quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Todas as pessoas com deficiência necessitam de igualdade de oportunidades

"Todas as pessoas com deficiência precisam de ter oportunidades iguais para serem ouvidas e serem igualmente representadas nas discussões".

Isto é o que Jan Habegger, membro do Insieme Switzerland da Inclusion Europe, disse numa discussão do Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas (CRPD da ONU) na sexta-feira (25 de agosto). A discussão centrou-se no Comentário Geral sobre "Igualdade e não discriminação" (artigo 5 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência). O Comentário Geral irá definir o que significa "igualdade e não discriminação" na prática.

Jan Habegger representou a Inclusion Europe e a Inclusion International na discussão. Ele falou ao comité sobre seu irmão de 10 anos que sofre de síndrome de Down e como a sua família na Suíça teve de lutar contra o preconceito da autoridade escolar, professores e outros pais para que ele pudesse obter uma educação inclusiva. O seu caso é um dos muitos, pois "mais de 90% das crianças com deficiência intelectual são segregadas para escolas especiais ou são inteiramente excluídas da escola".

"Excluídos, desfavorecidos e invisíveis"

A segregação na escola, no entanto, é apenas uma parte do problema. Como declaração diz, "as pessoas com deficiência intelectual - juntamente com pessoas com deficiências psicossociais - continuam a ser os grupos mais excluídos, desfavorecidos e invisíveis da sociedade ao redor do mundo".

Mesmo que a CRPD tenha encaminhado as coisas na direção certa, ainda há muito a fazer: a negação da capacidade legal, a segregação nas instituições e a situação das pessoas com necessidades complexas de suporte foram apenas algumas das questões.

Outro problema é que a discriminação de pessoas com deficiência intelectual muitas vezes não é reportada: "Existe uma grande falta de consciência dos seus direitos pelas pessoas com deficiência intelectual e suas famílias".

O moderador da sessão, Damjan Tatic, apontou que uma pessoa com deficiência intelectual, Robert Martin, se juntou ao comité este ano. Damjan Tatic disse que Robert Martin fez "contribuições surpreendentes" para o trabalho deles.

No final da sessão, a presidente da comissão, Theresa Degener, pediu desculpas pela falta de informações fáceis de ler e disse que "vamos lutar para facilitar a leitura no nosso orçamento de acessibilidade no futuro".

A Inclusion Europa recebe calorosamente este anúncio - e esperamos que este futuro não esteja muito longe!

Nota: Tradução do autor do blog.

Fonte: Inclusion Europe em inglês

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

“Na escola primária há menos tempo de recreio do que numa prisão a sério”

Aos 61 anos, Mário Cordeiro mantém o consultório na Av. Guerra Junqueiro, mas são variados os interesses. Dos projetos editoriais aos passeios com a Tenrinha, passando pela paixão pela história de arte, conversar é outras das coisas que gosta de fazer. Foi assim, ao sabor do tempo, numa manhã de verão em Lisboa.

Pai de cinco filhos, três a passar pela adolescência, o pediatra admite que a pedalada é diferente e os desafios também, mas a idade trouxe-lhe mais calma e sabedoria. Nos últimos tempos, sente-se um bocado pessimista com o rumo da sociedade e um certo umbiguismo dos mais novos. Disciplina-se desde cedo, avisa, sob pena de estarmos a criar uma geração de narcisistas.

É médico pediatra há mais de 30 anos. Tem cinco filhos, cinco netos. Ainda se surpreende com as saídas das crianças?
Acho que sim. Surpreendo-me sempre com o ser humano e com a sociedade, em constante mutação, com coisas inimagináveis há meia dúzia de anos. Como as pessoas resultam muito da sua interação com o contexto em que vivem, é natural que acabem por mudar.

Com toda a informação e estímulos, podemos dizer que hoje os miúdos estão mais espertos?
Não acho que isso seja verdade. Se calhar, para os nossos avós que só tinham uma telefonia, sabermos agarrar num comando de televisão e mudar de canal, mesmo antes desta parafernália de canais, era capaz de gerar a mesma reação de espanto que hoje temos com as coisas que os miúdos são capazes de fazer. Mas não acho que os miúdos sejam mais inteligentes. Têm um enorme acesso a informação, muitas vezes de mais. Uma informação que não chega a pouco e pouco, vem em catadupa. Coisas de menor de dimensão, não digo um acidente na Madeira, mas algumas coisas que hoje chegam na hora demorariam uma semana a ser conhecidas.

E isso traz consigo o quê?
Há um apelo maior a estarem informados, a procurar informação. Agora perceber o que se está a passar, saber relativizar, aí é que falha e isso não mudou. Mesma a relação com a tecnologia não terá nada de especial. Muitas vezes ouvimos dizer que o cérebro funciona como o computador... É o computador que funciona como cérebro. É uma extensão do cérebro em termos de funcionamento e isso leva a que quando estamos a pensar em alguma coisa, se pudermos materializar esse raciocínio puxando o rato para um lado ou deslizando o dedo, vamos fazê-lo. É intuitivo, os nossos avós e bisavós é que não o tiveram.

Ainda assim, uma das constatações dos mais velhos é que hoje os recém-nascidos até abrem os olhos mais cedo.
As pessoas é que não estavam despertas para que um bebé pudesse abrir os olhos tão cedo. Há pais que me perguntam: “Quando é que o nosso bebé começa a ver?” Vê ainda antes de ter nascido. É um dado cientifico irrefutável. Os bebés não mudaram, as pessoas é que não lhes ligavam como ligam hoje. O conceito era: o bebé come e dorme, interessa que esteja quentinho, mudar a fralda e dar-se uns miminhos, mas nos primeiros tempos era um sujeito passivo do amor dos pais. Só mais tarde, quando sua excelência começava a barafustar, ali a partir dos seis meses, é que se dizia que o bebé espevitava, isto quando desde o início vê, ouve, tem competências. A sociedade hoje dá mais atenção às crianças e, com isso, elas começam cedo a apreender tudo. Um bebé está aqui e olha para esta lata de Coca-Cola. Se nunca lhe disser o que é, não sabe. Se convive com os pais, se vê o pai pedir uma cola, vai identificando a lata, ligando as coisas. As crianças hoje têm esta excelente oportunidade de conviver com o mundo adulto, os pais falam mais com elas e elas vão pescando mais informação. Antes ninguém lhes explicava nada, é só essa a diferença.

Sente que já existe essa perceção generalizada da mais valia dos estímulos? Às vezes até aquela pressão do “se não fizer isto o meu filho vai ser um burro”?
Cada vez mais, às vezes em excesso. Poderá haver exceções, mas acho que a maior parte dos pais já sabe que uma criança tem bastante para dar e se, puxar por ela, terá mais hipóteses. Como um jogador de futebol ou qualquer talento: é preciso treino para dar alguma coisa.

A partir de que idade é que uma criança começa a ser manipuladora?
Desde cedo, mas isso é o normal. Em qualquer situação, uma pessoa tenta ver como conseguir o melhor para si. Um bebé a partir dos nove meses, um ano – quando já passou à história aquela angústia de saber se vai comer ou não, se estão garantidas as suas necessidades básicas – começa a sentir maior autoestima. Começa a perceber que consegue fazer muitas coisas em termos corporais, que consegue comunicar mesmo que atabalhoadamente. De repente sente: “Afinal não sou um suplente da equipa B, estou em campo na equipa A”, e isso dá-lhe uma pujança ao ego incrível. Numa fase em que uma criança se vê a partir de si, em que acredita que o seu umbigo é o centro de tudo e que é a pessoa mais importante do universo, começa essa manipulação. E depois quando os adultos pedem uma gracinha, para bater palminhas, o artista sente-se ainda mais no centro do palco e vai tentando fazer o que quer. Percebe que há um caminho a percorrer, coisas a conquistar e começa a ver os trunfos que tem. Aquele arzinho, o choro, a tossezinha para interromper o pai e a mãe quando sente que não é o centro das atenções, os guinchos. É tudo para testar até que ponto é capaz de manipular. Vê-se muito quando caem e reforçam a situação de fragilidade com aquele “dói dói dói”.

Educa-se a partir dessa idade ou é deixar passar essas primeiras fitas?
Acho que deve haver traços de educação coerente e consistente ao longo do tempo. Não é por acaso que uma pessoa aos 18, 20 ou 30 anos se revela ou se constitui uma pessoa narcisista, sem empatia.

Mas esse traço de personalidade já nasce em parte connosco, não? Qual é o peso da educação?
Toda a gente pode ser um narcisista. Claro que há fatores intrínsecos ou extrínsecos que podem levar isso a agravar-se ou não, mas vem sobretudo da falta de limitação externa. Todos nós somos candidatos, uns mais ou menos, mas todos preenchemos o papel de candidatura para sermos tiranos. Felizmente, depois, os nossos pais, a sociedade e até o nosso superego, o nosso polícia interno, intervêm: as pessoas aprendem que não é caminho e percebem que, além disso, não se iam sentir muito felizes. Agora isto reprime-se desde cedo.

