Entre 2009 e 2012, mais de meio milhão de crianças e jovens perderam o direito ao abono de família. Segundo o relatório do Observatório das Famílias e das Políticas de Família, que será divulgado em Dezembro, várias prestações sociais têm vindo a diminuir e Portugal é mesmo um dos países da União Europeia que menos apoio dá às famílias.
“Do ponto de vista das despesas do Estado em apoio económico para as famílias, Portugal está muito abaixo da média. Nós gastamos cerca de 1,5% do PIB em despesas do Estado para apoio económico às famílias e a média dos países da União Europeia é 2,3”, disse a coordenadora deste observatório, Karin Wall, à margem do seminário Famílias nos Censos 2011: Diversidade e Mudança, que decorreu nesta quarta em Lisboa.
Para já, e segundo dados preliminares, o abono de família tem vindo a descer: em 2009, contava com 1.846.904 beneficiários, número que desceu para 1.389.920 em 2011, e para 1.300.550 em 2012. Isto significa que, entre 2009 e 2012, mais de meio milhão de crianças e jovens (546.354) perderam o direito ao abono de família, o que corresponde a cerca de 30% dos beneficiários.
Segundo Karin Wall, o relatório evidencia que em Portugal houve uma redução no acesso às prestações sociais, entre as quais se destacam o abono de família e o Rendimento Social de Inserção. “As condições de elegibilidade são muito menores, há uma grande dificuldade de acesso das famílias”, diz a coordenadora, frisando que não só se “apertaram” as condições de acesso, como se “reduziram” os valores.
“Aquilo que as famílias recebem é menos, são menos famílias a receber, o acesso está muito mais dificultado, e numa altura em que as famílias precisam mais de apoio e têm mais dificuldades”, nota. “O apoio económico são as prestações sociais, mas são também as deduções fiscais que as famílias podem fazer. E aí também houve uma redução de uma sociedade amigável em termos de deduções fiscais”, acrescenta, sublinhando que, em Portugal, as prestações sociais “são muito importantes” para reduzir a taxa e o risco de pobreza das famílias.
A coordenadora deste observatório sublinha que “o apoio económico é um elemento essencial” quando se discutem as transformações ocorridas na família. “Nós sabemos que as crises económicas são um dos factores mais gravosos do ponto de vista do impacto na fecundidade”, nota.
Famílias com crianças “com dificuldades acrescidas”, falta de expectativas de poder dar “boas condições de vida” a uma criança e emigração são alguns dos cenários que Karin Wall traça para o futuro. Foram estas preocupações que levaram a coordenadora deste organismo a terminar a apresentação, no seminário, com uma fotografia de uma família a viver no meio de barracas.
Apesar de ainda não ter expressão nos dados actuais, Karin Wall acredita que, nos próximos tempos, as famílias complexas – que vivem na mesma casa – também irão aumentar, por motivos económicos. A coordenadora explica que são as famílias com menos recursos económicos e educacionais que “tendem a viver em mais complexidade”.
Karin Wall critica ainda uma “ausência de discurso sobre a necessidade de apoiar a família”, salientando que as medidas que têm sido postas em prática inserem-se numa “política social assistencialista” e não numa lógica de dar “autonomia económica” aos núcleos familiares.
O relatório preliminar destaca o facto de entre 2009 e 2012 estar a descer o valor mensal do abono: entre outros exemplos, nota que uma criança até um ano de idade, no 1º escalão, recebe menos 33,96 euros por mês e no 2º escalão menos 28,17 euros por mês.
No relatório, lê-se ainda que é mais difícil aceder ao Rendimento Social de Inserção, há menos famílias a recebê-lo, menos crianças e jovens no universo dos beneficiários, e que também “as famílias carenciadas com crianças recebem menos dinheiro”. Em 2012 existem 160.358 famílias beneficiárias, menos 46.342 do que em 2010. O relatório sublinha ainda que também há menos idosos a receber complemento solidário.
Este observatório é uma estrutura orgânica do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa que tem como objectivo aprofundar e divulgar o conhecimento sobre as famílias e as políticas de família na sociedade portuguesa.
Evolução das famílias
A redução da dimensão média das famílias nos últimos 50 anos foi um dos aspectos salientados no seminário Famílias nos Censos 2011: Diversidade e Mudança, organizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, através do Observatório das Famílias e das Políticas de Família.
Entre outros dados, destaca-se que o casal (com ou sem filhos) continua a ser a forma predominante de organização da vida familiar, mas nos últimos 50 anos aumentou o peso relativo dos casais sem filhos, dos núcleos familiares monoparentais e das pessoas que vivem sós. O número de filhos raramente ultrapassa os dois e, ao mesmo tempo, também cresceram as famílias recompostas.
Se em 1991 os casais sem filhos constituíam 32% do total de casais, em 2011 o seu peso era de 41%, o que corresponde a um aumento de 9 pontos percentuais. Estes núcleos aumentaram em todos os grupos etários, mas a sua variação é maior nos grupos etários mais jovens (até 29 e entre 30 e 39 anos), o que indicia o adiamento da parentalidade. Regista-se um adiamento continuado, por parte das mulheres, do nascimento dos filhos, principalmente do primeiro filho.
Em relação ao número de filhos, aumentaram os casais com um filho, representando actualmente mais de metade das situações, e diminuíram os casais com três ou mais filhos. Em relação aos casais recompostos, constata-se que o número mais do que duplicou, passando de 46.786 em 2001 para 105.763 em 2011.
Também cresceram as famílias numerosas recompostas e monoparentais. As famílias numerosas recompostas correspondem a 13,3%, quando em 2001 representavam apenas 5,6%. Em 2011, as famílias numerosas monoparentais representavam 14,3% dos casos, sendo que em 2001 correspondiam a 9,9%. Na grande maioria – 90,9% - estes núcleos monoparentais são encabeçados por mulheres.
Os dados evidenciam traços de vulnerabilidade social nas famílias monoparentais, particularmente nas famílias de mães sós com filhos com menos de 18 anos. Ainda de acordo com os Censos de 2011, a percentagem de famílias monoparentais com filhos menores de 18 anos afectadas pelo desemprego era de 15,1% em 2011, sendo o desemprego mais elevado no caso das mães sós do que nos pais sós.
Outro aspecto salientado é a diminuição da percentagem de idosos a viverem com outros familiares em famílias complexas, que baixou significativamente de 2001 para 2011 (de 19,6% para 15,8%) – fenómeno que acompanha o aumento de idosos sós.
As tendências demográficas das últimas décadas apontam ainda para um aumento da esperança de vida, queda da fecundidade (especialmente nos grupos mais jovens de mulheres em idade fecunda), e aumento das uniões de facto. Nota-se também uma desaceleração do crescimento demográfico e um contínuo envelhecimento demográfico. Também é possível tirar algumas conclusões em relação a uma dicotomia entre a região Norte/Centro e Sul, sendo o Norte e o Centro aquelas que, por motivos culturais, terão, por exemplo mais peso no que toca a casais que optam pelo casamento.
In: Público
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