sábado, 31 de dezembro de 2022

Os míopes aumentam entre nós

Cada vez mais pessoas estão a ficar curtas de vista. Podia ser uma metáfora, mas é literal. A miopia – que faz com que se veja mal ao longe – é uma das patologias que está a aumentar mais rapidamente nos países mais desenvolvidos. De acordo com o Relatório Mundial da Visão, publicado o ano passado pela Organização Mundial de Saúde, há atualmente 2,6 mil milhões de pessoas míopes. O crescimento tem sido extraordinário, em alguns países, o número de míopes duplicou nos últimos 25 anos.

Os míopes conseguem ver bem ao perto, mas perdem nitidez e capacidade de focagem ao longe. “Para que possamos ver com nitidez, os raios de luz têm de percorrer as camadas da frente do olho, nomeadamente a córnea e o cristalino, que trabalham em conjunto para desviar a luz, para que esta atinja a camada posterior e fotossensível do olho, chamada retina”, explica o oftalmologista pediátrico Paulo Freitas da Costa, do Centro Hospitalar Universitário de São João.

“O que acontece na miopia é que o formato do olho impede que a luz seja direcionada de forma correta, sendo focada à frente da retina e não exatamente na retina”, detalha o médico. Isso acontece por razões anatómicas: “O olho apresenta um comprimento axial, ou seja, desde a frente até atrás, demasiado longo ou tem a córnea muito curva”.

A miopia geralmente desenvolve-se na infância, razão pela qual os rastreios visuais (no primeiro ano de vida, entre os dois e os três anos e entre os cinco e os seis) são tão importantes. As causas genéticas são um dos principais fatores de risco. “Ter um dos progenitores com miopia aumenta duas vezes o risco de a desenvolver, ter os dois progenitores com miopia aumenta o risco em oito vezes”, especifica Joana Portelinha, oftalmologista responsável do Departamento de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo do Hospital de Egas Moniz, do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Assim, todos os pais – os com miopia em particular – devem estar atentos para perceber se a criança manifesta dificuldade em ver objetos ao longe e também se tem tendência para semicerrar os olhos, um ‘tique’ que os míopes desenvolvem na tentativa de focar melhor.

É preciso pôr as crianças fora de portas

Ter pais míopes não justifica tudo. Ao peso do que eventualmente herdamos, juntam-se fatores de risco que são modificáveis porque dependem do estilo de vida e há dois comportamentos que parecem contribuir para a atual epidemia de miopia. O primeiro, e mais importante, é o pouco tempo que as crianças passam ao ar livre. “O mecanismo pelo qual passar tempo ao ar livre previne a miopia relaciona-se com a exposição e intensidade da luz natural, que leva à libertação de dopamina na retina, diminuindo o crescimento do olho”, esclarece Joana Portelinha.

Alguns estudos verificaram mesmo que a progressão da miopia é maior no inverno – quando se passa mais tempo no interior e há menos luminosidade – do que no verão. Da mesma forma, é mais prevalente em meios urbanos, relativamente a meios rurais. “Por isso, recomenda-se que as crianças passem pelo menos duas horas por dia ao ar livre”, conclui a oftalmologista.

Segundo: o tempo excessivo em tarefas de perto. Tem havido resultados contraditórios nos estudos que pretendem avaliar uma relação entre as atividades de ver ao perto, como ler e jogar num smartphone, e o desenvolvimento ou agravamento da miopia. Os estudos mais recentes têm-se focado na distância e no tempo contínuo do trabalho de perto. “Sendo que uma menor distância de trabalho (menos de 30 centímetros) e a ausência de realização de pausas (trabalho contínuo de perto superior a 30 minutos) parecem ser fatores de risco para o desenvolvimento e progressão da miopia.”

A oftalmologista salienta que são necessários mais estudos longitudinais que quantifiquem o impacto destas tarefas e permitam dar recomendações mais específicas. No entanto, há um conselho simples que deve ser seguido: a regra dos 20-20-20, durante a realização de tarefas ao perto. “A cada 20 minutos, olhar algo que fique à distância de 20 pés (6 metros), durante 20 segundos”, clarifica.

Quanto aos benefícios do tempo ao ar livre, não há dúvidas: é um fator que previne o desenvolvimento da miopia e ajuda a travar a progressão das crianças que já a têm. “Mesmo em crianças com ambos os pais míopes ou expostas a uma grande intensidade de trabalho de perto”, diz Joana Portelinha. “Quanto maior o número de horas passado ao ar livre, maior o efeito benéfico.”

Um aviso vindo da Ásia

Singapura, uma pequena cidade-estado no sudeste Asiático, tem uma alcunha curiosa: ‘capital mundial da miopia’. Atualmente, 80% dos jovens adultos são míopes, razão pela qual muita investigação é produzida sobre o tema, sobretudo no sentido de minimizar o problema, que é muito prevalente em países asiáticos. Carla Lança, atualmente professora da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, foi investigadora na área da miopia no Singapore Eye Research Institute, até 2021. Refere que “as crianças asiáticas apresentam uma das mais altas prevalências de miopia, no entanto, os estudos epidemiológicos mostram uma prevalência crescente em populações europeias”. Licenciada em Ortóptica e doutorada em Saúde Pública, a professora e investigadora aponta duas mudanças sociais que podem ser associadas ao aumento galopante da miopia: a educação e a urbanização.

“A pressão do sistema educacional, com o aumento do tempo passado a ler e a escrever, o tempo gasto em dispositivos eletrónicos e o planeamento urbano estão entre os fatores que contribuem para diminuir o tempo que as crianças passam ao ar livre. É por isso que em sociedades desenvolvidas a miopia aparece durante a infância, particularmente durante os primeiros anos de escolaridade”, sustenta. “É um paradoxo interessante, pois se por um lado a alfabetização é essencial para o bem-estar das crianças, uma excessiva pressão educacional, com exclusão de outros aspetos da vida, como passar tempo ao ar livre, pode ser prejudicial à saúde ocular.”

Mesmo o mais bem documentado fator de risco para a miopia – ter pais míopes – pode ser olhado de outra perspetiva, não genética, mas comportamental. “Embora possa ser explicado pelos pais transmitirem variantes genéticas que predispõem os seus filhos à miopia, existem outros fatores que podem ter maior preponderância: é provável que os pais com miopia sejam, em média, mais instruídos, tendo mais anos de escolaridade (…) transmitindo aos filhos um estilo de vida que é facilitador de atividades como a leitura, (…) aulas extra e explicações em ambientes indoor, reduzindo assim o tempo disponível para brincar ao ar livre e estar expostas à luz solar”, assinala Carla Lança.

A investigadora acredita que os pais têm um papel importante no incentivo das atividades fora de portas, mas lembra também que “muitos pais só estão em contacto com as crianças no final do dia de trabalho, quando já não existe luz solar”, razão pela qual só podem fazer este tipo de programas com os filhos ao fim de semana. A escola está, por isso, nestes países, a ter um papel importante no que toca a pôr as crianças ao ar livre. “A implantação de programas outdoor nas escolas, incentivando as crianças a passar duas horas por dia ao ar livre, torna-se fundamental e a sua eficácia foi demonstrada num estudo realizado em Taiwan: após a intervenção, verificou-se uma melhoria das acuidades visuais das crianças envolvidas no programa.”

Não há que dramatizar, mas o problema, entende a investigadora, também não deve ser desvalorizado, com simplificações como ‘se é míope, basta usar óculos’. Felizmente, há opções de tratamento e correção da miopia (ver caixa), mas também há complicações associadas que podem desenvolver-se mais tarde, durante a vida adulta.

