quarta-feira, 30 de abril de 2025

Projeto Piloto de Inovação Pedagógica 2 – Alargamento a outras escolas

O Projeto Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), que iniciou no ano letivo 2024/2025, com duração de três anos, é uma medida de política educativa destinada a AE e ENA conferindo-lhes autonomia para conceber projetos para os cursos científico-humanísticos e cursos profissionais, adaptados às necessidades dos alunos e aos recursos disponíveis.

O objetivo do PPIP é contribuir para uma escola inclusiva, flexível, inovadora e diferenciadora, que responda aos desafios do mundo atual e às expectativas dos alunos e da comunidade, procurando valorizar a identidade do ensino secundário e diversificar as suas formas de organização.

Na sequência da publicação Despacho n.º 4517/2025, de 11 de abril, é autorizada a realização de projetos-piloto de inovação pedagógica (PPIP) para a oferta de cursos científico-humanísticos e de cursos profissionais do ensino secundário, em regime de experiência pedagógica, durante três anos, permitindo o alargamento da possibilidade de realização destes projetos a outras escolas, com base nos princípios aqui definidos. Assim, procede-se à publicitação do Aviso de Abertura para a apresentação de candidaturas à realização de PPIP por estabelecimentos de ensino público e privado, no qual constam os critérios de elegibilidade e os motivos de exclusão das candidaturas.

Fonte: DGE por indicação de Livresco

terça-feira, 29 de abril de 2025

A adolescência e o pêndulo

Assisti recentemente à famosa série da Netflix “Adolescência” e gostaria de fazer uma breve reflexão sobre alguns dos temas abordados. A primeira das questões que esta série levanta é sobre a atual desvalorização e desacreditação das figuras de autoridade, representadas pelos professores e pelos polícias. Basta olhar para o que se passa atualmente nas escolas, com os professores a enfrentar vários problemas de disciplina nas aulas, e com os polícias que não são bem-vindos em algumas zonas urbanas, para se perceber que o tema é atual. Infelizmente, para uma parte dos partidos políticos de esquerda, as figuras de autoridade são vistas como figuras opressoras, pelo que é natural que os adolescentes não as respeitem.

A escola, outrora um lugar de aprendizagem, onde se transmitiam conhecimentos e valores, foi transformada num espaço de entretenimento audiovisual, e num autêntico viveiro de bullies com comportamentos antissociais; fenómeno ampliado e facilitado pelos telemóveis e redes sociais. Evidentemente que não se pode cair no risco da generalização excessiva, mas o facilitismo na avaliação e os insuficientes mecanismos disciplinares de que atualmente as escolas dispõem propiciam que se descaracterizem os elementos fundacionais do ensino.

Um outro aspeto muito importante abordado na série refere-se às dificuldades que muitos adolescentes têm em expressar emoções, observando-se uma autêntica regressão emocional civilizacional. Verifica-se uma perda evidente da capacidade verbal para expressar sentimentos. O vocabulário, que era enriquecido através da literatura, tem vindo a perder-se, sendo substituído por emojis. Para além da pobreza comunicacional, esta forma redutora de transmitir emoções gera frequentemente mal-entendidos e pode ser muito agressiva e humilhante.

O excesso de trabalho e a dificuldade em conciliar o trabalho com a vida familiar, mostrados na referida série, trazem consigo consequências nefastas no acompanhamento dos adolescentes pelos pais. O sequestro a que assistimos pela vida profissional revela-se um autêntico desastre na vida familiar. A comunicação plena entre pais e filhos exige presença física. Sem comunicação não há partilha e sem partilha não existe intimidade entre as pessoas. Isto significa que os filhos podem estar em sofrimento e este não ser detetado pelos pais.

Se, porventura, no passado a educação nas escolas e nas famílias era demasiado rígida e normativa, nos dias de hoje assistimos ao movimento do pêndulo para o extremo oposto: uma educação excessivamente permissiva e relativista. Tal como um pêndulo que, após oscilar num sentido, move-se no sentido contrário, também a educação parece ter perdido o equilíbrio. Presentemente, muitos adolescentes crescem com poucas regras e sem exigência. A educação sem limites e sem figuras de autoridade promove o desenvolvimento de personalidades imaturas, egocêntricas e inadaptadas socialmente.

A série “Adolescência” lança uma outra reflexão importante: a impotência e o sofrimento das famílias diante de um filho com uma personalidade com características antissociais (psicopáticas). Sabemos que a personalidade sofre influências positivas ou negativas durante o nosso desenvolvimento, e em particular na adolescência, que traz consigo dúvidas, inseguranças e ruturas. É um período marcado por intensas transformações físicas, emocionais e cognitivas, em que o adolescente procura construir a sua identidade, testar limites e afirmar a sua autonomia, muitas vezes em confronto com o próprio grupo de pares ou com figuras de autoridade. Os pais têm um papel muito importante de acompanhamento nesta fase, por isso é natural que se questionem sobre as falhas cometidas na educação dos filhos. Mas todos cometem erros, pois não existem pais perfeitos. Ainda assim, perante uma sociedade tão caótica e perturbadora, a família, mesmo com estas limitações, é sem sombra de dúvida um porto seguro de amor incondicional para os filhos.

Por fim, há uma frase proferida pela mãe do adolescente que expressa uma enorme culpa e arrependimento: “nós devíamos ter percebido e impedido”. Creio que essa culpa é, em grande medida, coletiva, pois cabe-nos a todos reconhecer os erros que estão a ser cometidos na nossa sociedade e o seu impacto negativo no desenvolvimento da saúde mental dos adolescentes. Muitos jovens, devido a estes erros expostos na série, seguem um percurso de sofrimento, inadaptação e autodestruição. E será que vamos continuar a não fazer nada para alterar a atual posição do pêndulo?

Pedro Afonso

Fonte: Observador por indicação de Livresco

domingo, 27 de abril de 2025

Como sabemos que as vacinas não causam autismo?

“Em Setembro, saberemos o que causa a epidemia de autismo e seremos capazes de a eliminar”, afirmou, no início deste mês, Robert F. Kennedy Jr. numa conferência na Casa Branca. As palavras do secretário da Saúde norte-americano (o equivalente a ministro da Saúde) mencionam a ideia de uma epidemia e de que esta é uma doença com causa única. Ao longo das últimas décadas, Robert Kennedy Jr. instigou também o medo das vacinas através de mais desinformação – como a frase que abre este texto. Já em 2005 deu voz à conspiração de que o timerosal (uma substância com mercúrio usada na vacina tríplice até 2001 nos Estados Unidos) era responsável por uma “epidemia” de autismo. Voltamos a uma questão tantas vezes respondida: como sabemos que é mentira?

Com nova liderança, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) norte-americanos avançaram com uma nova investigação sobre as causas do autismo e as vacinas. Não é uma novidade. Estes estudos já foram realizados mais de duas dezenas de vezes, sobretudo para desmontar a faísca inicial desta conspiração. Em 1998, a reconhecida revista The Lancet publicava um trabalho do britânico Andrew Wakefield que sugeria que a vacina tríplice (contra o sarampo, papeira e rubéola) provocava o aumento de autismo e doenças gastrointestinais em crianças. (...)

Continuação da notícia em Público.



quinta-feira, 24 de abril de 2025

Abandono escolar precoce de jovens com deficiência é mais do triplo do dos que não a têm

“Nas diversas escolas já frequentadas pelo meu filho, em nenhuma delas a sua inclusão foi possível. Na última escola do ano passado, havia somente uma professora de ensino especial para o agrupamento todo, que apenas tinha horário de uma hora, uma vez por semana, para estar com o meu filho.” O relato é de uma mãe sobre a situação do filho de dez anos, com multideficiência, e sobre as dificuldades que o menino tem em ter o acompanhamento devido na escola. Apesar dos progressos feitos nos últimos anos na área da educação inclusiva, os jovens com deficiência em Portugal abandonam muito mais os estudos antes de completar o ensino secundário do que os colegas que não têm qualquer tipo de deficiência: em 2022, a taxa de abandono escolar precoce nos alunos com deficiência entre os 18 e os 24 anos foi três vezes superior à dos colegas sem deficiência: 21,4% para 5,9%. É também superior à taxa média dos países da União Europeia, que ronda os 19%. As dificuldades desta população não se ficam apenas pela escola: entrar no mercado de trabalho é, para muitos, uma tarefa difícil, ainda revestida de dificuldades e preconceito: no sector privado, menos de 1% dos trabalhadores são pessoas com deficiência; no público, ronda os 3%.

Continuação da notícia em Público.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

"Let´s Talk About Children", programa de capacitação no âmbito da saúde mental das crianças e suas famílias

Nova edição da formação de promoção da saúde mental das crianças e suas famílias dirigido a educadores de infância, professores e outros profissionais da educação, da saúde e da intervenção social.

