quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Não é preciso ser surdo para aprender língua gestual portuguesa na escola

Há 17 estabelecimentos de ensino de referência para a educação bilingue de estudantes surdos, alguns têm disciplina como opção. Em maio, existiam 70 docentes de LGP.

Pedro Pires sabe de cor o alfabeto em Língua Gestual Portuguesa (LGP). Sabe, também, comunicar com as mãos o nome de objetos e das cores. Atualmente, está a aprender os verbos e, com entusiasmo, diz querer descobrir mais. Pedro tem nove anos, não é surdo e, à semelhança dos colegas do Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade, no Porto, está a aprender LGP. O agrupamento integra a lista de 17 estabelecimentos de ensino que compõem a rede de referência para a educação bilingue de alunos surdos e decidiu alargar a aprendizagem da LGP a todos os estudantes. Com ou sem surdez. (...)

Fonte: Continuação da notícia em JN, por indicação de Livresco

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Alteração do regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré- -escolar e nos ensinos básico e secundário

O Decreto-Lei n.º 112/2023, de 29 de novembro, altera o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, na sua redação atual.

De acordo com o preâmbulo, o presente decreto-lei vem, por um lado, adequar os princípios gerais que regem a organização da formação dos cursos que conferem habilitação profissional para a docência às atuais orientações gerais de política educativa, passando a ter como referência o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, as Aprendizagens Essenciais e a Educação para a Cidadania.

Por outro lado, de modo a atrair à profissão docente mais candidatos e a reter mais profissionais, introduzem -se regras específicas para a aquisição de habilitação profissional para a docência destinadas aos candidatos que possuam, pelo menos, 6 anos de serviço docente prestados nos últimos 10 anos, com avaliação mínima de Bom, no respetivo grupo de recrutamento, aos detentores do grau de mestre ou de doutor na área científica abrangida pelo respetivo grupo de recrutamento, bem como aos estudantes que tendo frequentado estes cursos não os tenham concluído.

Destacam-se algumas das alterações introduzidas:

A formação na área educacional geral integra, em particular, as áreas da psicologia do desenvolvimento, dos processos cognitivos, designadamente os envolvidos na aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática elementar, do currículo, da educação para a cidadania, da avaliação das aprendizagens, da organização escolar, da educação inclusiva, das necessidades específicas e da organização e gestão da sala de aula, bem como do uso das tecnologias digitais em educação.

A prática supervisionada é a componente central do estágio de natureza profissional objeto de relatório final.

Sem prejuízo da autonomia dos estabelecimentos de ensino superior, a organização da prática de ensino supervisionada obedece às especificidades dos ciclos de estudo frequentados pelo estudante, sendo assegurada por este em coadjuvação com o orientador cooperante.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Programa luso-galaico "Ponte nas Ondas" implementado em 20 centros escolares da Galiza

O projeto luso-galaico “Ponte nas Ondas”, que em 2022 foi reconhecido pela UNESCO como modelo de boas práticas de salvaguarda de Património Cultural Imaterial, vai ser implementado em 20 centros escolares da Galiza.

“A Galiza será pioneira em contar com centros que trabalham com um modelo de boas práticas reconhecido pela UNESCO e que vai ser referência a nível internacional, pois não existe atualmente nenhuma rede de ensino formal deste tipo impulsionada por um Governo”, realça a Associação Cultural e Pedagógica Ponte...nas Ondas!

Em comunicado enviado às redações, a associação indicou que a implementação daquele programa educativo foi confirmada na última semana pelo Conselho de Educação da Junta da Galiza.

Segundo a associação, “a implantação deste modelo tem como finalidade a salvaguarda do património cultural imaterial mediante a sensibilização das gerações mais novas a partir da escola com atividades culturais e pedagógicas”.

Para a associação, “o sistema educativo galego será, assim, um exemplo em matéria de sensibilização com o património desde a infância”.

“A incorporação desta ação no sistema educativo faz-se através de uma convocatória aberta a todos os centros públicos que, em modo experimental, contempla a adesão, numa primeira fase, de até 20 centros públicos do ensino infantil, primário, secundário e bacharelato. Os selecionados passarão a fazer parte da Rede de centros Ponte... nas Ondas!”, destaca a nota.

O “modelo internacional de educação em matéria de património Ponte... nas Ondas!” vai ser debatido durante o sexto congresso internacional sobre património imaterial e educação que decorrerá entre quinta-feira e sábado, na Faculdade de Educação e Trabalho Social do ‘campus’ de Ourense, da Universidade de Vigo, na Galiza.

Naquele espaço estará patente uma mostra intitulada “Imagens do Património”, e uma exposição alusiva ao 20.º aniversário da Convenção da UNESCO de salvaguarda do Património Cultural Imaterial.

Está ainda preparada para quinta-feira, entre as 11h00 às 13h00, na Praça Maior, uma atividade dirigida ao público infantil, envolvendo mais de 200 alunos do ensino primário para dar conhecer vários jogos tradicionais das duas regiões vizinhas.

O projeto Ponte... nas Ondas! nasceu há mais de 25 anos nas escolas do sul de Pontevedra, em Espanha, e do Alto Minho, em Portugal.

Através da associação com o mesmo nome, o trabalho desenvolvido foi no sentido de “salvaguardar o património cultural imaterial na fronteira portuguesa e galega, mediante a criação de espaços onde o património se pudesse praticar e transmitir às gerações mais novas”.

Coordenados por docentes galegos e portugueses, alunos de escolas de Portugal e da Galiza têm participado nos concursos de recolha do património imaterial, entre outros eventos e atividades organizados pela associação.

Em dezembro de 2022, o projeto luso-galaico “Ponte nas Ondas” foi reconhecido pela UNESCO e passou a integrar o Registo de Boas Práticas de Salvaguarda de Património Cultural Imaterial, tornando-se na primeira candidatura portuguesa e galega da lista.

Fonte: Porto Canal por indicação de Livresco

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Imaturos, inseguros, dependentes e egoístas

Há um par de semanas foi noticiado que os professores do Ensino Superior se queixam da imaturidade crescente dos jovens e, coisa inaudita, da interferência dos pais na vida académica dos filhos, com interpelações aos docentes e às instituições. Algo nunca visto! É preciso acautelar que nos referimos a tendências no seio de uma população estudantil muito heterogénea. Não são, porém, tendências surpreendentes para os educadores de infância e professores dos ensinos Básico e Secundário, que há várias décadas vêm observando, através da sua relação quotidiana com os encarregados de educação, as crianças e os alunos, alterações importantes na vida das comunidades e das famílias com que trabalham.

A brincadeira livre e o convívio na rua e na comunidade desapareceram das vivências das crianças e dos jovens, que têm hoje existências hiper-reguladas pelos adultos. Com isto foi-se perdendo a exposição ao risco, o confronto com as adversidades, a cultura de negociação com o outro, a capacidade de adaptação, a confiança para ultrapassar desafios, entre outros aspetos que são fundamentais numa educação dos mais novos, que os torne jovens adultos autónomos, confiantes e expeditos na resolução dos seus próprios problemas. Junta-se a esta mudança social a penetração maciça das tecnologias digitais na vida quotidiana. Não obstante os seus enormes benefícios, a verdade é que sem a adequada supervisão, tendem a promover o isolamento, a alienação e o sedentarismo, com todos os seus malefícios.

Para este cenário têm contribuído - e os docentes sabem-no bem - as próprias famílias que, em vez de promoverem o distanciamento e abrirem espaços de autonomia, tendem cada vez mais a cercar os filhos numa cultura de hiper-regulação, que sufoca o desenvolvimento das crianças e dos jovens. A preocupação de tudo proporcionar, de tirar todos os obstáculos da frente, a insegurança e o medo de que algo aconteça, promovem, sobretudo nos novos pais escolarizados das classes médias, uma cultura de superproteção adulta que, a prazo, mais não fará do que criar jovens adultos imaturos, inseguros, dependentes e egoístas.

Estas tendências - que agora chegaram ao Ensino Superior - são mais preocupantes do que à primeira vista possa parecer, porque, ao fim e ao cabo, relacionam-se, muito para além do indivíduo, com a construção da nossa vida em comunidade, da nossa vida nas instituições, enfim, com a construção sociocultural do nosso modo de vida democrático. Vários académicos, de entre os quais se tem destacado a voz do professor Carlos Neto, têm alertado para a urgência de inverter este caminho.