Como?
O tal bebé que comeu, que está bem disposto no chão a brincar. Os pais finalmente vão para a mesa jantar e estão descansados. O bebé vê aquela cena e pensa qualquer coisa do género: “Olha-me aqueles meus dois escravos a libertarem-se” e começa numa guincharia. Aí não há hipótese: os pais têm de dizer “xiu, caluda. Agora estou a falar com a mãe e tu estás calado”. E mesmo que a criança continue a chorar, naquela vitimização de que ninguém gosta dela, os pais devem continuar a conversar sem dar muita atenção, sem se enervarem muito nem entrarem também naquelas grandes explicações: “não vês que eu tive um dia muito difícil no trabalho, etc..”

Não é pedagógico? Às vezes há essa tentação de falar com eles como se fossem mais crescidos.
Entrar nessas explicações que a criança não percebe não é muito produtivo, não percebe. 

Depois, quando os pais são mais assertivos em público, acabam por surgir uns olhares recriminadores. Por exemplo, se uma criança desata aos berros no supermercado e se tenta dizer “parou”. É como se estivesse instalada uma certa vigilância...
Há uma certa vigilância que me parece idiota. Lá estão as mudanças na sociedade. Passou-se de um país onde se podia bater, zurzir e queimar crianças que ninguém se metia – e os vizinhos até sabiam mas “era lá com eles” – para um país onde há leis e regras contra os maus tratos infantis mas as pessoas estão muito mais indignadas e intrometidas. Exagerou-se. Passou-se de ver um pai espancar um filho e ninguém intervir para ver-se um pai que fala mais rispidamente e meterem-se logo na conversa a perguntar se aquele pai não esta a ser demasiado duro com o filho.

De onde vem essa inversão?
De uma certa vontade de fazer o bem, certamente, mas também de protagonismo e de necessidade de censurar o outro.

Acha que as redes sociais, tendo dado microfone a toda a gente, acabaram por alimentar essa imiscuição na vida dos outros?
Também. As pessoas gostam de ser justiceiras. Apanham ali uma cena que nem viram desde o início mas fazem logo o seu statement e depois voltam as costas com ar de Lucky Luke.

Há uma tentativa maior de proteção das crianças do que havia no passado. Tem o efeito desejado?
Acho que com a voragem do tempo e com a autonomia que conquistam nas redes sociais está a haver um certo paradoxo: têm muita informação mas esquecem-se de que a informação, só por si, não vale nada. Precisam de experiência e sabedoria. E depois acham que sabem muito, e como sabem muito, podem atuar pensando pela sua cabeça, mas não podem porque não têm maturidade. Há crianças de 12 anos que são mais altas do que a Marta. Porque não podem conduzir um automóvel? Se calhar usavam melhor toda a tecnologia. Não podem porque não têm uma visão sistémica: esqueciam-se da pessoa que vai atravessar a estrada, do semáforo. Essa visão de ecossistema não é algo que um adolescente possa ter. E, de facto, eles conseguem fazer tudo nos computadores, mas depois falta-lhes essa visão e esse filtro. A autonomia a navegar não é acompanhada de uma autonomia no pensar, no estruturar ideias e na tomada decisões. Resultado: temos bebezolas enormes convencidos de que sabem tudo e que vivem muito no hoje, no agora. É levantarem-se de manhã, aguentar uns “stôres” pelo caminho e depois dominar nas redes sociais e as mensagens.

E os pais?
Muitos pais deixam andar e vai faltando uma visão mais a médio prazo. É importante um jovem ter noção de que o seu percurso escolar se dirige algures e o que é que pretende desse algures. Tomar decisões, pensar a médio prazo não é compatível com querer viver só o hoje.

Os adolescentes não foram sempre um bocado inconsequentes?
Não tanto, parece-me. Os pais acabavam por estar mais disponíveis para coisas tão simples como ensinar a mudar um pneu de um carro ou a construir um móvel e aplicar bondex. Há coisas que se perderam.

Mas não será também porque hoje os sonhos parecem mais difíceis de concretizar, maior precariedade no trabalho.
Não creio. O que acho é que se contemporiza hoje mais com a falta de rigor e com o “tanto faz como fez”. Em coisas pequenas. Ali perto de casa há uma zona de calçada portuguesa que tinha um desenho simétrico. Quando vieram arranjar umas caixas e foi preciso calcetar de novo, puseram tudo à balda. Nem é uma questão de esforço, porque pôr as pedras de uma maneira ou de outra ia dar ao mesmo, mas é uma questão de brio e de perceber que havia ali um desenho que era importante completar. Mesmo que isso não interessasse nada ao calceteiro.

De onde acha que vem essa erosão do brio da sociedade?
Odeio generalizações, mas vem muito da família, da escola e da sociedade, deste viver apenas o hoje. É uma sociedade que se está a demitir de reconhecer o brio, desde miúdos. Limita-se a estas coisas dos rankings, dos quadros de honra, que são sempre instrumentos muito enviesados dependentes de duas ou três disciplinas e que não avaliam o estudante como pessoa.

Vive perto de uma escola pública que este ano esteve no centro de uma polémica na altura de inscrições, com suspeitas de moradas falsas. Como vê esta corrida ao Liceu D. Filipa de Lencastre?
Há outros casos assim em Lisboa, no Porto ou em Coimbra. São escolas que atingiram patamares de excelência educativa, mesmo que os alunos digam sempre que há “stôres” horríveis. O facto é que há escolas e escolas e esta é uma boa escola. Conheço bem, os meus filhos estudaram lá.

Percebe os pais que sentem a tentação de apresentar uma morada falsa?
Percebo que exista uma tentação de pensar em fazê-lo. Sobretudo se uma pessoa até vive perto e vai demorar mais tempo no trânsito para pôr o filho na escola dele e que nem tem tantas atividades. Se o critério é a morada, deixa-me cá arranjar... As pessoas obviamente fazem-no. Não é legal, mas como toda a gente faz... E sobretudo porque há uma sensação de injustiça: se morar naquela rua pode e naquela outra já não pode.

Não é preocupante que se formem depois estes guetos de bons alunos, escolas muito concorridas e outras que ficam com os alunos que sobram?
Acho que não se formou um gueto. Estive na associação de pais durante nove anos e o que conseguimos foi desenvolver muitas atividades extracurriculares em conjunto e ir além das disciplinas centrais.

E isso é replicável em todas as escolas, mesmo em bairros mais problemáticos? Esta é uma zona de Lisboa com maiores rendimentos.
Creio que aqui mais de 90% dos pais têm licenciatura, mas acredito que é possível. Não é uma licenciatura que dá capacidade de empatia, de solidariedade. É preciso olhar mais para os alunos, perceber de que é que eles precisam, repensar a forma como se dá aulas. Parece-me que a imaginação dos professores tem de melhorar um bocadinho em muitos casos. E depois os pais podem formar associações, mobilizar-se. Em Lisboa há protocolos com as câmaras para financiar as atividades extracurriculares. Se a escola não tiver ninguém disponível para fazer esse trabalho, vai contratá-lo a uma empresa, que cobra x por esse serviço. Se a associação de pais gerir esse dossiê já sobra mais dinheiro para aplicar nas atividades.

Mas pais de uma boa escola se calhar estão mais motivados.
Isso tem muito que se lhe diga. Quando estava na associação de pais da EB1 eram 400 alunos, 800 pais e mães, e apareciam à roda de 10 a 15 pessoas. E digo-lhe, muitas vezes era angustiante. Éramos mais da associação do que os pais a aparecer. Os pais nunca foram muito às reuniões. Gostam que se faça, mas não aparecem. Claro que às vezes a pessoa pensa: para que estou aqui em vez de ir para casa? É o tal espírito de missão. E quando há ideias giras e isso tem algum eco na direção das escolas, mais motivação ainda.

No fim do ano letivo, uma das suas crónicas no i condenava a postura de Mário Nogueira e da FENPROF por terem feito greve num dia com exames. Vê nos professores um dos problemas do ensino?
Conheço professores excelentes e professores horríveis. Acho que a posição do sindicato é constantemente de defesa de uma série de coisas que compreendo que precisem de ser defendidas, mas se calhar devia haver uma Ordem dos Professores, para se focar mais na parte pedagógica e académica, para ver como os alunos poderiam aprender mais.

São, ainda assim, uma profissão um pouco maltratada. Suportar grandes deslocações, estarem até a última sem saber onde ou se vão ser colocados.
Isso sem dúvida, relatos como vemos de professores que se levantam às 5 da madrugada para ir dar aulas são inacreditáveis. E não percebo como é que estamos para começar as aulas e nem os professores sabiam onde iam estar colocados, nem os pais sabem os horários. Sendo o número de alunos algo bastante previsível, tirando uma criança ou outra que emigra ou muda de escola, em abril devia-se fazer logo tudo para que as pessoas, quando fossem de férias, soubessem mais ou menos com o que contar.

Esta instabilidade não contribuirá para uma depreciação do papel do professor?
Parece-me que contribui para uma certa desvalorização. Mas há muitas coisas que deviam mudar. Em primeiro lugar é errado que continue a chamar-se Ministério da Educação e que não seja Ministério do Ensino e da Aprendizagem. Isso fazia logo a diferença. Educar remete para uma relação paternalista quando não é isso que se pretende. Depois creio que as matérias deveriam ser reduzidas no sentido de perceber o que interessa saber. Multiplicar potências: para que é que isso serve em termos práticos?