“A miopia ainda carrega o risco de cegueira secundária devido a complicações como o glaucoma, a maculopatia miópica e o descolamento de retina”, recorda. Demasiado tempo dentro de portas, não tem apenas um impacto negativo na saúde e bem-estar em geral, também condiciona o bom desenvolvimento da visão dos mais novos.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Estado passa a pagar 651 euros por cada criança nos colégios de ensino especial

O Ministério da Educação (ME) e a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) chegaram a acordo sobre o valor da comparticipação do Estado aos colégios de ensino especial que não era revisto desde 2008. Em vez dos 511,89 euros mensais por criança, os colégios irão passar a receber 651,26 euros. Esta negociação permitiu reverter o encerramento do Colégio Eduardo Claparède, em Lisboa, que tinha sido anunciado para o final deste mês.

O colégio, frequentado por cerca de 80 crianças e jovens com necessidades educativas especiais, já tinha comunicado aos pais a decisão de suspender o encerramento, assim que se percebeu que as negociações entre o ME e a AEEP estavam bem encaminhadas. “As indicações que temos é que o aumento que vier a existir poderá ser significativo, embora fique aquém do requerido, e que esse aumento será retroactivo a Janeiro”, dizia, na manhã desta quinta-feira, Isabel Beirão, directora pedagógica do colégio. Foram estes sinais, associados à “enorme pressão dos pais” das crianças e jovens que frequentam o colégio, que pesaram na decisão de não encerrar agora o espaço, justifica. (...)

Restam poucos colégios nestes moldes

Já subsistem poucos colégios de ensino especial nos moldes do Eduardo Claparède, e vários deles, contactados (...) há poucos meses, garantiam que só tinham condições para se manterem abertos até ao final do corrente ano lectivo, se a comparticipação do Estado não fosse revista.

As crianças e jovens que os frequentam são encaminhadas para ali pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgeste), por esta considerar que os menores com necessidades educativas especiais já não conseguem encontrar resposta no ensino regular. Os acordos de cooperação com o Estado permitem que os alunos frequentem estes espaços de forma gratuita, sendo esta praticamente a única fonte de financiamento dos colégios.

Em Outubro, numa audição parlamentar, o ministro João Costa afirmou que estas estruturas dão “uma resposta muito importante para crianças e jovens com deficiências profundas e severas”, contabilizando em “cerca de 470”, o número de alunos a frequentá-las. (...)

Fonte: Extratos da notícia do Público

A saúde psicológica dos adolescentes: um modelo quadripartido para definir ações

O estudo HBSC/OMS que se realiza em Portugal desde 1998, todos os quatro anos, estuda os comportamentos dos adolescentes e suas associações aos contextos de vida, permitindo uma monitorização das situações nacionais e comparações internacionais e tem enorme impacto nas políticas públicas.

Um terço dos alunos não gosta da escola. Em 2014 começamos a inquirir porque não gostam e o que não gostam: não gostam das aulas e da comida do refeitório e gostam dos recreios e dos amigos, consideram a matéria excessiva e aborrecida, queixam-se do foco excessivo nas notas. Em 2022, pela primeira vez desde há anos, o gosto pela escola não piorou.

No grupo de trabalho que definiu o Plano de Recuperação das Aprendizagens Escola 21 23+ ficou claro que esta recuperação tinha de ser feita num cenário de saúde psicológica e que os alunos deviam ser ouvidos e ajudados a fazer sentido dos seus tempos de pandemia, perfilava-se uma oportunidade única para olhar para os curricula e metodologias de ensino e os rever.

Portugal tem escolas excelentes onde os professores são motivadores e as escolas dispõem já de legislação específica: a autonomia das escolas, a flexibilidade curricular, o perfil do aluno a saída da escolaridade obrigatória, o perfil das escolas. Estudámos o que promove a qualidade destas escolas num outro estudo com a DGEEC e outras instituições cujas medidas estão em curso: identificamos por exemplo a relevância do ambiente da escola e das características do diretor/a; identificámos o sofrimento psicológico de alguns professores (nomeadamente mulheres com mais anos de carreira) e foram tomadas medidas com impacto no autocuidado e promoção da saúde psicológica, que incluem psicólogos.

Previmos desde a primeira vaga da pandemia que esta iria ter repercussões sobre a saúde psicológica das pessoas (neste caso dos alunos). Este estudo da DGEEC confirmou, apontando para um terço dos alunos de algum modo em sofrimento psicológico (e metade dos professores) e propôs medidas remediativas e de reversão de impactos negativos e até de promoção de otimizações, com a criação do Observatório da Saúde Psicológica e bem-estar ligado à DGEEC.

Em relação ao estudo HBSC de 2022, mais de 70 % dos alunos considera-se feliz; mais de 80% não tem sintomas físicos nem psicológicos de mal-estar; entre 70 e 80% dos alunos não se considera preocupado, sente-se capaz de gerir a sua vida, sente-se saudável, refere uma boa comunicação com os pais, gosta do sítio onde mora. Se estes valores se referem a maioria dos alunos sem problemas apesar das circunstâncias difíceis, confirma que entre um quarto e um terço dos alunos necessita de medidas urgentes.

Depois de anos de recessão, e pandemia (porque ainda não tínhamos a guerra na altura da recolha destes dados) convenha-se que os dados sugerem que a situação “apenas” piorou um pouco se nos lembrarmos que antes não havia zero problemas.

Quando cruzamos os alunos satisfeitos com a vida e os alunos com sintomas de mal-estar psicológicos obtemos quatro grupos com uma combinação destas situações: os rapazes estão mais frequentemente no quadrante “satisfeito com a vida e sem sintomas de mal-estar psicológico” e as raparigas no quadrante oposto “não satisfeitas com a vida e com sintomas de mal-estar”. De 2018 para 2022 a situação piorou significativamente para os rapazes, que deixaram de estar tão bem, e para as meninas que passaram a estar bem pior. Esta situação duplamente negativa nas meninas, corresponde a uma percentagem de mais de 30% tanto em 2018 como em 2022.

As escolas têm de aproveitar a autonomia e a flexibilidade curricular para reorganizar os seus ecossistemas e outra mensagem importante para pais e professores é que as notas são importantes, mas não podem ser “tudo na vida” e por isso o repto é tornar as notas uma aferição dos conhecimentos e não o objetivo final da Escola e do Conhecimento. Tal toca no processo de candidaturas para o ensino superior, no interesse da universidade como garante de um futuro.

Os tempos de lazer dos jovens estão vocacionados para as tecnologias (tal como em 2018, e até 1998 embora essa tecnologia fosse a televisão) a ouvir música e dormir. Cerca de metade dos jovens não lê, não pratica um desporto (tal como em 2018, e aliás em 1998). Poucos jovens praticam atividades tipo voluntariados, religiosas e políticas (tal como em 2018 e aliás em 1998).

O lazer é uma área esquecida a recuperar, com dois cuidados: um é não tornar o lazer um emprego “stressante”, outro evitar que as TIC esgotem o campo de interesses dos jovens. Alguns deles estão a começar a queixar-se deste “afunilamento”, mas não encontram alternativas, continuam à procura do “seu” lazer.

A Internet está à mão 24 horas por dia, ajuda a regular sentimentos negativos, permite atividades infinitas. O problema pode ser a dependência e o estreitamento dos interesses. Regulam as emoções negativas através do uso da Internet? Fica óbvia a necessidade de o saberem fazer de outro modo igualmente eficaz. As auto lesões vêm desde 2010 a subir e a afetar em 2022 um quarto dos jovens, alegando dificuldades de auto-regulação de emoções negativas, tédio, exaustão.