As soluções são naturalmente complexas. Mas, mais uma vez, da mesma maneira que foram os primeiros a verificar estas mudanças no terreno e as suas consequências, os educadores e professores podem dar um importante contributo para intervertê-las, através das parcerias escola-família-comunidade. Ao fazê-lo estarão também a criar as condições políticas para uma discussão urgente: a de uma nova visão de conciliação entre a família e o trabalho, que crie as bases para uma nova cultura de transição entre a escola, a família e a comunidade.

Pedro Patacho

Fonte: DN por indicação de Livresco

domingo, 26 de novembro de 2023

Autismo e sexualidade: uma conversa necessária

A Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma perturbação do neurodesenvolvimento que se manifesta através de dificuldades nas interações sociais e padrões restritos e repetitivos de comportamento. Muitas vezes, as pessoas com PEA têm dificuldades em iniciar e manter relacionamentos, já que é um desafio compreender as pistas de comunicação não verbais: tom de voz, expressão facial, postura corporal, entre outras.

Para fazer face a estas dificuldades, são muitas vezes trabalhadas competências sociais que permitam reconhecer estas pistas e responder adequadamente em situações sociais, mas ainda há um longo caminho a percorrer no domínio das relações amorosas e sexuais dos adultos com PEA.

Estas relações são cruciais no desenvolvimento emocional e social de qualquer pessoa, e para a população com PEA surgem desafios associados à sua dificuldade na compreensão de normas sociais e de interação. No entanto, frequentemente existe medo associado à exploração da sexualidade em pessoas com PEA. São ouvidas preocupações relativamente a comportamentos sexuais desadequados, fala-se de risco e consentimento, mas será que o evitamento é solução? Será que falar sobre o assunto irá aumentar dificuldades?

Começamos a perceber que o caminho é outro, a informação é chave. É urgente olhar para os adultos com PEA como pessoas com autonomia e identidade sexual, intervir e capacitar, usando metodologias apropriadas para o seu perfil.

De facto, o namoro envolve a compreensão de normas sociais complexas, que poderão não ser intuitivas para adultos com PEA. Pode ser uma experiência stressante e desconfortável que leva a um sentimento de fracasso e desistência. Este evitamento tem consequências importantes para a inclusão social e emocional dos adultos com PEA. Desenvolver competências sociais e emocionais relacionadas com o namoro e sexualidade pode ser um aliado na construção de autonomia e autoestima desta população, aumentando as suas experiências de sucesso e permitindo que tomem decisões informadas e façam escolhas conscientes e responsáveis sobre os seus relacionamentos e intimidade.

Trabalhar questões como o consentimento, privacidade e limites pode proteger pessoas com PEA de situações de risco, e capacitá-las para uma maior adequação e sucesso na procura de relações amorosas. Para além disso, a aprendizagem de competências de comunicação assertiva, resolução de conflitos e empatia pode ajudar a estabelecer relacionamentos saudáveis, tanto românticos como de amizade.

Para além do impacto nas relações, a educação sexual pode apoiar os adultos com PEA no desenvolvimento do seu autoconceito e compreensão do seu próprio corpo. Ao aumentar a informação sobre o tema, promove-se também a diminuição do preconceito acerca da sexualidade destas pessoas, criando uma cultura de compreensão e aceitação, essencial para o seu bem-estar.

É necessário capacitar familiares e profissionais de saúde especializados, de modo a providenciar apoio adequado às necessidades de cada pessoa com PEA, adaptando a intervenção de acordo com o grau de dificuldade do indivíduo. É fundamental criar um ambiente de respeito, aberto ao diálogo e livre de julgamentos para que as pessoas com PEA se sintam confortáveis para fazer perguntas e expressar as suas questões acerca de relações amorosas e sexuais.

Beatriz Carvalho

Fonte: Público de acesso livre

Número de alunos estrangeiros subiu 60% em 10 anos e todos os dias chegam mais. Professores queixam-se da falta de respostas adequadas

“Se vêm para Portugal têm de falar português. As pessoas dizem isto. Mas temos condições para isso acontecer?” A professora Ana Cardoso não responde imediatamente à pergunta que ela própria lança para o ar. Dá aulas de Português e de Português Língua Não Materna (PLNM), o que quer dizer que boa parte dos alunos estrangeiros do seu agrupamento vão parar à sua sala de aulas, principalmente aqueles que não falam uma palavra de português. Este ano letivo tem 30 alunos de PLNM, mas antes de um dia de aulas chegar ao fim podem sempre chegar mais. Todos os dias as escolas portuguesas recebem novos alunos estrangeiros e no seu agrupamento as partidas e chegadas são constantes. Ali, nas Escolas da Baixa da Banheira — Vale da Amoreira (Moita, distrito de Setúbal), há cerca de 100 alunos nas aulas de Português Língua Não Materna.

José Fernando é professor há 39 anos, mas foi nos últimos dois que se habituou a andar com um mapa para todo o lado. Não é para fazer viagens, embora tenha muitos países assinalados no mapa, mas antes uma ferramenta para o seu cargo de coordenador de PLNM na Escola Secundária Aurélia de Sousa, no Porto. “Este mapa está sempre em reformulação, porque isto é um fenómeno semanal, já nem é mensal. Quase invariavelmente, todas as semanas tenho alunos novos a chegar à escola e a lista está em alteração desde setembro.”

Olhando para o papel, onde tem todos os alunos que não sabem falar português, recita o nome dos países que estão ali a saltar à vista. “Colômbia, Estónia, Índia, Equador, Venezuela, Argentina, Marrocos, Ucrânia, Bangladesh, Rússia, Vietname, Costa do Marfim, Nepal… Somos um mosaico, com meninos de todos os espaços geográficos”, diz o professor. Em janeiro, no seu agrupamento, havia cerca de 250 alunos não nacionais para um total de 1.700. (...)

Fonte: Continuação da notícia em Observador, por indicação de Livresco

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Que efeito têm as salas de aula em plano aberto no desenvolvimento da leitura no ensino básico?

Uma investigação recente mostra que a configuração da sala de aula influencia o desenvolvimento da leitura no ensino básico. Este estudo explorou os efeitos potenciais do ambiente físico da sala de aula (comparando plano aberto e plano fechado) no progresso académico dos alunos; em concreto, o desenvolvimento da leitura nestas duas configurações. Os resultados obtidos sugerem um efeito negativo das salas de aula abertas nessa progressão.

Para este estudo, os seus autores — Gary Rance, Richard C. Dowell e Dani Tomlin, da Universidade de Melbourne, na Austrália — monitorizaram, ao longo de um ano, um grupo de alunos dos 7 aos 10 anos enquanto alternavam entre os períodos escolares passados em salas de aula abertas (com várias turmas presentes num mesmo espaço físico) e em salas de aula fechadas (com uma turma por espaço). Mantiveram-se durante o estudo todas as condições de aprendizagem (como a turma e os professores), ao passo que o ambiente físico foi alternando, período a período, com uma parede divisória portátil e tratada acusticamente. Cada aluno, matriculado no 3.º ou no 4.º ano de escolaridade, foi considerado pelo respetivo professor como tendo um desenvolvimento típico para a idade. Estes alunos também eram audiometricamente normais e não tinham dificuldades cognitivas. Submeteram-se 196 alunos a uma avaliação inicial com determinadas componentes académicas, cognitivas e auditivas, dos quais 146 completaram o protocolo longitudinal — desenvolvido ao longo de três períodos escolares —, o que lhes permitiu serem sujeitos a uma avaliação repetida, para comparar o desenvolvimento dos alunos nas fases de estudo de plano aberto e de plano fechado. Destes 146, metade estava em turmas de plano aberto/fechado/aberto, a outra metade em turmas de plano fechado/aberto/fechado.

Os resultados mostram que a configuração da sala de aula teve um efeito significativo na taxa de desenvolvimento da fluência de leitura. Dos 146 participantes, 94 (64,4%) apresentaram uma taxa mais alta de desenvolvimento nas fases de estudo em plano fechado. As pontuações de leitura em sala de aula fechada foram significativamente maiores do que em sala de aula aberta, durante todo o estudo. A pontuação média obtida no teste de fluência de leitura foi 6,8 palavras por minuto mais baixa para cada período escolar passado na condição de plano aberto.