Podemos sempre argumentar para que servem outras matérias em termos práticos, a História...
É diferente. A História serve de contexto, mostra como o ser humano interage em sociedade. Agora, multiplicar potências... Depois é preciso acabar com aquelas aulas de hora e meia em que os alunos, coitados… Quando vou às reuniões de pais sento-me naquelas cadeiras e, passado uma hora, é uma sova de cadeira.

Quanto tempo é que um miúdo está concentrado?
Uns 16 a 18 minutos.

Isso também não dava para nada.
Não era preciso acabar a aula, mas fazer uma pausa ali ao fim de um quarto de hora, dizer agora vamos lá espreguiçar-nos, falar de outra coisa qualquer. Um bom professor não tem de ter medo de estar a falar de matemática e parar para comentar um golo do Ronaldo no dia anterior, o atentado em Barcelona.

Tem um professor que o marcou?
Tive vários. Tive o Rómulo de Carvalho no Pedro Nunes, que fazia as coisas assim. O Jaime Leote a Matemática.

Porquê esses e não outros?
Íamos para as aulas deles com gozo. Íamos aprender.

Hoje os miúdos conseguirão ter esse sentimento? Conseguem ir à internet ver tudo.
A internet não ensina. Permite saber tudo, mas não fornece as ligações. Antes o professor era a fonte principal de informação. Uma pessoa que soubesse ler, escrever e contar tinha mais hipóteses de passar de uma profissão no campo para outra com melhores perspetivas. Bastava. Isso hoje é um dado adquirido, o ensino tem de mudar. O que é preciso é dar competências, potenciar os talentos. Porque é que os alunos têm todos as mesmas matérias? Porque é que não há mais aulas interligadas? Não fazia mais sentido as Invasões Francesas serem dadas pelos professores de História, Português e Francês em conjunto? Creio que é necessário interligar mais as coisas. Porque se é só para despejar a informação, é como diz, há a internet. E depois acho que seria preciso refletir sobre onde é que estes miúdos que têm hoje 15, 16, 17 anos vão estar daqui a 20 anos e de que é eles vão precisar.

As profissões do futuro?
Sim. Podemos falhar nessa análise, mas já temos alguma noção. Tivemos alguma disrupção, mas mesmo na tecnologia ultimamente não tem havido nada de muito novo. E mais assustador para mim: há décadas que não há uma ideia filosófica nova. Produzem-se teorias económicas, produzem-se vipes do “morte ao estrangeiro/venha o estrangeiro”...

Como a turismofobia em Lisboa.
Sim. Esta discussão do “és pró ou contra” turistas é um disparate.

Não se deixa contaminar?
Não, pelo contrário. Pois se eu adoro ser turista, não havia de gostar que os turistas viessem ao meu país? Na minha rua já há oito alojamentos locais. A passear a Tenrinha à noite era o deserto total e agora é menos, sinto uma maior segurança. Mas o que queria dizer é que temos estas reações umas atrás das outras e menos reflexões de fundo sobre quem somos, para onde vamos. Está-se a viver o dia a dia sem pensar globalmente. Era preciso mais Eduardos Lourenços.

O que mudou?
As pessoas distraíam-se menos.

Não eram tão forçadas a pensar sobre os casos que se sucedem, sobre o debate do momento.
Às tantas cansa. (...)

Qual é o perigo da dessensibilização?
É a banalização do mal de que falava Hannah Arendt. Um certo alheamento. Esta repetição até exaustão das mesmas imagens não faz nada bem. Andamos a dizer aos pais que deve haver poucos estímulos antes de ir dormir, uma história para adormecer e depois os adultos vão para a cama assustadíssimos à espera que rebente a bomba. Dormem mal, andam irritáveis. Isto é acentuado no meio urbano. No meio rural, acha que aquelas pessoas estiveram a noite toda a ver os debates na televisão quando têm de acordar cedo para ir para o campo?

Estamos a terminar o período de férias. Parece um paradoxo, mas para muitas famílias são um período de stress.
São. As férias não deviam ser uma repetição da vida do dia a dia. Deviam ser um polo endorfínico, de calma, para quem tem um polo adrenalínico no dia a dia. Ou o contrário, para quem tem um dia a dia mais tranquilo. O que se passa é que as pessoas organizam muito mal as férias. Planeiam tudo, o hotel, a praia, o sítio, mas não pensam naquilo de que estão a precisar física e psicologicamente. Parece que há uma vergonha de dizer não fui ao Algarve, não fiz uma viagem, não fui às Seychelles. E depois esgotam-se nisso, mais no dinheiro que têm de arranjar. Como vivemos numa época de muito show off, de selfies, de mostrar nas redes sociais onde estamos, dizer que estou no Gerês tem menos sucesso do que dizer que estou nas Seychelles. Então se a pessoa puser que ficou em casa a dormir ou foi passear o cão…

Pensam que está deprimida.
Possivelmente. E depois, como as pessoas vão ver o número de likes e comentários, o “ah que lindo”, “que inveja”, com não sei quantos “eeee”, é uma ditadura terrível. As pessoas não são verdadeiramente livres: só sabem o que foi bom ou mau consoante os likes que têm. (...)

Não será um gap geracional… está a ficar mais velho, menos tolerante com as falhas das gerações mais novas.
Talvez, mas existem diferenças. Quando éramos miúdos tudo era uma oportunidade para nós. Quando fazíamos InterRail era com pouco, íamos ao supermercado comprar comida, ficamos sentados a conversar, a observar as pessoas. Hoje os miúdos querem mais coisas e ao mesmo tempo são muito mais apegados aos pais.

Sente isso nos seus filhos mais novos?
Sim, talvez. Este ano tentámos mandá-los para campos de férias, fazer coisas diferentes. Se não depois cria-se uma rotina em que eles acomodam-se a este conforto – terem cama e roupa lavada, terem televisão, acesso à internet – e para eles é o status natural da humanidade.

Uma proposta nas suas crónicas era mais trabalhinhos de verão.
Sim, não faz mal a ninguém. Uma das tarefas deles foi andarem a pintar umas paredes lá de casa, a apanhar o lixo. Tem de ser. Podia pagar a alguém, mas havia tinta e, em vez de chamar alguém, fizeram eles. Até para eles perceberem que quando tiverem a sua independência económica não vão ter dinheiro para tudo, a menos que ganhem o euromilhões ou façam algum negócio escuro. É fazê-los perceber de alguma forma que não vão ter um T4 com vista para o Tejo, vão arranjar um T1 ranhoso algures e fazer a sua evolução e isso não tem de os fazer infelizes. Se tiverem uma vida interior intensa, uma vida cultural e relacional, serão felizes na mesma. Mas confesso-lhe que estou apreensivo com as gerações mais novas…

Pessimista?
Sim, um bocado pessimista com o desinteresse e ignorância que se vem instalando.

O que lhe faz mais confusão no consultório?
Às vezes a ignorância de pais e filhos sobre factos ou até palavras da língua portuguesa. Wittgenstein tinha razão quando dizia que o que mostrava a evolução das sociedades era a evolução da palavra. Desde os “grunfes” da pré-história, o ser humano teve necessidade de arranjar designações para as coisas que conhece, de construir frases elaboradas. A escolha da palavra numa sociedade evoluída não é à balda. E hoje muitos adolescentes estão com uma linguagem paupérrima.

Sempre houve o calão, o bué.
Não é o bué, é o que fica para lá disso. E o que fica é um discurso muito pobre. Não há aspetos metafóricos, não há associação a memórias. Acho que antes havia mais imaginação e criatividade.

Os mais pequenos têm-na.
Sim, mas depois perdem. Acabam formatados por uma escola que não estimula a criatividade nem o pensar pela cabeça. E depois diz-se que há muitos miúdos hiperativos: havê-los há, mas há sobretudo muitos miúdos que não conseguem estar ali encerrados naquela prisão, onde há menos recreio do que uma prisão a sério. As horas de recreio numa prisão são superiores às horas de recreio numa escola primária.

Depois das férias, como se desacelera os miúdos?
Muitos estarão com vontade de regressar. As férias para as crianças tornam-se um bocado repetitivas. Para os mais novos são totalmente disruptivas: mudanças de casa, de pessoas, come-se quando se come. E por isso é importante, uns dias antes do regresso, começar a haver um reset, entrar nos ritmos de dormir. E depois eles dizem “mas amanhã não tenho aulas”. É começar a deitar mais cedo, gradualmente. E começar a refrescar a memória sobre as matérias dadas no ano anterior. Não é estudar, mas reler para que haja alguma sequência. Não vai tirar mais que meia hora por dia. (...)

Fonte: Jornal I por indicação de Livresco

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Dois terços dos alunos carregam mochilas com demasiado peso

Segundo o estudo realizado pela Deco Proteste, com todos os livros e material necessário as mochilas podem atingir onze quilos

Dois terços dos alunos portugueses carregam às costas mochilas demasiado pesadas, que podem atingir onze quilos com todos os livros e material necessário, segundo a associação Deco Proteste, que analisou seis escolas públicas e privadas da Grande Lisboa.