O projeto Let´s Talk About Children (LTC), financiado pelo programa europeu EU4Health, está a ser implementado em Portugal sob coordenação da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

A Comissão Europeia financia a replicação da metodologia LTC, com mais de 20 anos de implementação, em 9 países europeus.

O projeto promove o programa de capacitação desde 2023, dirigido a profissionais que contactam com crianças e famílias, das áreas da educação (educadores de infância e professores) da saúde (psiquiatras, pedopsiquiatras, médicos de Medicina Geral e Familiar, enfermeiros, psicólogos) e da intervenção social (assistentes sociais).

O principal objetivo é a promoção da saúde mental das crianças, jovens e famílias, bem como a prevenção da transmissão intergeracional de problemas de saúde mental.

A frequência da formação é gratuita, até ao final de 2025, com inscrição e assiduidade obrigatórias para a obtenção de certificado.

As inscrições encontram-se a decorrer através do respetivo formulário.

Para mais informações aceda à página do projeto Let’s Talk about Children.

Caso pretenda receber informação adicional sobre as atividades do projeto, subscreva a sua mailing list.

Fonte: DGE por indicação de Livresco

terça-feira, 22 de abril de 2025

A matemática não é só dos números

Introdução

O vocabulário desempenha, desde os primeiros anos de vida, um papel determinante no desenvolvimento infantil, sendo um dos primeiros domínios a merecer a atenção de pais, educadores e professores. Contudo, é comum que o enfoque recaia sobre palavras associadas a categorias como «animais», «cores», «objectos», «frutas» e «meios de transporte». Embora este universo seja fundamental para o desenvolvimento da linguagem, existe uma categoria frequentemente relegada para segundo plano: o vocabulário matemático, isto é, o domínio de termos adequados para descrever conceitos, operações e processos matemáticos (Swan, 2018). Termos relacionados com quantidades, como «muito», «pouco», «mais» e «menos», e operações matemáticas, como «somar», «subtrair», «dividir» e «multiplicar», geralmente não recebem atenção antes da entrada na escola primária. De igual modo, termos que descrevem medidas, como «quilograma», «mililitro» e «centímetro», e formas geométricas, como «quadrado», «círculo» e «triângulo», tendem a ser introduzidas tardiamente.

De acordo com a literatura, o vocabulário constitui um precursor fundamental na aquisição de capacidades matemáticas (e. g., Bezuidenhout, 2022; Lin et al., 2021; Méndez et al., 2019; Novita et al., 2024). Por exemplo, Hassinger-Das e colaboradores (2015) verificaram que as crianças do jardim-de-infância que receberam instrução em vocabulário matemático mostraram uma melhoria significativa não só no conhecimento de termos matemáticos, mas também nas capacidades iniciais de numeracia, em comparação com as crianças que não receberam instrução.

Não obstante, é legítimo questionar: deve ensinar-se vocabulário matemático antes de as crianças iniciarem a aprendizagem formal da matemática? Sim. Porquê? A resposta a esta questão é simples. O vocabulário desempenha um papel facilitador na aprendizagem da matemática, ao apoiar as crianças na compreensão e expressão de conceitos matemáticos. Imagine uma criança a comparar o tamanho de dois blocos. Se conhecer o significado de palavras como «maior», «menor» ou «igual», será à partida capaz de perceber a diferença entre eles e expressar o que observa, afirmando, por exemplo: «Este bloco é maior do que aquele.» Além disso, é fundamental ter em atenção o seguinte: a aprendizagem da matemática não tem início no conhecimento dos números. Segundo a literatura, o ponto de partida reside no domínio precoce de conceitos matemáticos, como, por exemplo, «quantidade», «tamanho» e «comparações» (Carey & Jacobson, 2020).
Estudo de Chi-San Ho e colaboradores (2025)

Embora a investigação tenha analisado extensivamente a relação entre vocabulário e matemática, a maioria desses estudos centrou-se no vocabulário geral receptivo ou expressivo. No entanto, apesar de a importância do vocabulário matemático ser amplamente reconhecida, Chi-San Ho e colaboradores (2025) afirmam que poucos estudos exploraram o impacto específico do vocabulário matemático na relação entre o conhecimento vocabular geral e as capacidades matemáticas. Neste sentido, os investigadores procuraram responder à seguinte questão: em que medida o vocabulário matemático medeia a relação entre o conhecimento vocabular geral e a capacidades iniciais de numeracia em crianças do jardim-de-infância?

O estudo envolveu a participação de 180 crianças (média de idades = 4,7 anos) de 19 jardins-de-infância localizados em Hong Kong, na China. O rendimento mensal das famílias das crianças situava-se entre 40 001 e 50 000 HK$ (dólares de Hong Kong, moeda oficial do território, o que corresponde a um intervalo entre 4934,12 € e 6170,60 €. Este valor é ligeiramente superior ao rendimento mediano dos agregados familiares economicamente activos em Hong Kong (35 900 HK$ ≈ 4397,75 €), assim como ao rendimento mediano de todos os agregados familiares da região (28 000 HK$ ≈ 3449,60 €) (Census and Statistics Department, 2023).

As crianças foram avaliadas no conhecimento geral de vocabulário, vocabulário matemático e capacidades matemáticas (i. e., numeracia) (ver Tabela 1). A avaliação foi realizada individualmente, online, via Zoom, por estudantes universitários ou colaboradores de investigação. Cada avaliação teve uma duração de 25 a 45 minutos.


Tabela 1. Avaliação do conhecimento de vocabulário geral, vocabulário matemático e capacidades matemáticas

Resultados e ideias a reter

Tal como esperado, os resultados mostraram que tanto o conhecimento geral de vocabulário quanto o vocabulário matemático estão significativamente relacionados com as capacidades iniciais de matemática. Isto significa que as crianças com vocabulário mais amplo tendem a alcançar um desempenho melhor em matemática do que as crianças com um vocabulário mais limitado. De acordo com a literatura, o conhecimento do significado das palavras apoia as crianças na compreensão de conceitos e operações matemáticas, facilitando a resolução de problemas e, não menos importante, a interpretação das instruções de professores e educadoras.

Os resultados mostraram também que o vocabulário matemático medeia a relação entre o conhecimento geral de vocabulário e as capacidades iniciais de matemática. Segundo os investigadores, este resultado reforça a importância do domínio de termos que descrevam conceitos, operações e processos matemáticos no desenvolvimento da numeracia na primeira infância.

Com base nestes resultados, Chi-San Ho e colaboradores (2025) sublinham a relevância de integrar o ensino do vocabulário matemático nas actividades escolares desde o jardim-de-infância. Isso implica criar um ambiente rico em vocabulário e ensinar explicitamente termos matemáticos. As educadoras podem, por exemplo, incentivar as crianças a medir distâncias, comparar alturas ou descrever as posições espaciais de objectos, utilizando termos como «acima», «abaixo», «ao lado» e «mais longe». Estas práticas não só tornam o vocabulário matemático uma parte natural das experiências das crianças, como também demonstram a sua relevância nas actividades do dia-a-dia. Contudo, as implicações deste estudo não se limitam à escola: estendem-se também aos pais. As interacções entre pais e filhos, especialmente durante actividades como a contagem, devem incluir expressões e conceitos matemáticos essenciais, como «mais», «igual», «somar» e «subtrair». Ao adoptar essa abordagem, os pais apoiam as crianças a desenvolver uma compreensão mais profunda das operações matemáticas desde as primeiras fases de aprendizagem.

Este texto é um resumo do artigo «Relation between general vocabulary knowledge and early numeracy competence: The mediating role of mathematical language», disponível aqui.


Célia OliveiraSoraia Araújo

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Violência nas escolas – o tabu que é preciso enfrentar

Não vos venho falar sobre violência, um tema já amplamente discutido. Não é necessário repetir os dados, como os mais recentes da PSP, que apontam um aumento de ocorrências criminais em contexto escolar, com 4.107 crimes registados no ano letivo de 2023/2024 vs. 3.824 registados em 2022/2023. Crimes como ofensas corporais, injúrias e ameaças subiram de 8,6% para 14,2% em 2023/2024. Também não vos vou falar da série “Adolescência” que tem gerado atenção e discussão sobre a importância de tratar a violência em contexto escolar de forma consciente, aberta e urgente.
Venho falar sobre algo muito mais insidioso: o tabu da violência nas escolas e como ele é tratado, ou melhor, não tratado por aqueles que podem mudar a realidade.