O que temos para propor: melhor auto-regulação? Melhor gestão de si? Descompressão no lazer? Mais uso da Internet? Consumo de substâncias (que está em baixa e parece ter sido substituído por medicamentos psicotrópicos e antiálgicos não prescritos)?

Como incentivar e apoiar causas intergeracionais? Vamos ouvir os jovens e deixá-los envolver-se em ações de cidadania?

Margarida Gaspar de Matos

Fone: Público

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Stress e burnout nos professores: A tecnologia pode ser a solução?

Perto de 90% dos professores admitem sentir stress no trabalho. Esta é a realidade portuguesa no setor da Educação, demonstrada pelo relatório da Comissão Europeia Professores na Europa - Carreiras, Desenvolvimento e Bem-estar, que coloca Portugal como o país da Europa com os níveis mais altos de stress associados à profissão. (...)

Fonte: DN

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

VII Conferência Internacional para a Inclusão | INCLUDiT e na I Conferência de Tecnologias de Apoio e Acessibilidade | CTecA


Convida-se a comunidade a participar na VII Conferência Internacional para a Inclusão | INCLUDiT e na I Conferência de Tecnologias de Apoio e Acessibilidade | CTecA, que nesta edição irá decorrer em formato híbrido, no dia 18 de março de 2023.

O evento pretende fomentar o diálogo, a partilha e a divulgação científica de investigações e boas práticas nas áreas da inclusão e acessibilidade, numa lógica multidisciplinar. O programa da INCLUDiT VII e da CTecA I contempla sessões plenárias e paralelas.

Após revisão científica por pares, os resumos alargados serão publicados em livro de atas com ISBN e a versão completa das comunicações apresentadas na conferência será publicada em livro com ISBN. Em alternativa à publicação em livro, as/os autores/as dos melhores trabalhos poderão vir a ser convidados/as a ampliar os seus textos com vista à publicação numa das seguintes revistas científicas:

- Indagatio Didactica - https://proa.ua.pt/index.php/id

- Revista Interdisciplinar em Cultura e Sociedade-RICS - http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade/index

- Revista Portuguesa de Terapia Ocupacional - https://rpto.ipleiria.pt/rpto


Fonte: INR

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Mais doentes ou mais conscientes?

Selena Gomez, cantora norte-americana, procurou ajuda psicológica com o início da pandemia e descobriu um diagnóstico de doença bipolar. Dwayne Johnson, conhecido como “The Rock”, aproveitou o balanço que a temática ganhou durante os confinamentos e falou acerca da depressão profunda que sofreu ainda jovem. Por cá, nos últimos dois anos, Dino d’Santiago, António Raminhos, Vanessa Fernandes ou Maro também falaram publicamente do assunto e da sua relação com doenças do foro mental (já lá vamos em pormenor). Entre tantos outros. Quer seja para figuras públicas ou para anónimos, a pandemia foi um marco na temática da saúde mental. Mas, afinal, o que mudou?

A resposta é simples: mudou a forma como nós, enquanto sociedade, olhamos para a saúde mental. Em particular, para o estigma que havia (e há, ainda que seja cada vez menor) em partilhar histórias de doença mental com a mesma naturalidade com que se afirma “parti uma perna”.

Pedro Morgado, psiquiatra, professor e investigador na Universidade do Minho, sublinha que o estigma é um dos problemas relacionados com a saúde mental que começou a ser combatido durante a pandemia. Para a estigmatização das doenças mentais contribuem, explica, o desconhecimento e a falta de literacia. E, por isso, se desde a pandemia se fala mais de saúde mental na televisão, nos jornais, nas redes sociais e até nas conversas de café, é natural que o conhecimento da população aumente. “Hoje falamos de saúde mental mais e melhor do que nunca.”

Na mesma linha de pensamento segue a psicóloga Catarina Lucas. Mas, apesar de a pandemia ter sido um marco na visibilidade da doença mental, a profissional ressalva que a consciencialização começou antes. Por volta de 2018 e 2019, refere, apareceram mais contas de psicólogas nas redes sociais, mais publicidades a focar o tema, mais artigos nos meios de comunicação. “No entanto, durante a pandemia tudo isto sofreu um aumento exponencial.”

O outro lado

Mais vozes sobre o assunto implicam, por vezes, o reverso da medalha: passagem de informação errada. Quanto aos meios de comunicação, o psiquiatra Pedro Morgado afirma que, de forma geral, a qualidade da informação transmitida é grande. “Contudo, ainda temos sérios problemas com alguns programas de entretenimento e alguns comentadores, que frequentemente passam mensagens negativas e erradas.”

A associação entre doença psiquiátrica e criminalidade – em parte também responsável pelo estigma existente – é, segundo o professor e investigador, um dos principais problemas a resolver a curto prazo, no que toca à comunicação de saúde mental.

É exatamente para combater este e outros estereótipos (e também para melhorar as condições de acesso aos cuidados de saúde mental) que o Plano de Recuperação e Resiliência prevê um investimento de 88 milhões de euros na área. Manuel Pizarro, ministro da saúde, afirmou no mês passado que a saúde mental é prioritária e que será um dos focos de preocupação do Governo, salientando a pandemia como o momento de consciencialização da sociedade para a relevância de investir em saúde mental.

O investimento referido, aliás, já tem frutos concretos, com a criação de equipas comunitárias de saúde mental. Este é um projeto que pretende criar 40 equipas (20 já estão no terreno), distribuídas pelo país, para prestar cuidados de saúde mental à população nos serviços públicos primários, como centros de saúde.

O bom e o mau do digital

Quanto às redes sociais, Pedro Morgado não se mostra tão positivo. Aí, “a regulação e moderação são mais difíceis”, diz, destacando o exemplo da rede social Twitter, com problemas desde cedo com bullying, estigma e desinformação, exacerbados com o comando de Elon Musk. A solução aqui será, realça o psiquiatra, “a União Europeia e os governos nacionais terem um papel importante na imposição de obrigações de moderação de conteúdos a estas plataformas”.

Falando de redes sociais, falamos também, muitas vezes, de figuras públicas que aproveitam cada vez mais a exposição mediática, e em particular a Internet, para falarem dos seus problemas de saúde mental e, assim, consciencializarem os seus fãs. Apesar de Pedro Morgado admitir que as personalidades com notoriedade têm poder na “construção de narrativas públicas” positivas, quando a informação é transmitida corretamente, alerta para que não se esqueça um dado essencial: “a doença psiquiátrica, como praticamente todas as doenças, tem maior prevalência entre as pessoas mais desfavorecidas socialmente”.

Neste campo, a psicóloga e diretora clínica Catarina Lucas encontra um ponto favorável à “causa”: os profissionais de saúde nas redes sociais. Destinadas a difundir informação sobre sintomas, causas e tratamentos para a doença mental, são cada vez mais as contas de psicólogos ou psiquiatras na Internet.

Considerando esta uma forma direta de fazer passar uma mensagem à população, Catarina Lucas não deixa de alertar para as generalizações. “Cada caso é um caso e eu não posso ler uma frase escrita por um psicólogo e interpretá-la de forma rígida achando que aquilo funciona para todas as pessoas de igual forma.”

Já muito de falou de saúde mental durante a pandemia, mas e agora, como estamos? A psicóloga Catarina Lucas descreve o fenómeno do pós-pandemia como uma passagem “das palavras aos atos”. Ou seja, se todas as pessoas ouviram falar bastante sobre os sinais de doença mental ou sobre os benefícios de ir ao psicólogo, neste momento, há quem esteja a efetivar esse conhecimento. “Há uma procura elevadíssima por psicólogos e psiquiatras, ao ponto de até o serviço privado estar em níveis limite.”

