A escola de massas, onde um professor ensina ao mesmo tempo e no mesmo lugar dezenas de alunos, nasceu com a revolução industrial mas chegou ao século XXI. Em dois séculos, mudaram os estudantes, mudou a sociedade e mudou o mercado de trabalho. Quando mudará a escola?
Crianças sentadas em fila, olhando para a frente. Mãos cruzadas em cima da mesa, numa postura inerte. A secretária do professor fica no extremo esquerdo da sala de aula. Não está a ensinar. Os alunos têm uns capacetes de metal, ligados por uns cabos elétricos a uma máquina onde o professor coloca uns livros. A função desse aparelho, compreende-se pela imagem, é a de extrair a informação dos manuais e introduzi-la diretamente nos cérebros dos jovens, através da transmissão da energia elétrica. Foi assim que os ilustradores franceses Jean Marc Cotê e Villemard imaginaram e retrataram a escola do ano 2000, num postal que era parte de uma série produzida para a Exposição Universal de Paris, em 1900.
A gravura é de 1899 e foi utilizada por João Barroso, especialista em políticas de educação e formação da Universidade de Lisboa, num trabalho que terá sido apresentado em São Paulo, ontem, intitulado A Escola e o Futuro: As Mudanças Começam na Sala de Aula.
A escola do ano 2000 é imaginada, no final do século XIX, como um prolongamento da escola então existente. Cotê e Villemard não vislumbraram uma sala de aula com um funcionamento completamente diferente por causa da eletricidade. Em vez disso, desenharam a aula de 1899 - um local onde os jovens recebem, de forma passiva, o conhecimento que lhes é transmitido pelo professor - e acrescentaram-lhe uma nova tecnologia, que lhes permitiria, simplesmente, ter a mesma informação, embora com a receção facilitada.
Vítor Teodoro, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa, tem outra pintura - de uma sala de aula ainda mais antiga - na cabeça. O professor está num púlpito. Lá no alto, consegue ver todos os alunos, que se dispõem à sua frente, sentados por filas. Mas nem todos olham para ele. Uns conversam com os colegas do lado. Uns têm o olhar perdido noutra direção. Um deles dorme apoiado no braço. Vítor Teodoro está a pensar na iluminura pintada por Laurentius de Voltolina no século XIV, que retrata Henrique da Alemanha a dar uma aula na Universidade de Bolonha, mas que, de acordo com o professor, podia retratar uma sala de aula dos dias de hoje.
A educação que hoje conhecemos tem duas bases, explica o professor da FCT-UNL: a da religião e a do apprenticeship - a aprendizagem por integração numa comunidade, que vem da tradição dos ofícios e dos mestres. Para Vítor Teodoro, durante o século XX, predominou o modelo religioso. A escola adotou das igrejas o estrado e o púlpito e o professor, à semelhança do padre, começou a transmitir, expositivamente, a informação aos alunos, que a recebem de uma forma passiva. Ensina-se o grupo e não o indivíduo, o que, muitas vezes, leva a que alguns jovens não compreendam o que está a ser ensinado e percam o interesse: "Há 50 anos, as pessoas repetiam as orações em latim e não percebiam o que estavam a dizer. Hoje, acontece o mesmo com os alunos."
Há muito tempo que a escola se concentra em ensinar aos alunos as competências básicas da matemática, da escrita e da leitura. Agora, estas aprendizagens básicas já não são suficientes. No livro The global achievement gap, Tony Wagner, investigador de Inovação na Educação no Centro de Tecnologia e Empreendedorismo da Universidade de Harvard, descreve o que está a ser ensinado aos jovens nas escolas, por oposição ao que eles deveriam estar a aprender para triunfarem nas suas carreiras, numa economia global.
Wagner defende que a escola deve desenvolver sete "competências de sobrevivência" necessárias para que as crianças possam enfrentar os desafios futuros: pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas, colaboração, agilidade e adaptabilidade, iniciativa e empreendedorismo, boa comunicação oral e escrita, capacidade de aceder à informação e analisá-la e, por fim, curiosidade e imaginação.
