrofia muscular espinhal tipo 1, que viu um país inteiro unir-se ao esforço dos pais para adquirir o Zolgensma, que custa a módica quantia de 1,9 milhões de euros? E se é certo que o fármaco acabou por ser comparticipado pelo Estado, também é certo que existe um longo caminho a percorrer no que toca aos medicamentos órfãos — é esta a designação dos fármacos que têm como função específica o tratamento de doenças raras. Ainda que na União Europeia exista, desde 1999, uma política comum sobre os medicamentos órfãos e que se tenham implementado incentivos para que as empresas de saúde e tecnologia se dediquem a esta área, do ponto de vista puramente comercial o desenvolvimento e a investigação destes fármacos continuam a ser pouco atractivos. Tal como quase tudo na doença, não é?

A doença é incómoda, repele e fica mal nos feeds coloridos do Instagram. Também não origina grandes comentários no Twitter. Até porque, na época em que vivemos, é quase de bom-tom não trazermos alguns assuntos para cima da mesa. Porque a gente até sabe que eles existem, mas gosta de poder esquecer-se deles em paz. E é isso que o dia de hoje tenta combater.

É imperativo que paremos com a “coitadinhização” dos doentes raros e famílias ao mesmo tempo que encolhemos os ombros e soltamos um “o que é que eu posso fazer, não é?”. Porque a verdade é que podemos fazer muita coisa. E a primeira de todas é olharmos com atenção para as Lúcias Jacintas desta vida e pararmos para lhes perguntar, a elas e às suas famílias, o que sentem ou do que é que precisam. É que elas até podem ter nascido a 13 de Maio e ter o nome de duas das pastorinhas que viram Nossa Senhora. Mas estão longe, muito longe, de terem sido abençoadas.

Carmen Garcia

Fonte: Público

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Às Doenças raras

28 de Fevereiro - Dia Mundial das Doenças Raras

Às Doenças raras:

Doenças raras
São muitas e muito raras
Raríssimas!...
Fáceis de ver e de encontrar
Doenças que nos trazem vidas difíceis
Vidas raras
Durante séculos escondidas
Por elas, uns mal tratados e esquecidos
Outros, à morte levados
Muitos, na escuridão silenciados
À sua sorte deixados.

São crianças de modos raros
Fáceis de conhecer
Uns pelos modos de andar
Num lento cambalear
Para a direita a balancear
Para logo à esquerda,
Com muito esforço, voltar.

Outros, no modo de olhar
Olhos muito longe fixados
Sem nada para ver e observar
Também no ouvir e no sentir
Trapalhões no modo de falar
E com muitas repetições
E poucas palavras para variar
Mas tudo o que dizem
São verdades inteiras
Sem mentiras para corrigir
Em tudo o que dizem
Se pode acreditar.

E nos risos e sorrisos
Nos modos de estar
Num balancear de cabeça
Para a frente e para trás
É a doença rara que isso faz.

São muitas as síndromes raras
São cromossomas, genes, mutações,
Convulsões, desvios e perturbações
São síndromes Down, X frágil, Rett, Rubinstein,
ALD, que é o mesmo que dizer
Adrenoleucodistrofia.
Palavra longa, maldita,
Causa de muita desdita.

Autismo com olhar esquivo
Com ansiedades e gemidos
Consumidores de ritalina
Medicação que não mais termina.

Síndromes raras.
Muito raras como Smith-Lemli-Opitz
Esta, aqui ao meu lado
A síndrome do meu Tiago.

São crianças com agitações
Birras, epilepsias e convulsões,
Estereotipias, rotinas, sintomas,
Epilépticos descontrolados,
O que antes se dizia
Serem possuídos do diabo.

Em todos um sorriso
De afecto revestido
Sorrisos verdadeiros
Sem fingimento
São companheiros.

São raras, muito raras,
Caprichos da Natureza, anomalias
São muitos com doenças, raras
Umas com sabedoria conhecidas
Outras, de tão raras, ignoradas.


Manuel Miranda

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

10 Estratégias para o ensino de alunos com diferentes níveis de aptidão na sua sala de aula

55 milhões saíram da escola na Primavera passada, devido à pandemia da COVID-19. Os distritos escolares e os professores mexeram para pôr as suas aulas em linha com o mínimo possível de perturbações na educação dos seus alunos.

No entanto, apesar dos melhores esforços dos distritos escolares, os estudantes enfrentaram problemas com a disponibilidade de equipamento, Wifi deficiente, ambientes domésticos ocupados, e saúde mental em declínio devido ao isolamento social.

Mesmo agora, com alguns distritos a implementar um modelo híbrido de aprendizagem a tempo parcial em casa e na escola, há uma luta para manter a coerência, Como resultado, os nossos estudantes enfrentam muitas barreiras à aprendizagem.

Então, como será a educação quando os nossos alunos regressarem às suas salas de aula a tempo inteiro e a aprendizagem pré-pandémica for retomada?

Não há dúvida de que assistiremos a uma desaparecimentos nos níveis de capacidade entre os alunos, dado o tempo perdido a aprender num ambiente educacional consistente, estruturado, e equitativo. De facto, um estudo recente conduzido por investigadores do Instituto Annenberg da Universidade de Brown projetou que a maioria dos estudantes regressará à escola com, "aproximadamente 63-68% dos ganhos de aprendizagem em leitura relativamente a um ano escolar típico e com 37-50% dos ganhos de aprendizagem em matemática".

Aulas com muitos níveis de aptidão diferentes

Assim, os professores podem esperar ter salas de aula que consistem numa maior variedade de níveis de capacidades do que nunca. Enquanto a típica sala de aula pré-pandémica do 4º ano pode ter apenas vários alunos que requerem tempo e apoio adicional com o currículo, as nossas salas de aula pós-pandémicas terão maiores necessidades entre um maior número de alunos. Exigirão apoio mais individualizado e instrução intensiva para ajudar a compensar a aprendizagem que perderam.

Poderá perguntar-se como é que um professor pode fornecer uma assistência tão personalizada a uma turma de 30 alunos? Pode parecer uma tarefa assustadora e inatingível, mesmo para os professores mais experientes. No entanto, tendo ensinado em salas de aula multi-idade e multigraduação inclusiva durante muitos anos, posso assegurar-lhe que existem várias estratégias para ensinar alunos com um leque tão vasto de necessidades! Isso pode ser feito! Portanto, aqui estão as minhas sugestões.....

10 Estratégias para o Ensino de Diferentes Níveis de Habilidade

1. Comece com o pensamento correto. Todos os alunos da sua turma são os SEUS alunos. Isso significa que, em última análise, é a sua responsabilidade ensiná-los. Sim, pode utilizar o apoio do professor de educação especial, paraprofissional, especialistas em aprendizagem e colegas. Contudo, os seus alunos devem passar a maior parte do dia consigo, aprendendo tanto do mesmo material como os seus pares, e recebendo os seus apoios de aprendizagem na sua turma, na medida do possível.

2. Crie uma sala de aula que dê as boas-vindas a todos os seus alunos. Dê aos alunos a mensagem de que eles pertencem apesar de quaisquer desafios que enfrentem. Ajude os seus alunos a adoptarem uma mentalidade de crescimento e tenha discussões regulares com eles sobre pontos fortes e áreas individuais para um maior desenvolvimento. Explique que todos aprendem a ritmos e de formas diferentes, o que promoverá uma maior compreensão da variação das capacidades individuais. Ensina-lhes o poder de acrescentar a palavra "ainda" quando falam de algo que não podem fazer.

3. Saiba onde estão os seus alunos academicamente e saiba onde podem eventualmente ir. Estabeleça o desempenho de base do seu aluno e depois planeie ajudá-los a chegar mais longe e mais alto. Presumir competência e estabelecer grandes expectativas.

4. Veja os temas abrangentes para o curriuclum com o qual está a trabalhar. Se possível, tente criar uma unidade temática intercurricular na qual os estudantes possam estar a aprender o mesmo tópico, mas ao seu nível de desenvolvimento apropriado.

