quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Escolas públicas ficarão só para os desfavorecidos

As escolas públicas arriscam-se a ficar destinadas quase exclusivamente às classes mais desfavorecidas, graças ao contributo da divulgação dos rankings dos estabelecimentos com melhores resultados, que levam os pais a querer colocar os filhos em instituições privadas, defendem especialistas.
"Um dos problemas da divulgação dos rankings pode ser o de servir de base à escolha dos pais, transferindo muitos alunos para o privado", considera Rui Trindade, especialista em ciências da educação da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto.
Este ano, as dez escolas com melhor média nos exames do secundário são todas privadas, tanto na lista de classificações que considera todos os estabelecimentos, como na que tem apenas em consideração aqueles onde se fizeram pelo menos 100 provas.
"Se retirarmos os meninos da classe média da escola pública ela passa a ser um albergue de pobres e isso é terrível. Este pode ser um dos efeitos dos rankings", defende ainda Rui Trindade, alertando que os bons resultados dos privados têm pouco a ver com a escola em si.
Na opinião do especialista, as condições socio-culturais dos alunos que frequentam as instituições privadas são determinantes, a par do investimento feito por estas famílias em apoio extraordinário, como explicações.
"As escolas privadas acabam por ser mais exigentes e acabam por levar a que as famílias também o sejam. Para responder ao nível da escola privada obriga-se os alunos e as famílias a trabalharem mais. Alguns dos bons resultados têm mais a ver com o contexto dos alunos e com o que se faz fora da escola", sintetiza Rui Trindade.
Também Nuno Crato, da Associação de Professores de Matemática, se mostra preocupado com a falta de ambição da escola pública: "O abandono da exigência por parte do sector público acaba por ter consequências desfavoráveis para as classes mais desfavorecidas, já que é natural que as famílias com mais posses passem a encarar a possibilidade de colocar os filhos nas escolas privadas, por serem as mais exigentes".
Uma das soluções para inverter esta tendência é levar as instituições a mostrarem o trabalho que estão a desenvolver, para além dos números espelhados nos rankings.
"Apesar de ser um indicador de que os alunos aprenderam, os rankings das escolas e as notas dos exames pouco ou nada traduzem a forma como se chegou aos resultados. Teríamos de ter mais informação para saber se estão associados a processos de aprendizagem seguros", refere Maria do Céu Taveira, professora de psicologia da Educação da Universidade do Minho, em declarações à agência Lusa.
Saber quais as estratégias de ensino e aprendizagem e que tipo de conhecimentos foram adquiridos seriam dados importantes a associar aos resultados obtidos nos exames.
José Manuel Canavarro, professor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, considera também fundamental ter outros indicadores.
"Era importante conhecerem-se indicadores do envolvimento dos alunos em actividades circunescolares, indicadores de inovação pedagógica e de percurso dos alunos, como por exemplo, perceber se um bom resultado nos exames do 12º ano é um preditor de sucesso", defendeu, embora sublinhando que é um forte defensor da divulgação dos rankings.
Seja qual for a posição relativamente à divulgação da lista das melhores escolas, os especialistas são unânimes ao considerarem que os rankings influenciem a opção dos pais entre privado ou público. Mas não são o único factor.
"Os rankings influenciam, mas o que leva um pai a colocar um filho no privado também são outros razões, como horários mais alargados e melhor acompanhamento dos alunos", comenta Maria do Céu Taveira.
Mesmo assumindo que a escola pública possa sair "beliscada" com estes resultados, José Manuel Canavarro considera que "só no limite" se corre o risco de as instituições pública "ficaram apenas para os mais desfavorecidos".
"Esta é uma possibilidade, mas mais real em Lisboa e no Porto, uma vez que nos outros distritos há mais equilíbrio entre o resultado das públicas e dos privados", afirma.
Comentário:
A dicotomia "serviço público de educação"/"serviço privado de educação" é interessante! O ME podia, se tivesse tempo e disposição, avaliar a fundo o porquê dos resultados obtidos nos estabelecimentos privados de educação e, progressivamente, tentar criar as condições políticas e sociais que levassem a uma aproximação destas duas realidades. É uma sugestão! Não basta reconhecer o óbvio e manter os braços cruzados!

Sem comentários: