terça-feira, 31 de agosto de 2010

SNS quer vender cuidados a doentes raros da UE


A criação do primeiro centro é esperada em 2011. Além de tratarem continuamente os doentes portugueses, os centros podem atrair outros países, se forem reconhecidos.
O Ministério da Saúde quer cativar pessoas com doenças raras de outros países europeus, tirando partido do investimento que será feito nos centros de referência. José Robalo, subdirector-geral da Saúde, disse que assim que houver centros de referência reconhecidos, será possível "vender cuidados de saúde", o que significa que todos os custos podem ser vistos como um investimento.
Actualmente ainda não há centros reconhecidos pela Direcção-Geral da Saúde, porque a proposta relativa aos critérios dos centros ainda não foi aprovada pela tutela. José Robalo espera que "pelo menos em 2011 já haja um centro de referência em Portugal. Não podemos ficar para trás. Só conseguiremos cativar doentes quando os cuidados forem reconhecidos. Precisamos de reconhecimento externo da nossa especialização para captar doentes", avança.
Já há países que têm centros especializados em determinadas doenças, nomeadamente Espanha. E o objectivo é que haja uma ligação entre os centros europeus, já que é importante que cada unidade consiga agregar um conjunto mais significativo de doentes com o mesmo problema para tratar os doentes com qualidade.
O responsável admite que "não seja necessário haver muitos centros. Até poderíamos só precisar de dois ou três muito bons". Em todo o caso, os que se quiserem candidatar terão de dar resposta a um conjunto de doenças, como as metabólicas. "Não faz sentido tratar doenças individuais, porque são raras." Recorde-se que há cerca de cinco a oito mil patologias raras, assim designadas porque afectam menos de uma pessoa por 10 mil habitantes. Somadas, porém, calcula-se que afectem entre 600 a 800 mil portugueses no total. Exemplos de doenças são a acromegalia, hemofilia, autismo, Cornelia de Lange, entre outras.
Os primeiros centros a serem criados "serão certamente os que já seguem muitos doentes. É evidente que estes serão os primeiros a concorrer", diz José Robalo.
No entanto, a DGS pretende deixar o processo de candidaturas em aberto. "Esperamos primeiro por candidaturas a centros. Posteriormente investiremos em áreas não procuradas, mas que sejam importantes", avança. Além da especia-lização, número de casos e recursos, "a opinião dos doentes também será um critério para aprovar estes centros".
Há mais de um ano e meio que se aguarda pelo cartão do doente raro, um documento que irá ajudar a encaminhar estes doentes para os locais mais indicados e a facultar os tratamentos necessários. José Robalo diz que esta medida também está à espera do aval da ministra da Saúde, Ana Jorge.
O responsável refere que ainda não há consenso sobre as doenças a incluir, "processo que deverá ser entregue ao departamento da qualidade em saúde da DGS". Ainda está também em discussão se o cartão terá ou não chip, porque está por definir a complexidade dos dados a incluir. "Se forem só informações simples o processo será mais rápido, porque não vai precisar de chip", remata.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Perfis de funcionalidade dos alunos considerados elegíveis e não elegíveis para os serviços de educação especial


A síntese da apresentação dos resultados da avaliação externa da implementação do Decreto-Lei n.º 3/2008, apresentada no Centro Cultural de Belém, a 2 de Julho de 2010, procura clarificar e esclarecer a aplicação dos procedimentos relativamente aos perfis de funcionalidade dos alunos considerados elegíveis e não elegíveis para os serviços de educação especial. Consideramos esta questão importantíssima na medida em que perante a mesma situação, várias equipas de avaliação poderão apresentar e propor conclusões díspares, como já verificou e alertou Luís de Miranda Correia (ver entrevista aqui) acerca da aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF).
Dada a importância desta temática, passamos a transcrever o conteúdo do documento, compreendido entre as páginas 6 e 8, com algumas adaptações.

Assim, no que concerne à identificação de diferenças significativas entre os perfis de funcionalidade dos alunos considerados elegíveis e não elegíveis para os serviços de educação especial, usando o teste t para amostras independentes, verificamos que estes não se diferenciam pelo número de categorias utilizadas, mas sim pela severidade dos qualificadores utilizados nos seus perfis de funcionalidade, nomeadamente ao nível das Actividades e Participação e das Funções do Corpo.
No estudo efectuado, conforme se constata na Tabela 2 (ver na página 7do documento), no perfil dos alunos elegíveis 83% dos qualificadores usados na descrição das deficiências ao nível das Funções do Corpo situam-se entre o moderado e o severo enquanto no perfil dos alunos não elegíveis a mesma percentagem está situada entre o ligeiro e o moderado. No que respeita às limitações/ restrições experienciadas ao nível da actividade e participação, cerca de 80% dos qualificadores usados nos perfis dos alunos considerados elegíveis sediam-se no moderado e no severo enquanto no perfil dos alunos não elegíveis cerca de 85% estão localizados no ligeiro e moderado.

Tendo por base o método de resolução de problemas aplicado ao perfil de funcionalidade, nos quadros 1 e 2 apresentamos uma descrição dos perfis de funcionalidade padrão dos alunos actualmente considerados elegíveis e não elegíveis para os serviços da educação especial. Os perfis apresentados encontram-se fundados no número médio de categorias de funcionalidade usadas em ambos os grupos, nas categorias de funcionalidade mais frequentemente usadas e na severidade média constante em cada categoria.

Quadro 1. Perfil de funcionalidade dos alunos considerados elegíveis para os serviços de Educação Especial

Principal Problema
Explicação do Problema

Actividade & Participação
Aluno com restrições na participação educacional, manifestadas em:
Dificuldades no concentrar (d160.3) e dirigir a atenção (d161.3); dificuldades em encontrar soluções para os problemas (d175.3) e em compreender e usar conceitos (d137.3).
Manifesta limitações em comunicar e receber mensagens orais (d310.3) que se reflecte em restrições na manutenção de conversações (d350.3).
A formulação e ordenação de ideias, conceitos e imagens (pensar – d163.3) encontra-se também condicionada, assim como o seu desempenho em actividades de escrita (d145.3; d170.3), de leitura (d166.2), de cálculo (d150.3; d172.3) e na realização de tarefas (d210.3).

Funções do Corpo
Estas dificuldades parecem resultar de alterações sediadas no domínio das funções mentais, particularmente ao nível das:
Funções da atenção (b140.3), memória (b144.3), intelectuais (b117.3), da linguagem (b167.3), das funções cognitivas de nível superior (b164.3 – p.e. abstracção e resolução de problemas), nas funções psicomotoras (b147.3) e na percepção (b156.3).

Factores Ambientais
A sua participação tem influência de facilitadores como:
Apoio da família próxima (e310+3), dos professores (e330+3) e dos pares (e325+2).
As atitudes da família (e410+3) e o uso de produtos e métodos na educação (e130+3) surgem também como facilitadores.


Quadro 2. Perfil de funcionalidade dos alunos considerados não elegíveis para os serviços de Educação Especial

Principal Problema

Explicação do Problema
Actividade & Participação
Aluno com restrições na participação educacional, materializadas por:
Dificuldades em ler (d166.2), escrever (d170.2), no concentrar a atenção (d160.2) e calcular (d172.2); dificuldades em encontrar soluções para os problemas (d175.2) e em formular e ordenar ideias, conceitos e imagens (pensar – d163.2).
Manifesta dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita (d140.2; d145.2) e em comunicar e receber mensagens escritas (d325.2). Na gestão do comportamento apresenta, também, dificuldades (d250.2).

Funções do Corpo
Estas dificuldades parecem resultar de alterações sediadas no domínio das funções mentais, particularmente ao nível das:
Funções da atenção (b140.2), da linguagem (b167.2), da memória (b144.2), das funções cognitivas de nível superior (b164.2 – p.e. abstracção e resolução de problemas), nas funções de temperamento e personalidade (b126.2) e funções emocionais (b152.2).

Factores Ambientais
A sua participação tem influência de facilitadores como:
Apoio da família próxima (e310+3), dos professores (e330+3).
As atitudes da família (e410+3) e as atitudes dos pares (e425+2) surgem também como facilitadores.



II Congresso Ibérico de Educação Especial

A Santa Casa da Misericórdia do Porto, em parceria com a Delegação Regional do Norte do Instituto do Emprego e Formação Profissional e a Direcção Regional de Educação do Norte, vai realizar nos dias 1 e 2 de Outubro 2010, no Auditório da Universidade Lusíada do Porto, o II Congresso Ibérico de Educação Especial, com o tema inclusão para o trabalho.
Este Congresso tem como objectivos:
  • Conhecer as melhores ideias e experiências que têm sido apresentadas sobre a temática da Educação Especial e a formação prática dos futuros profissionais formados nesta área nas Universidades Ibéricas.
  • Continuar a discussão sobre os fundamentos da Educação Especial à luz das novas políticas.
  • Conhecer as experiências e inovações que se têm colocado em marcha nas diversas Universidades Ibéricas através dos participantes que têm tratado este tema.
  • Partilhar planos e experiências sobre a Inclusão desenvolvidas em Espanha e em Portugal.
A ficha de inscrição e o programa podem ser consultados em:www.scmp.pt.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

"Tinha 12 anos e queria fugir do país, por não poder requisitar livros"

O fenómeno da sobredotação permanece envolto em vários mitos. Cristina Palhares, presidente da delegação de Braga da Associação Nacional para o Estudo e a Intervenção na Sobredotação, faz uma síntese das características do sobredotado e dos recursos legais a que pais e professores podem recorrer para lidar com esta problemática.
Só uma avaliação especializada pode dar a conhecer o perfil do sobredotado. Até porque, existem seis tipos distintos de sobredotação: académica, mecânica, artística, motora, social, emocional e intelectual. Mas para uma criança ser considerada um prodígio não basta ser excelente numa área, é preciso juntar à inteligência a motivação e a criatividade. Aos pais que suspeitem ter em casa um pequeno génio, Cristina Palhares recomenda atenção a dois sinais: "Ao desenvolvimento [precoce] da linguagem e ao interesse ou curiosidade por alguma área, muito específica." Já que "o desenvolvimento da linguagem está muito associado ao da inteligência e, normalmente, uma criança sobredotada foi precoce em termos linguísticos", explica a presidente da delegação de Braga da Associação Nacional para o Estudo e a Intervenção na Sobredotação (ANEIS). 

Ser sobredotado nem sempre é sinónimo de ter sucesso escolar. "Normalmente, na sobredotação intelectual ou o professor consegue entender e captar a atenção do aluno ou ele desacredita da escola", avisa Cristina Palhares. Este é o terreno onde se insere o trabalho realizado pela ANEIS. A funcionar com nove delegações de Norte a Sul, a associação move-se há mais de dez anos para dar resposta às preocupações dos pais e aos interesses das crianças sobredotadas. Através do acompanhamento escolar e da promoção de programas de enriquecimento extra-escolares que permitem ao sobredotado ampliar os conhecimentos nos seus interesses específicos. É precisamente pela criação de medidas educativas específicas para estes alunos que se bate a ANEIS. Desde logo, para que os sobredotados sejam considerados crianças com necessidades educativas especiais, tal como acontece em outros países. Em entrevista ao EDUCARE.PT, Cristina Palhares, também coordenadora da revista "Sobredotação", partilha a sua experiência nesta área, falando de alguns casos sinalizados pelos profissionais da ANEIS.

EDUCARE.PT (E): O que é a sobredotação?
Cristina Palhares (CP): A definição internacional pertence ao professor Renzulli e diz que a sobredotação resulta da confluência de três anéis. Tem de haver uma excelência na área das habilidades do ser humano, sejam elas motoras, linguísticas ou matemáticas. À qual se acresce o domínio da criatividade e a motivação, ou seja, o empenho na execução da tarefa. Portanto, estas três características têm de estar presentes no sujeito sobredotado. 

"Uma criança que hoje é precoce na linguagem, amanhã pode não ser sobredotada."

E: Como se quantifica essa "excelência"?
CP: Através de avaliações especializadas que nos dão um perfil completo do sujeito. Não se avalia apenas a sua área de excelência, mas também os seus pontos fracos. 

E: A que sinais devem os pais estar atentos para perceber se os seus filhos são sobredotados?
CP: Devem estar atentos a dois sinais: ao desenvolvimento da linguagem e ao interesse ou curiosidade por alguma área, muito específica. O desenvolvimento da linguagem está muito associado ao da inteligência e, normalmente, uma criança sobredotada foi precoce em termos linguísticos, mas o oposto nem sempre é verdade. Uma criança que hoje é precoce na linguagem, amanhã pode não ser sobredotada. O interesse por uma determinada área também nasce muito cedo. Há casos de crianças sobredotadas que adoram tudo o que é bichos, natureza...

E: Um interesse obsessivo?
CP: Pode-se dizer que sim. Quase obsessivo. É querer saber mesmo tudo sobre uma área e fazê-lo de forma autónoma. Assim como a aprendizagem da leitura e da escrita, quando acontece por volta dos quatro ou cinco anos de uma forma autónoma, sem ser formalmente ensinada, pode ser já um índice de inteligência. Portanto, é importante que os pais estejam atentos a este tipo de sinais.

E: Uma vez feita esta primeira sinalização, o que devem fazer os pais?
CP: Falar com educadores ou professores, e com os pediatras. Mas essencialmente devem procurar apoio especializado na área da psicologia para fazer uma avaliação do desenvolvimento da inteligência da criança e traçar o seu perfil completo, de que falava há pouco. 

E: Nesse processo, onde se situa o trabalho desenvolvido pela ANEIS?
CP: Na associação temos profissionais na área da psicologia que fazem essa avaliação tendo já em conta todos os factores importantes na caracterização da sobredotação. Uma vez que, tal como os diferentes tipos de inteligência, também existem vários tipos de sobredotação. 

E: Pode dar exemplos dessa tipologia?
CP: Existem seis tipos de sobredotação: académica, mecânica, artística, motora, sócia, emocional e intelectual. A académica, diz respeito aquele aluno que tira sempre muito boas notas, tem um pensamento convergente, pelo que, normalmente, a escola integra melhor. A mecânica insere-se no manuseamento de equipamentos, electrónica e computadores. A artística, por exemplo, reflecte-se nas áreas da pintura ou da música. E a motora, revela-se ao nível do desempenho desportivo. A social diz respeito às habilidades comunicacionais e de relacionamento. A emocional manifesta-se na auto-regulação. Por último, a sobredotação intelectual diz respeito aquele aluno que nunca vai pelo caminho por onde o professor quer ir, que ora está adiantado ora fora da matéria, e faz sempre a pergunta na hora errada. Este é o tipo de sobredotado que mais problemas coloca à escola, porque não segue padrões, tem um pensamento divergente, podendo até ter insucesso. Normalmente, na sobredotação intelectual ou o professor consegue entender e captar a atenção do aluno ou ele desacredita da escola. 

"Percepcionam bem os adultos e com seis anos são capazes, por exemplo, de dizer que o professor está triste."

E: Na sala de aula, como pode o professor distinguir uma criança sobredotada?
CP: Será uma criança que apresenta um fácil entendimento das matérias e que com seis ou sete anos quer muito aprender. Estará sempre com o dedo no ar. Mas que também se mostrará aborrecida, caso o professor tenha de explicar uma segunda ou terceira vez à turma, porque ela já percebeu à primeira. Normalmente, a curiosidade e a persistência são duas características das crianças sobredotadas. Muitas vezes, o professor corta o fio à meada em situação de aula porque há um horário para cumprir, mas estas crianças precisam de tempo para levar com êxito as suas tarefas até ao fim. 

São também crianças que percepcionam bem os adultos e com seis anos são capazes, por exemplo, de dizer que o professor está triste. Ou crianças que, mais cedo do que o normal, por exemplo, ouvindo falar em guerra, manifestam muitas preocupações, chegando até a ser fóbicas. Mas o que mais distingue uma criança sobredotada é a singularidade dos seus interesses. Outro exemplo: na ANEIS, tivemos uma criança com dez anos que queria aprofundar tudo sobre bactérias, mostrando um interesse que nenhuma criança na idade dela teria.

E: A sobredotação é considerada uma necessidade educativa especial?
CP: Em Portugal não, infelizmente. Noutros países europeus já é. Em Espanha, há financiamento estatal para a criação de equipas de apoio aos sobredotados no âmbito das necessidades educativas especiais (NEE) nas escolas. E é isso que a ANEIS pretende: que os sobredotados sejam considerados crianças com NEE. Nesse sentido, há alguma legislação que pode ser usada, embora não seja propriamente dirigida à sobredotação. 

Nas escolas, os professores podem utilizar os planos de desenvolvimento [Decreto-lei 50/ 2005] como instrumento para aplicar a crianças com características de sobredotação. Há também a possibilidade de fazer antecipação e aceleração escolar. No total, entrando a criança com cinco anos na escola e fazendo as duas acelerações [uma no 1º ciclo, outra entre o 5º e o 9º ano] chegará ao 9º ano três anos antes da idade habitual, ou seja, entre os 12 e 13 anos. Este é o máximo de aceleração permitido legalmente. Mas há países onde não existe limite.

E: Como assim?
CP: Os alunos podem progredir conforme quiserem. Há países que têm uma legislação mais livre no que toca a esta matéria. E mais de acordo com as necessidades educativas da criança sobredotada ao invés de atender exclusivamente ao rigor das idades. Mas em Portugal, e até ao 9º ano, já temos medidas suficientes a esse nível. Também há sempre a hipótese de se expor o caso individual do aluno ao Ministério da Educação e conseguir uma excepção à regra. Tem de haver maleabilidade nesta matéria, se não... Imagine-se uma criança que entra para o 1º ano com cinco anos já a saber ler e escrever, o que vai fazer um ano inteiro a juntar letras? 

E: Vai desmotivar.
CP: Vai fazer com que a escola não lhe sirva para nada e a própria criança vai sentir isso. Muitas vezes chegam à ANEIS casos de alunos a dizer: "Eu não aprendo nada na escola." Costumo falar no desafio de Aristóteles que dizia que só aprendemos quando nos espantamos, para mostrar que essa criança não se vai espantar com a escola. Ou seja: vai passar um ano inteiro sem dizer: Ah! Nunca vai ser espantada com uma coisa nova. Portanto, a escola vai ser para ela um martírio, nos primeiros tempos inconsciente, mas depois surgem as fobias, dores de barriga... Há crianças sobredotadas que desenvolvem altos índices de ansiedade por passarem horas a fio na escola sem estarem cognitivamente a aprender. 

"Ainda há muitos mitos a desfazer."

E: Ao contrário do que possa parecer, um sobredotado pode ter insucesso na escola?
CP: Sim. E pode ter dificuldades de aprendizagem também, muitas vezes quando há esse desinvestimento. Dos 50 sobredotados a que a ANEIS presta apoio directo, temos três casos de insucesso escolar, no 7º e 8º ano, em situações de reprovação a todas as disciplinas. Porque a escola não lhes diz nada e eles não querem estudar. Uma criança que tenha altos níveis de desempenho, ao nível do raciocínio, pode não estar minimamente interessada nas matérias leccionadas na escola. Mas se for um projecto dele, alguma coisa que queira descobrir, vai colocar nessa tarefa todo o seu empenho. 

E: Poderá haver casos de insucesso na escola a encobrir uma sobredotação?
CP: Será uma minoria, mas pode acontecer. Normalmente, são aqueles casos em que o professor se queixa que o aluno "podia mas não quer". E no que toca aos sobredotados, com insucesso escolar esta ideia é falsa. A criança não quer chumbar, nem quer estar desmotivada, nem quer passar horas encostada na sua cadeira, quer é outra coisa que a escola ainda não entendeu.

E: Em que ponto está a investigação e a divulgação sobre o que é a sobredotação?
CP: Ainda há muitos mitos a desfazer. Como o de que a sobredotação é inata ou puramente social, ou seja, treinada. Neste momento sabemos que é um misto dos dois. Aliás não adianta ser inato se depois não se treina. Por outro lado, não é possível "fazer" crianças sobredotadas, apenas treinar. E isto vê-se nos grandes jogadores de futebol, nos grandes pianistas e nos grandes bailarinos. Outro mito é o de que a criança sobredotada já não precisa de saber mais, porque já sabe tudo. Isto é errado. O sobredotado precisa sempre de ir mais além. Outro mito é o de que o sobredotado "é tão bom" que não precisa de ajuda e se desenvolve por si mesmo. 

Também se associa erradamente a sobredotação às classes sociais altas. Quando é o meio que influencia o desenvolvimento do sobredotado, logo, quem tem mais recursos proporciona aos seus filhos mais possibilidades de se desenvolverem. Tive um caso de uma criança sobredotada cuja mãe me dizia que gastava em livros cerca de 200 euros por mês, porque o filho adorava ler. Tinha 12 anos e queria fugir do país, por não poder requisitar livros na biblioteca pública, por ser menor. E com aquela idade, já tinha lido a obra completa do Eça de Queiroz.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ano escolar de alunos com necessidades especiais em risco

Uma boa parte das instituições vocacionadas para o ensino de crianças portadoras de deficiência mental não tem ainda os professores necessários para começar o ano lectivo, que arranca a 2 de Setembro. O alerta é das principais federações do sector que desde 19 de Agosto - dia em que a lista de mobilidade de pessoal docente foi divulgada no site da Direcção-Geral de Recursos Humanos da Educação - têm recebido várias denúncias, desconhecendo ainda quantas organizações poderão vir a ser afectadas. 

"Uma vez que a maioria das nossas associadas se encontra encerrada para férias, há ainda muitas instituições que não sabem sequer quantos docentes foram mobilizados", conta João Dias, presidente da Humanitas - Federação Portuguesa para a Deficiência Mental. Segundo o dirigente, essa informação só poderá ser "completamente conhecida" no final desta semana ou no princípio da próxima, quando os responsáveis regressarem ao trabalho.

O que, no entanto, já é possível garantir é que ambas as federações já detectaram casos em que a lei não está a ser cumprida pelo Ministério da Educação. "Estamos ainda a tentar fazer um levantamento mais rigoroso destas situações, mas até já foi possível detectar meia dúzia de Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) em que o rácio estipulado pela legislação - um professor para cada cinco alunos - não é cumprido", explica o presidente da Humanitas. 

O mesmo levantamento está a ser feito pela Federação de Cooperativas de Solidariedade Social (Fenacerci) que assegura ter encontrado três centros de ensino para crianças portadoras de deficiência (no Alentejo e na Grande Lisboa) que correm o risco de encerrar por falta de professores. A situação é ainda mais complexa e ultrapassa o que está estipulado na Portaria n.º 1102/97, defende Rogério Cação, vice-presidente da Fenacerci: "São os agrupamentos escolares que informam o Ministério da Educação se têm ou não disponibilidade de dispensar os seus docentes para leccionar nos Centros de Recursos Para a Inclusão. Se a escola não tiver como substituir esse professor, naturalmente que não terá também condições para autorizar a sua mobilidade."

E isso só acontece, adverte o responsável, porque a mobilidade para estas instituições só é possível para os professores efectivos, estando todos os docentes contratados excluídos deste processo: "Como as escolas não estão autorizadas a fazer novas contratações de cada vez que dispensam um docente dos quadros, nem sequer arriscam a dispensar os seus professores."

O caricato deste impasse, no entanto, é que são os próprios agrupamentos escolares que, ao entenderem não ter capacidade para acolher as crianças portadoras de deficiência a tempo inteiro, solicitam a transferência desses alunos para outras instituições que têm como objectivo completar o restante horário escolar e extracurricular. "Mas essa mobilidade só é possível porque há um compromisso legal do Ministério da Educação em assegurar que todos os centros de recursos para a inclusão tenham um número fixo de docentes para acompanhar esses alunos", diz o presidente da Humanitas.

Ambas as federações asseguram que já deram conhecimento ao Ministério da Educação dos casos até agora detectados, pedindo no fim da semana passada reuniões com carácter de urgência mas, até à data, não obtiveram resposta. "Reconhecemos que estamos perante uma situação complexa, mas se não há professores efectivos suficientes, talvez seja o caso de o governo criar um regime de excepção para dar resposta a estas situações com professores contratados e preparados para este tipo de ensino", defende Rogério Cação.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

ME não cumpre legislação e inviabiliza o início do ano lectivo nos Centros de Recursos para a Inclusão

Ao não deferir a mobilidade dos docentes para os Centros de Recursos para a Inclusão conforme estabelece a legislação em vigor o Ministério da Educação inviabiliza a abertura do ano lectivo dos Centros de Recursos para a Inclusão.
Os Centros de Recursos para a Inclusão funcionam com os técnicos necessários para apoiar o sucesso educativo de alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente tendo o ME, através da Portaria nº 1102/97, estabelecido o rácio professor/aluno para o seu funcionamento.
Este diploma legal prevê a implementação de parcerias educativas entre as escolas de educação especial e os estabelecimentos de ensino públicos, estabelecendo as regras para a construção e desenvolvimento de projectos educativos, onde os alunos da escola pública com necessidades educativas especiais de carácter permanente beneficiam de todos os apoios técnicos nos Centros de Recursos para a Inclusão.
Ao legislar as regras para a implementação destas parcerias o ME estabelece, também, o rácio docente/ aluno que deverá existir, responsabilizando-se pela colocação de um docente para cada cinco alunos portadores de necessidades educativas especiais de carácter permanente.
A não autorização de mobilidades destes docentes pelo ME, conforme o rácio estabelecido na legislação,
  • inviabiliza a abertura do ano lectivo dos Centros de Recursos para a Inclusão
  • compromete a possibilidade de sucesso educativo dos alunos portadores de necessidades educativas especiais que frequentam as escolas públicas
O SPGL lamenta que medidas economicistas prejudiquem o sucesso educativo de alunos portadores de necessidades educativas especiais de carácter permanente e assim comprometam a garantia da universalidade da escolarização e exige o respeito pelo que está legislado nesta matéria, nomeadamente a colocação atempada, através da figura jurídica da mobilidade, dos docentes em falta nos Centros de Recursos para a Inclusão.
 
O Sindicato dos Professores da Grande Lisboa / FENPROF
 A Direcção

Modelo que ficou paraplégico é campeão mundial


Era um modelo muito requisitado a nível internacional mas, em Julho de 2009, um acidente de viação deixou-o paraplégico. O brasileiro Fernando Fernandes não se "rendeu" à cadeira de rodas. Com atitude positiva e "com muito trabalho" sagrou-se campeão do Mundo de canoagem adaptada.
Fernando Fernandes sagrou-se campeão mundial de canoagem adaptada na prova K1 a 200 metros, na passada sexta-feira, na Polónia. "Estou feliz, mas já sinto que para o ano tenho de fazer ainda mais e melhor", assume o atleta paulista.
"Não dá para baixar a cabeça. Assumi a minha actual realidade e reinventei a minha vida. No hospital onde comecei a fazer reabilitação soube da canoagem adaptada, fui ao Youtube e vi vários vídeos da Carla Ferreira (atleta portuguesa com deficiência). Confesso que foi uma verdadeira inspiração para mim", disse Fernando Fernandes.
"Apesar do meu problema, tenho tudo. Família, amigos, uma situação financeira estável. Vou realizando os meus sonhos. A Carla tem uma vida muito mais difícil, sofre de paralisia cerebral e, mesmo assim, faz mil e uma coisas, tem uma energia ímpar, experimenta desportos radicais e nunca abandona aquele sorriso lindo. É um exemplo para mim e para todos", acrescentou.
Fernando Fernandes já tinha sido jogador de futebol e, em Julho de 2009, quando sofreu o grave acidente de automóvel, no qual seguia "sem cinto de segurança", também jogava boxe. "Quando me sentei num kayak e comecei a treinar e competir, senti-me novamente 'eu', capaz", confessa.
"Soube da Nelo (empresa portuguesa líder mundial na construção de kayaks de competição) e contactei-os, explicando o meu problema. Foram fantásticos e pouco tempo depois estava em Vila do Conde. Montaram um barco para mim, deram-me todo o apoio e, juntos, conseguimos agora esse título mundial, na categoria de atletas que apenas conseguem usar a força motora dos braços", congratulou-se.
O atleta vai ser o protagonista de um programa de televisão dedicado aos cidadãos com deficiência, "em que a ideia é fazer um montão de coisas ousadas e impensáveis, só para provar que há imensas coisas que podemos fazer de espírito e coração abertos, pois temos a obrigação de viver em plenitude".
"Há ainda muitos preconceitos para com o cidadão com deficiência. É um coitadinho. Mas essa imagem vai e está a mudar. Não devemos ficar fechados em casa, mas ter uma vida plena, com objectivos. Reinventar-nos é essencial", defende.

Comentário:
Por vezes, são os exemplos reais que alertam para as potencialidades e para a vida em si, apesar das limitações e dos obstáculos!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Associação de Professores de Educação Especial preocupada com falhas na formação de docentes


A formação inicial e contínua dos professores de educação especial é insuficiente. A queixa é feita pelo presidente da Associação de Professores de Educação Especial. David Rodrigues revela que este assunto vai ser debatido dentro de 5 anos, no congresso sobre educação inclusiva, um dos maiores congressos do mundo e que Portugal vai receber. Uma ocasião para debater o problema da formação de professores.

sábado, 14 de agosto de 2010

'Scanner' pode diagnosticar o autismo



Um scanner cerebral de 15 minutos e que se analisa de imediato no computador pode, no futuro, ajudar a diagnosticar o autismo, uma perturbação mental difícil de definir que pode manifestar-se em vários graus.

A técnica conseguiu bons resultados apenas em 20 homens com a doença já diagnosticada, faltando ainda ser validada em mulheres e crianças. A estimativa nos países desenvolvidos é que uma em cada cem pessoas (quatro homens por cada mulher) sofre de autismo, em algum grau. Quando se confirma o diagnóstico, existem tratamentos não farmacológicos que melhoram a qualidade de vida de muitos pacientes, sobretudo crianças.


O estudo, dirigido no Reino Unido pelo professor catedrático de psiquiatria Declan Murphy, foi publicado no Journal of Neuroscience. A investigação - que fez uma complexa bateria de análises comportamentais e entrevistas pessoais - aproveita a acumulação de conhecimento sobre a base genética do autismo e a sua repercussão - muito ligeira - na anatomia do cérebro, como a espessura do córtex e a forma e a estrutura de regiões relacionadas com a linguagem e com o comportamento.


Murphy acredita que este avanço vai somar-se ao protocolo de diagnóstico do autismo, mas que não vai substituí-lo. "Acreditamos que este trabalho é uma prova de que o conceito funciona. Esperamos que se possa começar a aplicar no sistema nacional de saúde em um ou dois anos. Nem sequer é preciso comprar novos instrumentos, basta acrescentar um programa às máquinas de ressonância magnética", considerou a investigadora Christine Ecker.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Avaliação da Implementação do Decreto-Lei n. º 3/2008

Na página da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular encontram-se disponíveis as comunicações e a síntese da apresentação pública da primeira fase do estudo Avaliação da Implementação do Decreto – Lei n.3/2008, realizada no dia 2 de Julho no Centro Cultural de Belém.