5. Para cada disciplina, pense nos seus alunos que o são:
  • a trabalhar a nível escolar
  • que precisam de apoio para trabalhar a nível de classificação (compreendem o material mas precisam de tempo extra com ele ou de ajuda para aceder ao mesmo)
  • que ainda não estão a trabalhar a nível escolar
  • que trabalham para além do nível escolar
Para algumas disciplinas, como a ELA e a Matemática, deseja-se agrupar os estudantes de acordo com o nível de aptidão. No entanto, há também muitas oportunidades para agrupamentos heterogéneos. Pode criar grupos baseados em interesses, estilo de aprendizagem, ou preferência.

6. Utilizando os princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem, crie uma aula em classe que proporcione aos seus alunos de diferentes níveis de aptidão formas de aceder, trabalhar e aprender o currículo. Por exemplo, pode:

a) Utilizar meios múltiplos para introduzir a lição, como mostrar um vídeo, ensinar uma canção, ou ler uma história

b) Utilizar múltiplas formas de fazer com que os alunos interajam com o material para os ajudar a aprender, tais como o ensino vocabular, símbolos, utilização de organizadores gráficos, ou fornecer prática orientada

c) Proporcionar aos estudantes múltiplas formas de expressar a sua aprendizagem, tais como a utilização de diferentes ferramentas (escrita, arte, apresentação) ou diferentes atividades relacionadas com o conceito. Os Quadros de Escolha ou Menus são uma forma popular de dar aos estudantes formas de expressarem os seus pontos fortes individuais.

7. Usando a aula UDL da classe, criar atividades por níveis para os diferentes níveis de capacidades. Uma atribuição escalonada são atividades paralelas que são alinhadas para satisfazer diferentes resultados de aprendizagem. Por exemplo, se a lição for sobre frases, então as atividades por níveis podem ter este espeto:

a) Estudantes que trabalham ao nível da classificação - escrever 3 frases completas sobre qualquer tópico

b) Estudantes que precisam de apoio para trabalhar ao nível da classificação (compreendem o material mas precisam de tempo extra com ele ou ajudam a aceder ao mesmo) - identificar frases completas a partir de uma lista

c) Estudantes que ainda não estão a trabalhar ao nível da classificação - Preencher o espaço em branco para completar uma frase (atividade de cloze).

d) Estudantes que trabalham para além do nível da classe - escrever 3 frases complexas (a instrução pode ser dada durante a aula, através de vídeo, ou através de instruções escritas)

Aqui está um exemplo muito simples de uma atividade que é escalonada. Repare como a segunda tarefa tem a adição de um banco de palavras.

8. Para disciplinas que requerem instrução direta e prática orientada (tais como ELA e Matemática) os alunos do grupo de acordo com o nível de aptidão. Faça com que cada grupo de estudantes se encontre consigo para uma lição apropriada ao desenvolvimento. Enquanto estiver a dar instrução, atribua aos outros grupos trabalho relevante que eles possam completar independentemente. Por exemplo, podem ver um vídeo, completar um trabalho de palavras, diário, ler, etc.

Dica: Antes de implementar estações de aprendizagem, ensine aos estudantes o que se espera durante o tempo em que estão a trabalhar de forma independente. Ensine-lhes como aceder a materiais, obter ajuda, transição, e o que fazer quando terminarem. Aqui está um grande recurso para implementar estações na sua sala de aula.
9. Certifique-se de que os seus alunos sabem trabalhar de forma independente. Nunca é demais sublinhar isto!! Dê instruções explícitas sobre o que se espera deles enquanto trabalha com outros grupos e depois pratique, pratique, pratique! Por exemplo, eles devem saber:
  • onde trabalhar
  • como e quando aceder aos materiais
  • como pedir ajuda
  • onde obter ajuda
  • o que fazer com o trabalho acabado
  • o que fazer quando o trabalho estiver terminado
  • como fazer a transição para a tarefa seguinte
  • o que fazer se alguém vier à porta ou se houver uma chamada telefónica
10. Tente começar com uma lição de classe inteira o mais frequentemente possível antes de se separar para o trabalho independente ou em grupo. Isto cria um sentido de comunidade através de experiências partilhadas, assim como dá a todos os seus alunos igual acesso aos conceitos que está a ensinar. Inversamente, reúna os estudantes no final de uma aula para revisão ou discussão de seguimento.

NÃO TENTE TUDO DE UMA VEZ E SOZINHO

Trabalhar numa sala de aula com múltiplos níveis de aptidão pode ser drenado sem a preparação e apoios adequados. Colabore com os seus colegas, partilhe recursos, e recorra à ajuda de especialistas em aprendizagem. Comece com pequenas e não tenha medo de voltar a tentar algo se não funcionar! Tem isto :)

Traduzido com a versão gratuita do tradutor - www.DeepL.com/Translator

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Educação Inclusiva: Pré-Congresso Luso-Brasileiro



Divulga-se o Pré-Congresso Luso-Brasileiro de Educação Inclusiva (CONLUBRA), integralmente on-line, que se irá realizar nos dias 14, 15 e 16 de julho de 2021.

As Conferências e as Mesas Redondas têm como grandes eixos temáticos: Educação Inclusiva, Intervenção Precoce e Perturbação do Espectro do Autismo.

Este evento é o resultado de uma parceria entre o Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação da Universidade do Minho, Portugal, o Núcleo de Estudo e Pesquisa em Cognição e Aprendizagem da Universidade Federal de Pelotas, Brasil, e a Pró-Inclusão, Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.

14, 15 e 16 de julho 2021 10h Brasil | 14h Portugal



PARA MAIS INFORMAÇÕES e INSCRIÇÕES consulte o Website do Congresso em: https://conlubra2021.weebly.com/

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

AVATAG, a aplicação criada por uma mãe que pode mudar a vida dos cegos

Uma aplicação no telemóvel pode permitir em breve mudar a vida de milhares de cegos em todo o país (e no mundo). A ideia inédita de Sílvia Machado, 43 anos, residente em Aveiro, foi contemplada pelo programa Portugal Inovação Social, e só ainda não está acessível porque demorou até encontrar um investidor. Mas depois de uma reportagem publicada no início deste mês no Diário de Notícias, “já apareceram alguns interessados, embora ainda não esteja nada formalizado”, disse ao Educare.pt a autora do projeto.

Foi a escola e uma sistemática falha na comunicação que acabou por despoletar a necessidade “de alguma coisa, uma ponte que a melhorasse”. “Quando os miúdos são mais pequenos (paradoxalmente) é mais fácil. Como sou muito criativa (vim das artes plásticas e isso ajuda) tenho o que fazer com eles. Mas quando o meu filho chegou ao primeiro ciclo, tudo mudou”. Basta saber que “este ano (letivo) ainda estou à espera dos livros traduzidos para formato digital”, conta. Nesse compasso de espera, vai ajudando o filho da maneira que consegue, “muito intuitiva”. “Hoje já consigo fazer muita coisa porque é tudo muito digital, e isso foi importante”. De tal maneira que Sílvia costuma dizer que a pandemia lhe trouxe quase só coisas boas, pois o mundo digital avançou em todos os campos, permitindo-lhe, pela primeira vez, um maior acompanhamento da escola dos filhos. Por exemplo, desde que a caderneta foi substituída pelo e-mail. E foi afinal a célebre caderneta o que despoletou a criação do seu projeto, quando percebeu que “assim não conseguia comunicar com a escola, com os professores”.

Sílvia vive com os dois filhos pequenos (uma menina de 4 e um menino de 10 anos). A cegueira aconteceu já na idade adulta, quando o diagnóstico de um médico especialista lhe ditou o destino: Stargardt, uma doença degenerativa da mácula. Foi antes dos 30, antes de tudo mudar. “Eu já conduzi. Gostava muito de conduzir. Talvez seja das coisas que sinto mais falta”, conta.