Este estudo também sugere que o aumento do ruído, em fases de plano aberto, é uma explicação possível para os resultados obtidos. Este ruído inclui quer o ruído de fundo, quer o ruído das vozes de professores e de alunos de outras turmas, característicos da configuração de sala de aula de plano aberto, porque limitaria quão bem uma criança conseguiria ouvir o professor. Além disso, acredita-se que a distração visual do movimento nas turmas adjacentes, no ambiente de plano aberto, também afetaria a capacidade de perceção da fala pela criança.

À luz destas evidências, a sala de aula é muito mais do que um mero espaço físico. Pode ser um ambiente auditivo desafiador, sobretudo para alunos mais jovens, e com mais dificuldades em distinguir a fala de outros ruídos. Impõe-se assim uma atenção redobrada a esta importante variável para uma aprendizagem da leitura que seja o mais efetiva possível.

Referência bibliográfica

Rance, G., Dowell, R. C., & Tomlin, D. (2023). The effect of classroom environment on literacy development. Npj Science of Learning, 8(1). https://doi.org/10.1038/s41539-023-00157-y

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Semestralidade: sinal de mudança

Dos trimestres com dezenas de anos, aos semestres ainda com pouco tempo de vida, esta mudança de organização temporal do ano lectivo tem qual razão como pano de fundo? Qual é a intencionalidade desta mudança?
Há escolas com características muito próprias na sua população escolar, onde o desempenho a ser medido trimestralmente não é o tempo necessário para mostrar compreensão, apropriação e utilização apropriada das aprendizagens. É, pois benéfico esticar o tempo para que aquilo que pode ser designado por sucesso apareça e se multiplique.

Esta mudança justifica-se com uma intencionalidade e quando assim é a burocracia aligeira-se e dilui-se no tempo, ao mesmo tempo que o trabalho de acompanhamento e consolidação das aprendizagens se concretiza de forma muito positiva. E tudo isto para alcançar aquilo que cada escola, com a sua população e no seu contexto, pode chamar e chama de sucesso, o que não é obviamente igual para todos.

Também pode haver o recurso à semestralidade para que aquelas populações escolares acima da média possam ainda ser melhores, dentro do conceito de disciplinas anuais que o currículo do ensino básico acarreta. Há escolas particulares, com currículo próprio, que com a divisão das disciplinas pelos ciclos, podem promover a tal excelência perseguida desde sempre por este tipo de ensino, uma vez que as disciplinas ficam com maior incidência durante um tempo considerável e consequentemente maior possibilidade de sucesso, ou seja, de notas excelentes, pois o foco e atenção de todos, alunos e professores consegue estender-se no tempo.

O mesmo objectivo, aumentar o sucesso escolar, o que aqui significa, ter melhores notas, é utilizado por casos de excepção. Tanto por escolas que pretendem dar mais tempo para que o sucesso possa acontecer, como por escolas que querem exponenciar o sucesso que já alcançaram.

Quando nenhuma destas hipóteses, ou outra, está em questão, e não existe qualquer intencionalidade pedagógica para esta alteração temporal do calendário escolar e que interfere com todas as rotinas familiares e sociais, não há motivo para tal mudança.

Na maioria das escolas que funcionam em semestralidade, a intenção é dar um sinal de modernidade e inovação à comunidade educativa, escolar e à sociedade. Apenas essa é a ideia: “Vamos inovar e organizar o ano em dois semestres!” Quando este é o mote, habitualmente a burocracia continua igual à organização em trimestres. As avaliações, informações, reuniões, papéis para preencher, contas a prestar, a divisão e selecção das matérias continua a mesma e nada se altera a não ser as temporalidades do ano lectivo.

Este tipo de alterações de organização do ano lectivo disfarçadas de inovação, de inovação não tem nada, pois são vazias de intencionalidade que o estender do tempo pode trazer. Seja para facilitar o potenciar ou exponenciar do sucesso escolar ou outra que sirva este propósito, que pode ser, apenas e na verdade, diminuir a excessiva dimensão burocrática das actividades complementares à função docente.

As possíveis alterações, para que tenham o nome de inovação, devem ser feitas de acordo com o contexto, de modo que contribuam para a melhoria de algum aspecto em concreto, seja organizacional, pedagógico, burocrático, de recursos humanos ou outro; e não com a máscara da mudança para a modernidade a actualização das práticas.

Estas situações são facilmente percepcionadas pelos docentes que leccionam nestas escolas, pela não-alteração e falta de ajuste de práticas burocráticas, concretamente de avaliação dos alunos, e pelos alunos a quem continuam a ser solicitados os desafios de aprendizagem ao ritmo trimestral. A organização escolar carece de intencionalidade e esta deve ser analisada e cuidada. Para bem de todos os actores escolares em especial dos alunos e dos professores. A inovação é bem-vinda, com justificação e sem máscaras.

Margarida Marrucho Mota Amador

Fonte: Público de acesso livre

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Apoio à aprendizagem e à inclusão, ano letivo 2021/2022

A DGEEC apresenta os principais resultados do questionário “Educação Inclusiva 2021/2022”, relativos a alunos e recursos humanos e materiais, e formas de organização e de envolvimento das comunidades educativas no apoio à aprendizagem e à inclusão, na realidade das escolas públicas da rede do Ministério da Educação.


Poderá aceder aos quadros de informação estatística aqui [PDF] [XLSX] [ODS] (NOVO)

Poderá aceder a uma breve análise dos resultados aqui [PDF] [FLYER] (NOVO)

Saúde Psicológica e Bem-estar: Observatório da Saúde Psicológica e Bem-estar

A Direção-Geral de Estatística da Educação e Ciência (DGEEC) disponibiliza o relatório "Saúde Psicológica e Bem-estar: Observatório da Saúde Psicológica e Bem-estar".

De entre as conclusões gerais do estudo, destacam-se as seguintes:
  • Os respondentes realçam a implementação de medidas no âmbito do desenvolvimento das competências socioemocionais, bem como a capacitação/formação dos diretores escolares, docentes e encarregados de educação para a promoção de competências socioemocionais;
  • A falta de recursos técnicos nos estabelecimentos de ensino, nomeadamente psicólogos;
  • Refere-se a necessidade de envolver mais os psicólogos escolares no ambiente da escola;
  • Reporta-se também a pertinência da possibilidade de aplicar o estudo aos alunos pós-secundário, às famílias em geral e, ainda, ao pessoal não docente;
  • Realça-se a necessidade de articulação da escola com os serviços de saúde públicos e da comunidade;
  • Para além da realização de estudos periódicos, foi ainda referida a necessidade da partilha de boas práticas na prevenção e promoção da saúde mental em contexto escolar, dirigida a alunos e pessoal docente e não docente;
  • Refere-se, ainda, que a classe docente está em situação de fragilidade psicológica, e que o excesso de burocracias, associado à falta de tempo, é percebido como um fator com impacto negativo na sua saúde psicológica e bem-estar.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Ensino profissional - uma via de estudos com saída

Associados a elevadas taxas de empregabilidade, o ensino e a formação profissional são uma prioridade a nível europeu. Em alguns países a opção por esta via de estudos chega aos 70%, contudo, noutros, o ensino profissional continua a ser ignorado por boa parte dos jovens. Este foi o tema em debate esta semana no Educar tem Ciência, um projeto da Iniciativa Educação em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo, que contou com a presença de Nuno Crato, presidente da Iniciativa Educação, e João Santos, durante mais de 30 anos especialista da Comissão Europeia para assuntos relacionados com o emprego, questões sociais e inclusão e, mais recentemente, os programas de ensino vocacional.

"As instituições europeias e os Estados-membros concordaram em assignar à formação profissional importantes recursos financeiros", garante João Santos, que dá como exemplo o programa Erasmus +, que inclui cinco mil milhões de euros destinados a formação profissional. Ainda assim, cabe a cada Estado definir as suas regras para o ensino profissional, o que faz com que esta seja uma realidade vivida de forma diferente um pouco por toda a Europa.