A violência escolar não se resume a empurrões ou insultos. É muitas vezes subtil e invisível – como o cyberbullying, a exclusão social, as humilhações em grupo ou formas ainda mais graves e violentas – e tende a ser confundida com “simples” problemas disciplinares. É importante distinguir: a indisciplina transgride regras; a violência atinge pessoas e destrói relações. A primeira pode traduzir-se em comportamentos que violam as normas de convivência escolar, como desobediência, falta de respeito ou desordem. A segunda implica danos físicos ou psicológicos que comprometem a segurança e o bem-estar dos alunos.

Diretores, professores e até alguns pais continuam a acreditar que o problema está só “na escola do lado” e que “aqui não acontece” ou, quando acontece, “são situações pontuais” e “sempre provocadas pelos mesmos alunos problemáticos”. Esta perceção, embora compreensível, pode ser um obstáculo à mudança. Admitir a existência do problema não é sinónimo de incompetência, mas o primeiro passo para a solução.

A violência existe em todas as escolas? Talvez não. Mas é uma realidade para a maioria. Muitos alunos acabam por se sentir reféns de um ambiente que os devia proteger, mas que os expõe frequentemente a situações ameaçadoras, com efeitos devastadores não apenas no momento da agressão, mas também no seu desempenho académico, nas suas relações futuras, na sua saúde mental e integração social. E não são só os alunos que sofrem: também muitos professores enfrentam episódios de violência verbal, emocional e até física, tornando o seu local de trabalho num espaço de insegurança e desgaste.

O impacto é profundo e pode atravessar gerações e é isso que todos queremos evitar. “Há dias em que tenho mais medo de ir ao intervalo do que dos testes”, desabafou o Manuel, aluno do 8.º ano. A frase, dita em tom de brincadeira, parece refletir um mal-estar profundo e silenciado que compromete a experiência escolar de milhares de jovens. Como diretor, professor ou mãe/pai, como se sentiria se vivesse esse medo diariamente? Compreende-se o desconforto: reconhecer o problema pode obrigar a expor falhas ou comprometer a imagem da escola. Mas o silêncio não resolve, perpetua.

A boa notícia é que existem soluções. Programas como o “Escola Sem Bullying, Escola Sem Violência”, da Direção-Geral da Educação, oferecem ferramentas concretas de prevenção e intervenção. Outros projetos, promovidos por organizações da sociedade civil, focam-se na educação emocional, na promoção de competências sociais e no envolvimento ativo de toda a comunidade escolar. Em escolas onde foram implementados, observou-se uma melhoria na convivência escolar e uma redução nos episódios de agressão.

Estes programas mostram que é possível agir, com resultados positivos. O caminho, no geral, inclui quatro princípios: (1) a importância de reconhecer o problema; (2) a urgência de prevenir (através da formação contínua de docentes e não docentes, regulamentos e políticas claras e implementação de programas com eficácia comprovada); (3) a obrigatoriedade de envolver toda a comunidade escolar para alcançar resultados (pessoal docente e não docente, alunos e famílias) e (4) a garantia de um apoio integrado (equipas multidisciplinares em articulação com os serviços de saúde e de proteção social).

Cabe às direções escolares assumir este desafio com seriedade, colocando o tema no topo da agenda e envolvendo toda a comunidade. Ignorar o problema é contribuir, mesmo que involuntariamente, para um sistema que falha. Mais do que coragem, é preciso compromisso. O futuro dos nossos jovens não se protege com silêncio. Protege-se com ação.


Andreia Jaqueta Ferreira


Diretora de Programas EPIS (Empresários pela Inclusão Social) de Promoção do Sucesso Escolar

Fonte: Expresso

sábado, 19 de abril de 2025

Quase metade das crianças com necessidades específicas sofreu discriminação ou maus tratos

Resultado de um inquérito dirigido a pais e encarregados de educação de crianças com necessidades educativas específicas, promovido pelo Movimento por uma Inclusão Efectiva nas Escolas.Um inquérito dirigido aos pais de crianças e jovens com necessidades educativas específicas (NEE) revelou que 44% dos progenitores já se confrontou com situações em que os menores foram alvo de discriminação ou maus tratos na escola. Mas o cenário pode ser ainda pior, já que os autores do documento acreditam que muitos pais não respondem por medo de represálias.

O questionário foi criado pelo Movimento por uma Inclusão Efectiva nas Escolas (MIEE) e esteve disponível entre 29 de Janeiro e 3 de Março, tendo recebido 1036 respostas válidas. O objectivo era obter a percepção dos pais ou encarregados de educação sobre a inclusão nos estabelecimentos de ensino nacionais. Os resultados, que mostram que em 44% dos casos os inquiridos “sentiram ou verificaram” que os menores foram vítimas de discriminação ou maus tratos na escola, não surpreenderam os seus promotores.

“Na prática, acreditamos que até serão mais. Temos muitos pais que têm medo de represálias e, apesar de o questionário ser anónimo, têm algum receio em assumir estas situações. E há alguns que não sabem o que se passa nas escolas, já que os filhos podem ser não-verbais ou não contarem. Por isso, é um cenário muito complicado e bastante perturbador”, diz Filipa Nobre, do movimento.

Entre as 24 questões colocadas aos participantes, uma prendia-se exactamente com o tipo de discriminação ou maus tratos sofridos, e as respostas foram muito variadas. Há quem se tenha referido a bullying, gozo ou humilhação, isolamento, desrespeito pela diferença ou descredibilização da criança com necessidades específicas, mas há outro tipo de violência, física, verbal e psicológica, traduzida em vários exemplos deixados pelos pais.

O relatório elaborado pelo movimento sobre esses casos identifica empurrões, chapadas na cara, olhos negros, mãos marcadas no rosto ou nódoas negras nos braços, mas também o tratamento por “burro”, “anormais”, “atrasado mental”, “feia” ou “maluco”, além de situações em que os menores são “rebaixados pelos colegas porque dizem que não sabem ler” e que passam ainda por “taparem-lhe a boca” ou “despirem-no da cintura para baixo”. (...)

Continuação da notícia em Público.


sexta-feira, 18 de abril de 2025

Em cinco anos, número de alunos do ensino superior com necessidades especiais mais do que duplicou

O número de alunos com necessidades especiais de educação inscritos nas instituições de ensino superior mais do que duplicou em cinco anos: de 2311 no ano lectivo 2019/20, para 5309 em 2023/24. Oito em cada dez estão no ensino público. São dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC), divulgados nesta quinta-feira. Que mostram ainda um ligeiro aumento da taxa dos estudantes que desistem.

O inquérito anual da DGEEC que faz o retrato das condições que os estabelecimentos de ensino superior têm para apoiar e acompanhar a população escolar com necessidades especiais de educação revela que, só no último ano, houve um crescimento da ordem dos 1200 estudantes com aquelas características, matriculados no ensino superior (havia em 2023/2024 um total de 4063 inscritos).

No que diz respeito a taxas de abandono, a informação fornecida permite apenas avaliar quantos alunos, em cada ano, estão matriculados e quantos, no ano seguinte, deixam de estar. No ano passado, não se encontravam no sistema 446 alunos que, no ano anterior, tinham estado matriculados (o correspondente a 11%). No ano anterior, a taxa de alunos que tinham deixado de estar inscritos tinha sido de 10,25% (385 alunos).(...)

Continuação da notícia em Público.

Cientistas afirmam que a causa do aumento das taxas de autismo está errada

As taxas de autismo estão a aumentar, mas RFK Jr. está errado sobre as razões. Aqui está o que a ciência diz.

Robert F. Kennedy, Jr., diretor do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, adotou um tom alarmista relativamente às novas descobertas de que uma em cada 31 crianças de oito anos nos EUA tem um diagnóstico de autismo, numa conferência de imprensa realizada hoje [17 de abril].

Kennedy chamou ao autismo uma “tragédia” que “destrói famílias”. E as suas declarações também incluíram afirmações que os especialistas em autismo dizem estar desatualizadas, como a ideia de que as crianças autistas “regridem” por volta do seu segundo aniversário. De facto, embora o autismo seja frequentemente diagnosticado nesta idade, os investigadores descobriram diferenças cerebrais logo aos seis meses de idade em crianças que mais tarde foram diagnosticadas como autistas. Alguns estudos também encontraram diferenças subtis no comportamento motor e no comportamento social, como olhar menos para as pessoas do que as crianças com desenvolvimento normal, em bebés que mais tarde foram diagnosticados como autistas.

Mas a maior rutura de Kennedy com o consenso científico foi provavelmente a sua insistência em que o autismo é uma “epidemia” que deve ser causada por uma exposição ambiental que foi introduzida nas últimas décadas. De facto, segundo os investigadores, o autismo é entre 60 a 90 por cento hereditário. E em até 40% dos casos, os médicos podem encontrar um conjunto específico de mutações genéticas para explicar a condição. Embora existam fatores de risco ambientais para o autismo, como a poluição atmosférica, o aumento das taxas deve-se sobretudo ao alargamento das categorias de diagnóstico e a um rastreio mais abrangente.