Dualidade de fatores

Afinal, estamos mais doentes devido à pandemia ou estamos mais conscientes das nossas doenças por via de termos mais informação? Catarina Lucas não hesita em destacar a consciencialização como o fator predominante para o aumento do número de pacientes.

Sem querer desvalorizar a quantidade de casos que começaram a ser seguidos devido a consequências diretas da pandemia, a profissional conta que, “mesmo quem chegava ao consultório pela primeira vez durante a pandemia, falava, na grande maioria das vezes, de problemas anteriores”. “Já estávamos doentes antes da pandemia, só não tínhamos as ferramentas ou o conhecimento necessário para o perceber.”

Mas, ultimamente, dentro da saúde mental, nem só de doença mental se tem falado. A profissional Catarina Lucas aponta o foco, cada vez maior, no autoconhecimento e no crescimento emocional. “Preocuparmo-nos com saúde mental não é apenas preocuparmo-nos com depressão, ansiedade patológica ou outra doença. Pode, simplesmente, ser uma vontade de aprendermos mais sobre nós próprios e vivermos um dia a dia mais tranquilo.”

Procura por autoconhecimento

Essa é, aliás, uma das mudanças que a psicóloga tem sentido no pós-pandemia, principalmente entre os jovens: há cada vez mais pacientes nas consultas à procura de uma ajuda profissional para lidar com o dia a dia e aprofundar conhecimento emocional sobre si e sobre os outros. Sem se colocar em cima da mesa uma situação patológica.

Há menor estigma, mais pacientes a querer ajuda profissional e a procurar por autoconhecimento. Chegamos ao fim da jornada de consciencialização da saúde mental? Catarina Lucas frisa que “a pandemia foi só o abrir de um longo caminho que, antes, nem sequer era visível”. Além de se continuar a combater o estigma, o futuro deve ser focado na oferta de serviço público de saúde mental, “que continua a ser deficitário, e, por consequência, os mais desfavorecidos continuam ser acesso ao apoio psicológico de qualidade”, lamenta Catarina Lucas.

domingo, 25 de dezembro de 2022

Do pensar e do sentir dos professores: ensaio de compreensão

A escola é uma instituição em que apenas se pergunta às pessoas: “O que sabes?” e muito poucas vezes: “O que sentes?”

(Miguel Santos Guerra, No Coração da Escola)

“O problema dos professores e o problema dos alunos é o mesmo problema, o que convida a uma relação de aliança, e não de confronto”

(Rui Canário, O que É a Escola)

Pode ser o esboço de um ensaio de compreensão sobre o estado de sítio docente. Pode ser o início de uma metamorfose nos modos de pensar e de agir na profissão. Pode ser o início de uma política de emancipação e libertação? De autorização e de construção de uma imagem social revalorizada?

O que sentes, tu, professor, quando ninguém se importa com as tuas dúvidas, com as tuas dores físicas ou sentimentais, quando tens de dizer bom dia, vamos então lá à lição número 55, o sumário é os sistemas lineares em ambientes caóticos, e quase ninguém escreve, quase ninguém liga, falam para o lado e para trás e a tua alma sangra e no teu peito bate um coração aflito, quase desesperado e exangue, quando tens de sorrir mesmo quando te apetece chorar, quando tens de encarcerar todos os teus sentimentos e apenas se te permite que sejas a máquina pensante, a máquina que ensina, a máquina.

Quando há mais de 15 anos andas a correr de escola em escola, qual pastor errante, e te humilhas face à máquina e à ordem social, tu que tens de aguentar com todo o mal do mundo, porque és o agente de Estado, o 007, o salvador da guerra civil de todos contra todos, o super-homem e supermulher que tem a obrigação moral de salvar a humanidade.

Quando estás encerrado numa carreira que não passa de um simulacro. E onde a maioria dos docentes está prisioneira no 4.º escalão. Quando observas que quase metade dos professores está refém nos quatro primeiros escalões e só uma minoria pode aspirar a chegar ao último. Quando sentes que a avaliação do desempenho é um mecanismo gerador de uma competição injusta e iníqua.

O que sentes, tu, aluno, quando o professor faz o ditado da matéria e tu nada entendes, quando és humilhado de mil e uma formas, quando tens uma nota que não corresponde aos teus saberes, quando a tua princesa encantada voou dos teus olhos e foi morar para longe de ti, ou quando o amor lateja intensamente e tem de ficar preso numa impossibilidade, quando o professor tem de dar o programa todo e tu te ficas apenas pela metade. Em nome dos exames, do acesso ao ensino superior, da meritocracia, da justiça e da igualdade de oportunidades, da igualdade de frequência, da igualdade de sucesso. E da inclusão.

O que sentes quando a (im)pura lógica burocrática e racional, formal e vazia se mostra distante face a um apelo lancinante de uma doença, às vezes terminal, sempre dolorosa, sempre crítica. O que sentes quando vês os mais de 100.000 jovens que tiveram de emigrar para buscar o "pão que o diabo amassou", quando vês claramente visto que a escola hoje já não dá qualquer certeza. Quando já não é o elevador social que foi no templo glorioso da produção das elites. E quando vês que, ao fim de 17 ou 20 anos de estudo contínuo, só consegues aceder a um lugar laboral numa qualquer caixa de supermercado, a ganhar 1000 euros brutos.

Triste é este mundo dos sistemas, triste é este sistema máquina, triste é esta vida desumana, triste é esta separação, esta alienação. Esta desesperança. Sem luz no fundo do túnel. E isto mereceria mil manifestos, mil denúncias, mil protestos. Ou um "ensaio sobre a cegueira", ou um "ensaio sobre a lucidez". Mas nem isso temos já. Resta-nos pensar, agitar, acordar. Agir e interagir para construirmos outros pequenos mundos. Habitáveis. Humanos.

E é a esta luz que temos de ver o movimento e a agitação de milhares de professores. Cansados dos bloqueios na progressão da carreira. Indignados face à indiferença de uma política que se alimenta de uma retórica que já não é sustentável. Que ignora que não é possível viver assim: numa paragem que parece eterna e que adia os sonhos de uma vida. Numa profissão desgastante, muitas vezes impossível e socialmente desvalorizada. Apesar de ser a matriz e origem de todas as outras. Apesar de possuir um valor incalculável que só os professores (e os alunos) sabem.

Precisamos de construir uma “arca de aliança” entre professores e alunos. Entre professores, alunos e pais. Uma aliança inscrita no território onde os professores podem ter uma voz poderosa e reconhecida. Porque é aí que o reconhecimento e a autoridade podem ser retomados. E onde uma nova “política” pode emergir.

José Matias Alves

Fonte: Público

sábado, 24 de dezembro de 2022

Maria ensina na escola onde aprendeu que ser surda não a impede de nada

Os gorros natalícios com que os alunos cobriram a cabeça sobressaem no contraste com o fundo verde. Dinis opera a câmara, em frente da qual se põe Rafael. É o mais expressivo dos cinco rapazes desta turma da Escola João Araújo Correia, em Peso da Régua. Tem olhos muito claros e gestos muito vincados. Com as mãos, repete a frase: “Larga o jogo, vem aí o Ano Novo.”

A turma está a criar um material bilingue, em português e língua gestual portuguesa (LGP), sobre “isolamento social”, para ser divulgado na página da Internet onde este agrupamento reúne materiais didácticos para alunos surdos e ouvintes. “As mãos não são só para jogar, são para comunicar” é outra das mensagens do vídeo.

“Temos visto que os jovens estão muito focados nos jogos, especialmente depois da pandemia. A ideia foi falarmos um pouco disso e de como evitá-lo”, contextualiza Maria Oliveira. É a professora dos cinco rapazes que compõem esta turma. Alunos e docente são surdos e a LGP é a sua língua materna. A professora dá hoje aulas nas mesmas salas onde aprendeu.