No estudo, publicado no número de setembro da revista Proteste, aponta-se os riscos para a saúde de tanto peso a que estão sujeitos corpos cujos ossos ainda estão a formar-se, nas idades entre os 10 e os 13 anos.

O caso mais extremo de excesso de peso encontrado foi o de um rapaz de 11 anos que transportava 11 quilos, mais de um terço do seu peso corporal, o que é três vezes mais do que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde.

A Deco vai pedir uma audiência à comissão parlamentar de Educação e Saúde, a quem enviará os resultados do estudo.

Uma petição com 48 mil assinaturas pedindo medidas para reduzir o peso das mochilas está já a ser analisada na comissão.

A investigação, conduzida em março deste ano, centrou-se em 174 alunos, 66% dos quais tinham peso a mais nas mochilas, percentagem superior aos 53% encontrados no estudo semelhante anterior, feito em 2003.

As cargas mais intensas, representando 20% do peso corporal de quem as carrega, também são mais frequentes: aumentaram de 4,5% em 2003 para 16% este ano.

Para além dos livros necessários a cada disciplina, alguns dos quais com muito pouco uso, o que enche as mochilas são cadernos, dossiês, estojos, carteiras, chaves, roupa e calçado para Educação Física, enumera um aluno entrevistado pela Proteste.

Este peso é carregado durante todo o dia várias vezes por alunos sujeitos a uma carga horária que pode chegar a nove horas, sem contar com o percurso entre a casa e a escola.

A Deco apela à tutela, às editoras e às escolas, defendendo medidas como mais conteúdo digital na educação, livros em fascículos ou instalação de cacifos.

Aos pais, pede-se um olhar atento para distinguir o que é mesmo necessário nas mochilas, que devem ir à balança antes de saírem de casa.

Fonte: DN

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

“Gostava que a musicoterapia fosse reconhecida de uma vez por todas”

Apesar de a técnica não estar ainda reconhecida, Helena Brites – de 41 anos, com três filhos e mestre em Musicoterapia – revela os benefícios da técnica e que aplica a crianças, adultos e a idosos.

E a lista dos benefícios é vasta. “Em crianças com problemas de desenvolvimento e patologias específicas, síndrome de Down”, exemplifica. Mas há mais: “Asperger, autismo, problemas motores e da linguagem, adultos portadores de deficiência, vítimas de acidentes vasculares cerebrais ou com perturbações do foro psicológico ou psiquiátrico”. Tudo isto sem esquecer os “idosos que apresentem estados de demência sobretudo relacionados pelas doenças de Parkinson e Alzheimer, cuidados paliativos e estados terminais“.

A Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP) foi recentemente galardoada pela Gulbenkian com o prémio coesão. O que significa para a instituição e para o trabalho que desenvolvem e que foi agora reconhecido?

Este prémio estimula-nos para continuarmos a acreditar no trabalho que desenvolvemos bem como nos dá a consciência da importância que ele representa para a sociedade.

As atividades podem ser intensificadas? Podem ser alargadas?

Neste momento, todas as atividades promovidas abrangem os públicos-alvo que entendemos prioritários: bebés, crianças portadoras de deficiência, famílias, adultos em contexto terapêutico, hospitalar, comunitário ou privados de liberdade, seniores estados terminais. Reconhecemos deste modo que abrangemos todo o ciclo de vida desde o nascimento à morte.

Há uma maior procura de elementos externos face ao vosso modelo?

A SAMP tem uma filosofia própria e inédita de intervenção inspirada. No entanto, existem em alguns modelos de contexto internacional com os quais fomos refletindo e desenvolvendo trabalho conjunto. Neste momento, a SAMP tem igualmente um reconhecimento internacional, sendo já a sua formação solicitada por diversos países, nomeadamente Espanha.

Não deixa de ser curiosa a evolução desta estrutura, que começou, como tantas em Portugal, por ser uma sociedade filarmónica. A nível local, a aposta das filarmónicas neste tipo de atividades podia ser um caminho? Quais as possibilidades e quais os obstáculos?

Cada projeto exprime o seu grau de importância pelo facto de ser criado e implementado de forma original por uma instituição. Neste sentido, cada filarmónica deve ter a sua própria metodologia e não se limitar a replicar projetos já existentes. Importa referir que todos os programas implementados pela SAMP tiveram longos momentos de reflexão antes de serem implementados com sucesso. Neste momento, só avançamos para o terreno quando temos a certeza que todos os envolvidos reconhecem como fundamental e essencial o trabalho que desenvolvemos.

No que diz respeito a musicoterapia. Em que consiste?

Consiste na utilização dos elementos que constituem a música: ritmo, melodia, dinâmica, como potenciais detentores de poder terapêutico e de reabilitação do ser humano nas suas diversas dimensões motoras, emocionais, afetivas e cognitivas, conferindo-lhe uma maior organização inter e intrapessoal. O poder que confere à música tais potencialidades é o facto de ela acionar as mais diversas áreas constituintes do cérebro humano que, como sabemos, comanda todo o ser humano.

Há quanto tempo é musicoterapeuta? E que benefícios pode trazer e a quem?

Sou musicoterapeuta há cinco anos e os benefícios são extensíveis a todo o ciclo de vida, desde o ventre materno até aos estados terminais em contexto de prevenção, manutenção ou reabilitação de diferentes populações fragilizadas com diversos problemas.

A terapêutica pode curar? Reabilitar? A que nível e em que percentagens?

Pode curar e reabilitar. Há muitos e diversos estudos que comprovam resultados concretos do poder terapêutico da música. Dependendo de cada caso específico, a música pode prevenir, manter capacidades ou “curar” problemas vários. As percentagens concretas só podem ser aferidas no contexto dos públicos-alvo a que se destina a musicoterapia.

Para que tipo de doenças ou patologias é a musicoterapia mais indicada?

Todo o ciclo de vida, desde o nascimento à morte: crianças com problemas de desenvolvimento e patologias específicas, síndrome de Down, dificuldades e défices cognitivos, epilepsia, Asperger, autismo, problemas motores e da linguagem, adultos portadores de deficiência, vítimas de acidentes vasculares cerebrais ou com perturbações do foro psicológico ou psiquiátrico, idosos que apresentem estados de demência sobretudo relacionados pelas doenças de Parkinson e Alzheimer, cuidados paliativos e estados terminais.

Que casos concretos a impressionaram mais?

Vários: intervir no contexto neonatal com bebés prematuros e respetivas famílias, acompanhar até à morte crianças em contexto de internamento e deficientes profundos. Acompanhar o público sénior acamado é igualmente muito sensibilizador dado que, muitas vezes, nos estados terminais, se encontram presos dentro de um corpo que já muito dificilmente transmite sinais explícitos de comunicação. Mas, muitas vezes mediados pela música, têm resultados impressionantes. Por questões de caráter ético e confidencial não vou particularizar situações específicas.

É uma atividade que pode beneficiar de subvenções, de apoios?

Obviamente que pode beneficiar de apoios que nem sempre são diretamente proporcionais aos esforços desenvolvidos mas que estão sobretudo dependentes da sensibilidade de quem tem poder de decisão.

Qual o tipo de relação que este tipo de técnica tem com a saúde ou educação? E que tipo de apoio local? Regional? Nacional? Ou governamental?

Tem uma ligação muito direta quer com a saúde, quer com a educação. No âmbito da saúde, liga-se essencialmente ao contexto hospitalar ou ao contexto de gabinete ou consultório. Na educação, podemos trabalhar com alunos detentores de necessidades educativas especiais.

Em que fases de encontram?

Neste momento, a inclusão desta terapia quer num, quer noutro contexto é cada vez mais evidente, mas ainda assim muitos esforços terão que ser desenvolvidos para que ganhe ainda maior reconhecimento. Só dessa forma poderá dar maior capacidade de resposta e chegar, de uma forma mais ampla, a uma maior diversidade de indivíduos. Em alguns países, é já reconhecida como uma terapia essencial, como acontece à semelhança da psicologia e das terapias de reabilitação em Portugal.

O que está a ser feito nesse sentido?

Na Assembleia de República têm sido apresentadas propostas para o reconhecimento da musicoterapia como uma profissão. Esforço esse que tem sido liderado essencialmente pela Associação Portuguesa de Musicoterapia, apoiada pelos profissionais já habilitados para o exercício desta profissão e que, neste momento, ultrapassa já algumas dezenas.

O que gostava que pudesse ser feito?

Gostava que esta profissão fosse reconhecida de uma vez por todas, com a consequente abertura de concursos públicos, com vista à colocação de profissionais nesta área nos contextos em que fosse reconhecida a sua aplicação.

Como começou a sua relação com a SAMP?

Começou, inicialmente, por ser uma relação de mãe, pois integrei o projeto Berço das Artes – programa destinado ao desenvolvimento da musicalidade e sentido estético e artístico para a primeira infância – com os meus filhos, em tenra idade. Posteriormente, apaixonei-me não só por esse projeto, como também pelos pertencentes ao Núcleo Saúde com Arte SAMP (conjunto de profissionais que desenvolvem trabalho de âmbito musical, artístico e terapêutico com públicos-alvo desfavorecidos), desenvolvendo as minhas competências profissionais e integrando, atualmente, o referido núcleo na qualidade de musicoterapeuta.