Síntese da apresentação dos resultados da avaliação externa da implementação do Decreto-Lei n.º 3/2008

Apresentação do Projecto de Avaliação da Implementação do Decreto-Lei n.º 3/2008 (Manuela Sanches Ferreira)

Apresentação do Projecto de Avaliação da Implementação do Decreto-Lei n.º 3/2008 (Rune J. Simeonsson)

DGIDC

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Recomendação ao Governo que, a partir da CIF, elabore uma tabela de incapacidades decorrentes de doenças crónicas e uma tabela de funcionalidade.

No dia 9 do corrente mês, foi publicada em Diário da República uma recomendação da Assembleia da República ao Governo (Resolução da Assembleia da República n.º 90/2010), que, a partir da Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), elabore duas tabelas distintas, mas complementares: Tabela de incapacidades decorrentes de doenças crónicas; e Tabela de funcionalidade.
Para o efeito, crie uma estrutura composta por peritos interministeriais e multidisciplinares, designadamente representantes dos Ministérios das Finanças, do Trabalho e da Solidariedade Social, da Educação, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e do Conselho Nacional para Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência — CNRIPD, a funcionar na directa dependência do Ministro da Saúde.
Para a elaboração destas duas tabelas toma-se como base a CIF, desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde.
Estipula um prazo para a apresentação destas duas tabelas, não superior a um ano.
Num prazo nunca superior a um ano após a sua conclusão, as tabelas deverão estar a ser obrigatoriamente aplicadas em todos os contactos dos doentes com os serviços de saúde, devendo, nomeadamente, integrar os respectivos sistemas de informação.
Na data da sua publicação, não lhe dei grande importância e, por esse motivo, não coloquei qualquer informação no blog. Reconheço que o conteúdo é pouco relevante e esclarecedor. Afinal, o que se pretende com as duas listas? Impor aos médicos aquilo que foi imposto na educação?
Pessoalmente, não reconheço ainda grandes vantagens na aplicação da CIF à educação, revendo-me nas críticas de Luís de Miranda Correia (ver texto abaixo). Se realmente estas listas vierem a ser elaboradas e colocadas em prática, aguardemos para ver a reacção dos médicos...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"Aflige-me que ninguém se tenha pronunciado de forma indelével sobre a falta de rigor científico no Decreto-Lei 3/2008"



Luís de Miranda Correia é um dos investigadores mais críticos das políticas ministeriais para a Educação Especial, em Portugal. Recentemente desenvolveu um estudo que mostra as "limitações e confusões" inerentes à legislação nesta matéria.
Reconhece que é uma voz incómoda aos ouvidos dos responsáveis políticos pela Educação em Portugal. Não se constrange em classificar a ex-ministra titular desta pasta, Maria de Lourdes Rodrigues, como "um dos piores ministros da Educação do pós-25 de Abril", pela forma como actuou em matéria de Educação Especial. Tem assistido a muitas "incongruências" políticas no que toca às necessidades educativas especiais (NEE). E não se cansa de as denunciar.

Luís de Miranda Correia nasceu em Braga em 1947. É psicólogo, professor catedrático e director do Departamento de Psicologia da Educação e Educação Especial da Universidade do Minho (UM). Foi psicólogo escolar nos Estados Unidos da América e investigador assistente na Universidade de Brown, tendo ainda colaborado com as Universidades de Rhode Island e de Fairfield.

Em 1996, criou e coordenou dois mestrados em Educação Especial, no âmbito das Dificuldades de Aprendizagem Específicas e da Intervenção Precoce, na UM. Luís de Miranda Correia é ainda autor de vários livros e estudos. O mais recente, apresentado em Maio e realizado em parceria com a investigadora Rute Lavrador, versou a utilidade da aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) na eleição de alunos com possíveis NEE para serviços de Educação Especial. Um tema polémico, ao qual o investigador não foge, já que a sua aplicação estará a excluir vários alunos dos apoios educativos a que teriam acesso, antes da obrigatoriedade legal do uso da CIF nas escolas.


Educare.pt (E): Numa conferência recente disse que "a inclusão começa por ser uma atitude, mas muitas vezes não é bem-vinda por parte dos professores por falta de recursos na sala de aula". É assim?

Luís de Miranda Correia (LMC): Quando disse que a inclusão começa por ser uma atitude, pretendi dizer que o movimento da inclusão só terá sucesso se, em primeiro lugar, os cidadãos o compreenderem e o aceitarem como um princípio cujas vantagens a todos beneficia. No entanto, ao considerarmos só os professores, por vezes ela não é bem-vinda, não só pela falta de recursos especializados necessários ao sucesso dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE) significativas, o que é um facto, mas também pela preparação inadequada, quer a nível de formação inicial quer especializada, desses professores, o que os torna inseguros e, portanto, capazes de se rebelarem contra a inclusão dos alunos com NEE significativas nas suas salas de aula.


E: No estudo "A Utilidade da CIF em Educação" concluiu precisamente sobre a inutilidade deste instrumento. Como chegou a essa conclusão?

LMC: Considerei uma amostra composta por sete grupos de participantes que se estendia por sete agrupamentos, sendo cada grupo constituído por um professor do ensino regular, um professor de educação especial especializado e um psicólogo. Pedi aos 21 participantes que respondessem a um questionário sobre a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) em educação e aos sete grupos de participantes que analisassem um estudo de caso (o mesmo que o Ministério da Educação usou na formação que fez sobre a CIF), tendo por base, ipsis-verbis, as instruções e recomendações formuladas nos documentos emanados do ministério.

No que respeita aos resultados, as respostas dos participantes ao questionário foram totalmente contraditórias, revelando uma profunda falta de conhecimento sobre a utilidade da CIF em educação. Quanto ao tratamento do caso propriamente dito, tendo em conta a necessidade do uso da Checklist contida no manual Educação Especial: Manual de Apoio à Prática, os resultados foram os mais díspares, consubstanciando uma heterogeneidade de posições que aparentam um comportamento aleatório quanto à escolha das opções.


E: Pode dar-me um exemplo concreto das contradições que a aplicação da grelha gerou entre os diferentes grupos que tentavam classificar o mesmo caso?

LMC: Dou um exemplo que diz respeito à componente Actividade e Participação. No Capítulo I, ao analisarmos os resultados da categoria d175, "resolver problemas", verificamos que um grupo entendeu que o aluno apresentava uma "dificuldade ligeira"; dois grupos, uma "dificuldade moderada"; outros dois grupos consideram-no com uma "dificuldade grave"; um grupo optou por uma "dificuldade completa"; e, por último, um grupo considerou a opção "não especificado". Esta disparidade de resultados não só revela uma forte divergência de critérios na interpretação de um mesmo caso como também uma incongruência entre os comportamentos exibidos pelos grupos nesta matéria, deixando perceber que esta dissimilitude terá, porventura, a sua génese na subjectividade da CIF ou até na sua incompatibilidade prática quanto ao seu uso em educação.


E: O Ministério da Educação já reagiu a esse estudo?