O PÚBLICO conheceu Maria Oliveira em 2018. Foi um dos 44 alunos que responderam ao exame nacional de Português Língua Segunda (PL2), uma prova feita especificamente para alunos surdos, que nesse ano foi realizada pela primeira vez. Com as notas desse ano, entrou na licenciatura em Comunicação e Design Multimédia, do Politécnico de Coimbra, mas não gostou da experiência.

“Fiz uma pausa. Tive de pensar melhor e percebi que o queria mesmo era ser professora de LGP.” No ano seguinte, mudou de curso, e completou a licenciatura de ensino de Língua Gestual Portuguesa na Escola Superior de Educação de Coimbra. Agora, está a fazer o mestrado, que continua a ser a qualificação mínima obrigatória para entrar na carreira docente.

No entanto, no início deste ano, de modo a responder à escassez de docentes que tem afectado as escolas, o Ministério da Educação passou a permitir que pessoas que tivessem uma licenciatura no currículo fossem contratadas pelos agrupamentos, quando não houvesse um docente disponível. A Escola João de Araújo Correia abriu, logo em Setembro, um horário incompleto, de 11 horas lectivas, com essas condições, destinado à substituição de uma professora que está em licença de maternidade.

Maria Oliveira concorreu, “porque sim”. “Nunca pensei que iria entrar. Acabei agora o curso, há colegas com mais tempo de serviço, mas como tenho uma média da licenciatura de 18 valores, fui eu a escolhida.” Quando soube que ia ser professora na mesma escola onde foi aluna ficou “emocionada”.

“Mandaste-me uma mensagem”, acrescenta Joana Silva. É uma das intérpretes de LGP na escola de Peso da Régua. Conheceu Maria no 7.º ano e hoje acompanha as suas aulas. Trabalha naquela escola há dez anos e viveu de perto a melhoria das condições de trabalho com os alunos surdos. “Há uns anos, quando tudo corria bem, eu era colocada em Outubro”, recorda. Agora, pertence ao quadro da escola.

Faltam materiais

O agrupamento João Araújo Correia é a escola de referência para alunos surdos em todo o interior Norte. Alguns dos estudantes vêm diariamente de localidades como Tarouca, a 20 quilómetros, ou Chaves, que fica a quase 90. No entanto, não integra formalmente a rede de referência para a Educação Bilingue, criada pelo Ministério da Educação em 2008.

Esta rede foi criada pelo Decreto-lei n.º 3/2008, que mudou a forma como a escola encara os alunos com alguns tipos de deficiências, concentrando nestes estabelecimentos de ensino recursos humanos – como professores de LGP, intérpretes e terapeutas da fala – e físicos para dar respostas às necessidades educativas específicas. Há 17 escolas nessa lista que, na região norte, inclui apenas estabelecimentos de ensino localizados no Porto e em Braga.

Apesar da melhoria de condições, o trabalho dos professores de Língua Gestual ainda é “muito duro”. “O ministério não nos faculta materiais, somos nós que temos de os criar”, queixa-se Maria Oliveira. Quase todos os recursos que usa na sala de aula foram desenvolvidos por si ou enquanto professora ou enquanto aluna. “Há muitos materiais que fiz com a Filipa e o Diogo, que eram meus colegas, e que continuam aqui. Isso também me ajudou a tornar a profissional que sou hoje”, recorda com um sorriso.

Maria dá aulas de LGP e Cidadania a turmas do 7.º e 8.º anos e faz algumas horas da semana no pré-escolar no mesmo agrupamento. “Adoro”, atira, em referência ao trabalho com crianças. “Eu sei o quanto as crianças surdas sofrem por às vezes os pais não terem sensibilidade e acessibilidade atempadamente e é muito importante nós estarmos nessa fase com elas. Nós podemos fazer a diferença.”

556 surdos

A Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares contabiliza 556 alunos surdos nas escolas nacionais. A grande maioria (428) são utilizadores de LGP. Há, no entanto, cada vez mais alunos que não optam por ter Língua Gestual, porque fizeram implantes cocleares que lhes permitem aprender em ambiente oralista. Nesses casos, beneficiam do apoio de terapeutas da fala e de professores de Educação Especial.

O Ministério da Educação está a preparar as aprendizagens essenciais para a LGP, disciplina curricular para os alunos surdos que a têm como a sua língua materna, e também para o Português Língua Segunda, o Português aprendido pelos alunos surdos. As duas disciplinas têm grupos de recrutamento de docentes próprios e são ministradas nas escolas de referência. (...)

Fonte: Excerto da reportagem do Público

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Guia prático sobre legislação antidiscriminação - Comissão Nacional dos Direitos Humanos

Foi publicado um guia prático sobre legislação antidiscriminação na área da proteção dos direitos das minorias, elaborado pelo Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos em parceria com a Equal Rights Trust.

Este documento é fruto de um processo exaustivo de análise do conteúdo de todas as convenções da ONU em matéria de direitos humanos, e resultado de uma consulta alargada global a peritos académicos e da sociedade civil.

O guia pretende sintetizar e harmonizar padrões já existentes sobre o escopo, estrutura e conteúdo de legislação antidiscriminação em todo o mundo, em que oferece também recomendações concretas nesta área, com base em exemplos e boas práticas.


Fonte: INR

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: Guia para Pais


O Instituto de Apoio à Criança disponibilizou a publicação "Educação Inclusiva: Guia para Pais". Para o enquadramento, destaca-se a Introdução.

Todas as crianças são especiais, mas existem umas que “são mais”! Para além dos cuidados que todas as crianças necessitam para garantir o seu bom desenvolvimento bio, físico e social, desde o nascimento até à idade adulta, existem crianças que necessitam de uma atenção, dedicação e cuidados específicos, de acordo com as suas necessidades, que ultrapassam os padrões normativos do desenvolvimento. Assim, ao longo de quase quatro décadas, o Instituto de Apoio à Criança, considerou na sua missão todas as crianças como prioridade na sua intervenção. Sabemos que as crianças com Necessidades Específicas têm maiores desafios no seu crescimento e na sua integração quer a nível escolar, quer no tecido social.

Felizmente, nos últimos anos, temos sentido uma evolução na preocupação com estas questões em Portugal, sobretudo na integração escolar. Muito recentemente, assistimos a uma mudança de paradigma concretizado na Escola Inclusiva que, abandonando a predominante Educação Especial, considera todas as crianças, independentemente das suas especificidades, grau ou rótulo. Foi uma mudança consubstanciada através do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho. Este novo paradigma de uma Escola para Todos veio também dar um papel mais participativo às famílias na elaboração de um plano de intervenção com vista à construção de um projeto de vida mais adaptado a cada criança com as suas fragilidades e potencialidades.

Os pais são tidos como parceiros e fundamentais para as tomadas de decisão, ao mesmo tempo que se espera uma maior corresponsabilização no sucesso das várias etapas. Ser pai, mãe, família de uma criança que não cumpre com as etapas normativas de desenvolvimento é um verdadeiro desafio. Os pais e cuidadores vêem-se frequentemente confrontados com dificuldades acrescidas às inerentes à educação de uma criança. Deparam-se com vários obstáculos ao nível da escola, das relações sociais, dos recursos, da saúde e, muitas vezes até, com questões de ordem financeira que podem condicionar a garantia dos direitos dos seus filhos.

Este guia surge numa tentativa de orientar as famílias nas respostas que estão disponíveis e que nem sempre são do conhecimento dos pais e cuidadores. Com uma linguagem acessível e simplificada, pretendemos guiar a sua procura no sentido de adequar o mais possível cada caso a uma resposta. Pretendemos auxiliar os pais e cuidadores não só ao nível de questões relacionadas com educação, mas também em termos de prestações sociais. Assim, incluímos links e glossário para que seja facilitada essa busca de informação.