Sílvia nasceu numa aldeia dessa região oeste. Licenciou-se em Artes Plásticas na Escola Superior de Arte e Design de Caldas da Rainha, e depois do curso de pintura trabalhou na Dinamarca, Inglaterra e Moçambique, neste último através de um programa de voluntariado - People to People. Já levava o diagnóstico mas ainda tinha a secreta esperança de que tivesse sido um engano. “Só que os problemas de visão acentuaram-se, e lá [em Moçambique] comecei a andar de bengala, porque tropeçava constantemente”.

Regressou a Portugal, a uma realidade nova: percebeu que começava a ter “muita dificuldade para encontrar emprego”. Nesse exercício de aceitação, Sílvia frequentou um programa de reabilitação no Lar Nossa Senhora dos Anjos (para deficientes visuais) na Parede. E foi lá que fez o curso de massagista, que aprendeu a teclar sem ver.

Quando conheceu o pai dos filhos, ex-companheiro, tinham passado 10 anos desde a consulta em Coimbra e a sentença do médico especialista. Nessa fase ainda ia ao supermercado e conseguia escolher os produtos, ver a data de validade. Quando o filho nasceu, deixou de conseguir. A falta de visão agravou-se progressivamente. Mais tarde, Sílvia acabou por se separar do companheiro. E foi já nessa nova fase da vida, sozinha, com os filhos, que lhe nasceu a necessidade de estabelecer uma ponte com um mundo que não está, de todo, preparado para a deficiência visual.

“Sempre me senti muito perdida no que havia de fazer, profissionalmente”, admite Sílvia, que há três anos decidiu frequentar um curso de empreendedorismo, através do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). “Mudou a minha vida. E isso posicionou-me as ideias”, sustenta.

Foi o curso que lhe deu, afinal, a luz que faltava. Imaginou os cadernos com umas etiquetas, que pudessem ser lidas através de um telemóvel, e assim ser possível os pais comunicarem com os professores - e também ser muito fácil de usar para crianças.

O que fazer com a aplicação
O projeto consiste em cinco etiquetas, de diferentes formas: um coração, uma estrela, um quadrado, um círculo e um triângulo. “As formas mais simples de identificar, para fazer conjuntos. E que vão permitir, através de braille, uma leitura. Cozê-las na roupa das crianças, por exemplo. Cada uma dessas etiquetas tem um chip, que comunica com o telemóvel”. O NFC (chip), o mesmo que se usa para leitura de cartões para pagamento, tão em voga atualmente.

Depois, é a simplificação de toda a vida: “Quando estou a cozinhar, precisava de uma coisa dessas. Por exemplo, para distinguir o óleo do azeite”. Foi por isso que inicialmente Sílvia pensou apenas na aplicação para uso doméstico, mas rapidamente percebeu que a mesma poderia massificar-se, colocar leitores de código de barros, ou código QR. E assim permitir distinguir os boiões de champô, os alimentos no congelador, “para saber se é carne de porco, de vaca, frango. Ou os detergentes. Além disso, a aplicação prevê ver o que temos em stock na despensa, no congelador. Pode ser em braile e digital, permitindo gerir as compras”.

Depois de idealizado o projeto, Sílvia percebeu que precisava de alguém que a ajudasse a materializá-lo. Foi batendo a várias portas, até que um dia, teve a sorte de encontrar do lado de lá da linha o proprietário da empresa Present - Techologies, no Instituto Pedro Nunes, em Coimbra. Vítor Batista estava sozinho na empresa (era véspera de feriado), e atendeu o telefone. Achou a ideia excelente. A partir daí trabalharam toda a parte tecnológica, apresentou o projeto a Pedro Mendes, da incubadora I9 Social Skillant, e mais tarde ao programa Portugal Inovação social. O projeto (avatag.pt) foi aprovado, com um financiamento de 70% , o correspondente aos 140 mil euros em que está avaliado. Mas faltam-lhe agora os restantes 30%, fundamentais para o implementar. Foi aí que se concentrou, nos últimos tempos, em conseguir o equivalente a 40 mil euros. “Já fui contactada, estamos agora a avaliar as condições”, revela (...)

A parceria divide-se entre entidades públicas, privadas (através da responsabilidade social das empresas) ou entidades da economia social. Pode ser uma fundação, por exemplo, ou um município. Ou apenas um único, desde que entre com os tais 30%.

Um projeto para o mundo inteiro
Alexandra Neves, responsável pela gestão do programa Portugal Inovação Social na região centro, acredita que “este é um projeto para chegar ao fim do mundo, permitindo a todas as pessoas invisuais que não errem na identificação de produtos.Falta apenas ‘esse bocadinho’ para que isto possa chegar a imensas pessoas. Por isso é que o queremos testar, experimentar, desenvolver, para que se possa tornar um negócio social. Depois de patenteado, pode ser comprado como um negócio ou um produto”.

Além disso pode tornar-se no emprego de Sílvia, na sua fonte de rendimento, já que depois de cegar nunca mais conseguiu um emprego certo. A autora do projeto quer “sobretudo que seja útil, sirva de partilha, de ponte entre os cegos e o resto da sociedade”.

Se for implementado, pode mudar a vida de cerca de 30 mil deficientes visuais, em todo o país.

Até lá, Sílvia continuará este ensaio sobre a cegueira, em casa e na rua. Há dificuldades todos os dias, com os detergentes, por exemplo, ou com os medicamentos. “Atualmente consigo identificá-los pelo cheiro, até os genéricos, ou então provo, quando tenho dúvidas. O telemóvel também já tem muitos recursos para reconhecer texto. Mas com a roupa das crianças é muito complicado. E o congelador também”.

Deixar de conduzir foi, afinal, o que mais lhe custou desde que perdeu a visão. “Tinha muito automatismo de acordar ao fim de semana e programar tudo para andar de carro. Depois foi a adaptação para depender das outras pessoas”. Diz que deixar de ver tornou-a diferente, interiormente. “Dantes eu era muito mais superficial. Agora, para ter mundo, preciso de ouvir. Toda a construção que faço das outras pessoas e das coisas é por aquilo que elas me dizem. E os meus filhos devolvem-me muita paisagem”, revela.

Já o afastamento social que a pandemia imprimiu na sociedade, não foi novo. “Muitos deficientes já o sentiam. Já vivemos nisto há muito tempo. Por isso, quando em março ficámos todos em casa, e agora aconteceu de novo, o mais difícil foi gerir as crianças e ocupá-las”.

Fonte: Educare

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Videojogo para ajudar adolescentes a controlar emoções

Naves espaciais, castelos medievais e uma cadeira de realidade virtual estilo Matrix. O GamEmotion, criado por Pedro França, parece um tradicional videojogo de aventura, mas existe nele uma ambição para algo maior. Segundo conta ao P3, “a ideia é passar a adolescentes o conhecimento de emoções básicas, as suas características e algumas estratégias de relação”, de forma a promover a saúde mental e prevenir psicopatologias.

Apelidado como um serious game, devido à sua abordagem primordialmente pedagógica, o videojogo não descorou a parte de entretenimento, até porque “é preciso manter o entusiasmo de quem joga”, afirma. Daí a componente de aventura, que imerge o jogador num mundo tecnológico e medieval, onde a interacção é a chave para o atravessar.

O conceito original não é seu. Era uma das propostas de trabalho para dissertações de mestrado do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), onde estuda, e com quem acabou por colaborar para o desenvolver. A vontade de mergulhar nesta ideia veio de uma combinação do seu interesse em programação – não frequentasse Pedro o mestrado integrado em Engenharia Informática e Computação – com um interesse por psicologia, em particular pela área que estuda o comportamento dos adolescentes e todas as mudanças inerentes a este período.

Com a curiosidade instalada, Pedro França partiu à procura de formas de como podia associar os dois mundos e a falta de recursos levou-o a tomar o caminho inverso ao tradicional. “O ideal para um projecto desses seria construir uma narrativa e ter uma equipa que desenvolvia a modelação 3D. Como não foi possível, fiz o inverso – ia vendo o que tinha de modelos tridimensionais e o que pretendia passar da psicologia, e só depois criava a narrativa”, explica o estudante de 26 anos.