“O problema do ponto de vista da comunicação científica é que as causas são complexas”, diz Annette Estes, diretora do Centro de Autismo da Universidade de Washington. "Não é como a síndrome de Down, em que podemos dizer: ‘Há uma alteração genética que leva a esta síndrome e toda a gente com esta síndrome tem estas características’. Embora o que aprendemos seja inacreditável, também não é uma história simples".

A nova descoberta de que uma em cada 31 crianças nascidas em 2014 é autista vem de um relatório recentemente divulgado pela Rede de Monitorização do Autismo e das Deficiências do Desenvolvimento (ADDM), que começou a registar dados em 2000. Nesse ano, uma em cada 150 crianças de oito anos foi diagnosticada como autista e o número tem vindo a aumentar constantemente desde então. Kennedy também citou números das décadas de 1970 e 1980 que mostravam taxas de autismo que representavam cerca de um a três em 10.000 pessoas.

No entanto, durante este período registaram-se várias alterações na forma como o autismo era diagnosticado. O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM), que estabeleceu os critérios para os diagnósticos psiquiátricos nos EUA, chamou ao autismo “reação esquizofrénica, tipo infantil” na sua primeira edição e, posteriormente, referiu-se a ele como “esquizofrenia, tipo infantil” até 1980, quando o diagnóstico mudou para “autismo infantil”. Os critérios centraram-se então em sintomas externos, tais como atrasos no desenvolvimento da linguagem, resistência à mudança e apego a objetos. Em 1987, os critérios foram alargados e passaram a incluir três categorias relacionadas com a interação social, a comunicação e as restrições nas atividades. Em 1994, surgiu o diagnóstico de perturbação de Asperger, que foi integrado numa “perturbação do espetro do autismo” alargada na quinta edição do DSM (DSM-5), em 2013. Esse ano foi também o primeiro em que o autismo e a perturbação de défice de atenção e hiperatividade (PHDA) puderam ser diagnosticados na mesma criança ao mesmo tempo, diz Estes. Até então, um diagnóstico de PHDA impedia que uma criança recebesse um diagnóstico de autismo, apesar de os investigadores estimarem atualmente que metade ou mais das pessoas autistas também têm PHDA.

Kennedy minimizou a mudança de diagnóstico como uma explicação menor para o aumento dos casos de autismo, mas os investigadores descobriram que as mudanças no diagnóstico explicam provavelmente a maior parte do aumento. Um estudo de 2015 sobre crianças diagnosticadas como autistas na Dinamarca, por exemplo, concluiu que 60% do aumento do autismo entre as crianças nascidas entre 1980 e 1991 foi causado por alterações nos critérios de diagnóstico e nas práticas de notificação. Outro estudo de 2015 analisou os alunos dos programas de educação especial dos EUA entre 2000 e 2010. O número de crianças autistas matriculadas no ensino especial triplicou de 93.624 para 419.647. No mesmo período, no entanto, o número de crianças rotuladas como tendo uma “deficiência intelectual” diminuiu de 637.270 para 457.478. A passagem de crianças de uma categoria de diagnóstico para outra explica dois terços do aumento do autismo nesta população, segundo os investigadores.

Outra evidência de que as mudanças no diagnóstico explicam uma grande diferença na prevalência do autismo é o facto de as taxas de autismo variarem muito de estado para estado nos EUA. O estado com a maior prevalência de autismo é a Califórnia, com uma taxa de 53,1 por 1000 crianças de oito anos, enquanto o estado com a menor prevalência é o Texas, com uma taxa de 9,7 por 1000 crianças de oito anos. É uma diferença enorme. Mas, de acordo com o próprio relatório do CDC, é provável que esteja relacionada com o intenso impulso da Califórnia para o rastreio e avaliação precoce.

“Por causa de todo o trabalho árduo que todos fizeram para encontrar boas abordagens para apoiar e ensinar crianças autistas, há benefícios em obter um diagnóstico de autismo”, diz Estes. "Por isso, as pessoas procuram-no. E isso, associado a um menor estigma em torno do autismo, significa que mais pessoas querem compreender os seus filhos desta forma."

Uma parte do aumento das taxas de autismo pode não estar relacionada com a melhoria do diagnóstico. A probabilidade de ter um filho autista aumenta para os pais mais velhos e há uma tendência social para adiar o parto nos países desenvolvidos. As crianças que nascem prematuramente também correm um risco acrescido de autismo e a melhoria dos cuidados neonatais significa que muitas mais destas crianças estão a sobreviver até à infância e mais além.

Existem também fatores de risco ambientais conhecidos para o autismo. Entre as grávidas, por exemplo, as infeções que são acompanhadas de febre no segundo trimestre aumentam o risco de autismo para o seu futuro bebé. O mesmo acontece com a exposição à poluição por partículas finas no terceiro trimestre de desenvolvimento e no primeiro ano de vida, de acordo com um estudo de 2019. Laura McGuinn, epidemiologista da Universidade de Chicago, que liderou um estudo que fez esta última descoberta, diz que a matéria particulada é inflamatória e o trabalho está em andamento para entender como ela pode desencadear o sistema imunológico materno e potencialmente afetar o desenvolvimento do cérebro.

Enquanto Secretário da Saúde e dos Serviços Humanos, Kennedy prometeu “algumas” respostas para as causas do autismo até setembro. Mas a sua abordagem “começar do zero” ignora em grande parte a investigação já efetuada. Por exemplo, Kennedy disse aos jornalistas que a iniciativa iria analisar as ecografias durante a gravidez como um possível fator de risco. Mas um estudo abrangente de mais de 1.500 gravidezes que não encontrou qualquer ligação entre o autismo e o uso de ultra-sons foi publicado em 2023. E os cientistas descartaram definitivamente a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (MMR) como causa do autismo há uma década (e novamente em 2019). Além disso, descobriu-se que o estudo principal que sugeriu uma ligação entre a vacina MMR e o autismo falsificou dados. Apesar disso, as autoridades federais disseram em março que os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças vão realizar um estudo para investigar uma ligação entre as vacinas e o autismo. O estudo será conduzido por um cético em relação às vacinas que foi anteriormente objeto de uma sanção disciplinar por exercer medicina sem licença.

Antes do mandato de Kennedy, já estavam em curso trabalhos para desvendar os complexos fatores de risco ambientais, incluindo em agências federais como o Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental, que está a desenvolver uma ferramenta baseada na Internet para ajudar os cientistas a compreender os dados existentes sobre estudos ambientais e autismo.

“Como cientistas, gostaria que houvesse uma forma de falarmos sobre isto e explicarmos realmente como é espantoso, quanto dinheiro dos contribuintes foi gasto para criar esta compreensão desta complexa perturbação do desenvolvimento e como ajudar as crianças e os pais”, afirma Estes. “Esta ideia de que tem de haver uma única causa e de que tem de ser realmente assustadora está a fazer-nos recuar”.

Traduzido com a versão gratuita do tradutor - DeepL.com

Por Stephanie Pappas

Fonte: Scientific American por indicação de Livresco

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Guia para a Realização das Provas ModA – 2025


Clicar na imagem para aceder

Neste enquadramento, na sequência da realização em formato digital das provas ModA que tem impacto nas medidas organizativas e na resposta tecnológica das escolas, este guia apresenta um conjunto de orientações essenciais que os estabelecimentos de ensino devem observar no processo organizativo das provas ModA. Na conceção do documento, procurou-se salvaguardar a flexibilidade necessária para que o diretor, tendo em consideração os recursos humanos, tecnológicos e físicos específicos de cada escola e o quadro das atividades a decorrer, possa tomar as decisões que garantam aos alunos a realização das provas ModA nas melhores condições possíveis.

MUITO IMPORTANTE

No ano letivo 2024/2025, à exceção das provas realizadas em formato Braille, as provas ModA são realizadas em suporte eletrónico. 
Sem prejuízo dos procedimentos protocolares vertidos neste guia, as escolas devem promover medidas que garantam o acompanhamento e o apoio aos seus alunos, agindo sempre na salvaguarda dos seus direitos. 
Neste sentido, o(s) professor(es) vigilante(s) e/ou quem o diretor convocar para estar nas salas de realização das provas ModA, deverá(ão) ajudar/orientar os alunos a aceder à Plataforma de Realização das Provas Eletrónicas do IAVE e à(s) prova(s), sobretudo no caso dos alunos mais jovens, salvaguardando que nenhum aluno sairá prejudicado de todo este processo.

