1. Introdução
Portugal tem seguido desde o final dos anos 60 do século XX uma política de integração dos alunos com dificuldades e deficiências nas estruturas regulares de ensino. Desde os anos 90, nomeadamente depois da assinatura da Declaração de Salamanca, (UNESCO, 1994) intensificaram-se as políticas em favor da Educação Inclusiva. Citaríamos a título de exemplo o despacho conjunto 105/95 e mais recentemente a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência (que aponta no seu art. 24 para o direito à Educação Inclusiva) e a declaração final da Conferência de Genebra (UNESCO, 2008). Todo este conjunto de documentos nacionais e internacionais tem apontado e confirmado um caminho de políticas educativas em direcção ao aprofundamento da Educação Inclusiva.
A Educação Inclusiva, como tem sido repetidamente apontado, é uma reforma educacional que visa a qualidade da Educação procurando esta qualidade na valorização da experiência e capacidades de cada aluno para a aprendizagem de todos. Portugal tem ao longo de mais 40 anos feito um percurso muito meritório na Educação Inclusiva, percurso que lhe permite ombrear com os países europeus que mais esforço e resultados têm obtido nesta área. Actualmente cerca de 94% dos alunos com dificuldades e deficiências são educados na escola regular onde são apoiados por mais de 4.300 professores. Estes números, conhecidas as limitações financeiras do país são, na nossa opinião, um aspecto muito positivo que mostram que o trabalho e a missão de pais, professores, escolas e alunos foram bem sucedidos no aprofundamento da Inclusão. Falta, no entanto, percorrer muito caminho para atingirmos uma qualidade educativa excelente para todos.
A Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, enquanto organização de professores e outros técnicos ligados à Educação Especial, tem um conhecimento aprofundado do campo profissional e do plano concreto da aplicação dos normativos legais no funcionamento da Educação Especial e, no momento em que assistimos a uma mudança de responsabilidade e de orientação política no Ministério da Educação, sentimos que é nossa missão e dever, compartilhar com os novos responsáveis da Educação em Portugal algumas das nossas reflexões, sem prejuízo de contactos que conduzam a um tratamento mais detalhado destas matérias.
2. Dez propostas em áreas em que é necessário tomar medidas com vista a melhorar a Educação Inclusiva e a Educação Especial.
2.1. Conceptualmente é preciso discutir se um sistema educativo que se reclama da Educação Inclusiva (ref. Dec-lei 3/2008) se deve designar por Educação Especial. Reservar a Educação Especial para alunos que através da sua condição de deficiência são elegíveis para este apoio, parece-nos conceptualmente difícil de sustentar. Na verdade, alunos com condições de deficiência podem não necessitar do apoio das estruturas de Educação Especial e alunos que não têm condições de deficiência podem necessitar de apoio na aprendizagem que os professores de Educação Especial estão preparados para lhes dar e organizar. Os serviços que actualmente são prestados pela Educação Especial deveriam, ser serviços de “Apoio às Necessidades Educativas Especiais” que apoiassem todos os alunos que de forma permanente ou temporária tivessem dificuldades na escola. Parece-nos também que a organização dos apoios deveria ser uma responsabilidade de cada um dos agrupamentos tendo em conta realidades distintas tanto no que se refere às necessidades dos alunos como ao tipo de respostas que é possível disponibilizar em cada momento.
2.2. O uso da Classificação Internacional de Funcionalidade (ICF-CY, OMS, 2007) tem-se revelado ineficaz e pernicioso na determinação da elegibilidade dos alunos para os serviços de Educação Especial. É ineficaz porque a sua aplicação é extremamente ambígua como é demonstrado pela prática quotidiana e por trabalhos académicos; é pernicioso porque cria expectativas sobre a avaliação e intervenção que não pode cumprir (devido à sua natureza de “classificação”). Os alunos que têm necessidade de apoio devem tê-lo sem terem de passar a prova da elegibilidade via CIF e a necessidade, os objectivos e planificação deste apoio devem ser fruto de uma avaliação psico-pedagógica e referenciada ao currículo.