Foi com enorme dedicação que pensámos nesta ferramenta. Lançámos este desafio à autora que o aceitou prontamente no âmbito do seu estágio de mestrado em Educação e Sociedade, realizado na nossa instituição.

Desejamos que este guia possa ser útil para que as famílias estejam aptas a garantir mais condições para uma integração mais justa das crianças na escola e na sociedade.

Fonte: IAC

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Avaliação referida a critérios: perspetivas de conceção e utilização



Está disponível no separador Textos de Apoio, um novo documento do Projeto MAIA. Trata-se de mais um documento de suporte à formação, intitulado Avaliação referida a critérios: perspetivas de conceção e utilização.

Pretende-se com a divulgação deste documento contribuir com mais um documento de apoio à formação, sendo o mesmo destinado a formadores e formandos envolvidos no Projeto MAIA, bem como a todos os interessados na temática abordada, a qual assume um papel central no âmbito da avaliação pedagógica.

Procura-se proporcionar, com o presente Texto de Apoio, uma perspetiva diacrónico-conceitual, visando facilitar a operacionalização e inserção pedagógica de uma avaliação referida a critérios.

Fonte: DGE

domingo, 18 de dezembro de 2022

Regionalização da Educação?!

No dia 14 de dezembro, foi publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 123/2022 que determina a transferência, a partilha e a articulação das atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado nas comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR).

Aparentemente, trata-se de mais um resolução sem grandes implicações na área da educação. No entanto, uma leitura transversal dá para destacar alguns aspetos relacionados com a Educação que devem merecer toda a atenção.

A resolução determina a transferência das atribuições de alguns serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) e identifica os serviços e as atribuições que serão objeto de transferência (T) e de partilha (P) com as CCDR, designadamente na área da Educação.

Na área da Direções de Serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEsTE), do leque de serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado e atribuições que serão objeto de transferência para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional, destaca-se:
  • Colaborar na recolha de informação relevante respeitante à educação especial para efeitos de regulação e de monitorização das respostas educativas e de apoio educativo, em articulação com a Direção-Geral da Educação (DGE);
  • Participar no planeamento da rede escolar da circunscrição regional, promovendo, sem prejuízo das competências dos restantes serviços do Ministério da Educação (MEDU), ações de planeamento e execução do ordenamento das redes da educação pré -escolar, dos ensinos básico e secundário, incluindo as suas modalidades especiais, bem como as de educação e formação de jovens e adultos;
  • Assegurar a divulgação local das orientações dos serviços do MEDU e da informação técnica às escolas;
  • Assegurar a concretização da política nacional no domínio das instalações e equipamentos escolares.
Na área da Direções de Serviços da Direção -Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEsTE), do leque de serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado e atribuições que serão objeto de partilha com as comissões de coordenação e desenvolvimento regional, destaca-se:
  • Promover em articulação com os estabelecimentos escolares, os necessários procedimentos em caso de acidente em serviço de docentes e não docentes;
  • Assegurar o apoio jurídico e contencioso, em articulação com a Secretaria-Geral;
  • Cooperar com outros serviços, organismos e entidades, tendo em vista a realização de ações conjuntas em matéria de educação;
  • Assegurar a execução das políticas educativas definidas no âmbito do sistema educativo de forma articulada pelas diversas circunscrições regionais;
  • Acompanhar, coordenar e apoiar a organização e funcionamento das escolas e a gestão dos respetivos recursos humanos e materiais, promovendo o desenvolvimento e consolidação da sua autonomia;
  • Participar no planeamento da rede escolar;
  • Promover, coordenar e acompanhar a prevenção e intervenção na área da segurança escolar e assegurar a atividade de vigilância no espaço escolar, garantindo a necessária articulação com o Programa Escola Segura, realizando a formação de pessoal docente e não docente na área da segurança escolar;
  • Assegurar o apoio jurídico e contencioso nas diversas circunscrições regionais, no âmbito das atribuições da DGEstE, em articulação com a Secretaria-Geral.
Estará a iniciar-se um processo de regionalização camuflado?! Ou, pelo contrário, será o reconhecimento assumido da incapacidade do Estado (Governo) resolver os problemas e, como tal, descartá-los para outras instituições?!

Acalmar crianças pequenas com smartphones promove desregulação emocional

Pôr nas mãos de uma criança pequena um telemóvel para resolver uma crise de choro pode ser tentador e aparentemente resolver o problema. Mas, uma nova investigação da Universidade de Medicina do Michigan, publicada na revista JAMA Pediatrics, da Associação Médica Americana, sugere que esta espécie de atalho na educação não trará bons frutos no futuro.

"A utilização de dispositivos digitais para acalmar uma criança pequena pode parecer uma ferramenta inofensiva e temporária para reduzir o stress no lar, mas pode haver consequências a longo prazo, se for uma estratégia regular", disse a autora principal Jenny Radesky, pediatra de desenvolvimento comportamental da Universidade de Michigan Health C.S. Mott Children's Hospital, citada pelo Science Daily.

No estudo, que observou 422 pais e 422 crianças de 3 a 5 anos, entre Agosto de 2018 e Janeiro de 2020, os investigadores analisaram as respostas dos cuidadores à frequência com que utilizavam dispositivos como um calmante, procurando perceber as associações a sintomas de reactividade emocional ou desregulação, de mudanças súbitas de humor a um aumento da impulsividade, durante um período de seis meses.

"As nossas descobertas sugerem que a utilização de dispositivos como forma de apaziguar as crianças agitadas pode ser especialmente problemática para aqueles que já lutam com dificuldades emocionais", disse Radesky. Além disso, "especialmente na primeira infância, os dispositivos podem impedir oportunidades de desenvolvimento de métodos independentes e alternativos à auto-regulação".

Por isso, alerta-se no estudo, “os profissionais de saúde pediátrica devem encorajar abordagens alternativas” para fazer face a uma birra. Ainda assim, os smartphones não são diabolizados, com a equipa a admitir que possam ser usados, mas só de vez em quando, sendo relevante que não se torne uma ferramenta primária para a tranquilização.

Fonte: Ímpar do Público

sábado, 17 de dezembro de 2022

Será que o desempenho de leitura influencia a percepção dos professores acerca do comportamento dos alunos?

Fundamentos teóricos

A associação entre as dificuldades de leitura e os problemas de comportamento é discutida desde a década de 1970. De acordo com diversos estudos, o desempenho de leitura e o comportamento dos alunos estão indubitavelmente associados. Eis os resultados de alguns estudos:
  • Fischbach et al. (2010) verificaram que os alunos com dificuldades na leitura, além de manifestarem problemas de comportamento, exibem dificuldades emocionais e sociais;
  • Gasteiger-Klicpera et al. (2006) verificaram correlações fracas a moderadas entre o desempenho na leitura e o comportamento, tendo verificado ainda que quer as dificuldades de leitura, quer os problemas de comportamento, se tornam cada vez mais estáveis ao longo do tempo;
  • Hinshaw (1992) e McGee et al. (1986) verificaram que, enquanto nos primeiros anos de escolaridade a hiperactividade e a desatenção são os comportamentos que mais se relacionam com as dificuldades de aprendizagem, na adolescência os comportamentos anti-sociais e agressivos são os que mais se destacam.
Apesar de os estudos sobre a associação entre as dificuldades na leitura e os problemas de comportamento terem já uma longa tradição, Elies et al. (2021) consideram que continua a ser difícil fazer afirmações claras acerca da direcção e intensidade desta associação.