Fonte: Delas por indicação de Livresco

domingo, 27 de agosto de 2017

Petição contra as restrições e discriminação no acesso à Prestação Social para a Inclusão (PSI)


A Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) lançou na quinta-feira uma petição para que a Prestação Social para a Inclusão (PSI) abranja pessoas com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, adquirida até aos 55 anos.

A petição, disponível no 'site' Petição Pública, dirige-se ao Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro e Provedor de Justiça.




Fonte: Recebido por correio eletrónico

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Apoio Mindful para pais de crianças com hiperatividade (ou mais agitadas)

Desesperantes. Não posso qualificar esses anos de outra forma: sentia-me perdida, cansada, esgotada e, às vezes, revoltada, muito revoltada – questionava-me muitas vezes: “porquê a mim?”. Recordo-me de um dia estar na Ericeira. Observava o mar azul e o laranja do sol; em setembro, costumávamos desfrutar destes dias, quentinhos, cheirosos, inspiradores: as habituais despedidas de verão. Mas nesse dia não, nem a beleza do local me apaziguava, nesse dia chorava, uma dor imensa e profunda acercava-se de mim. Só conseguia sentir-me vítima. Estava farta!
Os primeiros anos de vida do meu filho foram assim. Aos seus 2 anos começaram as perguntas (o que será que ele tem?), iniciámos a procura, percorremos vários caminhos que, no final, se desvendavam sempre becos sem saída. E nós – mãe e pai – sentíamo-nos cada vez mais destruídos interiormente.
A mãe confessa. Gostava que me tivessem perguntado como me sentia. Gostava que me tivessem escutado com atenção. Gostava que me tivessem devolvido a confiança perdida. Gostava que me tivessem abraçado. Gostava que me tivessem olhado com olhos de ver. Gostava que me tivessem dado colo. Mas não, estavam todos tão focados e centrados no meu filho, no seu comportamento, em “consertar” as suas falhas, em opinar e julgar, que se esqueceram de um aspeto fundamental para o seu equilíbrio: o estado emocional dos seus pais. Eu sei que não foi intencional – o importante era ele – mas a verdade é que não me sentia emocionalmente equilibrada para o ajudar. Quando o meu filho foi diagnosticado com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção disse “basta!”: preciso de cuidar de mim. E a partir desse momento, desse preciso momento em que comecei a olhar por mim, o meu filho começou a abrandar e melhorias começaram a acontecer.
Todos os apoios atualmente existentes para ajudar estas crianças são importantes, necessários e válidos mas não são suficientes porque se esquecem de apoiar o sistema principal que as suporta e guia: o familiar. Sem que esse sistema esteja em equilíbrio, tudo o resto são apenas pensos rápidos. O apoio existente tem de envolver os pais.
O que falta afinal?
Um apoio mindful – compassivo, amoroso, humilde, atento – aos pais destas crianças.
Um apoio que deve passar 5 mensagens potenciadoras:
Tu mereces
Antes de tudo, como está o pai e mãe? Como se sente? Como descodifica o que se está a passar? Quais são as suas necessidades? De que forma se cuida? Qual a narrativa que construiu em relação a esta situação? O estado emocional dos pais é o ponto de partida para ajudar estas crianças. E às vezes temos que revisitar o passado destes pais: Que crianças foram? Que tipo de pais tiveram? Estes pais merecem ser vistos, escutados, reconhecidos. Sem julgamentos. E têm de ser incentivados a cuidar de si e da sua relação. Não devem ter receio de pedir ajuda aos familiares, aos amigos, …. Isto não é sinónimo de fraqueza mas sim de coragem, de amor: por si e pelos seus filhos. Os pais devem sentir-se merecedores de toda a ajuda e atenção.
Tu sabes
Mais do que transmitir uma série de estratégias – uma lista – para lidar e/ou mudar os comportamentos dos seus filhos, ir mais além. Será que as estratégias oferecidas estão de acordo com as intenções dos pais que querem ser? Será que são congruentes com o que sentem? Porque se tal não acontece, é provável que os seus filhos captem a discrepância entre a sua boca e coração. As crianças são especialistas em apanhar o não-dito. É importante restituir a confiança – de ouvir o seu coração – a estes pais. Com a oferta de uma panóplia de informações desconectadas com o seu sentir ficam perdidos nas respostas a dar. Porque eles sabem o que é melhor para os seus filhos: só é necessário que as estratégias delineadas unam o seu coração e mente para lhes devolver a confiança perdida.
Tu tens valor
Aos pais surge muitas vezes a pergunta: porquê a mim? Aparece a vergonha, a culpa, o medo. Emoções que levam à ansiedade, e que, por consequência, originam respostas reativas em relação aos seus filhos. Os olhares dos outros, as críticas, os comentários depreciativos,… expandem estes sentimentos. A sua autoestima fica um caos. Sentem-se pais incompetentes. “Onde será que falhei?”. É a pergunta que aparece muitas vezes. Claro que exercer parentalidade a partir deste ponto não ajuda os seus filhos. Ensiná-los a lidar com as suas emoções contrativas. Escutar o que sentem. Mostrar-lhes que valem, que são os pais que os seus filhos precisam, é essencial para que nos momentos de grande julgamento interior e exterior o amor por si próprios não fique abalado. Entender que a sua autoestima não deve depender de qualquer desempenho que os seus filhos possam ou não ter é determinante para conseguirem responder de forma consciente aos seus filhos.
Tu és capaz
Ok, tudo isto é muito bonito mas como lidar com estas crianças diariamente? Como viver a rotina com qualidade e amor? Como responder serenamente em vez de reagir impulsivamente? Como comunicar de forma empática? Como escutar ativamente? Como dizer que Não sem entrar numa espiral de agressividade? Como estar realmente presente? Como criar uma autoestima saudável ao meu filho? Como perceber quais são as suas necessidades? O Mindfulness, a Parentalidade Consciente, a Comunicação a partir do coração, são os “segredos” a desvendar a estes pais para que saibam lidar com estas crianças de forma amorosa no seu dia-a-dia.
Tu desvendas
O teu filho não é essa perturbação, é muito mais. O que existe para além? Que imagem estou a construir e, às vezes, sem intenção consciente, a perpetuar? Como posso ajudar o meu filho a expandir todo o seu potencial criativo? Como procurar a essência e não ficar pela máscara? Mais além. Ajudar os pais a desvendar o que de único e especial tem o seu filho é essencial para ajudar estas crianças a serem livres para ser quem realmente são.
O que acompanha estes pais…  
Não pode estar simplesmente ali só por estar. Presença consciente é necessária. E não está num pedestal. Tem uma profunda humildade e respeito por aqueles pais. Devolve-lhes a força, a confiança, a autonomia e a independência porque sabe que isso é essencial para que consigam ouvir e captar as lições que os seus mestres – filhos – lhes têm para lhes ensinar. Escutar o outro sem o julgar, aceitando o que se apresenta. Empatia. Compaixão. Silêncio. Presença.
Como diz C. Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
Porque, com base na minha experiência pessoal e dos casos que acompanho, esta atenção aos pais é muitas vezes o que basta para que aquela criança acalme. E isto, sem dúvida, traz consequências maravilhosas.
Claro que para além deste sistema – o familiar – existe outro sistema a ser cuidado para que o tratamento seja mesmo eficaz: o escolar. Mas este ficará para outro artigo.
Por agora, termino com dois pedidos para os que rodeiam estas crianças:
O primeiro pedido – aos seus familiares, aos seus professores, aos seus médicos, aos seus amigos:
Olhem de forma mindful para os pais destas crianças. Sem julgamentos. Eles precisam da vossa atenção. Um abraço, um olhar, um momento verdadeiro de escuta – fazem milagres.
O segundo pedido – aos pais destas crianças, principalmente às mães (que são as que normalmente estão na linha da frente):
Cuidem de vocês. Porque merecem. Porque os vossos filhos ganham. E não adiem, nem desistam. O caminho é árduo mas, em simultâneo, muito revelador e bonito.
Se sentirem que precisam de ajuda, estou aqui: carlapatrocinio33@gmail.com
Carla Patrocínio

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Portugal sagra-se campeão europeu de parahóquei de deficiência intelectual

A seleção portuguesa de parahóquei em campo para atletas com deficiência intelectual sagrou-se hoje campeã europeia, ao derrotar a Itália na final, disputada em Amesterdão, na Holanda.

O triunfo por 3-2 frente à seleção transalpina permitiu à equipa lusa renovar o título conseguido há dois anos em Londres.

O estreante Diogo Costa foi o autor dos três golos portugueses, que, tal como os dois italianos, foram apontados através de 'shoot-out' (a penalidade máxima do hóquei).

Fonte: DN por indicação de Livresco

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Ainda os alunos com necessidades educativas especiais e as turmas reduzidas

A questão da redução de turmas por efeito de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais tem sido tema de algumas mensagens, sobretudo nas redes sociais.