A pesquisa científica foi encabeçada por Pedro, mas contou com algumas dicas e validação da sua orientadora, Eliana Silva – ela sim, psicóloga. Por entre modelos de Ekman e Gross, Pedro chegou a duas estratégias de relação e seis emoções básicas (felicidade, tristeza, medo, raiva, surpresa e repugnância), personificadas em cada um dos castelos do jogo.

O objectivo é levar a personagem a descobrir que emoção está espelhada em cada castelo, através de puzzles, quizzes e livros enigmáticos que deixam pistas reveladoras. No final, aparece um sétimo castelo para consolidar os conhecimentos obtidos e levar a personagem ao próximo estágio, onde o jogador aprende mais sobre duas estratégias de relação (mais virão a caminho): a reavaliação cognitiva e a supressão de emoção. Enquanto a primeira envolve mudar a trajectória de uma resposta emocional, de forma a permitir a reinterpretação da situação que a originou, a segunda consiste em inibir conscientemente a expressão de comportamentos relacionados com emoções, como expressões faciais.

O GamEmotion ainda não está terminado – e ainda não é possível jogá-lo. Devido às restrições temporais para a entrega da dissertação, Pedro não conseguiu programar mais passos, mas acredita que a história não vai ficar por aqui – seja pelas suas próprias mãos ou de outros. “Apesar de ainda não ter havido uma conversa formal nesse sentido, informalmente o meu orientador referiu que seria interessante continuar com o projecto, fosse com algum tipo de bolsa ou no doutoramento. Eu não sei se quero isso para mim, ainda não reflecti bem”, revela o estudante.

Há ainda um outro passo a dar para o jogo estar pronto para ser descarregado. Apesar dos seus conceitos psicológicos terem sido validados por profissionais, o GamEmotion tem ainda de ser testado do ponto de vista terapêutico para que se possa aferir e consolidar o controlo e gestão das emoções – uma etapa que Pedro França afirma ser “fundamental, quando falamos do contexto científico”.

Fonte: Público

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

A saúde mental dos mais novos em tempo de pandemia. Emoções e preocupações

É um tempo inédito e os impactos estão a ser avaliados e monitorizados em tempo real. Há um ano, desde março de 2020, depois da descoberta de um novo vírus que virou o mundo do avesso, que tem havido “ondas” com impactos diferentes nos mais novos. Margarida Gaspar de Matos, psicóloga clínica e da saúde, psicoterapeuta, professora catedrática na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, coordenadora nacional do estudo HBSC - Health Behaviour in School Aged Children, da Organização Mundial da Saúde, fala de “ondas de incerteza, ondas de temor, ondas de ajustamento, ondas de novo desajustamento, ondas de esperança, ondas de grande fadiga, ondas de irritabilidade, de ansiedade, de depressão”. Uma enorme instabilidade. E a saúde mental, como fica?

“Os adolescentes têm, em geral, uma grande plasticidade comportamental, mas na verdade estamos todos com os ‘elásticos’ muito repuxados. A ‘fadiga pandémica’ aperta, não se vê um fim, e os miúdos veem arrastar-se e cancelar-se diversos eventos de socialização que normalmente os acompanham nas suas rotinas de crescimento, escolarização e socialização”, refere Margarida Gaspar de Matos (...).

Inês Afonso Marques, psicóloga clínica, psicoterapeuta infantojuvenil, que gere a área infantojuvenil da Oficina de Psicologia, adianta que há grupos de crianças e adolescentes particularmente afetados pelas consequências da pandemia, aqueles com fragilidades prévias, aqueles que veem intensificadas dificuldades pré-existentes, que já apresentavam perturbações psicológicas ou outros problemas de saúde, jovens mais isolados socialmente. E há famílias, afirma, “cujos pais apresentam vulnerabilidades emocionais que os tornam menos competentes em processar o sofrimento dos seus filhos, ou pais que expõem os filhos a situações de stress adicionais, como situações geradas por abuso de substâncias ou violência”.

Essas situações não podem ser esquecidas. Há crianças, adolescentes, jovens, em circunstâncias sanitárias que vão além da pandemia, com doenças crónicas, por exemplo. Em circunstâncias de vulnerabilidade psicossocial que agravam situações de maus-tratos, exposição à violência, abandono.

O contexto é duro, a situação é penosa, não há um fim à vista. O real impacto da pandemia na saúde mental dos mais novos será percebido no futuro, ainda não é possível estimar a magnitude das consequências a longo prazo, que dependem também do tempo de isolamento e distanciamento físico, assim como de características mais individuais, dos recursos e fragilidades, e do contexto envolvente. “O impacto depende em grande medida de dois fatores: características individuais e eventuais vulnerabilidades prévias e da forma como os adultos de referência gerem a situação”, adianta Inês Afonso Marques ao EDUCARE.PT.

“Pensando nos adolescentes, alguns jovens sentem que a sua adolescência foi interrompida. Há experiências que só se vivem uma vez e representariam vivências de grande simbolismo nas suas adolescências: concertos, eventos associados a desportos que praticam, bailes e viagens de finalistas, namoros, primeiras experiências sociais no Ensino Superior”. “Muitos eventos e experiências que ansiavam têm vindo a ser cancelados, o que para os mais novos são perdas potencialmente impactantes, acompanhadas de frustração, deceção, angústia, tristeza... Representam pequenos lutos que se vão somando”, acrescenta.

Mais choro, mais birras, mais tristeza
Tensos, chateados, fartos, cansados, desmoralizados. São sensações transversais e normais neste tempo pandémico, mas que podem ser usadas como foco de motivação para manter a coesão na família ou na turma. “Mas tudo com muita serenidade… não vale a pena tentar tornar tudo uma animação. Isto não está uma animação e talvez seja mais verdadeiro falar sobre isso”. Margarida Gaspar de Matos aconselha, por isso, especial atenção a crianças e adolescentes que manifestem alterações de apetite e do sono, irritabilidade, isolamento, comportamentos agressivos, choro, consumo de substâncias.

Taquicardia, tremores, dores de cabeça e de barriga, tonturas, mudanças de humor repentinas, irritabilidade, agitação, choro fácil, tristeza, mais birras e explosões emocionais, regressões no comportamento, medo, insegurança, aborrecimento e perda de interesse por coisas que gostavam. É essencial que as famílias estejam atentas a sinais de alarme destas alterações no comportamento dos filhos, que se prolonguem no tempo, para uma intervenção precoce, de modo a evitar mais repercussões negativas e sofrimento provocado pelas circunstâncias. “Especial atenção a crianças e adolescentes que estavam sinalizados pelas comissões de proteção, ou que tinham acompanhamento médico e psicológico que possa estar a ser interrompido”, avisa Margarida Gaspar de Matos.

“Mudanças decorrentes da pandemia, como a alteração de rotinas, interrupção de atividades de prazer e realização, afastamento dos amigos, ter mais tempo livre sem nada definido para fazer parece fazer crianças e adolescentes sentirem-se angustiados, com grande stress em relação à incerteza e desesperança em relação ao futuro. Em alguns casos, as dificuldades emocionais só poderão manifestar-se mais tarde, aquando do regresso de maior ‘normalidade’ nas suas vidas”, diz Inês Afonso Marques.

A pandemia apanhou o mundo desprevenido, a situação é difícil. Margarida Gaspar de Matos lembra que é natural andar aborrecido, muito aborrecido até, preocupado com o futuro, com a família, com a escola. A ideia é tentar que esta preocupação una famílias e também a comunidade escolar à volta dos pequenos passos que se possam fazer juntos, para que, quando tudo melhorar, estejam todos juntos e com a maior energia possível.

A psicóloga clínica e da saúde refere que é preciso não deixar “ferver” emoções quentes, desgastantes e inúteis, que é necessário aceitar limites. É também importante respeitar, tanto na escola como na família, tempos de isolamento e tempos de partilha, tempo de trabalho e tempo de lazer. Um clima afetivo de aceitação e partilha ajuda quando tanto mudou no ritmo da vida pessoal, familiar, escolar, profissional.

