Na Grécia Antiga a criança que nascia com alguma deficiência era encaminhada a um conselho que decidia se ela deveria viver ou morrer.
O conceito de deficiência deve ter variado com o tempo e ao longo dos séculos, ele foi-se modificando. Os estudos apontam que, na Roma Antiga, as crianças que apresentavam alguma deficiência ou malformação eram jogadas nas margens do rio Tigre. Contudo, no comando de Roma, estiveram imperadores que apresentavam algum tipo de deficiência, como Galba, que apresentava malformação nas mãos e nos pés, e Othon, com deformação nas pernas. Na Grécia Antiga a criança que nascia com alguma deficiência era encaminhada a um conselho que decidia se ela deveria viver ou morrer. Mas, como em Roma, no comando da Grécia estiveram imperadores como Homero, que era cego, e Alexandre o Grande, com epilepsia.
Há uma evolução histórica das atitudes em relação aos deficientes. Deve-se registrar que, na época da Segunda Guerra Mundial, liderada por Hitler, as pessoas com deficiência também foram eliminadas e/ou esterilizadas, em nome da política da raça ariana pura.
Verifica-se que o conceito de doença e incapacidade associada ao conceito de deficiência tem variado ao longo dos séculos. Revela-se, contudo, que o conceito de deficiência vem sendo formulado a partir de um referencial de normalidade, que resulta em segregação e na inaceitação da deficiência. Sabemos que a feiura de Sócrates era conhecida do povo grego na mesma proporção que sua inteligência. Como um conceito culturalmente formado, o conceito de deficiência atende expectativas pré-formadas de acordo com os costumes e a época. Engloba termos como incapacidade, dependência, redução, limitação, impossibilidade, entre outros. Mas, nem mesmo entre os considerados normais há uma unanimidade entre norma e patologia. Chama-se atenção para o fato de que ainda não se conseguiu especificar quais são os atributos que definem a maioria dos conceitos. Portanto, como explicar a formação do conceito de deficiência associado a uma concepção de doença e incapacidade ao nos depararmos com Beethoven surdo compondo a Nona Sinfonia?
No final do século XX, em razão da defesa pelos Direitos Humanos, um novo conceito foi introduzido aos grupos considerados diferentes - pessoas com necessidades educacionais especiais. O conceito de necessidades educacionais especiais é um conceito-chave que agrega outros conceitos como o de dificuldade de aprendizagem e o de medidas educativas especiais.
Ainda nessa linha de pensamento, o conceito de deficiência demanda adaptações de currículo e criação de serviços complementares na escola. Na Declaração de Salamanca (1994), o conceito de deficiência diz respeito a crianças e jovens cujas carências ou dificuldades se situam no âmbito escolar. Sejam crianças ou jovens com deficiências ou superdotadas, em situação de rua, trabalhadoras, de populações remotas ou nómadas, de minorias linguísticas, culturais e de grupos desfavoráveis ou marginais.
A Educação Inclusiva, hoje amparada e fomentada pela legislação em vigor, e determinante das políticas públicas educacionais, coloca ênfase na falha do meio em proporcionar condições adequadas para promover a aprendizagem do indivíduo com necessidade educacional especial. Conclui-se que no âmbito pedagógico, o conceito de deficiência não pode ser definido a partir das noções de incapacidade, redução, limitação e impossibilidade. Implica em uma nova postura da escola ao propor no currículo, na metodologia, na avaliação e nas estratégias de ensino ações que favoreçam a inclusão social e práticas educativas diferenciadas que atendam a todos os alunos.
Por herança histórica e por cultura social a concepção de deficiência, que segrega e exclui, reflete ações educacionais restritas e com estreita visão do que representa uma educação para todos. Essa concepção, na perspectiva da evolução socio-histórica do conceito de deficiência exerceu impacto na história da educação especial, apresentando como resultado práticas educacionais empobrecidas, que enfatizam as dificuldades relacionadas com a deficiência, em contraponto com a dimensão do processo de ensino e aprendizagem na escola.
Apesar dos obstáculos, a expansão do movimento da inclusão, em direção a uma reforma educacional mais ampla, é um sinal visível de que a escola e a sociedade vão continuar caminhando rumo a práticas cada vez mais inclusivas e distanciadas do conceito de deficiência que segrega e exclui.
Detenho-me agora na particularidade da deficiência auditiva. A evolução socio-histórica e cultural do conceito de deficiência auditiva fundamenta-se mais na descrição das dificuldades geradas pela diminuição da audição e suas consequências para a organização do processo pedagógico. Nos aspectos relacionados com a organização do processo pedagógico, convém apontar que, como filosofia educacional para ensino de surdos, o oralismo perdurou por mais de um século, tendo como pressuposto a proibição do uso de sinais no processo de ensino e aprendizagem. Na concepção que busca entender o surdo como inscrito em uma comunidade com identidade e língua própria - contrapondo-se a concepção de deficiência que marginaliza o sujeito - é imprescindível compreender a linguagem do surdo.
As escolas raramente têm um plano de avaliação da eficácia dos programas curriculares e dos serviços destinados aos alunos surdos, especialmente àqueles que frequentam classes regulares. A comunicação entre os professores, os especialistas, a família e os alunos com necessidades educacionais especiais é frequentemente insuficiente para facilitar o desenvolvimento e a implementação de ações educativas apropriadas a esta parcela de alunos. A responsabilidade pelo desenvolvimento de planejamentos inclusivos deve ser partilhada pelos professores, pelas famílias e pelos alunos a que se destinam.
Andréa Villela Mafra da Silva