Publico um texto enviado por Manuel Miranda.
São estórias do nosso mundo
Foi notícia que os pais de adolescentes andam muito
preocupados com a beleza das suas filhas e filhos, pelo que os consultórios dos
cirurgiões da plástica têm clientela.
São sinais dos tempos. São gerações que se deixaram
emprenhar por publicidades, por exigências de estética que fenecem depressa.
Mas a moda marca vidas e por essas modas andam por aí
muitas frustrações, muitos complexos, muitos desesperos.
Pois é neste mundo submetido a padrões de futilidade
que aparece um livro com “estórias” de excluídos, lixos para os padrões da
plástica. E são estórias do nosso mundo.
E o livro é “Tiagolas e outras estórias”.
É um livro diferente, porque tem estórias diferentes.
Protagonistas sem fama, sem nome, pessoas com deficiência.
Jorge Seabra, médico e escritor,
deu ao prefácio o título: “Estórias do Tiagolas e do nosso mundo”. E no
desenvolvimento do prefácio afirma que a cultura, mesmo “apregoando valores de
um pluralismo humanista, se formata e espartilha num individualismo agressivo e
pouco solidário, que digere mal a diferença”.
E os tempos que correm são mesmo
de um mundo que, julgando-se sabedor de tudo, recria valores de individualismo
egoísta, rejeitando aqueles que se desviam dos padrões cotados pelos gabinetes
da imagem.
Um mundo ávido de sucesso
imediato que fez dos padrões da beleza valor supremo. Uma beleza submetida aos
padrões definidos pela publicidade.
E neste mundo que se submeteu
aos padrões definidos pela publicidade para espicaçar o consumo, cruzamo-nos na
rua com frustrações de gente com complexos.
E são os pais que levam filhos
ainda crianças ao aperfeiçoamento pela plástica.
É neste mundo de insatisfeitos
que aparece um livro de “estórias”com
pais que se dedicam sem reservas, que nas palavras de Jorge Seabra, é um
“mosaico de afectos e sensibilidades, preenchido de dificuldades quotidianas”.
E esse universo, tão pouco
conhecido, preenche-se de um amor a filhos com deficiência, numa dedicação sem
limites, que recusa o assistencialismo caritativo e repudia qualquer pedinchar
de mão estendida que queira substituir a dignidade e os direitos que um ser
humano merece.
“Numa escrita de leitura fácil,
talvez literariamente fragmentada e desigual mas sempre cativante e sincera
ficamos a compreender melhor a força inquebrantável de pais, que vivem as
angústias e as incertezas do futuro que a deficiência profunda de um filho gera”.
Os Tiagolas deste mundo não
estão no mundo dos bajuladores de modelos sociais, cada vez mais egoístas e
desumanizados.
Jorge Seabra afirma que é “um
livro útil para os profissionais ligados à assistência a deficientes, que a
todos ensina algo de importante sobre o outro, interrogando-nos sobre o que
somos e o que queremos ser, sobre o que construímos e o que queremos
construir”.
As “estórias” narradas
chamam à dignidade as pessoas com
deficiência e os caminhos da dignidade levam à inclusão.
O livro desperta direitos, não valoriza a comiseração,
a caridade, a mendicidade.
Sensibiliza, para que os deficientes sejam respeitados
como seres humanos.
Apresenta situações das implicações sociais quando a
educação das crianças com deficiência não é adequada.
Deve ser lido pelas pessoas com deficiência e pelos
pais e familiares.
Nas páginas convivemos com
pessoas que têm limitações nas áreas da adaptação, da comunicação, da
autonomia, da independência pessoal, incapazes da sua subsistência.
São pessoas com funcionamento
intelectual inferior ao da média.
São “estórias” de pais que
trabalham e exercem profissões com o pensamento em casa e que lutam com dificuldade
para não caírem no desânimo e no desespero.
São vidas que consomem depressa
os ordenados que entram em casa.
“Aos pais dos meninos com deficiência, os
verdadeiros especialistas das
suas crianças, este é o seu livro de bolso.
Na estante ficarão os manuais teóricos e guias de orientação práticos, aqui
ventilam-se emoções e procuram-se sucessos”, palavras da Dr.ª Joana
Sá Ferreira (Médica, Interna de Psiquiatria do Centro Hospitalar Universitário
de Coimbra, Investigadora do Grupo de História e Sociologia da Ciência do
Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra, CEIS20), a propósito
do livro “Tiagolas e outras estórias”.
Um livro com protagonistas excluídos. E a exclusão
chega ao ponto do livro não ter lugar em livrarias que se regem pelo lucro
abundante. Aí as publicações de gente com fama, revistas com corpos esculturais
têm lugar, não os Tiagolas deste mundo.