Um aspeto essencial é, segundo Inês Afonso Marques, criar espaço e tempo para que as crianças e adolescentes possam expressar livremente aquilo que pensam ou sentem, sem se sentirem julgados. Nos mais pequenos, é importante ajudar a dar nome ao que estão a sentir. Validar e aceitar todos os estados emocionais, por mais estranhos ou despropositados que possam parecer aos olhos dos adultos. Valorizar e promover rotinas estruturantes, nomeadamente em relação ao sono. Valorizar ainda o movimento e atividade física dentro de casa, contrariando o sedentarismo natural que as aulas online e o próprio dever de confinamento implicam. Promover uma alimentação equilibrada.

Não minimizar queixas, validar emoções
Há mudanças e sentimentos que sobressaem para o bem e para o mal. Numa perspetiva mais positiva, Inês Afonso Marques salienta que “algumas famílias relatam estarem a aproveitar mais o tempo passado em conjunto para conversar mais, criando oportunidades para conhecerem interesses e outras características dos filhos, partilharem o que pensam e sentem, algo que na azáfama da rotina é mais difícil de acontecer”. Por outro lado, numa perspetiva mais negativa, acrescenta, “nas famílias em que já havia grandes dificuldades de comunicação, os conflitos familiares podem ser ainda mais frequentes e intensos, verificando-se um ambiente familiar mais tenso, e um maior isolamento”.

Estimular a inteligência emocional é essencial para a capacidade de adaptação e sucesso ao longo da vida. Encontrar atividades de prazer dentro de casa, em família e individualmente, também é importante. “Que haja tempo de qualidade, com presença e atenção plena, todas os dias, em família, para a brincadeira, jogos e conversa”. Para Inês Afonso Marques, é igualmente importante começar a investir na autorregulação emocional, com mais atenção às emoções e oscilações comportamentais dos mais novos. Exercícios de respiração e meditação ajudam a reduzir o stress.

Há várias estratégias. “Conversar com alguém de confiança sobre o que pensam e sentem e não ter receio de pedir ajuda poderá fazer toda a diferença. Devem estar informados sobre a pandemia e respetivas medidas de segurança, mas devem evitar a sobre-exposição a notícias”. Os pais devem estar atentos, validar as emoções dos filhos e não minimizar as suas queixas. “Devem ouvir, compreender e mostrar-se disponíveis para conversar e ajudar”, refere Inês Afonso Marques. “Haverá sempre tempo para aprender. Mas para se aprender e se ser feliz a aprender é necessário dar atenção ao mundo emocional das crianças e colocar o foco mais nos processos e menos nos resultados”, sublinha.

Para Margarida Gaspar de Matos, o mote, por agora, “é flexibilizar e ir avançando, passo a passo, com a maior serenidade”. Até porque estes tempos difíceis podem, realça, “ser um bom desafio, e pode mesmo ser uma oportunidade de virmos a tornar as nossas vidas em vidas melhores, mais humanizadas, mais afetivas, mais pertinentes”.

Técnicos de saúde mental, nomeadamente psicólogos, estão na linha da frente. “A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) tem sido inexcedível no apoio ao Governo, às populações, aos profissionais associados e tem disponibilizado muitos materiais, além de disponibilizar serviços de apoio. Também os técnicos de educação, professores e outros técnicos nas escolas se têm perfilado para a ação”, adianta Margarida Gaspar de Matos. Há um bom movimento de coesão social, um esforço concertado para minorar problemas, em seu entender.

A OPP criou uma checklist para ser respondida pelos pais para os ajudar a perceber como se têm sentido os filhos nas últimas semanas. É uma forma de entender o estado emocional e cuidar da saúde psicológica e do bem-estar dos mais novos. Os resultados, avisa a OPP, não são um diagnóstico psicológico, mas servem para ajudar a pensar. Se há preocupações, é aconselhável procurar ajuda profissional. “Como me Sinto – Checklist sobre Crianças e Adolescentes” está disponível no site da OPP.

Fonte: Educare

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Os ingleses dão mais erros do que os finlandeses? E os portugueses?

Quando uma criança aprende a ler e a escrever, passa também a dominar o sistema ortográfico da sua língua materna. Com as estratégias corretas de ensino, ela começa a associar os símbolos impressos aos correspondentes sons da língua oral e consequentemente a atribuir-lhe um significado. Para isto acontecer de forma harmoniosa, é necessário manobrar uma competência especial chamada processamento fonológico, que implica justamente a perceção, discriminação e análise dos sons da fala. Dificuldades nestas áreas estão muitas vezes associadas à dislexia.

O problema é que a correspondência entre o grafema (letra) e o fonema (som) nem sempre é linear e inequívoca. Ao estabelecer uma relação entre a linguagem oral e a escrita, é expectável que quanto menos direta for esta relação mais difícil seja a aprendizagem da leitura e escrita. As implicações da língua materna na aprendizagem da leitura e escrita foram estudadas e são explicadas pelo conceito de opacidade da língua. Numa língua mais transparente, como o finlandês ou o italiano, a ortografia reflete a fonologia de uma forma muito consistente, sendo que normalmente uma letra é pronunciada quase sempre da mesma forma. Numa língua mais opaca, como o inglês, a relação entre a fonologia e a ortografia é pouco consistente, já que a mesma letra pode representar vários sons.

Uma criança que aprenda a ler no contexto de uma língua materna mais opaca, vai enfrentar maiores obstáculos na sua aprendizagem do que outra criança que aprenda uma língua mais transparente. O português é uma língua de opacidade média, que se encontra mais ou menos a meio do espetro. Enquanto alguns grafemas do português têm apenas uma representação fonética (como a vogal “i” ou a consoante “p”) existem outros grafemas com várias correspondentes na oralidade (como a letra “c” nas palavras “cão” e “cidade”).

Existem alunos com dislexia em todos os países e em todas as línguas, mesmo as não alfabéticas. Ainda não se sabe ao certo se estas diferenças nas línguas têm efeito na prevalência de dificuldades de aprendizagem específicas, mas já se conhece o seu impacto em alguns aspetos da aprendizagem. As línguas opacas estão associadas a menor precisão na leitura e escrita durante os primeiros anos de escolaridade, enquanto as línguas transparentes permitem uma leitura mais precisa mais cedo.

Alguns estudos revelaram que alunos espanhóis, finlandeses e alemães liam palavras e pseudopalavras com uma precisão de 85% no final do 1.º ano de escolaridade. Ao mesmo tempo, as crianças inglesas apenas conseguiam ler com 50% de precisão. Em teoria, os alunos portugueses deveriam situar-se algures a meio destes valores. Os obstáculos colocados por uma língua opaca afetam as crianças disléxicas, mas não só.

Atualmente as abordagens mais eficazes para o ensino da ortografia envolvem três aspetos-base:

– O ensino explícito das regras envolvidas e a prática repetida. Já que, ao contrário da fala, a linguagem escrita não ocorre naturalmente e tem de ser ensinada explicitamente;

– O uso de onomatopeias e outras mnemónicas para ensinar a relação grafema-fonema. Por exemplo associar a letra T ao tambor que faz “Tum-Tum-Tum”;

– O ensino de padrões que se repetem nas palavras, ou seja, a sua morfologia. Prefixos e sufixos, rimas, etc.;

– O feedback imediato sobre o erro. Pais e professores devem focar a correção no tipo de erro (qual foi a troca, omissão ou regra que falhou).

Não são de esperar dificuldades persistentes na leitura e escrita para além do final do 2.º ano de escolaridade. É crucial que pais e professores procurem atempadamente uma avaliação destas competências para despiste de dificuldades específicas.