Dislexia. Aprender a ler o mundo com um cérebro que nos prega partidas

Interactivo. A dislexia é uma dificuldade que afecta a leitura e a escrita, mas também a auto-estima. Tem uma base neurobiológica, com alterações no funcionamento do cérebro de quem é diagnosticada.

Trata-se de um artigo do Público, interativo e com testemunhos de quem possui esta perturbação.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

O Declínio da Literacia Matemática na Europa: um alerta para pais e professores

Uma publicação recente da revista da Sociedade Europeia de Matemática (EMS) fez eco desta preocupação, já expressa pela EMS num relatório do seu Comité de Educação. Neste documento analisam-se os resultados dos estudos internacionais PISA (Programme for International Student Assessment) e TIMSS (Trends in Mathematics and Science Studies), que desde o final do século passado avaliam o desempenho escolar em matemática, ciências e leitura. Estes estudos, realizados pela OCDE e pela IEA, mostram uma tendência preocupante: os estudantes europeus estão a ficar até dois anos escolares atrás dos seus pares em países líderes, como os do Este Asiático (Singapura, Japão, Coreia, entre outros). Na revista da EMS sublinha-se que até a criatividade, muitas vezes vista como oposta ao estudo exigente típico de países asiáticos, está correlacionada com bons resultados em matemática — e Singapura lidera em ambas as áreas.

Num artigo publicado na referida revista europeia, os autores, Nuno Crato e João Marôco, tomam como ponto de partida o dito relatório da EMS após os resultados do PISA 2022. Destacam que a queda no desempenho escolar não é apenas um efeito temporário da pandemia de covid-19, mas sim uma tendência de longo prazo que ameaça o futuro da educação, da economia e da investigação matemática na Europa.

O que dizem os números?

O PISA 2022 revelou uma queda significativa em matemática dos jovens europeus de 15 anos, com uma baixa média de 18,8 pontos em relação a 2018 — o equivalente a uma perda de quase um ano de aprendizagem. Um exemplo desta evolução é a Finlândia, outrora vista como um modelo educacional, e que caiu de 507 pontos em 2018 para 484 em 2022. No mesmo período, Portugal caiu 20 pontos, de 492 para 472. No caso português é preciso recuar até 2006 para observar um nível de resultados da mesma magnitude. Já nações como Singapura (575 pontos, um acréscimo de 13 pontos relativamente a 2018) e Taiwan (547 pontos, um acréscimo de 16 pontos no mesmo período) mantêm ou até aumentam os seus resultados nos estudos internacionais de ciclo para ciclo. O TIMSS 2019, focado em alunos do 8.º ano, confirma esta disparidade: os países asiáticos lideram, enquanto a maioria dos europeus fica aquém da média da OCDE (472 pontos).

Estes dados, representados na figura seguinte, mostram que o problema não é novo — há mais de uma década que os resultados europeus estão em declínio. Portugal, que até 2015 era o único país da OCDE com crescimento positivo nos resultados do PISA, reverteu esse crescimento, e não só se alinhou a partir de 2016 com a pioria contínua dos países da Europa e da América do Norte, como registou quebras superiores à média da OCDE.

O que podemos fazer?

O estudo não se limita a apontar o problema; sugere também soluções práticas que países, pais e professores podem adotar e apoiar:
  • Currículos mais rigorosos: apostar em programas bem estruturados, progressivos e focados em matérias essenciais.
  • Métodos de ensino eficazes: valorizar a instrução direta e avaliações válidas, fiáveis e regulares, em vez de reduzir as exigências dos currículos e das provas.
  • Apoio personalizado: dar atenção extra aos alunos em dificuldades com tutorias específicas e, ao mesmo tempo, desafiar os mais avançados com oportunidades de aprofundamento.
  • Consciência da importância da matemática: mostrar aos alunos (e às famílias) como esta disciplina é crucial para o exercício da cidadania plena nas sociedades modernas.
  • Formação de professores: garantir que os docentes tenham uma preparação sólida em matemática e reconhecimento social que levem os nossos jovens a seguir esta profissão. A escola é um elemento fundamental das sociedades, e os professores são o garante do futuro dos nossos jovens.
Um apelo à ação

O principal alerta do estudo é claro: ignorar esta crise é condenar as próximas gerações a um futuro menos participativo nas sociedades modernas. Para os países, é uma chamada à ação, visando a melhoria muito séria do ensino. Para os professores, é um convite a lutar por melhores condições de ensino e a inspirar os alunos. Para os pais, é um apelo a exigir uma educação de qualidade e a valorizar a matemática em casa. Reconhecer o problema é o primeiro passo; agir, o mais urgente.

João Marôco

terça-feira, 15 de abril de 2025

Apoio financeiro a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo no âmbito da educação pré-escolar

Portaria n.º 185-A/2025/1, de 14 de abril, estabelece as regras e os procedimentos aplicáveis à atribuição de apoio financeiro pelo Estado a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo de nível não superior, no âmbito da educação pré-escolar.

Para beneficiarem de apoio financeiro previsto na presente portaria, os estabelecimentos de educação são obrigados a respeitar os seguintes requisitos de matrícula:

1 - Crianças cujos pais, ou quem exerça as responsabilidades parentais, demonstrem que efetuaram a inscrição no Portal das Matrículas na área da residência ou do local de trabalho dos mesmos, nas cinco opções disponíveis ou nas opções máximas do concelho em causa, e não tenham sido colocadas em qualquer uma dessas opções.

2 - Crianças cujos encarregados de educação residam, comprovadamente, no concelho do estabelecimento de educação pretendido, ou crianças cujos encarregados de educação desenvolvam a sua atividade profissional, comprovadamente, no concelho do estabelecimento de educação pretendido.

3 - As vagas existentes em cada estabelecimento, para matrícula, são preenchidas de acordo com as seguintes prioridades:

a) 1.ª - Crianças que completem cinco anos de idade até 31 de dezembro e que beneficiem de ação social escolar (ASE);

b) 2.ª - Crianças que completem quatro anos de idade até 31 de dezembro e que beneficiem de ASE;

c) 3.ª - Crianças que completem três anos de idade até 15 de setembro e que beneficiem de ASE;

d) 4.ª - As restantes crianças que completem cinco anos de idade até 31 de dezembro;

e) 5.ª - As restantes crianças que completem quatro anos de idade até 31 de dezembro;

f) 6.ª - As restantes crianças que completem os três anos de idade até 15 de setembro;

g) 7.ª - As crianças que completem três anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro e que beneficiem de ASE;

h) 8.ª - As restantes crianças que completem os três anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro.

4 - No âmbito de cada uma das prioridades referidas no número anterior, e como forma de ordenação, são observadas, sucessivamente, as seguintes prioridades:

a) 1.ª - Crianças com necessidades educativas específicas, de acordo com o previsto nos artigos 27.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, na sua redação atual;

b) 2.ª - Crianças beneficiárias de ASE tipo A;

c) 3.ª - Crianças beneficiárias de ASE tipo B;

d) 4.ª - Crianças com irmãos ou outras crianças que, comprovadamente, pertençam ao mesmo agregado familiar a frequentar o estabelecimento pretendido;

e) 5.ª - Crianças mais velhas, contando-se a idade, para o efeito, sucessivamente em anos, meses e dias.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Adolescentes, violentos e misóginos: o perigo, afinal, está no bolso

Tito de Morais, fundador do projeto MiudosSegurosNa.Net. e especialista em parentalidade digital, aponta os encontros que a associação “Agarrados à Net” faz há vários anos nas escolas com pais, alunos e professores para exigir aos pais que deixem de dizer: “De internet percebo pouco, mas o meu filho percebe muito.”

“Se percebem pouco vão ter com os filhos e aprendam”, aconselha o especialista, que alerta para a dificuldade que os sistemas de tradução de linguagem que usam inteligência artificial têm em decifrar a linguagem codificada em que os miúdos falam nas redes sociais.

Este debate, em Portugal e noutros países europeus, ressurgiu após o êxito da série Adolescência, da Netflix, sobre um rapaz de 13 anos acusado de matar uma colega de escola, que voltou a trazer para o debate público o perigo da propagação entre os jovens, nas redes sociais e em grupos fechados na internet, de ideias misóginas, violentas e discriminatórias.

O uso de linguagem codificada – com emojis – levou esta semana a PSP a divulgar uma informação que explicava os diversos significados dos ‘emojis’ usados pelos jovens: uma beringela ou um cachorro podem simbolizar o órgão sexual masculino, uma flor o feminino, um alvo e um cavalo indicam a heroína, o trevo ou uma cabeça de bróculos a canábis, o gelo e o coco a cocaína e o diamante ou um tubo de ensaio as anfetaminas.