Estudo de Elies e colaboradores
Enquadramento, objectivos e participantes

O efeito halo que, no contexto do presente estudo, pode ser definido como a avaliação ou definição de um aluno, pelo professor, a partir de um único aspecto ou característica, é muito provavelmente um dos factores que dificultam significativamente a compreensão da associação entre as dificuldades de leitura e os problemas de comportamento. Porquê? A resposta é muito simples: porque a capacidade de leitura e, salvo raras excepções, o comportamento dos alunos são avaliados pela mesma pessoa.

Segundo Elies et al. (2021), nenhum estudo parece ter analisado o efeito halo relativamente à influência do desempenho académico no comportamento, embora haja muitos trabalhos sobre a influência inversa. Os investigadores procuraram, por esta razão, responder às seguintes questões:
  1. Qual é o impacto do desempenho na leitura no comportamento dos alunos?
  2. A relação entre o desempenho na leitura e o comportamento muda se a percepção dos professores acerca da capacidade de leitura e do comportamento dos alunos for controlada?
  3. A percepção dos professores relativamente à capacidade de leitura influencia directamente a sua percepção acerca do comportamento dos alunos? Em caso afirmativo, em que medida isso sucede? Existe um efeito recíproco entre a percepção dos professores acerca da capacidade de leitura e o desempenho dos alunos?
De acordo com Elies et al. (2021), é possível que exista um efeito halo: os professores podem assumir que o baixo desempenho escolar e os problemas de comportamento «caminham juntos» e, assim, extrapolar a presença de problemas de comportamento a partir da sua percepção acerca das dificuldades de aprendizagem dos alunos.

Participaram no estudo 171 crianças do primeiro ano de escolaridade, residentes em Colónia, na Alemanha. A percepção dos professores acerca do comportamento dos alunos foi avaliada no início e no final do ano lectivo, através da versão alemã do Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ; Goodman, 1997), que inclui questões sobre problemas emocionais, problemas comportamentais, problemas com os pares e comportamento pró-social, e da escala Integrated Teacher Report Form (ITRF; Volpe & Fabiano, 2013). No total, foram avaliadas sete dimensões comportamentais: comportamento de oposição, agressividade, impulsividade, hiperactividade, comportamento pró-social, comportamentos desviantes e depressão.

A percepção dos professores relativamente à capacidade de leitura dos alunos foi avaliada apenas no final do ano. Os professores responderam a duas questões: uma sobre a leitura e escrita (“A criança tem dificuldades na aprendizagem da leitura/escrita?”); e outra sobre a evolução do aluno (“A criança será, provavelmente, capaz de ultrapassar sem apoio as suas dificuldades?”). Ambas tinham quatro opções de resposta. No final do ano lectivo, o desempenho dos alunos na leitura foi também avaliado, através da leitura de uma lista de palavras e pseudo-palavras, o mais rapidamente possível, durante um minuto.

Principais resultados e conclusões

Elies et al. (2021) verificaram que o desempenho de leitura influencia significativamente o comportamento dos alunos. Os alunos com baixo desempenho na leitura manifestam um comportamento agressivo, impulsivo, hiperactivo, de oposição, e humor deprimido. Estes resultados são consistentes com a literatura.

Os resultados mostraram também que o comportamento dos alunos influencia significativamente o desempenho de leitura. Os investigadores verificaram, especificamente, que os comportamentos externalizados prejudicam seriamente o desempenho escolar. Os resultados mostraram ainda que os alunos com o desempenho mais baixo na leitura tendem a envolver-se, com maior frequência, em comportamentos considerados problemáticos. Segundo Elies et al. (2021), este resultado era interpretado anteriormente como uma reacção dos alunos ao fracasso na leitura. Diversos investigadores defendiam, especificamente, que as dificuldades persistentes em tarefas de leitura provocavam um sentimento de frustração nos alunos, resultando em problemas de comportamento. Porém, como Elies et al. (2021) referem, os resultados do presente estudo põem em causa essa justificação, uma vez que o controlo do efeito halo reduziu consideravelmente os coeficientes correspondentes. Nestas circunstâncias, apenas a influência do desempenho de leitura no comportamento de oposição permaneceu significativo (o contrário, não).

Por último, mas não menos importante, Elies et al. (2021) verificaram que os alunos com problemas de comportamento são considerados pelos professores menos proficientes na leitura. O mesmo sucedeu na relação entre a percepção dos professores acerca da capacidade de leitura e do comportamento: os alunos identificados como leitores menos proficientes são os que, segundo os professores, manifestam mais problemas de comportamento.

Os resultados do presente estudo confirmam, tal como Elies et al. (2021) referem, a afirmação de Algozzine et al. (2011): a avaliação dos problemas de comportamento está significativamente mais correlacionada com a avaliação da capacidade de leitura do que com o desempenho propriamente dito. Além disso, Elies et al. (2021) referem que os resultados não permitem concluir que os alunos tendem a manifestar problemas de comportamento, em resultado das dificuldades de leitura per se. No entanto, tal não significa que os problemas de comportamento manifestados pelos alunos com dificuldades na leitura devam ser desvalorizados. De acordo com Elies et al. (2021), é fundamental ter em atenção que os dados do estudo foram recolhidos no primeiro ano de escolaridade. Segundo a literatura, o impacto dos problemas de comportamento pode tornar-se mais significativo com o avançar da idade. Além disso, algumas crianças manifestam problemas de comportamento antes de iniciar o ensino básico, o que pode ser exacerbado pelos desafios que enfrentam após o início da escolaridade obrigatória, como por exemplo a aprendizagem da leitura e da escrita.

João Lopes
Soraia Araújo

Fonte: Iniciativa Educação

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Casos de dislexia aumentam (na realização de exames nacionais)

Outra situação destacada pelo JNE: por comparação a 2020, registou-se um aumento de 6,6% dos pedidos para adaptação das provas devido a necessidades especiais apresentadas pelos alunos. Passaram de 4100 para 4371 em 2021, um aumento “para o qual contribuiu o acréscimo verificado no 12.º ano, cuja taxa de variação foi de 14%”.

As condições especiais para a realização de provas ou exames podem passar, entre outras, pela adaptação de enunciados, grelhas de classificação diferentes ou pela possibilidade de os alunos realizarem provas diferentes das dos outros, o que só acontece em “casos especiais”.

Segundo o JNE, “verificou-se uma prevalência de 51,8% (2264 alunos) nas situações de dislexia (ligeira moderada e grave)”. Por ano de escolaridade, "constatou-se uma subida significativa de pedidos de adaptações para as dislexias moderada e grave, no 12.º ano, com uma variação, respectivamente, de 40% e 24%, e no 11.º ano também se verificou uma tendência de crescimento na dislexia grave, com uma variação de 22%."

Da análise conjunta dos dois anos, regista-se “um aumento de 23% na dislexia grave, de 22% na dislexia moderada e de 5% na dislexia ligeira, comparativamente com o ano de 2020”. Para este aumento, não será alheia a mudança operada em 2020. Deixando de limitar a aplicação de “condições especiais” apenas aos alunos diagnosticados com dislexia até ao final do 2.º ciclo de escolaridade, que em média é concluído aos 11 anos de idade.

Os alunos com dislexia passaram, desde 2012, a ser obrigados a realizar os mesmos exames nacionais dos seus colegas sem necessidades especiais. As suas provas têm, contudo, critérios específicos de classificação para evitar uma “penalização dos erros característicos da dislexia”. Nos casos de “dislexia severa”, pode ser autorizada a leitura dos enunciados por um dos professores vigilantes.