Sílvia Lapa

Fonte: Público

A mentira como defesa na adolescência

Hoje falamos sobre a partilha de mentiras e omissões através do testemunho vivido de oito adolescentes porque, como temos referido, refletir sobre a realidade dos adolescentes implica pensar sobre as suas vidas, implica dar-lhes voz. Catarina (23 anos); João (23 anos); Clara (25 anos); Sara (24 anos); Inês (20 anos); Pedro (15 anos); Jorge (13 anos); e Miguel (22 anos), jovens adultos ou adolescentes que refletem sobre o seu passado ou o seu presente, são os nossos interlocutores.

Os pais e os adultos podem mentir, talvez porque ninguém os tenha ajudado a não o fazer. Apoiar os jovens neste aspeto da sua vida é crucial para os ajudar a levar uma vida de verdade. E os pais têm nisso um papel determinante.

As situações que levam os jovens a mentir são muito variadas. Estes testemunhos permitem identificar alguns dos principais conteúdos e razões da mentira durante a adolescência.

Muitas vezes, os filhos mentem ou omitem aos pais porque, em situações semelhantes, os pais reagiram mal, de uma forma crítica e exagerada. Por isso, quando a situação se repete, têm medo de que a resposta seja ainda mais violenta e escolhem a dissimulação ou o silêncio. Os filhos podem mentir, “porque os pais não as deixam fazer quase nada e como querem fazer preferem mentir” (Clara).

As mentiras em excesso podem ser interpretadas como uma fuga à realidade para agradar aos pais que têm expetativas demasiado altas em relação aos filhos, o que os leva a inventar uma mentira para não os dececionar: “O meu pai contava os seus feitos na faculdade, as boas notas e o reconhecimento. Fatores que penso terem contribuído ainda mais na missão de mentir ou omitir, não só nas notas como nas atitudes ou comportamentos menos bons” (Miguel).

Outro dos motivos para a mentir aos pais está relacionado com o medo de os desiludir com a verdade: “Eu acho que os jovens mentem aos pais porque se sentem inseguros com a verdade. E acham que ao mentirem podem encobrir a verdade e não serem ‘apanhados’” (Jorge). Ou como diz Inês: “Por saberem que os pais não vão gostar de ouvir a verdade, porque conhecem os pais e sabem o que é para eles certo ou errado.”

A mentira pode ser utilizada para prevenir os desgostos ou as preocupações desnecessárias dos pais: “Acho que pode ser por quererem evitar certas reações por parte dos pais (desilusão/discursos acerca de nós e da nossa educação/castigos/...)” (Inês); ou, como diz Sara, “as crianças mentem para não dececionar os pais ou para os impressionarem, para fugirem às suas responsabilidades, com medo de um possível castigo ou até mesmo para chamarem a atenção”.

Os adolescentes referem que ver os pais desapontados e cheios de tristeza perante um mau resultado na escola os leva, muitas vezes, a mentir. Miguel referiu isso mesmo: “Lembro-me que na altura quando tinha uma má nota sabia com certeza que o resultado era inteiramente minha culpa (...). E lembro-me do quão feliz os meus pais ficavam quando tinha uma boa nota (...). Talvez por isso tivesse medo de os desapontar, que não tivessem a mesma reação ou, pior, que ficassem tristes com o resultado.”

Mentir permite também reduzir a angústia de ter que contar a verdade. Leva os adolescentes a retardar o dar a notícia de um mau resultado ou mesmo a escondê-la: “Lembro-me de esconder os testes com suficiente ou menos dentro de capas de jogos e inventar desculpas para o teste ainda não ter chegado, ou dizer que tinha tido boa nota, mas deixado o teste na escola e esperar que eles esquecessem” (Miguel). Ou como referiu o Jorge: “Os meus pais perguntam-me se recebi mais testes e eu digo que não, sendo que é mentira.”

A adolescência é um processo íntimo, uma fase de descoberta e desafio que permite que os jovens desenvolvam a sua autonomia, como futuros adultos, criando um espaço muito próprio. Por isso, muitas vezes, os filhos adolescentes querem manter a sua privacidade, até por medo da reação dos pais às suas novas escolhas: “A mentira não funciona, na maioria das vezes, como uma forma de esconder atos perigosos, mas sim como uma forma de esconder elementos das suas vidas que podem causar uma reação de tristeza aos pais, tristeza essa maioritariamente derivada da realização de que os filhos crescem cada vez mais rápido” (João). A mentira pode ser sentida como um porto seguro, já que limita a “intromissão” que os pais podem ter na sua vida “Naturalmente, a mentira também existe para proteger a privacidade do jovem, que talvez ainda não se sinta confortável em partilhar certas partes da sua vida (...). Parece-me que as mentiras dos jovens raramente têm um fundo mau, são apenas medidas para evitarem partilhar aquilo que consideram privado” (João).

Mentir não é fácil, ao contrário, é um grande desafio para os adolescentes porque, perante a insegurança de terem mentido, se alguma coisa não corre bem, não podem pedir a ajuda aos pais: “Vou dormir a casa de uma amiga quando queremos ir sair à noite. Neste caso, se acontecer alguma coisa não posso ligar aos pais a pedir ajuda porque assim eles descobrem que menti” (Clara).

Face à descoberta da mentira, alguns pais reagem pelo castigo. Os castigos severos não só não funcionam como tendem a conduzir o adolescente a fugir da resolução dos problemas que o levaram a mentir. Como referiu a Catarina: “Cheguei à conclusão de que a mentira era sempre mais comum nos meus amigos que tinham os pais mais rigorosos, que proibiam mais comportamentos e castigavam mais.”

Quando os pais descobrem uma mentira, devem tentar falar com calma, ouvir com atenção, reagir de forma a, em conjunto, compreender os motivos que levaram os filhos a recorrer à mentira, encontrar soluções alternativas e objetivas, para que, em situações futuras, queiram usar a verdade. Um ambiente de escuta e a confiança entre pais e filhos ajudam a construir esta sinceridade, reduzindo a omissão ou falseamento da realidade.

Eva Delgado-Martins

Fonte: Público

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Every Story Matters - making books more inclusive

O projeto "Every Story Matters - making books more inclusive" (Todas as Histórias Contam - fazer livros mais inclusivos) continua o seu caminho.

No dia 17 de Março, às 10h, será realizada a primeira reunião para a discussão de uma carta de princípios (charter) para um setor europeu do livro mais inclusivo.

A carta será uma base para cooperação e intercâmbio e uma ferramenta a ser usada por editores, autores, bibliotecários, promotores de leitura e outros fanáticos por leitura, para promover a mudança numa base diária.

Se estiver interessado/a em participar e contribuir, poderá fazer a sua inscrição aqui.

Fonte: INR

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

“É preciso combater outra pandemia: o sedentarismo das crianças”

O Brincar de Rua - que agora está ‘recolhido’ - acabou de lançar um e-book sobre o combate à obesidade infantil. É a necessidade de combater o sedentarismo a todo o custo?
O e-book surge agora porque nunca foi tão relevante. Por graça, recuperámos agora há pouco tempo uma expressão do professor Carlos Neto, em que ele dizia que a pandemia só veio agravar o que já era evidente: os miúdos já estavam confinados em casa, entre telhados e paredes, há muito tempo, mas isso tornou-se mais evidente com a pandemia. Porque agora nós também estamos em casa e vemos que eles passam ali o dia. Ou seja, agora o problema está à nossa vista, enquanto pais. E mostra que não é só descartar para as instituições (escolas), mas também que legado queremos deixar aos nossos filhos.

É quase um grito de alerta, sobretudo nesta altura?
Sim, o e-book surge como uma chamada de alerta para esta realidade. Um estudo recente mostra que no primeiro confinamento as crianças levaram 80% do seu tempo em atividades sedentárias. É assustador porque estamos a falar de crianças. A APCOI (Associação Portuguesa contra a Obesidade Infantil) também já veio falar de uma coisa que o Brincar de Rua tinha constatado: quando voltámos à escola, os miúdos pareciam-nos mais gordinhos. A APCOI faz um estudo regular com a universidade de Lisboa sobre a obesidade infantil, e concluiu um aumento do peso nas crianças.