As estatísticas divulgadas pelo Eurostat mostram que, em média, cerca de 48% dos alunos no ensino secundário optam pela via do ensino profissional. No entanto, há países onde esta percentagem ronda os 70% e outros onde não ultrapassa os 15%. Mais transversal é o bom nível de empregabilidade associado a esta via de ensino: na Alemanha é de 93% (na via tradicional é de 64%) e, em Portugal, onde 38% dos alunos do ensino secundário seguem a via profissional, 83% destes encontram emprego pouco tempo depois. "Quem escolhe o ensino geral e depois não vai para as universidades tem uma taxa de emprego de cerca de 73%, cerca de dez pontos percentuais inferior a alguém que vá para o ensino profissional", afirma João Santos.

Na Europa, muitos dos centros de formação profissional europeus têm parcerias com ONG, empresas e centros de emprego, como forma de dar resposta às necessidades de desenvolvimento local e regional. O grande desafio, defende João Santos, é dar aos jovens as competências necessárias para lidar com um futuro de mudanças constantes. "Um jovem que termine hoje a sua formação (profissional ou o ensino superior) pode esperar ter até 12 transições profissionais durante a sua vida ativa", refere.

Nuno Crato sublinha a necessidade de estas competências serem desenvolvidas em torno de questões concretas. João Santos concorda e dá como exemplo o empreendedorismo. "Pode ser aprendido como uma disciplina à parte, mas aprende-se mesmo aplicando-o em concreto. E empreendedorismo é mais do que criar uma empresa, também é a vontade de dar propostas, de resolver, e isso aprende-se a trabalhar".

Para João Santos, o ensino profissional é uma opção de qualidade que deve ser como uma "forma de desenvolver competências e ter uma vida digna e com qualidade de trabalho". Mas, para isso, diz, "há a necessidade de as empresas colaborarem muito mais com as escolas para as ajudar a entender quais as necessidades do mercado de trabalho e ajudar os alunos a facilitar a transição da escola para o emprego".

"Por vezes, a colaboração entre as escolas e as empresas é muito mais difícil do que parece, mas também é muito mais frutuosa do que parece", alerta, por seu turno, Nuno Crato. "Todos sabemos que a nossa sociedade precisa de uma série de profissões que não tem e há muitos jovens que gostariam de ter emprego e não têm. Porque é que as duas coisas não se juntam? Este esforço deveria ser um desígnio nacional", defende o presidente da Iniciativa Educação.

Fonte: Dinheiro Vivo por indicação de Livresco

domingo, 19 de novembro de 2023

Estudo de mudança de jogo identificou a causa do TDAH

De acordo com a Organização Mundial da Saúde , estima-se que o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) afete aproximadamente 5% das crianças em todo o mundo e 2,5% dos adultos. Esse distúrbio se manifesta como desatenção, hiperatividade, impulsividade e dificuldade de concentração e pode influenciar muito o funcionamento acadêmico e social de uma pessoa.

Embora o TDAH tenha sido reconhecido como tendo uma base genética, os genes específicos implicados têm sido difíceis de identificar. No entanto, avanços recentes nos aproximaram de desvendar esse mistério.

Cientistas israelenses identificaram com sucesso um gene específico, o CDH2, que parece estar significativamente envolvido na progressão do TDAH. O gene CDH2 codifica a N-caderina, uma proteína crucial para facilitar a atividade e formação de sinapses cerebrais.

Através da sua investigação, os investigadores descobriram que uma mutação no CDH2 perturba esta atividade, influenciando as vias moleculares e os níveis de dopamina em duas regiões cerebrais específicas associadas ao TDAH: o mesencéfalo ventral e o córtex pré-frontal.

Pesquisadores da Universidade Ben-Gurion do Negev e do Soroka-University Medical Center conduziram o estudo, que foi publicado na revista acadêmica revisada por pares Nature Communications .

Usando a tecnologia CRISPR, a equipe introduziu uma mutação específica nos genes correspondentes dos camundongos, resultando em hiperatividade hereditária. Os ratos exibiram sintomas de TDAH em 15 testes comportamentais diferentes, estabelecendo-os como um modelo confiável para investigar o transtorno.

“Esta descoberta é um grande passo em frente na nossa compreensão da base genética do TDAH”, disse o Prof. Ohad Birk, um dos autores do estudo. “Além da importância científica de encontrar um delineamento claro de uma nova base genética e vias moleculares para o TDAH, tanto as células humanas mutantes quanto a cepa de camundongo portadora da mutação humana podem servir como um sistema modelo eficaz para a descoberta de novos medicamentos para TDAH."

O estudo pode ter implicações significativas para o tratamento e gestão do TDAH. Embora o distúrbio seja normalmente tratado com medicamentos, como estimulantes e não estimulantes, estes podem ter efeitos colaterais significativos, incluindo diminuição do apetite, insônia e alterações de humor. A descoberta do CDH2 como um gene chave envolvido no TDAH poderia levar ao desenvolvimento de tratamentos mais direcionados e eficazes.

Outros estudos já foram iniciados pela equipe Birk do Instituto Nacional de Biotecnologia do Negev (NIBN) da BGU, para explorar as vias moleculares envolvidas no TDAH e desenvolver novos tratamentos baseados neste conhecimento.

A equipe também está trabalhando para identificar outros genes envolvidos no TDAH e para compreender como os fatores ambientais podem interagir com a predisposição genética para afetar o desenvolvimento do transtorno.

Embora a descoberta do CDH2 como um gene chave envolvido no TDAH seja um avanço significativo, é improvável que seja o único gene envolvido. O TDAH é um distúrbio complexo que provavelmente tem múltiplas causas genéticas e ambientais, e mais pesquisas serão necessárias para compreender completamente seu desenvolvimento e progressão.

Este estudo representa um importante passo em frente na nossa compreensão da doença e da sua biologia subjacente.

Sintomas de TDAH

Algumas pessoas com TDAH apresentam menos sintomas à medida que envelhecem, mas alguns adultos continuam a apresentar sintomas importantes que interferem no funcionamento diário, de acordo com a Clínica Mayo . Nos adultos, as principais características do TDAH podem incluir dificuldade de prestar atenção, impulsividade e inquietação. Os sintomas podem variar de leves a graves.

Muitos adultos com TDAH não sabem que o têm – eles apenas sabem que as tarefas diárias podem ser um desafio. Adultos com TDAH podem ter dificuldade em se concentrar e priorizar, levando a prazos perdidos e reuniões ou planos sociais esquecidos. A incapacidade de controlar os impulsos pode variar desde a impaciência ao esperar na fila ou dirigir no trânsito até alterações de humor e explosões de raiva.

Os sintomas de TDAH em adultos podem incluir:
  • Impulsividade
  • Desorganização e priorização de problemas
  • Fracas habilidades de gerenciamento de tempo
  • Problemas para focar em uma tarefa
  • Problemas ao realizar multitarefas
  • Atividade excessiva ou inquietação
  • Mau planejamento
  • Baixa tolerância à frustração
  • Mudanças de humor frequentes
  • Problemas para acompanhar e concluir tarefas
  • Temperamento quente
  • Problemas para lidar com o estresse

Qual é o comportamento típico e o que é TDAH?

Além da Clínica Mayo , quase todo mundo apresenta alguns sintomas semelhantes ao TDAH em algum momento de suas vidas. Se suas dificuldades são recentes ou ocorreram apenas ocasionalmente no passado, provavelmente você não tem TDAH. O TDAH é diagnosticado apenas quando os sintomas são graves o suficiente para causar problemas contínuos em mais de uma área da sua vida. Esses sintomas persistentes e perturbadores remontam à primeira infância.

O diagnóstico de TDAH em adultos pode ser difícil porque certos sintomas de TDAH são semelhantes aos causados ​​por outras condições, como ansiedade ou transtornos de humor. E muitos adultos com TDAH também apresentam pelo menos um outro problema de saúde mental, como depressão ou ansiedade.

Fonte: https://www.thebrighterside.news/ por indicação de Livresco

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Percursos curriculares diferenciados

A clarificação operacional da medida de percursos curriculares diferenciados, prevista na alínea a) do número 2 do artigo 89.º do Decreto-lei n.º 54/2028, de 6 de julho, na redação atual, continua a merecer consideração.

A "versão 8a" das Questões Frequentes sobre esta temática (Questão 9), contrariamente à resposta "versão 2", refere:

9. Os Percursos Curriculares Alternativos constituem percursos curriculares diferenciados, para efeitos do Artigo 9.º do DL. 54/2018, de 6 de julho?

NÃO.

O Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, refere, no n.º 2 do Artigo 9.º “Consideram-se medidas seletivas: Os percursos curriculares diferenciados”, sem especificar que tipo de percursos curriculares diferenciados abrange. Com a publicação da Portaria 181/2019, de 11 de junho, há que ter em conta:

- De acordo com o disposto no artigo 7.º da citada portaria, as escolas podem conceber PCA para um conjunto de alunos do mesmo ano de escolaridade, para os quais uma gestão específica da matriz curricular-base, de caráter temporário, se constitua a resposta adequada.

- O n.º 4 do artigo 7 refere que “O disposto no presente artigo não prejudica a possibilidade de mobilização de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, a decidir pela equipa Multidisciplinar de apoio à educação inclusiva”, incluindo a medida seletiva: percursos curriculares diferenciados, alínea a) do n.º 2 do artigo 9.º do DL n.º 54/2018, de 6 de julho, de aplicação individual, caso se verifique a sua pertinência.

Em suma, os PCA são uma medida para um conjunto de alunos, enquanto os percursos curriculares diferenciados são aplicados individualmente a cada aluno, de acordo com as suas necessidades e independentemente da oferta educativa/medida curricular em que está inserido.

Bem, chegados a este ponto, emergem alguns questões. Sendo esta medida de caráter individual, o que se compreende, como se pode concretizar na prática?

Assume-se que os "percursos curriculares diferenciados" não podem implicar a eliminação de disciplinas nem pôr em causa as Aprendizagens Essenciais, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória. Então, como diferenciar o currículo ao nível dos percursos?

Parece-me pouco viável, quer do ponto de vista organizacional, quer funcional, quer, ainda, de gestão de recursos humanos, agregar e ou gerir disciplinas e tempos letivos, à semelhança dos Percursos Curriculares Alternativos (PCA), apenas para um aluno numa turma! Estaremos perante uma medida bem intencionada, mas impossível de concretizar?

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Mariana é médica, surda e a primeira nativa de língua gestual no SNS

Mariana Couto Bártolo nunca ouviu um som na vida. A surdez passou despercebida quase até aos dois anos, mas o diagnóstico foi contundente: “Surdez neurossensorial profunda.” Aos 29 anos, é médica interna no ano comum de formação – a única médica com surdez profunda desde que nasceu no país. É também a primeira falante nativa de língua gestual portuguesa no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Diz que ser surda lhe dá “uma sensibilidade e uma maneira diferente de observar os doentes”.

A médica, nascida em Setúbal e criada em Lisboa, conseguiu “mascarar” a surdez até aos dois anos – “vivia numa casa antiga com soalho de madeira e, quando sentia as vibrações, do chão virava-me” —, mas foi denunciada pelo ladrar de um cão: “Na creche havia um cão que ladrava sempre que os pais iam buscar as crianças”, recorda. Todas as crianças reagiam quando ouviam o cão, excepto Mariana, que continuava absorta nas suas brincadeiras.

Ironicamente (ou não), o seu primeiro sonho foi ser médica veterinária. Só no 9.º ano é que mudou de ideias, depois de uma professora de Matemática lhe ter “plantado a semente” da Medicina. “Esta professora perguntou-me por que é que eu não considerava ser médica e ajudar outras pessoas surdas”, lembra. E assim foi.

O percurso até lá chegar foi “desafiante”. Em conversa com o P3, lembra que as barreiras tiveram de ser ultrapassadas com “criatividade”, mesmo no curso de Medicina da Universidade Nova de Lisboa. As aulas tinham de ser “gravadas e transcritas” em conjunto com os colegas, que também reviam “o conteúdo cientificamente”.

O exame oral da “temível cadeira de Anatomia” foi outro dos momentos que lhe ficaram na memória: o professor não acedeu ao pedido de uma avaliação por escrito. “Não por discriminação”, ressalva, mas porque achou que reunia condições para a prova oral. “No dia do exame estava muito assustada, sobretudo porque não me ia expressar de uma forma que é natural para mim — tenho voz de surda”, confessa.

“Deaf gain”

Foi com esforço (e uma boa dose de criatividade) que chegou ao consultório. Hoje, admite, a comunicação com os doentes pode tornar-se desafiante, mas isso não a assusta: “Ao longo de toda a minha vida sempre me adaptei aos outros, tentando várias formas de comunicar até me entenderem”.

“Começo pela via oral, esclarecendo que sou surda e que faço leitura labial. Se me compreenderem e eu a eles, o que acontece na maioria dos casos, o atendimento prossegue assim”, exemplifica. Quando a comunicação não é clara, escrever num papel ou no computador as perguntas que precisa de ver esclarecidas é a estratégia que usa.

No contacto com os doentes, acredita que a surdez a dotou de uma “sensibilidade” e forma de observar as pessoas e a sua expressão facial que se revela muito útil. Explica que na comunidade surda existe o conceito de “deaf gain”, que alude à surdez não como uma deficiência, mas como algo positivo e vital para a diversidade humana, o “reconhecimento e valorização das experiências e habilidades únicas das pessoas surdas”, esclarece Mariana.

Ainda há quem acredite que Mariana não pode “exercer qualquer especialidade, especialmente as que envolvem muita comunicação”, mas a médica rejeita essa opinião: são “barreiras impostas pela sociedade e pelo que é considerado a norma” e que podem ser facilmente ultrapassadas, especialmente com o recurso à tecnologia.

“Tenho as mesmas responsabilidades do que qualquer outro colega no mesmo patamar e cumpro as minhas funções com rigor.”

A língua gestual como primeira língua

A principal diferença surge quando, à sua frente, encontra alguém que também é surdo. É a primeira médica falante nativa de língua gestual portuguesa (https://www.publico.pt/2018/11/14/p3/noticia/ja-esta-online-o-primeiro-dicionario-de-lingua-gestual-portuguesa-1851060) e, na comunicação com doentes surdos (especialmente nos casos mais complexos de doentes oncológicos ou internamentos psiquiátricos), já teve um papel essencial.

“A informação, transmitida com clareza, pode ser um factor determinante para a forma como os doentes surdos controlam e encaram o seu estado de saúde”, acredita. “Ainda há um longo trabalho por fazer” no SNS para que as pessoas surdas “possam ter acesso universal à saúde”, admite.

Essa diferença sente-se não apenas no acesso à saúde, mas também no acesso à educação. Depois de ter passado os primeiros anos de formação no Instituto Jacob Rodrigues Pereira (com ensino especializado para crianças surdas), a médica escolheu o ensino regular e chegou a ter “algumas horas de aulas por semana com recurso a intérpretes de língua gestual portuguesa”. Contudo, Mariana descobriu que “não gostava desse tipo de comunicação”, por ver o intérprete como um “intermediário”.

Preferindo sempre uma comunicação directa com as pessoas, optou, a partir do 9.º ano, por não ter intérprete nas aulas e esclarecer as suas dúvidas directamente com os professores.

Para ela, um ensino verdadeiramente eficaz para crianças surdas, que se equipare ao de crianças ouvintes, “tem de incluir o bilinguismo o mais precocemente possível”. É através da exposição constante, “tanto na escola como em casa”, com o português escrito e com a língua gestual portuguesa enquanto língua materna que as crianças surdas conseguem “ter um bom contacto com o mundo que as rodeia” e atingir o mesmo nível de aproveitamento escolar “que as demais crianças”, refere Mariana Bártolo.

E a saúde mental?

Para além do percurso na medicina, Mariana é também uma defensora activa dos direitos da comunidade surda – especialmente no que toca a saúde mental. É vicepresidente da Federação Portuguesa das Associações de Surdos e esteve envolvida na criação do primeiro curso de saúde mental para surdos (https://www.publico.pt/2022/11/15/p3/noticia/associacao-lanca-curso-saude-mental-surdos-portugal-2027835).

“As pessoas surdas têm maior propensão para doenças mentais”, contextualiza. Isso explica-se por vários motivos: a maior tendência para o isolamento devido às barreiras na educação ou no trabalho, a privação da língua ou “o facto de crescerem num ambiente em que a família não comunica com elas (https://www.publico.pt/2017/11/14/p3/noticia/a-vida-normal-dos-cottim-uma-familia-com-a-voz-nas-maos-1833317) — no caso de famílias que não dominem a língua gestual”.

“As doenças mentais que afectam as pessoas surdas são muito pouco estudadas”, afirma. “Os profissionais da área não estão informados nem preparados para interagir fluentemente com um doente surdo” e uma falha na comunicação resulta, muitas vezes, “em diagnósticos equívocos”. Ela quer mudar isso.

Fonte: Público na versão de acesso livre

terça-feira, 14 de novembro de 2023

“Referencial para a Inovação Pedagógica nas Escolas”

O Conselho Nacional de Educação, no âmbito da 2ª Comissão Especializada Permanente, concebeu um referencial com o principal propósito de contribuir para uma reflexão crítica sobre a educação e a inovação pedagógica nos contextos escolares.

Este referencial de suporte ao desenvolvimento e análise de iniciativas de inovação foi objeto de consulta em audições realizadas junto de um grupo diversificado de atores – IAVE, DGE, DGEstE, IGEC, diretores de CFAE, Presidente da Confederação da Associação de Pais, diretores de agrupamentos de escolas, coordenadores de projetos de inovação, educadores e educandos.

Paralelamente, o referencial foi igualmente objeto de análise num seminário organizado pelo Conselho Nacional de Educação, no qual participaram especialistas provenientes de instituições nacionais de ensino superior universitário e politécnico.

Aceda aqui ao Referencial para a Inovação Pedagógica nas Escolas.

Fonte: CNE

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Que papel para a Educação no próximo ciclo político?

Independentemente da densa penumbra que lhe envolve as causas, o país está a braços com uma profunda crise política, que muitos dizem ser, também, de regime.

É incerto o que se seguirá, perante uma fragmentação partidária que possibilita a construção de diferentes arranjos parlamentares, que pretenderão posicionar-se para apresentar uma solução de Governo para o país. Mas é certa a necessidade de criar um ambiente novo para a Educação em Portugal, a partir das diferentes opções e programas político-partidários que aí virão. Tornar-se-á indispensável identificar as grandes prioridades e construir os necessários compromissos que enformem soluções trabalhadas a partir de diferentes posições. E há coisas relativamente às quais não creio que se possa discordar, embora os diferentes partidos possam divergir nas soluções, pois são necessárias e muitas delas urgentes.

Veja-se:
- É urgente a revisão da carreira docente, para acelerar a progressão dos jovens professores e remunerar bem a profissão, tornando-a assim socialmente prestigiada e atrativa.

- É necessário assumir definidamente a total autonomia das escolas, diminuindo o peso do Ministério da Educação, o que deverá implicar uma total restruturação da máquina administrativa central e a revisão do modelo de gestão e administração das escolas.

- É imperativo acabar com a manta de retalhos em que se transformaram os documentos curriculares, consensualizando um currículo nacional do Ensino Básico e Secundário, associado a um perfil de cidadão escolarizado, que defina o que deve ser comum a todos, mas liberte espaço suficiente para o trabalho autónomo das escolas.

- É inadiável a estabilização da avaliação externa das aprendizagens dos alunos, nos vários ciclos de ensino. As escolas são em bem público e têm de prestar contas à cidadania, pelo que são necessários dados fiáveis e comparáveis ao longo do tempo, que permitam avaliar os resultados educativos que geram.

- Desburocratizar a vida nas escolas e a função dos professores, mais do que palavra de ordem, é imperioso e incontornável.

- Acelerar a reabilitação do parque escolar e a modernização tecnológica das escolas, expandir a rede de educação pré-escolar, a sua universalização e progressiva gratuitidade, são igualmente objetivos de grande importância.

Estes são alguns pontos sobre os quais é necessário negociar, assumir compromissos e tomar decisões. A manter-se o caminho titubeante que tem sido trilhado nos últimos anos, os problemas só se agravarão. Assim, a Educação deve ascender ao topo das prioridades políticas, se é que todos concordamos que as pessoas e o seu talento constituem o maior ativo de Portugal e fator crítico do desenvolvimento económico e social. Ora, se assim é, exige-se capacidade de entendimento, de gerar acordos, que promovam estabilidade, confiança e criem um tempo novo no que toca à definição e prossecução das políticas educativas em Portugal.

Pedro Patacho

Fonte: DN

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Redimensionamento do âmbito geográfico dos quadros de zona pedagógica

A Portaria n.º 345/2023, de 10 de novembro, procede ao redimensionamento do âmbito geográfico dos quadros de zona pedagógica e extingue os quadros de zona pedagógica criados pela Portaria n.º 156-B/2013, de 19 de abril.

Para efeitos da presente portaria, os docentes dos quadros de zona pedagógica extintos transitam por concurso, nos termos previstos no n.º 9 do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, para os quadros de zona pedagógica ora criados.

Vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões para 2023

O Despacho n.º 11476/2023, de 10 de novembro, fixa para o ano de 2023 as vagas para progressão aos 5.º e 7.º escalões da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário.

São fixadas, para o ano de 2023, as seguintes vagas para a progressão aos 5.º e 7.º escalões para os docentes a quem tenha sido atribuída a menção qualitativa de Bom na respetiva avaliação de desempenho e, cumulativamente, cumpram o requisito da formação:
a) Para o 5.º escalão, 2637 vagas;
b) Para o 7.º escalão, 1245 vagas.

Para os docentes que preencham os requisitos previstos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 74/2023, de 25 de agosto, que não progridam ao abrigo do disposto número anterior, são criadas vagas adicionais, nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 3.º daquele decreto-lei.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Alunos ciganos e imigrantes têm experiências e dificuldades idênticas na escola

As experiências e as dificuldades dos alunos ciganos nas escolas são semelhantes às das crianças e jovens imigrantes, nomeadamente em termos de discriminação, revela um estudo nacional sobre trajetórias escolares dos estudantes ciganos no ensino secundário.

A constatação está presente no livro "Ciganos/Roma e educação - investigação colaborativa e práticas de coprodução de conhecimento", que é apresentado na sexta-feira, em Lisboa, e resulta de um projeto de investigação (EduCig - Desempenhos escolares entre os ciganos: investigação-ação e projeto de co-design), que procurou compreender as trajetórias escolares dos estudantes ciganos no ensino secundário.

A investigação foi feita em 2021 e incluiu entrevistas a alunos ciganos, além de trabalho de campo com a participação de estudantes e mediadores ciganos que iam a escolas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto participar em 'workshops' e partilhar a sua experiência.

À Lusa, a coordenadora do trabalho de investigação explicou que nesses momentos o objetivo era "trabalhar com os alunos temas que tinham que ver com a multiculturalidade, o diálogo intercultural, o respeito pelo outro".

Manuela Mendes apontou que, apesar de as diferenças poderem ser muito diversificadas, o interesse da investigação estava nas diferenças culturais, raciais e étnicas.

"E mesmo não havendo entre o público, e aconteceu em algumas escolas, crianças e jovens ciganos, jovens de outras origens, por exemplo, afrodescendentes, jovens brasileiros, jovens chineses, identificaram-se, em grande medida, com os testemunhos que os jovens [ciganos] que nos acompanharam apresentaram", contou a socióloga.

Segundo Manuela Mendes, isso aconteceu tanto em relação a aspetos positivos da experiência dos alunos ciganos, quer em relação a "aspetos ligados à discriminação em contexto escolar", dando como exemplo casos de alunos que "só mais tardiamente" revelaram que eram ciganos, "quando sentiram condições de acolhimento para o fazer".

"Muitos [alunos estrangeiros] identificaram-se também com aquelas dificuldades, problemas, sentimentos que estes jovens [ciganos] retrataram", relatou, apontando que, por isso, algumas das recomendações feitas no estudo são transversais e irão beneficiar outros públicos que têm o mesmo tipo de dificuldades e não têm um acesso igualitário à escola.

Defendeu, por outro lado, que muitos dos jovens ciganos que participaram na investigação, alguns deles ativistas e que "assumem publicamente as suas pertenças em termos étnicos e culturais", podem servir como modelos de referência para outros jovens.

Manuela Mendes salientou que a escola pública tem cada vez mais uma diversidade maior, pelo que importa incluir não só os jovens, mas também as famílias e os representantes das pessoas ciganas, na definição de programas e de projetos políticos.

Uma recomendação que a investigadora defende que não se restrinja apenas à área da educação.

"É muito importante haver uma maior participação, maior envolvimento, encontrar mecanismos de coordenação de proximidade, que envolvam estas pessoas porque, no fundo, elas são o objeto destas medidas, mas muitas das vezes não têm uma voz ativa", sublinhou.