LMC: Que eu tenha conhecimento, não. No entanto, antes da publicação do Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro, dei conhecimento ao Ministério da Educação (ME) do erro crasso que iria cometer ao pretender inserir num Decreto-lei uma Classificação cuja investigação, quanto à sua utilidade em educação, era praticamente nula. Tornei ainda públicas as opiniões de eminentes especialistas, todos eles reticentes quanto ao uso da CIF em educação. Recordo as palavras do Professor James Kauffman, uma das maiores sumidades mundiais nestas matérias, quando afirmou que a inserção da CIF numa lei seria "um erro grave, mesmo trágico". Ou as conclusões a que chegou o Professor Robin MacWilliam, no que respeita à CIF para crianças e jovens (CIF-CJ). Diz ele: "Levámos cerca de três anos a explorar a adopção da CIF numa clínica pediátrica de diagnóstico desenvolvimental e comportamental, com muito pouco sucesso." Também na Assembleia da República se tratou o assunto, num encontro organizado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tendo a maioria dos participantes (especialistas, associações de pais, professores e investigadores) manifestado a sua preocupação pela obrigatoriedade do uso da CIF em educação quando a investigação não o aconselhava. Por tudo isto, o ME, já nessa altura, deveria ter tido o bom senso de não incluir a CIF no Decreto-Lei 3/2008. Não o fez. Talvez por teimosia, prepotência, petulância, ou sabe-se lá o quê, o diálogo nunca aconteceu.


E: Depois do que disse, por que razão a CIF permanece obrigatória?

LMC: Parece ser por uma ignorância generalizada, por parte dos envolvidos na implementação do Decreto-Lei 3/2008, quanto ao processo que pode e deve levar à construção de respostas educativas eficazes para os alunos com NEE.

Eu próprio pedi, por carta, à então ministra da Educação, uma audiência para discutir este assunto. Nunca recebi resposta que não fosse o silêncio. Questões de "educação". Contudo, a resposta foi dada a todos os portugueses, especialmente aos pais e aos alunos com NEE, de uma forma muito evidente: a destruição de um sistema de educação especial que até à data vinha a demonstrar alguns progressos. Considero mesmo que, nesta matéria, a doutora Maria de Lourdes Rodrigues, foi um dos piores ministros da Educação do pós-25 de Abril.


E: Escreveu que "o grosso da literatura existente sobre a CIF (...) mais parece pretender vender um produto do que implementar um modelo"...

LMC: A maioria das apresentações feitas sobre a CIF pouco ou nada diferem. O corpo de investigação não passa de uma "ecolália imaginária". Por isso, ficamos com a ideia de que se pretende sonegar informação para, assim, se dar a impressão de que ao usar a CIF se irão abrir as portas do sucesso para todas as crianças com NEE. Quando o próprio coordenador da adaptação da CIF-CJ, Doutor Rune Simonsson, diz em 2010, o mesmo que disse em 2005, que "a implementação da CIF está dependente da existência de instrumentos de avaliação que possam fornecer informação para atribuir níveis de severidade aos códigos da CIF", o que podem esperar aqueles que acreditam na investigação fidedigna e estão totalmente por dentro do processo que deve reger o atendimento a alunos com NEE? Apenas que lhes estão a tentar vender um produto talvez já fora de validade.


E: É autor do "Modelo de Atendimento à Diversidade", um meio de diagnóstico e acompanhamento de crianças e jovens com NEE. Como surgiu?

LMC: O modelo tem vindo a amadurecer desde 1977, altura em que comecei a trabalhar com alunos com NEE, fruto da minha experiência como psicólogo e professor, mas também da investigação que tenho feito e do que muito aprendi sobre estas matérias, especialmente nos EUA. Em 1989, começa a tomar forma e, em 1995, apresentei-o pela primeira vez numa conferência que efectuei na Universidade do Minho, descrevendo-o como um paradigma cujo objectivo era o de equacionar um processo faseado que permitisse responder adequadamente às necessidades de todos os alunos, designada e principalmente dos alunos com necessidades especiais (alunos em risco educacional, com necessidades educativas especiais e com sobredotação). Desde então, tem sido alvo de investigação por parte de alguns dos meus alunos de mestrado e de doutoramento e sido aplicado, com sucesso, quer na Região Autónoma da Madeira quer num agrupamento do Norte do país.


E: Por que razão não é posto em prática de modo generalizado?

LMC: Por razões políticas que se inscrevem na esfera do ME. Não por pertencer a partidos, pois não pertenço, nem nunca pertenci a nenhum, mas talvez por ser uma daquelas vozes incómodas que continuam, intransigentemente, a defender os direitos dos alunos com NEE e, portanto, a incomodar quem está no poder.


E: Qual é a verdadeira realidade das NEE nas escolas portuguesas?

LMC: Neste momento, caótica. Fruto das más políticas educativas, da falta de recursos, da falta de preparação de muitos desses recursos e de muitos professores especializados, da inadequação dos planos de estudos dos cursos de formação inicial e de especialização oferecidos pelas instituições de ensino superior. Enfim, há uma panóplia de factores que fazem com que a maioria dos alunos com NEE não esteja a receber os serviços a que tem direito.


E: A escola regular consegue dar resposta a alunos com multideficiência, deficiência auditiva, visual, problemas motores ou até mesmo autismo?

LMC: Com certeza. A escola regular poderia dar resposta à maioria dos alunos com NEE, incluindo à maioria das crianças que se inscrevem nas problemáticas que menciona. Contudo, é obrigatório que se considerem os factores que aludi na questão anterior e o facto de haver uma pequena percentagem de alunos que, possivelmente, necessitarão que os serviços de educação especial lhes sejam prestados fora das escolas regulares, em instituições preparadas para o efeito.


E: E no que toca a problemáticas como a hiperactividade ou a sobredotação?

LMC: Digo-lhe o mesmo. Os alunos com este tipo de problemáticas podem e devem frequentar as escolas regulares e ser alvo de apoios que tenham por base as suas características e respeitem as suas capacidades e necessidades


E: Qual a sua opinião sobre a apresentação preliminar da avaliação externa da Educação Especial, realizada em Julho pelo ME na presença da ministra Isabel Alçada?

LMC: Creio que a ministra Isabel Alçada, que conheço por ter sido colega e que respeito pelas suas características científicas, pedagógicas e humanas, poderá não fazer a mínima ideia no que se está a meter. Pode, eventualmente, deixar-se conduzir por um discurso, sempre repetitivo, que não tem levado a lado nenhum no que concerne a estas matérias. Seria bom que ouvisse quer especialistas com experiência comprovada nestas matérias, quer educadores e professores, quer ainda pais e organizações ligadas ao sector, coisa que a sua antecessora nunca fez.


E: O que mais o preocupa nesta matéria?

LMC: Aflige-me que ninguém, com responsabilidades políticas, sociais e académicas, se tenha pronunciado de uma forma indelével sobre as tantas incongruências, e a falta de rigor científico no Decreto-Lei 3/2008. O prejuízo que ele já causou e virá a causar a muitos milhares de alunos com NEE justifica plenamente a sua suspensão ou mesmo revogação.

Andreia Lobo

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Emprego das Pessoas com Deficiências ou Incapacidade: a Perspectiva das Empresas


O GEP tem em curso um estudo sobre “O Emprego das Pessoas com Deciências ou Incapacidade” tendo já recolhido a informação relativa à perspectiva das empresas.
De acordo com o trabalho desenvolvido, constatou-se um desequilíbrio de género na caracterização dos Trabalhadores com Deciências ou Incapacidade (TCDI) ao serviço nas organizações, sendo o género masculino signicativamente superior ao feminino. A investigação comprovou ainda que em 16,3% dos casos, a deciência ou incapacidade resultou de doença ou de acidente de trabalho.
Os TCDI têm geralmente habilitações e qualicações baixas, mas a grande maioria celebrou um contracto de trabalho permanente, facto que aponta para a relativa estabilidade no emprego.
A grande maioria das entidades empregadoras considera-se satisfeita ou muito satisfeita com o desempenho prossional dos trabalhadores com deciências ou incapacidade. Os TCDI são igualmente considerados prossionais empenhados, motivados, assíduos e com muita “força de vontade”. Na generalidade das situações o processo de integração dos TCDI na empresa/organização decorreu sem quaisquer problemas.
Esta investigação foi desenvolvida com base na aplicação de um inquérito a uma amostra nacional e representativa, composta por 202 grandes empresas/organizações com pessoas com deciências ou incapacidade ao serviço. Cerca de 90% das empresas/organizações alegam praticar uma verdadeira e plena igualdade de oportunidades ao nível interno, considerando que os TCDI têm sido promovidos tantas vezes quanto os outros.
O GEP conta apresentar ainda durante o ano de 2010 um desenvolvimento mais detalhado sobre esta temática que incluirá também a perspectiva dos colaboradores com deciência.
Via Ajudas.com