“A série fala-nos dos significados de alguns ‘emojis’ usados pelos miúdos, mas muitas das palavras usadas pelos jovens de hoje também têm significados diferentes dos que tinham quando éramos mais novos”, alertou Tito de Morais, exemplificando com um encontro em que participou: “Perguntei e poucas foram as pessoas que sabiam que ‘cenas’ pode significar drogas.”

Os riscos são muitos e o especialista acrescenta: “O foco agora está nas questões ligadas à misoginia, mas as pessoas parece que já se esquecerem que houve jovens portugueses que foram lutar pelo exército islâmico”. “A Internet é uma ferramenta de recrutamento para tudo".

Cristiane Miranda, cofundadora do projeto Agarrados à Net, que promove o “bem-estar digital” de crianças, jovens e adultos, combatendo o ‘bullying’, o ‘cyberbullying’ e a violência sexual com base em imagens, alerta: “É cada vez mais difícil, mas cada vez mais importante os pais encontrarem tempo para conversar com os filhos.”

Contudo, defende que não se pode “colocar toda a culpa nos ombros dos pais”, lembrando que se é verdade que devem acompanhar os filhos também “é preciso perceber que os miúdos são seres autónomos e, se tiverem de fazer alguma coisa, fazem”.

“Os pais devem estar atentos e conversar com os filhos, manter essa conexão, e isso vai diminuir a probabilidade destas coisas acontecerem”, acrescenta.

O ideal, defendem, é “manter sempre a porta aberta ao diálogo, sem julgamentos” para “tentar compreender a vida digital dos filhos”.

“Não é controlo parental, é acompanhamento”, sublinha Tito de Morais, acrescentando: “pode acontecer com qualquer família, sobretudo se não acompanharem os filhos”.

“Se não formos nós a transmitir valores aos filhos a internet vai fazê-lo, com o que tem de melhor e de pior”, considera Tito de Morais, lembrando: “em contexto de grupo, os nossos filhos podem ter comportamentos que não se coadunam com os valores segundo os quais os educamos e que promovemos em nossas casas”.

Cristiane Miranda lembra que “não há soluções 100% seguras” e que “há coisas que podem escapar”, alertando: “assim como se preocupam em fazer perguntas quando os jovens saem à noite, também é preciso perguntar sobre a vida ‘online’”. Porque o perigo, mais do que na rua, pode estar no bolso.

Depois do alerta lançado pela série Adolescência, Tito de Morais insiste: “Agora que os pais têm a informação, o importante é o que vão fazer com ela”.

A minissérie britânica de quatro episódios já teve 42 milhões de visualizações, segundo a plataforma Netflix. Está no número um do top 10 desde a estreia, há duas semanas, em 80 países, incluindo Portugal.

Fonte: Sapo por indicação de Livresco

sábado, 12 de abril de 2025

Inclusão e Educação Especial, que caminhos para o futuro?

Chegou o momento de avaliar os resultados do actual paradigma da Educação Inclusiva (decreto-lei 54/2018 e decretos legislativos regionais 5/2023/A e 11/2020/M, com as suas posteriores alterações) e fazer opções políticas para o futuro. Pese embora as inúmeras diferenças existentes entre a situação concreta de cada escola/agrupamento em Portugal Continental, Açores ou Madeira, no que concerne à operacionalização deste modelo, partilharei aqui algumas reflexões de âmbito geral acompanhadas de possíveis alterações a introduzir, dando assim continuidade a dois artigos anteriormente editados: “Os pais da exclusão: o choque de civilizações” (Agosto de 2018) e “Repensar as políticas educativas da Inclusão” (Outubro de 2022).

I ― Do paradigma burocrático ao modelo da intervenção precoce e multidisciplinar. É urgente recentrar a maioria das decisões pedagógicas nas mãos dos professores e dos conselhos de turma. Assim, a Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI), a Equipa Regional de Monitorização e Acompanhamento da Educação Inclusiva (ERMAEI) e o Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA) deverão ser extintos, sendo os profissionais alocados a estas estruturas encaminhados para a questão da intervenção directa com os alunos.

Nesta sequência, será fundamental criar em cada escola/agrupamento uma Equipa Pedagógica multidisciplinar direccionada para a intervenção, logo após os primeiros indícios de dificuldades por parte de qualquer criança/jovem. Trata-se, reforce-se, de uma Equipa Pedagógica integralmente voltada para a intervenção directa/precoce e não para a definição de medidas educativas que outros agentes educativos terão de aplicar. Esta Equipa Pedagógica deverá estar ao serviço de todos os alunos da escola/agrupamento, que em qualquer momento revelem, entre outras possibilidades, dificuldades de aprendizagem, de integração…

Mas e os casos mais complexos? Os casos de alunos que apresentam Necessidades Educativas Especiais (devidamente identificadas) terão de usufruir de uma intervenção especializada. Além disso, a eventual adopção de medidas educativas mais restritivas (agora designadas de “adaptações curriculares significativas”), que comprometem o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, deverá partir de uma proposta do conselho de turma ao Conselho Executivo/Direcção, na sequência do fracasso das medidas educativas já implementadas (em estreita articulação com a Equipa Pedagógica), tendo em vista a sua posterior aprovação (ou não) por parte do Conselho Pedagógico (as restantes medidas, agora designadas “universais, selectivas e adicionais”, bem como as “adaptações ao processo de avaliação” deverão estar sob a alçada de cada professor/conselho de turma).

II ― Reconhecer o conceito de Necessidades Educativas Especiais. Abandonando o distópico modelo vigente que preconiza o fim das categorizações, sugere-se a recuperação do conceito de Necessidades Educativas Especiais, devendo, por conseguinte, a intervenção dos serviços especializados de Educação Especial ser direccionada, na maioria das situações, de um modo directo (e não em regime de consultoria), para estes alunos, com a duração e a intensidade compatíveis com o grau de severidade em causa, privilegiando o desenvolvimento de competências específicas e tomando em consideração a tipologia das respectivas Necessidades Educativas Especiais (de acordo com a classificação de Luís de Miranda Correia: intelectual, motora, comunicacional…). Será por acaso que o Júri Nacional de Exames insiste em utilizar estas classificações (categorizações), no âmbito da definição das adaptações a aplicar aquando da realização das provas e exames com carácter externo?

Por conseguinte, os diagnósticos não deverão continuar a ser globalmente amaldiçoados, pois estes poderão revelar-se decisivos para compreender melhor as dificuldades de cada criança/jovem e, nessa sequência, tornar a intervenção psicopedagógica mais eficaz. Além disso, também contribuem para que a/o criança/jovem se compreenda, progressivamente, melhor a si mesma/o (autoconhecimento). Ao contrário daquilo que escreveu David Rodrigues (“Educação Inclusiva: embrulho dos presentes envenenados”, Público, 28/2/2025), a categorização é frequentemente uma necessidade. De resto, como intervir adequadamente perante uma perturbação da aprendizagem específica ao nível da leitura e da escrita se não existir um prévio diagnóstico cientificamente validado?

Ao perseguir a ilusória tentação de colocar a Educação Especial ao serviço de todas as crianças e jovens, de preferência de um modo indirecto (consultoria) e durante um curto período de tempo, a legislação em vigor desprezou frequentemente os alunos com efectivas Necessidades Educativas Especiais, que não desapareceram, porquanto as Perturbações do Desenvolvimento Intelectual, as Perturbações do Espectro do Autismo, as dificuldades específicas de aprendizagem ao nível da leitura e da escrita, entre tantas outras complexas problemáticas, nomeadamente de ordem genética e neurológica, exigem uma intervenção especializada e sistemática, apesar de cada caso ser um caso e, por conseguinte, a evolução se processar com ritmos distintos.

III ― Desburocratizar. Dentro de cada escola/agrupamento, é fundamental simplificar procedimentos, canalizando todos os recursos para a questão central da intervenção (multidisciplinar) imediata, sem necessidade de preencher papéis. Doravante, as reuniões deverão centrar-se em torno dos modelos de intervenção psicopedagógica junto dos alunos e não tanto ao nível da definição de medidas teóricas, que posteriormente se revelam, na prática, para aqueles que mais precisam de ajuda, uma mão cheia de nada (gostaria sinceramente que algum especialista das Ciências da Educação me explicasse qual é a necessidade de ser a EMAEI a prescrever, num complexo e extenso Relatório Técnico-Pedagógico, a medida das “adaptações curriculares não significativas” quando essa decisão, entre outras, deveria estar dentro da alçada da autonomia científica e pedagógica de cada docente…).