O enquadramento normativo educacional determina que as turmas que integrem alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente, cujo programa educativo individual o preveja e o respetivo grau de funcionalidade o justifique, são constituídas por 20 alunos, não podendo incluir mais de dois alunos nestas condições (ex: art.º 19.º Despacho normativo n.º 7-B/2015, de 7 de maio, na redação dada pelo Despacho normativo n.º 1-B/2017, de 17 de abril).

Se o enquadramento é claro quanto ao limite de alunos por turma, já não o é relativamente às turmas com número inferior a 20 alunos e, simultaneamente, com mais de dois alunos com necessidades educativas especiais. Sobre esta situação, o entendimento da tutela, designadamente da Direção de Serviços da Região Centro da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, é de que quando as turmas são constituídas por menos de 20 alunos, não se aplica a condicionante dos dois alunos com necessidades educativas especiais por turma, podendo, por isso, estas turmas incluir mais do que dois alunos com necessidades educativas especiais.

Neste cenário, e em teoria, uma turma pode ser constituída apenas por alunos com necessidades educativas especiais desde que não ultrapasse os 20 alunos por turma. Naturalmente, na nossa perspetiva, a tutela está a efetuar uma leitura abusiva do normativo, determinada por fins meramente economicistas, sem atender aos fins pedagógicos nem às especificidades dos alunos.

O disfarce e a circulatura do quadrado

(...) 
Em Educação, as medidas de política têm estado demasiado ligadas à ideologia dos grupos dominantes. Melhor dizendo, aos convencimentos dos que, em cada momento, governam em nome desses grupos. As últimas alterações que o sistema de ensino sofreu oscilaram entre conceções anglo-saxónicas, de raiz empirista, e ideias construtivistas, de inspiração piagetiana. Estas, hipervalorizando as Ciências da Educação. Aquelas, hipervalorizando o conhecimento. E quando novos líderes recuperam medidas de líderes passados, que a prática mostrou estarem erradas, contam sempre com o apoio dos prosélitos da tribo, convenientemente esquecidos das evidências que viveram. Muitos deles são autores, nas redes sociais, quase sempre sob anonimato, de intervenções onde a injúria substitui a troca civilizada de argumentos e falseia a perceção do que se discute. Nesta espécie de bordéis de cobardes, a ignorância é o menos. O mais é a subserviência infame ao interesse do momento. O mais é impor como politicamente correta uma visão ideológica que já foi testada e falhou. Assim vamos, em meu sentir, no prólogo de mais um ano escolar, sob o policiamento disfarçado do pensamento livre, rumo a uma pedagogia totalitária.

Começou o disfarce com uma revisão curricular que, oficial e centralmente, não existe. Com efeito, são algumas escolas que poderão alterar 25% do currículo, sem que, centralmente, os programas tenham sido alterados e embora os professores só devam cumprir, desses programas, o que as “aprendizagens essenciais” fixaram, em híbrida convivência com as metas de Crato, que não foram explicitamente revogadas. Esta circulatura do quadrado será operada por artistas das 236 escolas que se alistaram na experiência pedagógica da “flexibilidade curricular”. E continuou o disfarce com o secretismo que envolve a coisa: os pais não tiveram o direito de saber se a escola onde iriam matricular os filhos estava ou não envolvida na experiência; e agora, depois da lista publicada, não se sabe que turmas virão a estar envolvidas, muito menos os critérios que ditam a escolha; todos os pormenores operacionais pertencem ao obediente e venerador corpo de diretores e aos comissários da modernidade do século XXI, enquanto, como convém, a generalidade dos professores do século XX está de férias. 

Este processo de mudança, recorde-se, estava inicialmente programado para ser imposto a todo o sistema, sem qualquer tipo de testagem. Foram o Presidente da República e o Primeiro-Ministro que travaram essa lógica. Mas a intenção dos promotores subjaz ao disfarce da experimentação. Com efeito, uma experiência séria não se faz com a envolvência de mais de 20% do universo a que, eventualmente, se virá a aplicar o que se testa. Porque torna muito mais complexo o processo de acompanhamento e avaliação, cujo rigor é vital para a tomada da decisão final. Uma experiência séria não assenta na determinação de uma amostra cujo critério único é o voluntarismo das escolas candidatas. Uma experiência séria planeia com tempo e de modo transparente a formação dos agentes envolvidos, a mobilização dos recursos necessários e o desenho da estrutura de monitorização.

Tudo visto, a “experiência” é, antes, uma primeira fase de uma alteração que Marcelo e Costa atrasaram para depois das autárquicas. Trará sobressaltos e instabilidade. E, no fim, a responsabilidade da balbúrdia ficará a débito dos professores do século XX, que alguns dizem avessos à inovação.

Santana Castilho

Fonte: Público

terça-feira, 22 de agosto de 2017

A cadeira de rodas não a define e Catarina prova-o no YouTube

Superar barreiras inesperadas, lutar pela inclusão e levar uma vida normal e ativa. São alguns dos objetivos de Catarina Oliveira, que nos recebe na sua casa em Matosinhos de braços abertos e sorriso estampado na cara. Está atarefada com a preparação das malas para as férias que vai fazer durante duas semanas, mas guardou um tempo para nos contar a sua história e falar do projeto do que tem em mãos — um canal de YouTube em que mostra que estar numa cadeira de rodas não é impedimento para a felicidade. "C Feliz" é a mensagem.

Em dezembro de 2015, numa viagem ao Brasil, Catarina, então com 26 anos, descobriu que tinha uma mielite transversa, uma infeção na espinal medula que impede os sinais cerebrais de chegarem aos membros inferiores, provocando a perda de sensibilidade e movimento das pernas. Foi uma notícia inesperada, como narra em dois vídeos do seu canal. Nada no seu percurso o fazia prever. Começou por sentir "uma ligeira dor nas costas" à qual não deu muita atenção; afinal, como desportista era uma situação normal. Porém, o diagnóstico revelou-se. Seguiram-se longos meses de tratamento, primeiro no Brasil e depois em Portugal, em que houve uma procura constante do "porquê" e do "como" tudo isto tinha acontecido.

Para Catarina, todo o processo foi "uma adaptação ao longo do tempo", pois não houve um momento em que alguém lhe disse que nunca mais voltaria a andar. No início, quando ainda estava no hospital, tinha algum medo de que as pessoas mais próximas a vissem de outra forma por estar numa cadeira de rodas. Chegou mesmo a não querer que as amigas a visitassem. Depois, todos as dúvidas e inseguranças dissiparam-se. "Não tenho ninguém que conheço a quem eu consiga apontar que me tenha tratado de forma diferente depois do que me aconteceu, mas eu tinha esse receio", explica.

Remo, andebol, crossfit e surf

Quando regressou a casa, veio uma nova luta — adaptar o seu quotidiano à nova condição. "Sempre fui uma pessoa muito independente e agora há certas coisas que tenho que fazer com mais paciência", conta (...) a jovem, hoje com 28 anos. Não baixou os braços. Quis recuperar a vida ativa, voltar ao desporto. Sem limites e com toda a normalidade, mesmo que a lesão se tenha estendido até ao tronco, o que provoca falhas no equilíbrio. Além da fisioterapia diária, começou a praticar remo e andebol adaptado, fez crossfit, surfou. Vai ao ginásio com frequência e recusa-se a parar: "Acabo por estar com outras pessoas que estão na minha situação e há coisas que só nós é que compreendemos e falamos". 

Os casos de mielite transversa são muito diferentes entre si e muitas vezes não se sabe quando ou se há possibilidade de voltar a andar. Catarina diz não pensar muito no assunto, mas tem um lema que a motiva: "Todos os dias trabalho para que se um dia o meu corpo volte a funcionar totalmente, ele esteja preparado para voltar a andar". Tem de manter os pés e as articulações móveis e trabalhar a força de tronco. "É preciso manter-me ativa para se um dia isto voltar a funcionar, volte em força", conclui. A nível físico, e não só. Em setembro, depois de ter estado um ano parada, vai retomar os estudos em Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, onde irá frequentar agora o quinto ano. 

A personalidade forte ajuda, e muito. Mas a chave, diz, está no "apoio" que tem ao seu redor. A família e os amigos foram essenciais em todo o processo e um pilar do qual não prescinde. "Há muita gente", diz, "que vejo que está fechada em casa porque não tem o apoio que eu tenho, de amigos, que estão sempre prontos a fazer alguma coisa".

A mensagem? "C Feliz" 

Foi precisamente no círculo de amigos de Catarina que surgiu a ideia de falar com outras pessoas, de explicar como se adapta e lida com determinadas situações no dia-a-dia. A hipótese nunca lhe tinha "passado pela cabeça", mas depois de muita insistência decidiu embarcar na aventura de criar um canal no YouTube, que já contabiliza quase 300 subscritores. 

Pediu ajuda a uma amiga para criar a imagem do projeto e, em junho, nasceu o C Feliz. Escreve-se com C de Catarina, lê-se com o "sê" de ser feliz. Lá está a sua história, relatos do seu quotidiano, de situações que tem de enfrentar. Objetivo, expresso na descrição do canal: "Mostrar como, apesar de qualquer coisa, a nossa força está precisamente dentro de nós e a nossa vontade de ser feliz tem sempre que prevalecer".