Este e outros dados do estudo, bem como as suas recomendações, são apresentados na sexta-feira, no Iscte - Instituto Universitário de Lisboa.

Escola deve ser mais acolhedora

A escola deve ser um lugar mais acolhedor para as crianças e jovens ciganos, defende o estudo, que recomenda o incentivo à participação das famílias, mediadores interculturais na escola, saúde ou trabalho e conhecimento da história ciganas.

a coordenadora da investigação apontou que um dos pontos de partida teve a ver com "a baixa percentagem de estudantes ciganos, principalmente a partir do terceiro ciclo, mas sobretudo ao nível do ensino secundário" e que ronda os 2,6%, segundo os dados mais recentes da Direção-geral da Educação.

"Apesar de todo o investimento feito em termos de políticas públicas (...), continua a haver esta grande distância [entre alunos ciganos e não ciganos], que tem obviamente a ver com desigualdades que são históricas e estruturais", disse Manuela Mendes.

Segundo a socióloga e investigadora integrada no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES), não se pode também esquecer que muitos dos estudantes acompanhados no estudo são oriundos de famílias de baixos recursos económicos, e que grande parte deles tem um percurso escolar marcado por retenções e absentismo.

Manuela Mendes sublinhou que "os ciganos são ainda um dos grupos mais afetados pela pobreza e pela exclusão social" e que se mantém uma "grande décalage entre aquilo que se passa entre a população cigana e a não cigana ainda hoje".

Defendeu, por isso, que "é muito importante incluir cada vez mais os jovens, as famílias e os representantes das pessoas ciganas na definição de programas e de projetos" nas escolas públicas, mas também noutras áreas.

"É muito importante haver uma maior participação, maior envolvimento, encontrar mecanismos de coordenação, de proximidade que envolvam estas pessoas, porque no fundo, eles são o objeto destas medidas, mas muitas das vezes não têm uma voz ativa na sua definição, na sua implementação", sublinhou, referindo que há "cada vez mais pessoas ciganas com ensino superior".

Acredita, por isso, que estas pessoas têm a formação técnica e académica adequadas a estarem à frente de organizações ou instituições ou serem, por exemplo, mediadores em entidades públicas ou privadas e, assim, "incluir a sua voz na definição destas medidas".

Por outro lado, que "a escola também tem que ser um lugar, obviamente, mais acolhedor" para as crianças e jovens ciganos e para as suas famílias, envolvendo-as "constantemente nas várias atividades", incentivando, para isso, a participação dos encarregados de educação quer na vida escolar, quer na vida social e comunitária da própria escola.

Salientou, nesse sentido, a importância da mediação intercultural, "quer na escola, quer noutros contextos", dando como exemplo a mediação para a empregabilidade, tendo em conta que ao mesmo tempo que há cada vez mais pessoas ciganas empregadas, "há outros que têm ainda muitas dificuldades em inserir-se no mercado de trabalho".

"Incluir os mediadores nos centros de emprego e formação, nos centros Qualifica [para qualificação de adultos], nas escolas, nas universidades", defendeu.

Deveria também, na sua ótica, haver em diversos cursos universitários, sobretudo os que implicam uma intervenção com as comunidades, "uma unidade curricular de comunicação intercultural ou de interculturalidade", onde fosse abordada a história e a cultura ciganas.

Sobre esta última questão, Manuela Mendes propõe a formação de professores e assistentes operacionais, uma vez que são muitas vezes estas pessoas que lidam e gerem conflitos entre a escola e a comunidade cigana, sempre com a participação das famílias, já que muitas vezes também "conhecem muito superficialmente a sua própria história".

Fonte: DN

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

O sistema de ensino está “completamente fora do prazo de validade”

Sugata Mitra traz uma fotografia com pernas de soldados, todos vestidos de igual, de camuflado e em passo coordenado, para ilustrar o que entende que se pretende com o modelo de ensino actual: um grupo de alunos muito parecidos, com quem quase se pode prever comportamentos e para os quais há quase a mesma resposta. "No passado, precisávamos de um sistema que produzisse pessoas idênticas. Isso era importante porque não tínhamos máquinas”, contextualizou a dada altura este cientista da computação e teórico educacional indiano. “Não precisamos disso agora, certo? O que queremos é que as pessoas sejam diferentes. É um sistema [de ensino] completamente fora do prazo de validade.”

Esta é umas das principais reflexões — transversal a outros oradores — deixadas no Innovators Forum'23, uma iniciativa que decorreu esta quarta-feira em Lisboa e que foi promovida pela Sonae (proprietária do PÚBLICO). Em debate estava o futuro da educação, que contributos pode a tecnologia dar ao sistema de ensino ou o que pode ser feito em termos de aprendizagem ao longo da vida. (...)



terça-feira, 7 de novembro de 2023

Associação dá explicações gratuitas a alunos com dificuldades

Explicamisto é uma associação de solidariedade social que desde 2012 oferece explicações gratuitas a alunos do ensino secundário. As inscrições para este ano letivo, tanto para explicadores como explicandos, terminam no dia 31 de outubro.

Esta associação foi fundada por João Molina, estudante de Engenharia no Ensino Superior, que tinha um irmão mais novo no ensino secundário a precisar de explicações. "Na altura a família não tinha capacidade financeira para pagar explicações privadas. O João sabia que tinha amigos que podiam ajudar e ele próprio também conseguia, além de que muitos estudantes da idade do irmão dele precisavam desta ajuda", conta Susana Carneiro, presidente da Explicamisto, ao DN. Assim nasceu a associação que, no ano letivo passado, tinha já 157 explicadores e 160 explicandos em todo o país.

Quando a ideia foi colocada em prática todas as explicações eram presenciais mas a pandemia, em 2020, empurrou este projeto para o mundo online. Susana explica que esta mudança permitiu uma maior abrangência. "Agora temos, por exemplo, explicandos da Madeira com explicadores do Porto".

Todo o trabalho feito pelos explicadores, pela direção da associação e pelos vários departamentos é voluntário e sem qualquer remuneração.

Antes de se tornar presidente, Susana Carneiro começou como explicadora de Física e Química e Matemática em 2020. É aluna de licenciatura em Física na Faculdade de Ciências na Universidade de Lisboa mas este ano não dá explicações devido ao trabalho que faz na direção da Explicamisto.

"Esperamos que este projeto seja também um elevador social e que funcione dessa forma. Os explicadores não ajudam apenas nas explicações mas também a guiá-los em como se candidatar à faculdade, quais é que são as barreiras e os desafios. Como somos estudantes do ensino superior passámos por isso há pouco tempo", diz a presidente da Explicamisto.

Susana Carneiro destaca ainda que a curta diferença de idade entre o explicador e o explicando permite que haja uma linguagem comum relevante para o trabalho que fazem em conjunto.

A Explicamisto mantém as explicações gratuitas pois querem poder ajudar alunos do ensino secundário que não têm capacidades financeiras e que de outra forma não teriam possibilidade de receber apoio. "Comecei neste projeto em 2020 e dava explicações a uma rapariga que vinha de Angola sem bases nenhumas. Estava a viver com os tios porque os pais ainda não tinham conseguido o visto para vir para Portugal e portanto não tinha a capacidade financeira para ter explicações. Pessoas como ela e tantas outras querem e precisam de ajuda, e esta é a única forma de a receber", diz Susana Carneiro.

A associação começou também a fazer workshops para explicadores e explicandos com tópicos voltados para o crescimento e desenvolvimento pessoal dos participantes dentro e fora do espaço académico, como programação. "São competências pessoais que acreditamos que toda a gente possa adquirir", concluiu.

Fonte: DN por indicação de Livresco

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Número de alunos com necessidades especiais voltou a aumentar

O 3.º ciclo é o nível de ensino em que se encontra a maior percentagem de alunos com necessidade de apoios educativos suplementares. Em 2021/2022 eram 26.024, o que correspondia a 31,2% do total de alunos do ensino básico e secundário com necessidades especiais.

No conjunto, nas escolas públicas do continente, estavam reportados 83.431 alunos nestas condições, tendo-se registado um acréscimo de 6,6% relativamente ao ano lectivo anterior, segundo informação da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) com base no que diz ser os “principais resultados do questionário Educação Inclusiva 2021/2022, relativos a alunos e recursos humanos e materiais”. Foram inquiridas 806 unidades orgânicas (agrupamentos e escolas não-agrupadas).




domingo, 5 de novembro de 2023

O impacto da pandemia nas aprendizagens dos alunos

Se os efeitos da pandemia no sistema educativo, sobretudo nas aprendizagens dos alunos (ensinos básico e secundário), ainda contam, despertando o interesse por estudos que têm sido realizados, a publicação do Estudo Diagnóstico das Aprendizagens 2023, pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), em outubro de 2023, merece uma análise mais atenta, apesar da reflexão que está a ser realizada nas escolas.

Continuação do artigo de opinião de José Augusto Pacheco em https://www.publico.pt/2023/10/30/impar/opiniao/impacto-pandemia-aprendizagens-alunos-2068444

sábado, 4 de novembro de 2023

Inclusão escolar em Portugal: o grito silencioso das crianças esquecidas

Desde o ano letivo 2018/2019 que as escolas se debatem com problemas estruturais para conseguirem fazer cumprir aquilo que está inscrito no Decreto de lei 54/2018, que regula a educação inclusiva.

A inclusão é um princípio importante na sociedade contemporânea, pois visa garantir que todos os indivíduos tenham oportunidades iguais e justas, independentemente das suas características pessoais, como género, raça, idade, deficiência ou orientação sexual. No entanto, a inclusão desprovida dos meios adequados pode trazer uma série de malefícios e desafios significativos. Por esse motivo, aquilo que tem sido a aplicação do decreto deve preocupar-nos e até em alguns casos envergonhar-nos.

Este ano letivo começou com uma notícia em que quatro federações que apoiam pessoas com deficiência intelectual, paralisia cerebral e autismo acusavam o Governo de apoio insuficiente à Escola Inclusiva. Dizem estas a certa altura que “a situação genérica tem vindo a piorar e, por tal, tem vindo a ser cada vez maior o número de alunos com deficiência que nas escolas procuram estes [nossos] serviços e ficam sem a adequada resposta”.

Pois bem, caro leitor, estou em condições de lhe dizer que nunca estive em nenhuma escola pública onde a aplicação do decreto-lei fosse isenta de dificuldades, nomeadamente no que toca aos recursos humanos, que são sempre escassos, mas também aos recursos materiais, que são manifestamente insuficientes. A falta da adequada resposta de que as federações se queixam é o dia a dia das escolas.

Nos primeiros anos, ainda ouvi algumas justificações para essas dificuldades. O decreto era novo e os professores teriam de o acomodar, o decreto era novo e os professores ainda não sabiam lidar com ele, o decreto era novo e ninguém sabia muito bem como o colocar em prática. Os relatórios técnicos pedagógicos eram rigorosamente preenchidos, mas raramente era possível verificar na realidade a sua aplicação. Os meios eram inexistentes.

Mas passados cinco anos da sua existência, não será hora de perceber porque é que todos os anos temos centenas de situações de difícil gestão devido à aplicação defeituosa de um decreto-lei?

Não é incomum lermos notícias que nos dão conta de alunos com necessidades específicas agredirem colegas, auxiliares ou mesmo professores. A pergunta que se impõe é: não deverão estes alunos ter todo o apoio e acompanhamento necessário, de especialistas, para que em nenhum momento do dia percam o controlo emocional?

Aconteceu aqui há tempos em Odivelas uma funcionária ter sido suspensa por ter reagido a um pontapé de um aluno com necessidades educativas especiais (NEE). Na altura, pensei de imediato que deveu-se à forma como se tem implementado nas escolas a afamada inclusão, isto é, sem os meios necessários. Bem sei, que não pode haver desculpas para que um adulto, que trabalhe na área educativa, agrida um aluno. Mas creio que o problema não está no ato em si, mas a montante, na forma como tem sido implementado a inclusão nas escolas.

Teremos centenas de casos por esse país fora de situações idênticas à de Odivelas e teremos também um conjunto de professores que pertencem às estruturas de apoio à inclusão a serem constantemente coniventes com esta estrutural falta de meios.

Alguém acha dignificante um aluno com PEA (Perturbação de Espectro de Autismo) ter como oferta terapêutica apenas 1 hora por semana, através da intervenção precoce? Quando há, porque há estabelecimentos escolares em que nem isso é possível.


Alguém acha que fechar alunos em salas de aula, por estarem em descompensação emocional, para evitar que agridam outros com uma cadeira ou mesmo uma mesa, é inclusão?

Será que aqueles que lavraram a lei não conseguem perceber que não basta escrever nos relatórios as medidas que se espera aplicar, quando se sabe a priori que não há meios para o fazer, para que se cumpra a inclusão?

Não conheço nenhum professor que seja contra a essência da inclusão, mas conheço cada vez mais que corroboram com a minha narrativa de que, conforme está a ser implementada, não beneficia ninguém. Nem os alunos que precisam de acompanhamento, nem os que não precisam, mas se veem privados dos professores, que têm de despender muito do seu tempo a cuidar daquele que precisa, porque não há recursos que o apoiem.

E não basta, como acontece demasiadas vezes, estes alunos serem auxiliados ao longo do seu dia por pessoal não docente, não especializado. Se queremos cumprir o desígnio de uma escola inclusiva temos de investir nesse propósito. Esta surreal narrativa de que se pode fazer omeletes sem ovos tem sido o mal de muitas leis do nosso país. Não se cumprem porque não há meios.

Mas se acha que este decreto prejudica apenas os alunos que tem especificidades educativas, engana-se. Para os outros pode servir de incentivo à preguiça.

Tentarei explicar-lhe por quê!

Ao abrigo do decreto de lei 54/2018, qualquer aluno pode beneficiar das Medidas Universais e com elas “usufruir” de tudo o que nelas está inscrito, ou seja, à mínima dificuldade, o professor, deve colocar um ou todos a “usufruírem”.

Dito assim, até parece justo, não é?

Sim, mas ao fazerem esta adaptação estarão a dar um sinal errado de que as dificuldades superam-se com adaptações do mundo a cada um de nós e não com maior empenho e esforço.

Não posso concordar com esta mensagem inferida da lei, pois criará crianças pouco resilientes, pouco empenhadas e que se frustram facilmente. Não acredito que na vida alguém lhes aplique as Medidas Universais, seja na universidade, no seu emprego e até mesmo nas suas relações.

Mas esperem, não acabou, quando as Universais não chegam, há ainda as Seletivas e por fim temos as Adicionais, que não são, cada uma delas, os graus diminutivos, no que respeita à dificuldade, das imediatamente anteriores.

Respaldados no conceito de inclusão passamos para o total facilitismo. Um aluno neste momento transita ou é aprovado quase sempre. Se o professor quiser ser rigoroso na avaliação, e quiser reter um aluno, será colocado em causa pois devia ter implementado todas as medidas necessárias para que o sucesso fosse alcançado, ou seja, o único que será posto em causa é o professor que não soube “adaptar o mundo” àquela criança, nem sequer se questiona se o aluno é aplicado ou não! A gravidade da situação é o facto de estarmos a criar crianças/jovens que sentem que o sucesso pessoal depende pouco do próprio empenho.

Na escola dos mínimos, os alunos sentem que podem tudo. Não trabalhar, não fazer, não se esforçar, apresentar níveis de indisciplina altíssimos, pois dão como dado adquirido que transitam. Os alunos de hoje são os adultos de amanhã e se não lhes incutirmos o significado da responsabilização dos seus atos, serão adultos medíocres.

O decreto-lei em questão, juntamente com o desmembramento dos currículos, está a fazer mal às escolas! Não podemos ser conviventes. É preciso coragem para desmascarar todas as situações que não dignificam as escolas, os professores, mas sobretudo os alunos, os que precisam mais e os que precisam menos.

P.S. Não são só os alunos com necessidades específicas que sofrem com a farsa da inclusão, são também os alunos estrangeiros que chegam a Portugal e são autenticamente despejados nas salas de aulas. Mas será que há alguém que consiga defender que alunos que não falam português, devam ficar meses em salas de aula, onde não entendem uma palavra, com apoios residuais de PLNM (Português Língua Não Materna), em nome da farsa que é esta "inclusão"? Não entendem o tamanho da contradição dessa atitude? O que se faz é uma tremenda exclusão.

Alberto Veronesi

Fonte: CNN Portugal por indicação de Livresco