De acordo com a definição da International Dyslexia Association, a dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldades no reconhecimento e na descodificação de palavras e de ortografia.

Fonte: Parte de notícia do Público com o título "Presença de alunos carenciados nos exames nacionais caiu para metade"

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Adolescentes gostam menos da escola e acham a matéria demasiado aborrecida. Professores não estão surpreendidos

O gosto pela escola diminuiu nos alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos, que continuam a achar a matéria demasiada aborrecida e difícil, segundo os resultados e um estudo em 51 países que serão apresentados esta quarta-feira.

“Este valor tem vindo sempre a agravar e comparando com outros países (…) este é sempre aquele indicador que nós temos menos bom”, considerou a coordenadora do estudo, Tânia Gaspar, sublinhando a necessidade de a escola “fazer uma aproximação à realidade dos jovens”.

Esta investigação – Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS) 2022 – feita em colaboração com Organização Mundial de Saúde, indica que a pressão com os trabalhos de casa (muita pressão) aumentou (de 13,7% em 2018 para 22,4% em 2022) e que o que os alunos menos gostam na escola é a comida nos refeitórios.

Segundo os dados a que a Lusa teve acesso, o gosto pela escola baixou de 70,4% (em 2018) para 69,7%, as atividades extracurriculares passaram da terceira para segunda posição daquilo que os alunos menos gostam na escola, ao contrário do que aconteceu com as aulas, que são agora a terceira coisa de que os alunos menos gostam.

Os dados indicam ainda que os colegas são o que menos frequentemente os alunos não gostam, deixando de ser os intervalos/recreios, como acontecia em 2018.

Mostram ainda que as dificuldades com a escola e com os trabalhos da escola aumentaram de 2018 para 2022. A matéria continua a ser considerada demasiada (87,2% em 2018 para 87,9% em 2022), aborrecida (84,9% em 2018 para 87,4% em 2022) e difícil (82% em 2018 para 82,1% em 2022). Há 30,3% dos jovens que disseram não gostar da escola.

Tânia Gaspar sublinha, a este nível, a necessidade de a escola “se atualizar e conseguir acompanhar os jovens no seu modo de contacto com o conhecimento”.

Em declarações à Lusa, também a investigadora Gina Tomé, da equipa portuguesa do HBSC/OMS e Aventura Social/ISAMB/Universidade de Lisboa, considera que “a escola ainda está naquela estrutura de há anos” e “não evoluiu”.

“A escola está a perder terreno (…). A escola que a nossa geração frequentou não é a mesma que estes jovens estão a frequentar, mas no fundo a estrutura é a mesma”, considerou a investigadora, acrescentando: “os professores também acusam isso, estão motivados e têm vontade [de mudar], não têm é recursos”.

A referência ao stress das avaliações também aumentou nos dados recolhidos este ano, passando da quarta posição em 2018 para a terceira posição em 2022 (77% em 2018 para 83,1% em 2022). Alguns adolescentes referem também a pressão dos pais pelas boas notas (58,4%).

Comparando com o estudo realizado em 2018, baixou ligeiramente a relação com os colegas (de um valor médio de 11,89 para 11,77), enquanto a relação com os professores se manteve (11,36).

De qualquer forma, sublinha Tânia Gaspar, “a escola continua a ser um local de segurança e de proteção”.

Menos de um em cada quatro jovens (22,8%) refere existir um incentivo à comunicação e relação entre a escola e a família e 30,7% dos adolescentes consideram importante melhorar a comunicação entre a escola e a família.

Quase um em cada três jovens (31%) apontam a pouca participação dos pais na associação de pais como a principal barreira à relação entre a escola e a família.

“Quem trabalha nestas áreas sabe que esse envolvimento [dos pais na escola] vai decrescendo muito ao longo da escolaridade. Quando as crianças são mais pequenas há uma maior adesão, e depois, progressivamente, vai havendo menos”, explicou a coordenadora do estudo.

A responsável sublinhou ainda: “Temos que pensar em que moldes é que isso poderá continuar, porque se formos a ver, se perguntarmos a um jovem do 9.º ou 10.º ano se quer que o pai vá à escola, se calhar ele também não quer, porque quer ter o seu espaço, a sua autonomia“.

“Então temos todos de pensar como é que se serão formas boas e positivas para as várias partes, para os pais poderem fazer parte da escola, mas também sem se intrometerem no desenvolvimento e na autonomia natural dos filhos”, considera Tânia Gaspar, acrescentando: “Temos algumas boas práticas, relacionadas com atividades extracurriculares que são desenvolvidas e em que a escola está aberta aos pais“.

Tudo para que os pais “não sejam apenas chamados para as reuniões”, onde, por vezes, “as notícias não são as melhores”, concluiu.

Os resultados do estudo não surpreendem o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP): “Não sentimos que haja muita novidade neste estudo, tendo em conta aquilo que ouvimos e sentimos dos nossos alunos”, disse Filinto Lima em declarações à Lusa.

“Há certas matérias que são extensas e nós também o achamos”, acrescentou, lembrando que as escolas têm atualmente alguma autonomia através do projeto de autonomia e flexibilidade curricular, mas ainda estão sob a pressão do acesso ao ensino superior que faz com que alguns professores estejam focados em preparar os seus alunos para os exames nacionais.

Filinto Lima lamenta o foco na preparação para “um exame de hora e meia”, quando se deveria estar a “preparar os jovens para a vida”, mas diz-se esperançado com as palavras da ministra do ensino superior, Elvira Fortunato, que recentemente prometeu rever o modelo de acesso ao ensino superior.

Filinto Lima acredita que o modelo de trabalho na escola está a mudar, lembrando que os telemóveis e os computadores passaram de “intrusos” a “convidados”.

“Os professores agora já dizem aos alunos para usarem os telemóveis e os computadores para fazerem pesquisas e trabalhos”, lembrou o também diretor de um agrupamento de escolas de Vila Nova de Gaia.

Filinto Lima alerta ainda para a desigualdade entre os alunos que têm apoio – através de ajuda em casa ou de explicações – e os que têm de fazer os TPC sozinhos.

Mas o que os alunos menos gostam na escola é da comida dos refeitórios, revela o estudo.

Para o presidente da ANDAEP esta situação poderá explicar-se pelo facto de “nas cantinas ser servida comida saudável, quando lá fora eles podem comer o que querem, como pizas ou hamburgers”.

Apesar das criticas, Filinto Lima lembra “a alegria dos alunos quando regressaram à escola” depois dos confinamentos forçados pela pandemia de Covid-19.

O estudo divulgado esta quarta-feira integrou cerca de seis mil questionários, em 40 agrupamentos de escolas do ensino regular (Portugal continental), num total de 452 turmas.

Este trabalho pretendeu estudar os estilos de vida dos adolescentes em idade escolar nos seus contextos de vida, em áreas como o apoio familiar, escola, saúde física, saúde mental e bem-estar, sono, sexualidade, alimentação, atividade física, lazer, consumo de substâncias, violência e saúde planetária.

Em Portugal, o primeiro destes estudos foi aplicado em 1998 e o último tinha sido em 2018. O estudo, que entre 1998 e 2019 foi coordenado pela psicóloga Margarida Gaspar de Matos, integrou este ano cerca de 6.000 questionários, em 40 agrupamentos de escolas do ensino regular (Portugal continental), num total de 452 turmas. As respostas são de alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos de escolaridade.

Este trabalho pretendeu estudar os estilos de vida dos adolescentes em idade escolar nos seus contextos de vida, em áreas como o apoio familiar, escola, saúde física, saúde mental e bem-estar, sono, sexualidade, alimentação, atividade física, lazer, consumo de substâncias, violência e saúde planetária.

Fonte: Observador