2.3. Os modelos das “unidades” existentes nas escolas regulares necessitam de ser repensado. Aduzimos duas razões: as unidades estão, em muitas circunstâncias, a tornar-se a situação “óbvia” para qualquer aluno com dificuldades e nelas se concentram alunos que muitas vezes poderiam estar a frequentar uma classe regular. Por outro lado, a presença dos alunos das unidades nas classes regulares é muitas vezes mitigada. As unidades não se podem tornar “escolas especiais” dentro das escolas regulares. É necessário avaliar e rever o papel e funcionamento das unidades numa lógica inclusiva.
2.4. Precisamos de uma avaliação sobre o papel e funcionamento das escolas de referência. É necessário avaliar se as competências instaladas são suficientes, se são as mais adequadas e ainda avaliar a bondade e eficácia do processo de deslocar alunos para fora da sua comunidade para terem acesso à Educação.
2.5. É necessário rever a ligação entre os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) e as escolas regulares. Precisamos de CRI que possam e saibam trabalhar com as escolas numa perspectiva inclusiva e em estreita colaboração com os professores. Da mesma forma precisamos que os professores possam e saibam aproveitar as mais-valias que os CRI podem trazer a educação e escolarização dos alunos.
2.6. Precisamos de mais recursos ou de uma outra organização de recursos para desenvolver a Educação Inclusiva. Recursos humanos (lembramos que frequentemente os professores de Educação Especial são “absorvidos” pelas Unidades deixando os alunos com outras dificuldades sem apoio ou com um apoio insignificante). Precisamos também de mais e melhores recursos no âmbito dos equipamentos (sobretudo nos CRTIC) para que sejam mais lestos e eficazes na sua acção.
2.7. A formação de professores em Educação Especial necessita de um olhar mais atento. O Ministério da Educação não deve, ao abrigo da “desculpa” da autonomia das instituições de ensino superior, ser omisso em relação à política de formação de professores de Educação Especial. O seminário realizado pela Pin-ANDEE, em 18 de Junho, em Lisboa aponta alguns caminhos que seria necessário desenvolver nomeadamente o estabelecimento de contratos-programa entre o Ministério da Educação e as Universidades /ESE’s.
2.8. A Intervenção Precoce necessita de uma intervenção mais decisiva e articulada entre os vários ministérios de forma a intervir (como o nome indica precocemente) ao nível da prevenção. Não intervir na prevenção em Intervenção Precoce é certamente contribuir para aumentar as medidas de educação compensatória mais tarde.
2.9. Precisamos de um sistema verdadeiramente inclusivo nas escolas. Os alunos com dificuldades devem ser parte integrante e não descartável da escola. Não faz sentido que os alunos com deficiências não participem plenamente em todas as actividades da escola (vistas de estudo, passeios, AEC’s, etc.). Desenvolver um modelo inclusivo na escola é uma questão que não está no âmbito da boa vontade ou mesmo da existência de recursos da escola mas sim no âmbito dos direitos das crianças. Se o nosso objectivo é que os alunos com dificuldades vivam uma vida autónoma e de Inclusão, precisamos de criar modelos educativos em que estes valores sejam praticados.
2.10. Precisamos de um sistema de avaliação da Educação Inclusiva e Especial. O nosso sistema de Educação Especial continua carenciado de uma monitorização próxima, abrangente e voltada para os resultados. Sem esta avaliação é muito difícil melhorar consistentemente as políticas, meios e recursos afectos à Educação Inclusiva e Especial e, consequente, proporcionar oportunidades de sucesso a todos os alunos. A Pró-Inclusão – ANDEE propõe-se colaborar num processo de monitorização e avaliação do sistema para que se possam dispor de dados fiáveis para informar as opções que é urgente assumir. Contamos com a iniciativa e capacidade de diálogo do governo para concretizar uma educação de qualidade para todos, desenvolvida numa perspectiva inclusiva.
A Direcção da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial