Analiso os resultados dos exames dos alunos do 6.º ano e não me surpreendem. Tal como acontece no 4.º, no 9.º e no secundário, são os colégios que estão no topo da tabela, por isso desço até à base para descobrir as escolas que revelam os piores resultados. Note-se, não são as piores escolas, são as que tiveram os piores resultados nos exames nacionais.
Se nas primeiras edições dos rankings me dava prazer conversar com as escolas que ficavam bem colocadas – perceber o que faziam de diferente, com a intenção de conhecer as boas práticas e de as poder partilhar com os leitores e com as escolas que podiam replicá-las; hoje, gosto de falar com as que ficam no fundo do ranking e descobrir que, na maior parte das vezes, fazem um trabalho exemplar.
No final de uma destas tardes, ligava insistentemente para várias escolas que ficaram mal posicionadas e fui descobrindo, nas conversas com as suas direções, que têm mil projetos e que, antes mesmo de poderem ter a preocupação sobre como ensinar melhor, têm de preparar o terreno, têm de os ensinar a sentar-se, a estar atento nas aulas, a gostar de estar na escola, a não abandonar.
São escolas onde as preocupações ultrapassam o cumprimento dos programas porque há crianças que passam fome e que não comem durante o fim de semana uma refeição quente, dizia uma diretora; porque há pais que abandonam a casa; porque há outros que saem do país à procura de melhores condições; porque há quem tenha de ir viver com uma avó ou uns tios; porque os pais não sabem ler, mesmo que tenham 30 anos de idade; porque…
São escolas que lutam diariamente não por um lugar melhor no ranking, mas por encontrar um lugar melhor para os seus alunos, na tentativa de que estes tenham mais conhecimentos do que os pais, que possam ser mais empreendedores, que possam romper o ciclo da pobreza e do insucesso escolar.
Gosto de falar com pessoas que me transmitem esperança, que falam com entusiasmo dos seus projetos, da sua escola, mesmo que esta tenha ficado mal posicionada, mesmo que existam dias em que põem tudo em causa.
Embalada que estava em falar com tanta gente válida e conhecedora da sua realidade e da realidade dos outros – daqueles que podem escolher os seus alunos, daqueles que convidam os estudantes a sair ou a não fazer os exames na 1.ª fase para que a escola não fique mal colocada no ranking, daqueles que recebem os filhos dos pais escolarizados –, fui surpreendida por um subdiretor que se recusou a falar.
Informo-o sobre os resultados da escola, que o responsável conhecia, e digo-lhe em que posição se encontra face ao resto nacional, que o docente decerto teria uma ideia. Terminada a explicação, pergunto: “O que gostava de saber é o que está por detrás destes números. Quem são estes alunos? Em que condições trabalham os professores?” Depois de um pequeno silêncio, o subdiretor responde-me: “As explicações, devemo-las à comunidade educativa e não à comunicação social, como certamente compreenderá.”
“Não, não compreendo. E o seu diretor não quererá falar?” “Não.”
Não compreendo que as escolas se fechem, que não partilhem. Será que o senhor subdiretor explica, de facto, alguma coisa à sua comunidade educativa? É porque, segundo os dados do ministério, os pais dos seus alunos têm pouco mais de seis anos de escolaridade e uma boa parte recebe Ação Social Escolar; e só metade do corpo docente pertence ao quadro. Além disso, as escolas do agrupamento, por vezes, são notícia por problemas disciplinares, com professoras agredidas por alunos e famílias. É por isso que não fala? Pois eu defendo que é por isso que deve falar.
Depois de o subdiretor me desligar o telefone, não desanimo e marco o número de outra escola que, sistematicamente, fica mal posicionada, confirmando que as antigas escolas comerciais e industriais ficam pior na fotografia do que os antigos liceus. “Sim, podem vir, temos um projeto único no país e a ele se devem os nossos resultados”, responde-me outro subdiretor, um homem enérgico e entusiasmado.
Há mais de uma década, o [jornal] PÚBLICO lutou pelo acesso aos resultados dos exames nacionais. O objetivo é o mesmo de hoje: conhecer as escolas, saber por que razão têm aqueles resultados e não outros. Conhecer o país através dos resultados escolares – confirmarmos as disparidades Norte/Sul, litoral/interior, público/privado, escolas públicas que recebem o mesmo tipo de alunos que os colégios, etc.
Os rankings obrigaram as escolas a refletir sobre os seus resultados – hoje, os diretores sabem exatamente por que tiveram aqueles resultados; nos primeiros anos, os nossos telefonemas deixavam-nos atrapalhados e havia mais quem não quisesse falar porque não devia contas à comunicação social. Cada vez mais, os diretores abrem as portas das suas escolas com orgulho, transparência e realismo: "Trabalhamos com os alunos que temos."
Por Bárbara Wong
In: Público
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