Medicar sim, mas apenas se necessário

1. Cada vez mais se fala na Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA), chegando -se ao exagero de classificar como hiperactiva qualquer criança "que se mexe" ou com défice de atenção qualquer uma que se distraia. Na minha experiência pessoal tenho tido um crescente número de pais e familiares preocupados com essa hipótese, embora na esmagadora maioria dos casos nem se ponha a questão sequer de uma suspeita, dado que são crianças normais e saudáveis, que depois de metidas o dia inteiro em espaços fechados precisam de se expandir e de dar largas à sua energia.Algumas crianças têm esta situação, em que existe uma perturbação da atenção ou um excesso de distracção, associados ou não à hiperactividade.
Durante muitos anos esta síndroma só era diagnosticada depois da entrada no 1.º ciclo, quando a criança começava a dar problemas na sala de aula ou a ter insucesso escolar. Digamos que o sistema operativo das crianças com PHDA não é exactamente o mesmo da maioria, criando alguma dificuldade na gestão da informação e na capacidade de concentração e atenção.
A incidência varia muito conforme as casuísticas - de um a sete por cento, uma variação muito grande, dependente de não se ter definido bem ainda os critérios para, por exemplo, medicar uma criança, o que consagra a situação como doença. Não há dados fiáveis em Portugal, a nível populacional. Os rapazes são mais afectados, numa proporção de perto de cinco vezes mais. Numa numerosa percentagem, os sintomas esvanecem-se uma vez ultrapassada a infância.
2. As crianças com esta síndroma podem ser predominantemente hiperactivas, predominantemente desatentas ou uma mistura mais equilibrada das duas coisas. A componente "falta de atenção" tem de incluir seis dos seguintes sintomas, durando mais de seis meses, num tal grau que causa inadaptação ou problemas, maiores do que o que seria de esperar para o grau de desenvolvimento da criança desta idade:
- Desatenção aos pormenores, e não evoluir, por exemplo, no pormenor dos desenhos;
- Dificuldade em manter a atenção em qualquer actividade, no jardim-de-infância;
- Parecer não ouvir o que se lhe está a dizer;
- Não conseguir obedecer a regras e instruções, designadamente nas actividades de grupo (esperar na fila para lavar as mãos, actividades de teatro ou ginástica, etc.), sem ser por oposição ou negação, mas por impossibilidade de cumprimento;
- Dificuldade em organizar-se no quadro das actividades;
- Evitar aceitar tarefas que obriguem a um esforço mental ou a decorar uma sequência de passos;
- Perder muitos objectos - lápis, livros, jogos, blusões - e esquecer-se onde estão;
- Ser constantemente distraído por estímulos externos - uma mosca, os sons dos automóveis, luzes, telefones a tocar;
- Alhear-se das actividades se não estiver sempre a ser requerida a sua atenção.
3. A componente hiperactividade e hiperimpulsividade deve incluir quatro dos seguintes sintomas, durante pelo menos seis meses, e de intensidade fora do que é de esperar para uma criança desta idade:
- Mexer constantemente os braços e as pernas, remexer-se demasiadamente na cadeira;
- Não conseguir estar sentado na sala do jardim-de-infância;
- Correr, saltar ou trepar "demais", sobretudo em situações inapropriadas e fora do contexto dos outros meninos;
- Dificuldade em jogos ou actividades que exijam calma e estar quieto;
- Impulsividade em querer ser o primeiro em tudo e responder antes sequer de se acabar a pergunta;
- Impulsividade, não conseguindo estar numa fila, sempre a sair, e a ir à frente e atrás.
4. As crianças podem ser rotuladas de mal-educadas, irrequietas, desafiadoras, desinteressadas ou de se "estar nas tintas" para o que os adultos dizem.
Perante uma suspeita, há que confirmar, sem ser "apressadamente", como se faz em alguns centros, e depois medicar, mas apenas se necessário.
Mário Cordeiro
Pediatra

domingo, 8 de agosto de 2010

Venda de fármacos para crianças hiperactivas continua a aumentar



João, Maria, José, tanto faz. São só miúdos irrequietos ou serão hiperactivos? São só muito distraídos ou têm um défice de atenção? Resolve-se com paciência e tempo ou é preciso também a ajuda de um químico? Há cada vez mais crianças com o diagnóstico de Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA) e, por isso, cada vez mais crianças são medicadas com psicoestimulantes, como a conhecida Ritalina.
Na história de Linda Serrão os nomes em causa são Bernardo, Rodrigo e Eduardo. Os três filhos com diagnóstico de PHDA levaram-na a criar a Associação Portuguesa da Criança Hiperactiva, que reúne mais de 100 associados. Tantas vezes foi contado nos jornais e revistas o caso dos três rapazes medicados que, no entretanto, eles cresceram. Hoje, Linda Serrão olha para a família e nota que os rapazes se fizeram quase homens e "são eles que decidem se precisam ou não da medicação". Para trás ficam muitos dias de desespero. "Foi um inferno", reforça Linda, notando que os pais também acabam por ficar dependentes da "preciosa medicação".

Desde a introdução no mercado, as vendas dos psicofármacos usados para tratar PHDA aumentam de ano para ano em Portugal. E, todos os anos, encontramos no gráfico de vendas do metilfenidato (princípio activo da Ritalina, Rubifen e Concerta) a mesma curva: uma quebra acentuada no Verão (quando muitos especialistas aconselham uma pausa na medicação) e um disparo significativo no início do ano lectivo. Em 2009, segundo dados da consultora IMS Health, foi assim: de 4491 unidades em Agosto, as vendas dispararam para 13.206 em Setembro. Apesar deste salto na ordem dos 200 por cento, os valores máximos desse ano surgem em Novembro, com mais de 17 mil embalagens vendidas. No total, de Maio de 2009 a Abril de 2010, venderam-se nas farmácias portuguesas 157 mil embalagens de medicamentos com metilfenidato e a despesa com estes fármacos totalizou mais de 3,6 milhões de euros. Dois anos antes tinham sido 116 mil as embalagens vendidas, o que aponta para uma subida, desde essa altura, da ordem dos 35 por cento.

Nota-se que é na hora de regressar aos bancos da escola que o fármaco é mais reclamado. E é também aí que o problema costuma ser detectado. A criança, que era apenas muito distraída e irrequieta, passa a ser motivo de preocupação quando esses traços têm consequências nos resultados escolares. E, geralmente, entra-se no consultório do pediatra.

100 mil crianças afectadas

"Dizem-se muitas asneiras sobre isto tudo", avisa o neuropediatra Nuno Lobo Antunes. O especialista, que dirige o Cadin (Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil, em Cascais), considera que ainda estamos perante um subdiagnóstico do problema. Sem que exista um estudo nacional, as estimativas apontam para uma percentagem de crianças afectadas, entre os seis e os 12 anos, situada entre um e sete por cento. Ou seja, podem chegar aos 100 mil casos. Mas, mais importante ainda, o médico explica que o diagnóstico de uma PHDA é comportamental - não existe um marcador biológico. Ou seja, não é nada que possa ser detectado numa análise ao sangue ou, por exemplo, numa TAC (Tomografia Axial Computadorizada). É, resume, um "defeito invisível".