IV ― “It takes a network to beat a network” (Stan McChrystal). Não é possível melhorar o actual sistema educativo sem repensar e investir no modelo de formação dos adultos e das famílias. Neste âmbito, as juntas de freguesia e outras instituições locais, articuladas com os centros de formação de adultos e com as universidades seniores, poderiam dar um contributo decisivo rumo ao desenvolvimento da literacia das populações. Fomentar a aprendizagem ao longo da vida junto dos pais/famílias teria um impacto decisivo junto dos mais jovens e das próximas gerações…

V ― Situações de iminente abandono escolar. No caso dos alunos que revelam sistemáticos e injustificados problemas de assiduidade, os mecanismos legais têm de funcionar, em tempo útil (refiro-me, desde logo, à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens). O que também significa responsabilizar as famílias e os respectivos educandos...

VI ― A escola e os currículos. A efectiva inclusão exige vias alternativas adequadas aos interesses e potencialidades de cada um dos alunos, nomeadamente de cariz mais prático e profissionalizante (o actual paradigma da Educação Inclusiva caminha num sentido inverso, eliminando por exemplo as Turmas com Projecto Curricular Adaptado, no caso dos Açores, e tornando quase impossível a aprovação de turmas de Percurso Curricular Alternativo, em Portugal Continental). Além disso, os currículos e os programas escolares encontram-se, grosso modo, desajustados e deverão ser repensados numa perspectiva global. Com as necessárias actualizações, os estádios de desenvolvimento de Jean Piaget poderão ajudar-nos bastante nesse trabalho. Finalmente, é fundamental criar respostas para os jovens com graves Necessidades Educativas Especiais após os 18 anos e que, na medida do possível, almejem ir para além da institucionalização.

VII ― Pré-requisitos para construir a inclusão. Aquilo que as escolas públicas necessitam não é de uma revolução ao nível do paradigma legislativo, mas de conhecimentos científicos/pedagógicos aprofundados e meios técnicos e humanos geridos de um modo democrático, o que implica, desde logo, falar em turmas reduzidas, a partir da Educação Pré-
-Escolar (12 alunos/crianças), e em equipas directivas eleitas pela comunidade escolar. Garantidos estes e outros pré-requisitos, os professores poderão implementar as medidas educativas necessárias para a inclusão (nomeadamente ao nível da diferenciação dos processos de ensino/avaliação) e o decorrente sucesso dos seus alunos (sem que isso exija preencher montanhas de papéis e desperdiçar horas em intermináveis e infrutíferas reuniões). A intervenção em tempo útil e cientificamente alicerçada é uma das chaves para a transformação do sistema educativo e é aí que continuamos a falhar, apesar de toda a parafernália de inúteis provas externas que os políticos insistem em inventar (Provas-Ensaio, Provas “ModA”, Provas Finais de ciclo, “Prova de diagnóstico da fluência leitora”, Provas “PISA”…).

Outrossim, a obrigatoriedade de transitar as crianças do 1.º ano para o 2.º ano (1.º ciclo) potencia a exclusão, porquanto não respeita o ritmo de aprendizagem de cada aluno e contribui para agravar as suas dificuldades. Em sentido mais geral, a tendência para garantir a todo o custo o “sucesso estatístico” alimenta um círculo vicioso de dificuldades, alheamento e extremismos, com consequências trágicas na vida destes futuros adultos e do próprio país.

VIII ― Para ensinar é preciso nunca parar de aprender. Para garantir uma efectiva formação contínua dos docentes, do ponto de vista científico e pedagógico, poderiam ser estabelecidos protocolos com as universidades (os actuais centros de formação de professores deveriam ser extintos ― e o mesmo deveria aplicar-se a alguns dos tentáculos do Ministério da Educação, como é o caso da designada Autonomia e Flexibilidade Curricular).

IX ― Os recursos tecnológicos. Os manuais escolares em suporte físico deveriam regressar imediatamente às escolas, sendo que as novas tecnologias terão de ser percepcionadas apenas como mais um dos recursos pedagógicos disponíveis, a utilizar de um modo crítico, intencional e consciente (o CHAT-GPT e a Inteligência Artificial não representam a panaceia para os nossos problemas educativos, nomeadamente no que diz respeito ao Ensino Básico e Secundário). Importa questionar até que ponto o obsessivo investimento nas novas tecnologias se ancora em efectivas preocupações de natureza pedagógica ou em outros interesses de alguns grupos financeiros…

X ― Outras respostas mais estruturadas e especializadas. À semelhança do que já sucede nos domínios da visão e da audição, seria importante equacionar a possibilidade de ter escolas de referência altamente especializadas em determinadas problemáticas mais complexas como sendo a Perturbação do Espectro do Autismo (grau de severidade grave) ― a existência de “unidades especializadas” nem sempre se revela uma resposta suficiente. A diversificação da oferta de respostas ao nível da intervenção educativa daria aos pais e às famílias maiores e melhores possibilidades para construir um futuro mais sustentado para os seus filhos. Recuperando as recentes palavras de Carlos Nunes Filipe: “A existência de ensino inclusivo em paralelo com estruturas diferenciadas de apoio de educação especial é a prática mais realista e a que, em muitos países, tem provado ter os melhores resultados” (“O ensino inclusivo não pode ser um dogma”, Público, 22/03/2025).

Como escreveram recentemente Rita Bonança e Beatriz Rodrigues, este “modelo de educação inclusiva não está apenas a falhar; está a comprometer o futuro de milhares de crianças e jovens” (“O presente envenenado na educação inclusiva”, Público, 24/2/2025). Assim, ao contrário daquilo que parece acreditar David Rodrigues, a inclusão não nasceu em Portugal com o decreto-lei 54/2018, pese embora a existência de alguns aspectos positivos que este diploma trouxe, mas que foram globalmente anulados pelo espírito global da lei (distópica e ambígua). Além disso, David Rodrigues parece não compreender que sem Educação Especial não há inclusão, embora, como é evidente, a inclusão tenha de ser um objectivo de todos e envolver os diversos domínios do saber (“Educação Inclusiva: embrulho dos presentes envenenados”, Público, 28/2/2025). Num artigo em que, paradoxalmente, se propôs “defender o trabalho que é feito nas escolas portuguesas”, David Rodrigues revelou um confrangedor desconhecimento da situação concreta que as escolas e os professores enfrentam. Talvez seja este, de resto, um dos grandes problemas de vários “especialistas” das Ciências da Educação (David Justino, com os seus erróneos cálculos divulgados num dos seus mais recentes estudos, é outro dos possíveis exemplos que por aí pululam: cf. “Afinal, escolas do 1.º ciclo com menos de 20 alunos serão cerca de 10%. David Justino admite erro”, Público, 28/2/2025).

Existem em Portugal, pelo menos, dois paradigmas distintos a respeito da Educação Inclusiva personalizados nas figuras de David Rodrigues e Luís de Miranda Correia. Fracassado o primeiro (David Rodrigues bem procura convencer-nos do contrário ou não fosse ele um dos grandes responsáveis pelo modelo vigente…), não terá chegado o momento de ouvir os profissionais que pisam, há décadas, o “chão das escolas” e de escutar, em particular, Luís de Miranda Correia, aquele que pode ser considerado um dos pais da Educação Especial em Portugal? Penso que teríamos todos a aprender. E a inclusão, enquanto princípio-chave das sociedades democráticas contemporâneas, poderia finalmente traduzir-se em actos concretos e não apenas numa amálgama de conceitos abstractos, porventura bem-intencionados, mas profundamente promotores da exclusão.

Renato Nunes

Nota: Artigo de opinião, recebido por correio eletrónico, que vincula exclusivamente o seu autor.

sexta-feira, 11 de abril de 2025

"Cérebros fora de série": alunos com capacidades cognitivas extraordinárias

Têm capacidades cognitivas extraordinárias, mas sentem-se incompreendidos e desmotivados na escola. Ser a exceção num sistema de ensino formatado para a média é o grande desafio que as crianças e jovens sobredotados enfrentam. Sem o devido acompanhamento, também eles se tornam crianças com dificuldades. Mas quando os esforços se alinham, é possível dar a estas crianças condições para aproveitar todo o seu potencial.

Josué começou a revelar muito cedo uma invulgar capacidade de aprendizagem e uma sede infinita de conhecimento. Com 11 anos afirma, com convicção, que quer seguir a carreira de astrofísico.

“Eu quero descobrir planetas, quero descobrir astros, quero fazer descobertas chocantes para a astronomia. Gostava de quebrar as leis da termodinâmica. E porque leis da termodinâmica? Porque não me deixam fazer o que eu quero! Eu quero meter um humano a voar sem asas, ser um jetpack, sem um avião. Voar naturalmente como um pássaro voa, só que sem asas. O que é que a termodinâmica me diz? Não, isso é contra as leis da física. Como sou um homem de ciência, eu não acredito que será que isso seja possível. Eu quero, quero quebrá-las!"