Os vídeos têm chegado a mais pessoas do que esperava. "Tive muita gente que não me conhecia e que se identificou comigo, quer pessoas na minha situação, quer pessoas que não estavam na minha situação", relata. "E isso é espectacular, ouvir as histórias das outras pessoas, dizerem que já lhes aconteceu, agradecerem por ter chamado a atenção por alguma coisa, é muito fixe."

Catarina explica que o canal também é uma forma de chamar à atenção para os problemas de inclusão e de acessibilidade que vive diariamente. Querer fazer uma vida normal em alguns locais é complicado, pois "quase nada está adaptado" e há muitas barreiras arquitetónicas a superar. Na Baixa do Porto, por exemplo, poucas são as casas de banho adaptadas que existem nos bares ou em cafés, tornando-se difícil para quem está numa cadeira de rodas ir sozinho aos vários espaços. "Acabo por ter que pedir ajuda de alguma forma."

Por isso, sempre que pode, envolve-se na discussão cívica e tenta quebrar barreiras. Dá "exemplos práticos" do que precisa de ser adaptado para, no futuro, poder ter uma vida independente como sempre teve. Também a diferença com que por vezes é tratada é algo que gostaria de mudar. "Há muita gente que olha para mim e só consegue ver a cadeira, e eu quero que as pessoas percebam que sou mais do que isso", explica. A mensagem é simples: "Todos nós temos problemas, só que o meu é visível".

Em 90% do tempo, Catarina não pensa na sua condição. Percebeu que "não tem mal pedir ajuda" sempre que precisa. Nem sempre é fácil, mas foi aprendendo a fazê-lo: "Só às vezes quando quero fazer uma coisa e demoro mais, fico assim mais irritada, mais sem paciência. O pedir ajuda, o dar valor às coisas mais simples, ser mais tranquila e mais relaxada são essenciais".

Este capítulo fez-lhe perceber que o ser humano tem uma grande capacidade de se reinventar e adaptar face às adversidades que surgem. "Está tudo", ressalva, "na nossa cabeça e na confiança que passamos aos outros". Não ter um braço, não ter uma perna, ter qualquer problema visível faz com que as pessoas olhem, sim. "Mas depois conhecem-te e percebem que és uma pessoa exatamente igual a ela ou, se calhar, até mais resolvida e realizada do que ela". No final, há uma certeza que Catarina não larga: "Não me deixo parar pela minha condição".

Fonte: P3 do Público

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Projeto promove a contratação de pessoas com deficiência

A Fundação AFID Diferença, que apoia jovens com deficiência, crianças e idosos no concelho da Amadora, e a Aproximar são os parceiros nacionais no projeto europeu DESIGN – Disabled Employability Signaling -, um projeto que promove a contratação de pessoas com deficiência.

O projeto DESIGN Programa Erasmus+ da União Europeia, que terá a duração de três anos, tem como fim último capacitar serviços de orientação e aconselhamento profissional para colocação no mercado de trabalho normal de pessoas com deficiência quebrando ciclos discriminatórios e preconceitos que as pessoas com deficiência enfrentam.

Para Domingos Rosa, Presidente do Conselho Executivo da Fundação AFID Diferença, “é um dos eixos onde a AFID assenta e é com orgulho que juntamos à nossa experiência vários casos de sucesso de empresas que contratam pessoas com deficiência. Achamos que esta iniciativa, graças aos parceiros que tem e ao nível de conhecimento que trazem, é um grande passo para todos,” conclui.

Além da AFID e da Aproximar, juntam-se às parcerias da DESIGN, a AFEJI e a ANDICAT – Association Nationale des Directeurs et Caders D’ESAT (França), KFA – Hand in Hand Foundation (Hungria), ASSOC- Asociatia Profesionala Neguvernamentala de Asistenta Sociala e a EaSI – European Association for Social Innovation (Roménia) que trazem ao projeto a experiência em trabalho social, formação, aconselhamento e recrutamento.

A AERID – Associação Educar, Reabilitar e Incluir Diferenças e a EDP – Energias Portugal são os parceiros associados.

Fonte: Boas Notícias por indicação de Livresco

domingo, 20 de agosto de 2017

AINDA A PRESTAÇÃO SOCIAL PARA A INCLUSÃO


Porque as dúvidas são muitas e este documento é de muito mais fácil leitura que os documentos que o governo fez sobre o assunto, aqui fica para consulta.

Nova Prestação Social para a Inclusão apoia pessoas com deficiência

A nova Prestação Social para a Inclusão (PSI), que resulta da reorganização em curso do Sistema de Segurança Social, irá conceder proteção social continua ao longo da vida, desde que se deteta a condição de deficiência ou incapacidade. O objetivo é simplificar a relação com os beneficiários, adequar os benefícios sociais à realidade e tornar os apoios mais eficazes.

Uma das inovações que deverá simplificar o sistema é o alinhamento do conceito de deficiência inerente à elegibilidade para a prestação e do respetivo procedimento de certificação, com outras áreas sectoriais: sistema fiscal, da saúde, da segurança social, do mercado de trabalho, dos transportes, entre outros. Para todos os casos, a proteção social será atribuída às pessoas com deficiência em função do grau de incapacidade, certificado por atestado multiusos de incapacidade, atribuído por junta médica.

A entrega do requerimento único para acesso à prestação só começará quando a medida estiver totalmente implementada, previsivelmente em 2019.

O documento com a proposta para a PSI foi alvo de audição pública, que terminou hoje, 17 de março. Seguem-se sessões públicas de esclarecimento pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), em Lisboa, a 20 de março, Coimbra e Porto a 24 de março.

Prestação Social para a Inclusão

A Prestação Social para a Inclusão é uma prestação em dinheiro, de €260, paga mensalmente (12 mese) a pessoas com deficiência ou incapacidade, para compensar os encargos acrescidos por via da deficiência e apoiar as pessoas com deficiência/ incapacidade em situação de pobreza.

Destina-se a pessoas:

    com 18 ou mais anos, com deficiência ou incapacidade permanente, congénita ou adquirida antes dos 55 anos, certificada por atestado médico de incapacidade multiuso com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%;
    a partir dos 55 anos e inferior à idade normal de reforma (atualmente 66 anos e 3 meses), desde que a sua incapacidade tenha sido certificada antes dos 55 anos, através de atestado médico de incapacidade multiuso.

O acesso à prestação é independente da situação familiar, pelo que apenas são considerados os rendimentos da pessoa com deficiência, sem influência do estado civil possa ter no acesso ao apoio.

A nova PSI vai englobar:
- beneficiários atuais do Subsídio Mensal Vitalício;
- beneficiários atuais da Pensão Social de Invalidez;
- estender a cobertura de proteção social a novos beneficiários.

O Subsídios Mensal Vitalício e a Pensão Social de Invalidez vão ser extintos.

A PSI tem três componentes:

Componente Base: está associada à compensação de encargos não específicos que derivam da condição de pessoa com deficiência ou incapacidade.

Para graus mais elevados de incapacidade é assegurado o direito à totalidade da componente Base, independentemente do nível de rendimentos:
- incapacidade igual ou superior a 80%, certificada através de atestado médico de incapacidade multiuso;
- idade a partir dos 18 anos e inferior a 55 anos; ou
- pessoas com idade entre os 55 e a idade normal de reforma e atestado médico de incapacidade multiuso obtido antes dos 55 anos.

Para graus de incapacidade iguais ou superiores a 60% e inferiores a 80%: a componente Base pode ser acumulada com rendimentos da pessoa com deficiência ou incapacidade, sendo a sua modelação mais favorável na acumulação com rendimento de atividade profissional.

Complemento: está associada ao combate à pobreza da pessoa com deficiência ou incapacidade. Tem em consideração os recursos familiares, mas simultaneamente incorpora mecanismos de promoção da participação laboral, e de diferenciação em função das necessidades das pessoas com deficiência ou incapacidade.
Majoração: traduz-se no apoio à pessoa com deficiência ou incapacidade na compensação de encargos específicos efetivamente comprovados em domínios específicos. Esta componente está atualmente em desenvolvimento, procurando-se simplificar o processo de compensação por encargos específicos efetivamente realizados.

Montantes de referência da PSI

Componente Base

A componente Base tem um valor de referência de 260 euros por mês, pagos em 12 meses, num máximo de € 3.120 por ano. Mas nem todos poderão recebê-la por inteiro. Assim, estão previstos limiares de acumulação com rendimentos de trabalho e com rendimentos provenientes de outras fontes de rendimento, nomeadamente, outras prestações sociais.

Os limites de acumulação da componente Base com rendimentos do trabalho tem por base o valor da Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG), atualmente de €557 e o nível de rendimentos acima do qual há lugar a incidência fiscal em sede de IRS (€8.500). Para valores mais baixos de rendimento de trabalho, há apoio por parte da nova prestação social e, para rendimentos mais elevados, a pessoa com deficiência usufrui do apoio dos benefícios fiscais.

