Uma reportagem recente da "TVI" ilustrou um dos debates mais antigos e divisionistas da sociedade portuguesa. O direito ao ensino, a propriedade e a rentabilidade são questões centrais num tema onde se clarificam posições ideológicas extensivas a todo o Estado.
Comecemos pelo fim. "A liberdade causa sempre polémica", afirmara o Nuno Crato justificando perante a jornalista por que não teme os sobressaltos que sua proposta do "cheque-ensino" viria a causar. Modo mais redondo de abordar o assunto não haveria, certamente. A criação de figuras libertadoras, bem presente no nosso imaginário colectivo, nada tem a ver com liberdade ou democracia; muito pelo contrário.
Porém, Crato cultivou desde o início essa sua imagem e dela fez suficiente publicidade. O homem reformista, que viria devolver a autoridade dos professores e das escolas, o ministro pragmático que iria combater a encriptação terminológica do ensino, reformar programas e dar um novo impulso à escola pública pode afinal ser sintetizado numa só expressão: "Cheque-ensino’".
A expressão do falhanço
Crato prometeu desburocratizar os currículos e criou mais níveis intermédios de exames, prometeu devolver a autoridade e dignidade à escola pública e asfixia escolas e universidades com orçamentos a rondar os 80% em relação a 2010, que não chegam sequer para pagar salários. É um ministro-sombra, num governo-penumbra, sobre quem se acumulavam expectativas fundadas num discurso articulado. É um ministro-desilusão, a expressão máxima do falhanço.
Crato tem contado com a bondade de todos. De um sindicalismo que, posta uma mobilização histórica contra um (duvidoso) sistema de avaliação docente, se revela ternurento e meigo perante o anunciado despedimento colectivo de professores. De associações académicas que substituíram os princípios e acção do movimento estudantil por publicidade nas capas dos jornais.
Crato pode resumir toda a sua acção política a esta iniciativa. O "cheque-ensino"– leia-se, a privatização do muito rentável negócio do ensino e a nacionalização do seu financiamento, para proveito dos proprietários das escolas privadas – é o pré-anunciado fim do Ensino Público que, tal como o SNS, constitui um dos pilares em que se decidiu assentar a democracia. Eis a Reforma do Estado que não passa, no fundo, da dissolvência de um país.
Crato, libertador, torna clara a sua proposta de base ideológica. Sucessor do "eduquês", o "cratês’" surge com a promessa de ser diligente e expedito na prossecução do objectivo de tornar Portugal um país mais pobre e desigual.
Pedro Bragança
Estudante e membro do conselho geral da Universidade do Porto
In: P3
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