Quer dizer que o problema se agravou.
Os sinais estão aí. Mais uma vez, acho que só foram ligeiramente acentuados pela pandemia, mas já se evidenciavam pela nossa tendência de mundo ocidental: privilegiar o estudo, focar-mo-nos demasiado nas atividades intelectuais. Não equacionarmos como deve ser o verdadeiro impacto que os ecrãs têm na vida dos miúdos, sobretudo pelo que não dão.
Não podemos construir uma casa pelo telhado. Os ecrãs dão um conjunto de estímulos que não se adequam com as necessidades que uma criança tem. A experiência de uma criança tem de ser essencialmente sensorial e motora. Até chegar à puberdade tem de ser uma experiência de investimento corporal. E só a partir daí é que as coisas mais intelectuais começam a ganhar espaço.

E como é que invertemos isso?
Quando nós aceitamos que uma criança com 2 anos pegue num tablet, ou que uma com 5 anos passe horas à frente de um ecrã, ou que uma com 10 anos passe 300 minutos à frente de um ecrã por dia (como se passa em Portugal) é estar a construir o edifício do ser pelo telhado. E com riscos.

A edição deste e-book será única ou há outros temas que se lhe vão seguir?
Não é um e-book que se vai limitar a esta edição; há vários já planeados. Começámos justamente com a questão do sedentarismo e da obesidade infantil porque este é aquele problema cuja consequência é por ventura mais silenciosa. Uma criança obesa já pode começar a desenvolver sintomas patológicos graves. Normalmente estamos a falar do impacto a médio/longo prazo. Um corpo obeso é um corpo que se vai deteriorando e gerando patologias que se podem alojar não de forma imediata mas a médio e longo prazo. Além disso, antes de se falar da pandemia COVID, já a OMS falava desta pandemia do sedentarismo e da obesidade infantil.

E que temas estão programados a seguir?
O próximo vai ser sobre a questão dos ecrãs. A estrutura de todos os e-books será sempre a mesma: o que é que a ciência de um modo geral nos diz sobre o tema, e como é que nós podemos pensar proativamente para combater e prevenir este problema.

Sempre (ou sobretudo) dirigidos aos pais?
Sim, são sobretudo dirigidos aos pais e podem ser descarregados gratuitamente no nosso site.

Já foi esse princípio de combater o sedentarismo que esteve na base do Brincar de Rua...
É uma sequência. Foi a base do programa.

E como é o Brincar de Rua consegue suportar estes custos?
Neste momento o programa consegue suportar estes custos com ganhos que teve previamente à pandemia, e graças ao prémio da UEFA Foundation for Children, que recebemos no ano passado. A UEFA reconheceu-nos como entidade promotora da atividade física e do bem estar das crianças. Foi um prémio de 50 mil euros que nos permite ganhar aqui alguma bolsa de oxigénio, porque no final de novembro terminámos o nosso financiamento no âmbito do programa Portugal Inovação Social.

O que é que a pandemia fez, concretamente, ao programa Brincar de Rua? Que impacto teve?
O que fez foi sobretudo reforçar o nosso sentido de missão. Tal como aconteceu com outros projetos que privilegiam a maneira como nós, pais, temos que pensar o crescimento dos nossos filhos, de não continuarmos com este reng-reng de deixarmos para a escola essa responsabilidade da educação dos miúdos, pensarmos que isto amanhã logo se resolve. Há dias tivemos uma play-box sobre nutrição, e achei graça porque havia quem defendesse “os miúdos agora comem mal mas depois, lá para a frente, quando isto voltar à normalidade vão passar a comer bem”. Toda a gente sabe que isso não é verdade. Da mesma maneira que se temos uma criança que não ganha hábitos de andar de bicicleta, correr lá fora, observar a natureza, e de a respeitar, muito dificilmente se tornará ativa e preocupada com o mundo que tem à sua volta. Por isso todos temos que ter essa consciência. Essa missão de consciencializar. E trazer estas discussões, tratar disto enquanto pais e enquanto sociedade.

E como é que agimos?
Temos que pensar que infância não pode rimar com inatividade, com, indoor, com afastamento social.
As pessoas ainda não perceberam o quão doloroso isto [a pandemia] pode ser para uma criança. Ainda há dias estivemos a debater esse assunto: o que é que podemos fazer para nos mantermos próximos socialmente. Porque é importante dizer às crianças que agora não é o tempo de estarmos juntos, mas isto não pode querer dizer que deixemos de nos preocupar com os nossos vizinhos, com quem está à nossa volta, com quem se dirige a nós na rua. Estamos a falar de crianças! E não de um adulto que pode mudar novamente o chip, quando isto melhorar - embora eu tenha algumas dúvidas sobre isto.

Como é que o Programa se reorganizou? Como é que será o regresso?
O principal que nos surge é esta ideia de que temos que continuar. É cada vez mais relevante. E podermos ser um programa que mais facilmente aborda questões essenciais da vida das crianças, das famílias e das comunidades, com a perspetiva de que quando isto melhorar podermos voltar à rua. E sentimos que nas comunidades onde estamos pode haver uma verdadeira mudança, um verdadeiro movimento de transformação social.

Em quantas cidades do país já estavam presentes?
Em 26 cidades. Leiria foi a primeira, mas foi replicado por todo o país.

Com as atividades presenciais suspensas, o que tem feito o Brincar de Rua?
Quando aconteceu o regresso à escola, em setembro, também houve movimento de alguns grupos para voltar, nalgumas cidades. Somos todos humanos e por isso há pessoas com muito medo do que está a acontecer...nem todos os miúdos voltaram. Além disso depois entrámos num registo em que as regras mudavam a cada semana, eram diferentes de concelho para concelho, e isso também causou uma instabilidade e insegurança muito grande nas pessoas. Da nossa parte o que fizemos foi continuar a alertar para estas questões, colocando o foco num lado positivo: o que é que nós podemos fazer para melhorar a vida dos miúdos neste tempo de pandemia.

Mas sabe-se que é muito importante sair com as crianças à rua, nem que seja por curtos períodos de tempo...
Em todos os Estados de Emergência, no decreto que emanou de cada um deles, essa questão das saídas é clara, mas infelizmente pouco noticiada. Em Portugal gosta-se muito desta cultura de infantilizar as pessoas. Basta ver a história do ‘portaram-se mal no Natal e agora vão ficar todos de castigo”.

Assim como a cultura da culpa?
Sim, o culpabilizar. O que devíamos estar a falar é: tomem atenção, que isto tem consequências. E a questão das saídas é fundamental. Nós podemos até ser acusados às vezes de alguma irresponsabilidade (o que é perfeitamente insano) mas começámos a utilizar até uma # que é #saidecasacomresponsabilidade.
Entretanto estamos de novo a receber pessoas que se queiram transformar em guardiões do brincar, para iniciar o processo de formação.

Para voltarem à rua, mal possam?
Porque continuamos com esperança que em breve a pandemia em Portugal esteja mais controlada, e que as crianças possam voltar a brincar na rua, e se encontrarem com os seus vizinhos, com os seus amigos. E que possa regressar alguma normalidade há vida deles.

Tem esperança que o Brincar de Rua volte ao seu lugar, que são os bairros, as praças, as ruas?
Tenho a certeza. Quando perdermos essa esperança perdemos a esperança na humanidade. Temos que perceber que por muita tecnologia e muitos avanços em muitas áreas, nós continuamos a ser animais que vivem num ecossistema, e que não se podem distanciar dele por muito que a tecnologia tenha transformado a nossa vida e nos tenha permitido criar ambientes artificiais que - de uma forma às vezes bem conseguida - reproduzam aquilo que é a vida natural.

E isso só se consegue na rua, na natureza...
Estes dias tivemos a primeira apresentação internacional do Brincar de Rua, muito sui generis - a um grupo de miúdos do Canadá, que também estão em confinamento. Como vamos arrancar com as AEC’s à distância, achámos que seria engraçado fazer esse intercâmbio com miúdos de outras paragens. Eu estava a falar-lhes da minha varanda, eles conseguiam ver através do Google Earth o Castelo de Leiria, mas nada disso substitui aquilo que é a experiência real.