O diagnóstico é conseguido após análises e testes feitos por especialistas de várias áreas e, como sempre na medicina, a avaliação acontece caso a caso. Nuno Lobo Antunes nota que é preciso perceber, por exemplo, se a criança tem dificuldade de concentração em matérias que exigem esforço mental (não se deve ter em conta um programa de televisão preferido ou um jogo de consola) e se não existem outros factores que possam justificar este resultado. Por outro lado, o neuropediatra explica que, apesar de a hiperactividade e a impulsividade associada ser o factor mais incomodativo, há muitas crianças medicadas com metilfenidato para o défice de atenção que nem sequer revelam sinais de hiperactividade. Pensa-se mesmo que o quadro sem a perturbante impulsividade afecta mais as raparigas, que são diagnosticadas quatro anos mais tarde do que eles. Até lá passam por meninas sonhadoras, com a cabeça na lua.

sábado, 7 de agosto de 2010

Raríssimas constrói casa única no mundo


Chama-se Casa dos Marcos e a primeira pedra foi lançada a 1 de Julho. Crianças com patologias raras e deficiência inerente terão um porto de abrigo numa estrutura que se destaca pelo modelo assistencial.
A Casa dos Marcos, o novo projecto da Raríssimas - Associação de Doenças Mentais e Raras, começa a ganhar formas na Moita. A primeira pedra foi lançada a 1 de Julho pela ministra da Saúde, Ana Jorge, e pela madrinha da instituição, Maria Cavaco Silva. É uma casa única no mundo e que deverá estar pronta dentro de um ano. Depois disso, é preciso equipar e decorar o novo espaço para que entre em pleno funcionamento. As portas estarão abertas a gente rara de todas as idades que terá várias valências ao dispor. Uma casa sem igual. "O que a diferencia é justamente o modelo assistencial. É um projecto que acompanha não só crianças a nível terapêutico, mas que se propõe também cuidar delas a tempo inteiro, em caso de total incapacidade ou impossibilidade familiar para o fazer. Além disso, procura também, através da nossa unidade de Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), dotar estes doentes de capacidades que permitam a sua correcta inserção na sociedade de forma a torná-los cidadãos activos", adianta Paula Brito e Costa, presidente da Raríssimas.
Única e de extrema importância. A Casa dos Marcos será uma mais-valia no país. "Neste momento, não existem em Portugal unidades com competências específicas para portadores de doenças raras. As Cercis, por exemplo, apesar do excelente trabalho que desenvolvem, estão muito mais habilitadas na área das paralisias cerebrais e das trissomias do que nas doenças raras, que, dada a especificidade de sintomas, são tão difíceis de acompanhar de forma correcta, exigindo um acompanhamento multidisciplinar intenso", explica a responsável.
O edifício começa a sair do papel e o projecto já está desenhado. A nova estrutura da Raríssimas terá uma unidade de lar residencial para 24 utentes, uma residência autónoma para cinco utentes por ano, um centro de ocupação de tempos livres para 30 utentes por ano, um centro de aquisição de competências para 10 utentes por ano, uma unidade clínica para mais de 4 mil utentes por ano e que estará aberta à comunidade, uma unidade de fisioterapia para mais de 2 mil utentes por ano disponível à comunidade, mais uma unidade de cuidados continuados para 39 utentes, 30 dos quais farão parte da Rede Nacional de Cuidados Integrados.
O centro de dia terá uma sala de actividades ocupacionais, "snoozling", ou seja, terapêutica sensorial e cognitiva, sala de massagens e banhos, ginásio, gabinetes médicos, sala de convívio, uma cozinha, um jardim e uma horta. A futura equipa técnica também já está estruturada. Médicos, enfermeiros, terapeuta da fala, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, terapeuta ocupacional, técnico de animação e fisioterapeuta são alguns dos profissionais que farão funcionar a casa.
Neste momento, ainda não há inscrições. A prioridade na entrada será dada aos sócios da Raríssimas, mediante uma apurada avaliação do caso clínico e da situação económica do agregado familiar. O gabinete de gestão de utentes, com técnicos credenciados nas áreas social e psicológica, terá a tarefa de analisar caso a caso e de forma detalhada. "Esta casa acaba por abranger, tal como as doenças raras, todas as idades, uma vez que, além de prestar apoio aos doentes com este tipo de patologias (independentemente da idade), terá também uma unidade clínica aberta a toda a comunidade."
Paula Brito e Costa recorda como surgiu a ideia de pegar no primeiro tijolo. A constatação de uma evidência esteve na origem do projecto que surge assim da confirmação de uma realidade. "O nosso país não oferece condições para acompanhar crianças com patologias raras e deficiência inerente a partir dos 16 anos. Quando o meu filho, portador de Cornélia de Lange, atingiu esta idade, coloquei-me a mesma questão que a tantos pais preocupa. E foi através da voz inocente dele que surgiu a resposta - 'Porque é que tu não fazes uma escola para mim?', lembra. "Da imaginação de uma criança surgiu assim este projecto grandioso, transversal ao sonho de tantos meninos raros e pais com carências de apoio social e educativo", acrescenta.
Um sonho tornado realidade. "Apesar do Marco não poder partilhar esta alegria, estou convicta de que os outros 'Marcos' deste país terão nesta casa as respostas que há tanto procuram e os cuidados que realmente merecem", sublinha a responsável da Raríssimas. (...)
Sara R. Oliveira

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Admirável mundo próprio

No Courier Internacional deste mês vem publicado um artigo «Admirável mundo próprio», de Daniel Saraga, que o escreveu para o jornal suíço L'Hebdo, a respeito duma pequena empresa de informática com sucesso que emprega exclusivamente técnicos com Síndrome de Asperger

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

“É urgente criar lares residenciais”

O futuro dos 65 jovens/adultos com deficiência mental, que frequentam o Centro de Actividades Ocupacionais do Instituto Novais e Sousa, preocupa a directora técnica. Lucinda Vilaverde alertou para a urgência de se criarem lares residências para receber estas pessoas.
“O que me preocupa e me incomoda mais é que um dia que os pais desapareçam é preciso alguém cuidar destes jovens e adultos. Nenhum dos que temos cá são capazes de sobreviver sozinhos, não conseguem sequer ter noção do valor do dinheiro”, confidenciou aquela responsável. E explicou: “a maior parte dos utentes qu temos são adultos entre os 30/35 anos e os pais já têm 70 anos. A vida dos irmãos é complicada e as pessoas não podem, simplesmente, deixar de trabalhar para ajudar os irmãos”.
O problema é que, segundo Lucinda Vilaverde, “ninguém quer investir ou apostar num projecto destes, muito menos quando isso implica trabalho nocturno”. E mesmo com apoios financeiros “não se investe nesta área”, referindo que “no âmbito do Programa Operacional do Potencial Humano (POPH) havia possibilidades se apresentar candidaturas nesta área e não apareceu nenhuma”.
Mas, segundo aquela responsável, “o caminho a seguir tem que ser por aí”. Perante a realidade, “a maior riqueza que se pode dar a estes meninos é ajudá-los a serem o mais autónomos e integrados na sociedade possível”, frisou Lucinda Vilaverde, admitindo que “enquanto a sociedade não os incluir, a inclusão não funciona”.
No trabalho que é feito diariamente junto destes utentes, as actividades lúdicas e recreativas são as que permitem mais resultados. “Todos eles são muito bem comportados porque gostam desta ou daquela actividade e canalizam tudo para a tarefa que mais gostam. Assim são felizes e é muito fácil fazê-los felizes”.
E justificou: “com pequenos gestos ficam felizes. Desde que saibamos olhar para eles é muito fácil e o retorno acaba por ser imediato. Eles enchem-nos de beijos e abraços e esses momentos são os mais gratos da vida”. Para aquela responsável “não há nenhuma área tão grata como esta e quem está de fora não percebe que é tão gratificante trabalhar com eles”.Estas crianças quando nascem “são filhas de Deus menor e as expectativas dos pais são tão poucas, que muitos desistem delas”.
(Continuação do texto em Correio do Minho)