quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Reflexão outonal sobre o ensino ou o valor da autenticidade

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Mas o certo é que um cientista com boa formação e com estas concepções de ruptura não pode ser ministro de um governo destes, numa Europa destas, que procura exclusivamente formas de economizar (que não é o mesmo que produzir riqueza, pois o “negócio” não pode existir sem o “ócio”, ou seja, sem a cultura). Deste modo, acabou por contrariar uma autêntica política de educação e de ciência, pois não o é o que se passa nas nossas escolas, do pré-escolar ao ensino superior, apesar do esforço individual de alguns dos seus educadores e professores: falta de docentes [de educação] especial, de psicólogos e de assistentes sociais, fundamentais na lógica de uma educação inclusiva e em meios sociais cada vez mais desestruturados; professores com centenas de alunos, acumulando aulas sobre aulas; mega-agrupamentos que transformam os professores em “docentes-turbo”, sem qualquer vantagem financeira (ao contrário do que sucedeu antigamente na universidade), percorrendo quilómetros a suas próprias expensas para conseguirem dar as suas aulas em várias escolas; secundarização do ensino de adultos que, apesar dos seus defeitos (a corrigir), tinha as suas virtualidades; aumento da burocracia a todos os níveis de ensino; requintados métodos para ir matando a “escola pública”, que alguns dizem ser um chavão, apenas com o objectivo de esconderem finalidades da política liberal: enfraquecer a “escola de todos” e — ressalvando honrosas excepções — enriquecer, à nossa custa, “escolas de elites”, particulares e ditas cooperativas, de empresários de ocasião, de empresas poderosas e da Igreja (que deveria pôr a mão na consciência, nesta altura em que parece ser governada por um papa que advoga a sua pobreza); universidades sem dinheiro e sem a possibilidade de refrescar o corpo de professores (ao contrário do que sucede com os políticos, cada vez mais jovens e menos aptos, formados nas diversas “jotas”); um corpo de investigadores cada vez mais precário, que, depois de se doutorar, percorre o calvário do pós-doutoramento e do pós-pós-doutoramento; cursos organizados apressadamente, com a mira quase exclusiva da ascensão profissional; crise das humanidades e de ciências fundamentais em prol de estudos tecnológicos e de gestão, que são apresentados como cursos com futuro, mas onde igualmente não se obtém emprego; professores e estudantes, mesmo universitários, que deixaram de pensar e perderam o espírito crítico, não comparecendo sequer em colóquios onde poderiam debater questões, actualizar-se e ir sempre fazendo despertar a sua vontade de descobrir e de reflectir, pelo que é cada vez mais evidente, entre os últimos, o desejo de se divertirem em praxes e tradições inventadas, em vez de intervir na sociedade…

Enfim, ao contrário do que sucede, uma verdadeira política de educação — que passa pelo ministério e pelas escolas e seus professores e estudantes — exige uma reflexão e um debate, um conhecimento da realidade, e não apenas seguir o curso do economicismo. Por isso se desconfia de qualquer medida. Por exemplo, ninguém acredita na boa intenção das novas provas de avaliação inventadas pelo ministério para os docentes sem vínculo. É legítimo que se julgue (como está a suceder) que pretendem apenas concorrer para o despedimento “com justa causa” de algumas centenas de docentes, num tempo em que se tornou banal desempregar os que trabalham, sem que isso faça perder o sono aos governantes. Tudo em nome de um “sistema”… É também em nome dele que — como sucede com os outros funcionários públicos — os docentes no activo vêem cada vez o seu ordenado mais minguado, bem como os pensionistas, alguns dos quais dedicaram à escola a sua vida inteira, ordenado ou pensão que não lhes permite inclusivamente ter acesso aos bens de cultura, de que precisam como pão, para ensinar, investigar e… para viver.

Por tudo isto recordo constantemente a discussão que sobre o ensino se verificou nos anos 30 do século passado, em tempo de outra crise não menos grave e com um final ainda pior. Joaquim de Carvalho, célebre pensador e historiador da filosofia e das ideias, de quem a Fundação Gulbenkian publicou há pouco tempo as obras, num célebre artigo do Diário Liberal, de 8 de Novembro de 1933, intitulado “Reflexão outonal sobre a universidade de todo o ano”, salientava a situação crítica do professor que, devido às condições existentes, era “inexoravelmente compelido à burocratização do magistério, ao ensino fácil e à repetição — coisas terríveis para mestres e alunos”. E concluía: “Para mestres, porque lhes cerram o intelecto à imaginação criadora e os convertem em provincianos do Espírito, e para os estudantes, porque lhes geram a sensação de que a aprendizagem não exige esforço diário e a ciência é como os frutos maduros, que estão acolá à espera de quem os colha.”

A grande questão consiste, na verdade, na falta de pensamento crítico, o que deveria ser o primeiro objectivo de uma verdadeira reforma do ensino. Por isso volta também a estar actualizado o pensamento de filósofos como Ortega y Gasset que, falando sobre a “missão da universidade” e da necessidade da sua reforma, dizia, em 1930, que o maior vício dos tempos que corriam era a falta de “autenticidade”, ou seja, ser aquilo que se diz ser e se pode ser. Essa falta de “autenticidade” nas instituições de ensino era afinal criadora do mito de uma escola renovada e a causa da destruição da escola existente e do seu sonho de uma “escola nova”.

Ainda acreditei que Nuno Crato pudesse vir a ser, apesar deste Governo neoliberal de que fazia parte, um verdadeiro ministro de Educação e Ciência. Afinal não tem passado de mais um ministro adjunto do Ministério das Finanças, de um governo sem autenticidade, de um país sem identidade e de uma falsa Europa que perdeu o sentido da comunidade.

Luís Reis Torgal
Professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Nota: Foi omitida a parte inicial do texto de opinião.


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