Sucintamente, o que é e por que nasceu o Brincar de Rua?
O projeto-piloto nasceu em Leiria, no outono de 2016. O Brincar de Rua surgiu como uma resposta ao sedentarismo das crianças, tirá-las do sofá, promovermos hábitos de vida mais saudáveis desde o início, porque sabemos que essa é uma marca identitária para a vida futura. As estatísticas mostram que o período da adolescência é conturbado, por todas as razões e mais algumas, porque há muita coisa em ebulição - mas o que a ciência também mostra é que crianças ativas provavelmente vão dar adultos ativos. As crianças querem brincar na rua, os especialistas dizem que é fundamental para o seu crescimento, mas os pais não conseguem dar o passo, porque sentem insegurança nas ruas. Enquanto profissionais ligados à educação e saúde que somos, decidimos cozinhar tudo, descobrir a fórmula mágica e…foi assim que nasceu o projeto Brincar de Rua, um programa que permite que as crianças voltem a brincar na rua, em segurança, de forma não estruturada.

E nestes tempos de confinamento, como é que os pais podem proporcionar aos filhos um tempo bom, sem uns e outros entrarem em registos de stresse e ansiedade?
Não há uma receita para isto. É sempre muito subjetivo. Em tenho uma criança de cinco anos, ao meu lado vive uma família que tem três crianças, de diferentes idades, não adianta tentar encontrar aqui uma solução mágica porque ela não vai aparecer. Mas há alguns pontos: o primeiro de todos tem que ver com a empatia. Não adianta nada constatar que os miúdos estão cansados, estão a fazer uma birra, sempre a zangarem-se entre irmãos, se não combatermos isso com empatia. Pedimos para não nos interromperem no telefonema que vamos ter, mas também temos que perceber o outro lado de lá. É a empatia. Percebermos que as rotinas deles foram completamente alteradas e agora estão com os pais o dia inteiro: a pessoa mais importante da minha vida está ali, por que razão eu não devo usar e abusar o dia todo dele? Isso implica uma necessidade de calendarizar as coisas, planificar e organizar o que são os dias da semana, em que o pai e a mãe precisam de trabalhar, mesmo estando em casa. A importância de compreender os tempos que cada um precisa. A partir dos 5/6 anos é perfeitamente possível fazer isso, seja com desenhos, esquemas ou calendário.

Fonte: Educare

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Professores podem obrigar alunos a ter câmara ligada durante as aulas

Os professores podem exigir aos alunos que mantenham as câmaras ligadas quando estão a decorrer as aulas, uma medida que melhora a qualidade do ensino e a relação entre estudantes e docentes. “De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros e com pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados, os professores podem exigir que as câmaras estejam ligadas, dado estar-se em contexto de sala de aula, não havendo divulgação de imagens”, disse à Lusa o Ministério da Educação.

Dar aulas para um ecrã negro, sem conseguir ver a turma, foi um dos grandes desafios que os professores tiveram de lidar em Março, quando os estudantes foram pela primeira vez obrigados a ter aulas à distância. “Não ver os alunos, não perceber se estão motivados ou não, se estão a acompanhar o que estamos a dizer torna o trabalho do professor muito mais difícil”, disse à Lusa o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima.

No passado ano lectivo, muitos docentes queixaram-se de não conseguir que os alunos ligassem as câmaras. Os professores sabiam que sem contacto visual era ainda mais difícil manter a turma interessada. Agora os docentes podem exigir mais aos seus alunos.

Segundo Filinto Lima, a situação neste novo período de ensino à distância “já não é tão problemática”. “Houve uma sensibilização dos directores escolares junto dos alunos e dos pais para que os alunos mantivessem as câmaras ligadas e agora esse é um problema mais residual”, sublinhou o também director do agrupamento de escolas Dr. Costa Gomes, em Vila Nova de Gaia.

Mais de um milhão de alunos do ensino básico e secundário estão desde o início da passada semana a ter aulas à distância, devido ao agravamento da situação pandémica em Portugal. Neste momento, ainda não existe um calendário para o regresso ao ensino presencial.

Fonte: Público

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Politécnico de Leiria lança livro multiformato sobre a pandemia

O Centro de Recursos para a Inclusão Digital (CRID) do Politécnico de Leiria vai lançar um livro multiformato para crianças, que conta a história da covid-19 e os cuidados a ter.

O “Guia extraordinário sobre o Coronavírus! Para Crianças Curiosas” é uma adaptação da versão coordenada pelo grupo italiano PLEIADI SRL, que cedeu os direitos de autor ao CRID para que o livro possa estar acessível a todas as crianças de diferentes países.

O livro aborda o aparecimento e evolução da pandemia de covid-19, as suas consequências para a saúde e os cuidados que a criança deve ter.

Tudo isto, “de uma forma brincalhona”, disse (...) a coordenadora do CRID, Célia Sousa.

“Usámos as ilustrações originais do livro e na página do lado colocámos o texto em português, os pictogramas e o braille”, acrescentou.

O livro reúne num único exemplar texto aumentado para crianças com baixa visão, braille, pictogramas para crianças com incapacidade intelectual ou limitações de outra natureza, e inclui um código Quick Response (QR) que remete para um ‘site’ onde estão disponíveis as versões audiolivro, para crianças cegas, e videolivro em Língua Gestual Portuguesa, para crianças surdas.

O desafio foi lançado pela Acesso Cultura, que questionou o CRID se queria transformar aquele livro acessível a todas as crianças. Desafio aceite, o CRID começou a trabalhar com a sua equipa, de forma gratuita e em casa, ainda durante o primeiro confinamento.

“O grupo PLEIADI SRL, que disponibilizou o livro em várias línguas de países da comunidade europeia - sem ter uma versão física - também concordou com o nosso projeto, porque seria uma forma de ser replicado por outros países”, revelou Célia Sousa.

Segundo a responsável, o livro vai ficar disponível gratuitamente em formato ‘e-book’ na página do CRID para quem quiser descarregar.

“Se alguém precisar do livro impresso em braille é só entrar em contacto connosco para imprimirmos. Já temos pedidos de Cabo Verde e do Brasil e mais recentemente do México".

O CRID vai fazer chegar uma versão impressa do livro a todos os agrupamentos de escolas da área de influência do Politécnico de Leiria, aos centros de recursos TIC para a educação especial da zona Centro e às instituições da cidade de Leiria ligadas à deficiência.

A apresentação oficial do livro decorre na quinta-feira, dia 18, data em que se assinala o Dia Internacional da Síndrome de Asperger.

“Apesar de estar dentro das perturbações do espetro do autismo, esta é uma população que tem alguma dificuldade em entender mensagens e em comunicar. É também uma maneira de homenagearmos os pais destas crianças e esta população”, justificou.

Célia Sousa sublinhou ainda que uma das coisas com que se deparou no primeiro confinamento foi que a população ligada à deficiência ficou “completamente abandonada”.

“Quase como uma forma de revolta lancei o projeto 'Vamos comunicar sem barreiras em tempo de covid'. Todos os dias disponibilizávamos pequenas mensagens, que eram uma ajuda para os pais e para esta população. Não posso esquecer um dia que publiquei um conjunto de imagens, com legenda, a explicar como se levavam as mãos, e recebi a mensagem de uma pessoa cega a dizer: ‘Finalmente alguém me explicou como lavo as mãos’”, relatou.

A responsável acrescentou que houve cuidado em ter intérpretes de língua gestual, mas as pessoas cegas e intelectualmente diminuídas “foram esquecidas”.

O livro foi desenvolvido pelo CRID, em parceria com o Museo dei Bambini Milano (MUBA), MUSEO – Children's Museum Verona, Explora il Museo dei bambini di Roma, La Città dei Bambini e dei Ragazzi (Itália).

Fonte: Saúde Mais por indicação de Livresco