Josué tinha 8 anos quando recebeu o diagnóstico de sobredotação. A mãe recorda um dos primeiros sinais de alerta: “Ele começou a praticar futebol e parava a meio do jogo, parava literalmente, para analisar os lances e as consequências que podia ter com todos os movimentos que pudesse fazer naquele momento. Éramos nós lá fora a dizer: ‘Anda Josué!’ E ele dizia ‘Calma!’.”

Apesar de reconhecer o privilégio do filho ter altas capacidades cognitivas, Helena Pinto confessa que há não é fácil ver que Josué sofre por, muitas vezes, se sentir incompreendido e diferente.

“É como se tivesse duas pessoas: o adulto e a criança. E às vezes colidem. Ninguém sabe o que nós passamos quando ele tem uma crise de hipersensibilidade e temos aqui a chorar e ele a argumentar e nós a contra-argumentarmos. É difícil ouvimos um filho dizer que não quer ser diferente: Ele dizia muitas vezes ‘Mãe, eu não quero ser diferente, quero ser igual aos outros meninos’. E, no entanto, olham para nós: Ah, é tão inteligente, sabe sempre tanto!"

Com 2 anos, Leonor Lopes já sabia ler e fazia contas de multiplicar e dividir. Hoje, adolescente, não esquece as dificuldades que teve de enfrentar nos primeiros anos de escola. “Viam-me como se não fosse normal, como se eu fosse literalmente uma anormal e tratavam-me dessa forma mesmo. Eu pensei isso de mim durante muito tempo. Foi mesmo muito difícil”, refere Leonor.

“Ela teve uma crise de pânico na porta do colégio. Telefonei ao pai e lembro-me perfeitamente das palavras: “A nossa filha acabou de ter uma crise de pânico aos dois anos”. Como deve imaginar, como mãe, tão frustrada comigo própria que eu só queria saber o que é que se passava com ela."

O pedido de antecipação escolar que os pais de Leonor apresentaram ao Ministério da Educação foi concedido, mas a entrada da filha no 1º ano representou “um choque”, diz a mãe , porque a minha filha com quatro anos, vestia roupa de dois. Os amigos dela eram o triplo dela.” E lembra que a filha não tinha amigos “Aconteceu certa vez, numa festa de anos, ela ter convidado a turma inteira e ninguém aparecer.”

Mesmo tendo antecipado a entrada no 1º ano, Leonor atingiu rapidamente um nível de conhecimento mais avançado em comparação com o resto da turma e esse desfasamento refletiu-se na saúde. “Cada vez que me começava a sentir saturada na escola, eu ficava doente, mas doente mesmo. Eu deixava mesmo de conseguir respirar”, diz Leonor.

A psicóloga clínica Cláudia Falco explica estas reações: “É como se o corpo estivesse a mostrar ansiedade que eles não estão a conseguir verbalizar. É muito frequente o vómito, dores de cabeça, podem ser febres também. Sentem-se muito desconfortáveis com a escola, muito ansiosos e desenvolvem mesmo uma fobia.”

"Eu queria aprender, não queria aprender como a escola me ensina. Começamos por aí. A escola tem o método da repetição, que é massacrar os alunos com matéria até entrar na cabeça deles. E eu não preciso disso. A partir do momento que me começam a repetir a matéria, eu desligo completamente e pode ter a certeza que vou errar tudo. Durante muito tempo foi: ‘Leonor, olha para ficha, está cheia de erros, tu não sabes isto, vais voltar a fazer’.”

Ana Almeida, psicóloga da ANEIS, a Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação, refere que “os alunos com desenvolvimento típico precisam de sete a oito repetições para acomodar a informação, enquanto que os alunos sobredotados necessitam de apenas uma a duas.”

A vontade voraz de Margarida de saber mais tem vindo a abrandar ao mesmo ritmo que cresce a preocupação da mãe.

“A Margarida ainda não tinha completado dois anos, e sabia o abecedário completo. Quando eu percebi que ela estava a estagnar e até regredir, isso alertou -me muito."

“Eles chegam ao ponto em que se anulam para se sentirem quase iguais aos colegas”, diz a psicóloga clínica Ana Almeida, e alerta: “Se os filhos procuram mais conhecimento, não deixem de dar. É diferente de não estarmos a forçar o estímulo. Nestas crianças, eles procuram o estímulo.”

O neurocientista Miguel Castelo Branco alerta: “nós podemos nascer com um dom, mas se não o cultivarmos ele vai-se esbatendo.”

“A inteligência vem de um cocktail de condições, genéticas mas também do ambiente. O QI não vai prever o desempenho, o grau de sucesso que a pessoa vai ter na sociedade. Há pessoas que têm um potencial enorme para ter grande desempenho académico, mas se não tiverem o ambiente certo, esse desempenho não vai ocorrer.”

Hugo Palma reconhece que teve muita sorte em ter sido bem acompanhado desde cedo: “Cresci numa família muito que me deu muita liberdade. Depois, pelo facto de ter frequentado escolas mais pequenas, sempre tive um acompanhamento muito próximo e muita compreensão.” Hoje, com 41 anos, dois filhos e formado em engenharia aeronáutica, divide-se pela mão cheia de empresas que fundou e gere. Ser guia de montanha, mais do que um dos muitos trabalhos que faz, é, para Hugo Palma, uma garantia de equilíbrio. “Sempre tive e sempre tive a minha mente a mil. Vivia num grande frenesim, muito ansioso. Ir para a natureza fazer coisas, fazer coisas simples, acaba por nos trazer paz”, refere o empresário.

É na música que Guilherme encontra um refúgio para a ansiedade que enfrenta na escola. “Faz-me sentir muito bem quando estou a tocar.”

Os pais lamentam a dificuldade dos professores em reconhecer casos de sobredotação e a falta de acompanhamento adequado. Recordam que foram chamados à escola porque o filho não conseguia estar concentrado e quieto. Levaram-no a uma consulta de pedopsiquiatra e diagnóstico que receberam foi o de perturbação de hiperatividade e défice de atenção. Mas a avaliação psicológica que Guilherme fez a seguir acabou por revelar sinais de altas capacidades cognitivas.

Em Portugal, não existem dados oficiais sobre o número de alunos com diagnóstico de sobredotação. Restam as estimativas europeias, que apontam para 3 a 10 % da população escolar, mas maioria não está identificada ou está mal diagnosticada. Outros não encontram a resposta que precisam, apesar da lei garantir uma educação inclusiva que visa assegurar um ensino ajustado às necessidades e potencialidades de cada aluno.

“Quando obtivemos este diagnóstico, procuramos ajuda na parte escolar, e a resposta que obtivemos foi que não tinham capacidade de resposta para situações como o caso do Gui, de sobredotação, que já às vezes os recursos eram poucos para poder dar resposta mesmo às crianças com algumas dificuldades, portanto se não conseguimos dar resposta às crianças que têm mais dificuldades, muito menos este tipo de crianças.”

As famílias exigem que a lei passe da teoria à prática e que seja mais flexível na progressão escolar, como acontece, por exemplo, na Bélgica ou nos Estados Unidos. Em Portugal, um aluno que revele uma capacidade de aprendizagem excecional e um adequado grau de maturidade pode saltar de ano duas vezes, mas a legislação impõe como limite o final do ensino básico.

Para o presidente da ANEIS, esta limitação até ao terceiro ciclo, não faz sentido. “Os alunos podem e devem fazer acelerar o percurso escolar no ensino secundário e há casos que era importantíssimo para eles fazer este avanço de ano escolar!”, refere Alberto Rocha.

Na Escola Básica Vallis Longus, em Valongo, Josué saltou do 4º para o 6º ano amparado pela família, pela psicóloga e pelos professores. É a prova do tanto que é possível alcançar quando tudo se alinha na direção certa.

“A direção da escola está a agir muito bem”, elogia Josué, “porque é a primeira vez que um aluno como eu é diagnosticado e eles estão a ser muito bons a tratar deste progresso que eu tenho.”

“Não podemos deixar, só porque é acima, deixar cair, para depois até desmotivar e ser um aluno com dificuldades. Quando se fez os horários e a alocação de salas às turmas, houve a preocupação de este 6º e este 5º ficassem no mesmo pavilhão, o que permite que ele neste momento tanto brinque nos intervalos com os de 6º como como os de 5º, portanto, permite-lhe continuar esta ligação às duas turmas em termos emocionais.”

“Ele conseguiu concluir o primeiro ciclo com sucesso e emocionalmente estabilizado, feliz e a acreditar que valia a pena ser como era. Ele nunca perdeu a essência dele!”, exclama, com satisfação, a mãe de Josué. E incentiva as famílias com crianças sobredotadas a não desistirem de procurar ajuda.

Jornalista: Catarina Marques

Fonte: SIC Notícias com vídeos