Situações de acesso à componente Base por inteiro:


Fonte: Recebido por correio eletrónico

sábado, 19 de agosto de 2017

"A inclusão está morta: longa vida inclusão"

O texto que se segue, em inglês, é uma recensão elaborada pelo Prof. Doutor James M. Kauffman (docente emérito da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos da América) do livro "Inclusion is dead: long live inclusion" dos autores Peter Imray e Andrew Colley.
No momento em que se encontra em debate a revisão do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, este livro, com título polémico, pode levar a uma análise e uma reflexão mais profundas. Para não deturpar o conteúdo e porque o nível de proficiência em língua inglesa é reduzido, mantém-se o texto na língua original.

This is a very powerful little book (just 102 pages of well-crafted, pointed text, followed by references and both author and subject indexes). The authors are English and write from the perspective of the British education system. But they speak to issues of concern in the USA and around the world, particularly given the United Nations’ Conventions on the Rights of Persons with Disabilities (CRPD). The CRPD’s Article 24 regarding education backs the idea of full inclusion, an idea (or romantic ideal) particularly troubling for all the world’s nations (Anastasiou 
et al.
 in press).
Social context is important in considering the worth of a book, and the context of Inclusion is Dead is extremely relevant to its value. The authors describe the context succinctly in their first chapter, ‘Setting the Scene.’ The context is an era in which, as the authors note in their opening paragraph, ‘Inclusion has become a recurring trope of academic writing on education; it is trotted out as an eternal and unarguable truth, but it is neither’ (p. 1). Imray and Colley say of inclusion, ‘It doesn’t work, and it never has worked’ (p. 1). But the social context is one in which scholars in many nations of the world are saying that full inclusion in education not only does work but is the wave of the future and a moral obligation.
Some special educators have even claimed that the priority of special education should be place, not instruction. For decades, some of the most extreme advocates of inclusion have been arguing (with comparison here to the law known as ‘Obama Care’) repeal now, worry about replacement later — first, eliminate all ‘segregated’ special education (i.e. classes and schools dedicated to the education of those with disabilities). Also, assume that general education is the least restrictive environment for all students. Then figure out how to make appropriate instruction a reality for all in that single kind of place, general education, regular classroom. The illogic and cruelty of that approach to the education of children with disabilities mimics those of the health care fantasies described by fanatics opposed to ‘Obama Care’ and willing to deny health care to millions until it is replaced, even if the replacement still leaves millions uninsured.
The authors write as practitioners who are also scholars. They both teach and think clearly about what and whom they are teaching. Peter Imray is a freelance trainer, advisor, and writer in special education. Andrew Colley is Senior Lecturer in special education at the University of East London. They are not dilettantes, but experienced teachers and trainers who know whereof they speak. They have worked directly with the students they write about in schools and communities in the United Kingdom (UK). Their primary topic is inclusion of students categorized in the UK as those with severe learning difficulties (SLD) and profound and multiple learning difficulties (PMLD), both of which they define quite clearly in Chapter 4. In the USA, these students would likely be among those with intellectual disabilities or multiple and severe disabilities, particularly the students who need intensive supports due to marked problems in communication, self-care, literacy, and numeracy.
Imray and Colley have separate chapters devoted to four imperatives: pedagogical, curriculum, capabilities, and social. Each deserves separate treatment because each gets to the nitty-gritty treatment and reveals the folly of full inclusion in education as that term is understood. The book contains many noteworthy statements, and it is impossible to capture them all. A few will give the reader of this review the flavor of the book.
In their chapter on the pedagogical imperative, they expose the ridiculousness of supposing that ‘all means all’ when it comes to teaching students with SLD and PMLD to the level expected of normal students, even with the much-vaunted universal design for learning (UDL). ‘What is disputed is the right to the same education, because it doesn’t make sense, any more than the right to the same education makes sense for 3-year olds, 13-year olds, and 23-year olds’ (p. 52).
[A person] may not like ‘deterministic beliefs’ but the [evidence] is very, very clear: children on the PMLD and SLD spectrums do not even reach the beginnings of the curriculum, never mind succeed within it. Denial of a fact does not alter the fact. (p. 53)
‘… not liking mathematical truths — there is a norm and there is a bell curve which indicates the broad parameters of that norm — does not alter the mathematical fact of the norm. … “special” is not normal’ (p. 53).
The chapter on the curriculum imperative tackles the inanity of the idea that what is important for one student to learn is important for all students to learn, including those with severe intellectual difficulties or severe and multiple disabilities. Imray and Collie show, with considerable patience, how the assumption of full inclusion denies individuals with SLD and PMLD opportunities to learn what is important for them by diverting attention to a standard curriculum designed, supposedly, for all children. The result for the children about whom they write is curriculum content that is completely cockeyed or totally irrelevant to their needs.
Capabilities and the imperative related thereto are based on what an individual can do. The idea of the capabilities imperative is to help each person become the best he or she can be at doing what is possible for him or her. The authors’ treatment of this topic of capabilities is particularly revealing of their concern for listening to those with SLD and PMLD. It suggests additional cautions about denying individuals their own voice (e.g. Travers et al2014). ‘When considerations of care, ethics, autonomy, and agency are … directly inter-related…, issues of ‘voicelessness’… may lead us to substitute our voice for theirs because judgements on whether self-determination is possible are so difficult’ (pp. 78–79). The authors urge us to pay attention to what students tell us by their behavior, not just through their words. In this chapter, the authors risk going off the rails by failing to consider clearly the relatively miniscule proportion of the population (even of students with SLD or PMLD) who persistently refuse to engage in any productive activity whatever and/or engage in persistent self-injury. But their message of granting the maximum choice, agency, and voice possible and listening to what students tell us with their behavior is welcome. Besides, no book can address every issue.
In their chapter on the social imperative Imray and Colley make a strong case for social inclusion, for valuing individuals with disabilities and including them in our communities. This is a good chapter, but I wish the authors had discussed in greater detail the social roles for which persons with particular types of disabilities may not be qualified. For example, I think relatively few people would question that mental disabilities of certain sorts should disqualify an individual from holding a particular position or being a political leader and that physical disabilities of certain types should disqualify a person from serving as a police officer or serving in the armed forces. Nevertheless, much in this chapter of great value. Again, no book can address everything.
Holding the concept of partial inclusion in general education — a range or continuum of alternative placements, not full inclusion or general education only — is in some respects difficult. Arguing that social inclusion should be a reality outside of schools, but that schools are not and should not be the tool for such social change, is difficult. Imray and Colley express the concept and argue the case extremely well.
Imray and Colley obviously support reasonable educational inclusion, but they want the special education of individuals with disabilities to be taken seriously — to be more than a cosmetic, pretense of appropriate instruction, teaching that is special in the way it encourages students with even the most limiting disabilities to do their best and prepares them for life after school. The authors understand why this simply cannot be done as part of the general education of children with normal or advanced abilities, and they understand why expecting general education teachers to meet the educational needs of literally all students in a catchment area is abusive of teachers. They seem to intuit the fact that extreme proponents of inclusion can become and perhaps have become their own worst enemies (see Kauffman et alin press). If inclusion is dead, it may well be responsible for its own death.
The authors mention that the extraordinary abilities of a few teachers to deal with extreme diversity of abilities does not mean that most teachers can do this. They understand that because one student can do something is no reason to believe that all or most students can, and they understand as well that just because one teacher can do something doesn’t mean that most or all can do the same. The reality is that the statistical distribution of teaching abilities, like the distribution of learning abilities, approximates a normal curve. That blunt reality may not be part of the consideration of education reformers.
Imray and Colley end their fine little book with a gem of a paragraph:
We have suggested that inclusion is dead, but we hope also that this book has pointed towards a new beginning: we want inclusion to redefine itself as a living, breathing thing with real value and real purpose. Not just educational inclusion, but real and meaningful social inclusion, not only for those with SLD and PMLD but maybe also for many, many more for whom the current education system is no longer fit for purpose. Long live inclusion! (p. 102)
Fortunately, the American Individuals with Disabilities Education Act, since its inception in the 1970s, has provided a legal framework for achieving Imray and Colley’s goal. The notion of least restrictive environment (LRE), though long resisted by many of the most extreme advocates of full inclusion (e.g. Laski 1991), provides the idea for real value and real purpose of inclusion — putting appropriate instruction first and letting educators use their judgment in deciding where on a continuum of alternative placements that instruction can be most effectively provided (see Bateman 2007, Martin 2013, Yell et al2017). Full inclusion is not only dead conceptually but illegal in the USA under current law. Unfortunately, full inclusion is nonetheless proposed by some (e.g. Sailor 2009, Sailor and McCart 2014) and, ironically, supported by the Office of Special Education Programs of the U S Department of Education (see Kauffman and Badar 2016, SWIFT Schools 2017). Inclusion is alive, but partial, rational inclusion is not exactly well. Full inclusion is an illness threatening the wellness of its more limited version, by analogy a sort of autoimmune system gone haywire.
Many books currently on the market are either totally devoted to the matter of inclusion or give inclusion much attention. Most of them are well worth reading. If reading were to be narrowed to a single book, this is the one I would recommend. It is not only short but written with wisdom and heart.
James M. Kauffman
Professor Emeritus, University of Virginia, USA