Uma colecção de salas
Teresa Franco tem 15 anos e a partir de setembro vai frequentar o 10.º ano no Liceu Rainha Dona Amélia, em Lisboa. Decidir-se por uma área de estudos foi complicado, diz: "Não tenho a certeza de nada porque não tenho experiência." Teresa fez um intenso trabalho de pesquisa e criou uma lista com os cursos que a interessavam: Psicologia, Serviço Social, Dança, Escultura, Pintura, Design de Ambientes, Design de Comunicação, Design de Moda, Fotografia, Ciências da Educação, Jornalismo... Áreas variadas e muitas delas relacionadas com a criatividade. Fez testes psicotécnicos e falou com profissionais de várias áreas para perceber com qual delas mais se identificava. Acabou por escolher o curso de Artes. Talvez um dia venha a ser designer.
Quem sabe se por causa das dificuldades que teve em decidir-se por um curso, Teresa defende que a escola deveria promover a interação com pessoas com experiência nas diferentes áreas profissionais. Defende que aquilo que faz mesmo falta na escola é uma componente mais prática. Sugere, por exemplo, que o horário da tarde fosse ocupado com workshops de fotografia, desporto, artes... Quanto ao ensino das disciplinas, deveriam ser incentivados outros métodos para além do "decorar, decorar, decorar". É por essa razão que muitos dos seus colegas "odeiam História": "Deviam encontrar uma forma que nos cativasse. Em vez de nos obrigarem a decorar, podiam contar-nos mesmo uma história - levar-nos a falar com historiadores ou pessoas que tivessem vivido um determinado acontecimento."
Até aos seis anos, frequentou uma escola inglesa, a English Preparatory School. Como explica a sua mãe, Cristina Rebocho, o ambiente era descontraído e a autoestima das crianças estimulada: "Ensinavam muito através da brincadeira." Os momentos de avaliação aconteciam de forma discreta. As crianças pensavam que estavam a fazer uma ficha de exercícios normal, quando, na verdade era um teste, e assim não ficavam tão nervosos. No ensino da língua - neste caso, do inglês - os erros ortográficos das primeiras composições não eram corrigidos. "Para que eles pudessem desenvolver a imaginação e a criatividade", explica Cristina Rebocho.
Teresa pensa que os anos que passou nesta escola lhe deram "estruturas sólidas". Também por causa dessa experiência, está convencida de que o ensino deveria ter uma base artística. Alguns colegas dizem-lhe que tinham jeito para as artes quando eram pequenos, mas como não tinham tempo foram-no perdendo. Para Teresa, é uma pena porque, diz, as artes "são muito úteis para que nos consigamos expressar e estar mais à vontade na relação com os outros. E são libertadoras".
A pedagogia tradicional da escola uniformizada está na base da criação da escola de massas a partir do século XIX e não sofreu alterações radicais desde então. Assenta na homogeneização dos alunos e na subordinação aos princípios da tragédia grega: unidade de espaço, de tempo e de ação - "Tudo se passa nos mesmos lugares, ao mesmo tempo e da mesma maneira. Uma escola é uma coleção de salas de aula e o ensino é uma repetição de atividades pré-formatadas, iguais todos os anos", de acordo com João Barroso.
Os vídeos Khan
A revista Economist, num artigo da sua edição de 29 de junho, Education technology, mostrava-se otimista relativamente à possibilidade de a Internet ser, por fim, capaz de fazer aquilo que a escola massificada nunca conseguiu - adequar-se às necessidades individuais de cada aluno. A revista britânica considera que os recursos online - desde os programas que monitorizam o desempenho dos alunos aos vídeos com exercícios - podem estar a transformar profundamente a educação.
Um dos exemplos referidos pela revista foi o da Khan Academy - um site que disponibiliza gratuitamente vídeos com explicações, criado pelo norte-americano Salman Khan. Os vídeos possibilitam a metodologia da "aula invertida" - em vez de assistirem à exposição do professor na sala e realizarem os exercícios em casa, os alunos assistem aos vídeos em casa e realizam os exercícios na sala de aula. Um exemplo, segundo a Economist, de como algumas inovações podem transformar a educação convencional.
Em Abril deste ano, a Fundação Portugal Telecom importou a ideia. Para Teresa Salema, responsável pela Academia Khan em Portugal, o futuro da educação pode passar por aqui.
A iniciativa surgiu devido à perceção de que "os alunos não estão bem preparados para enfrentar a sociedade da informação" e da necessidade de introduzir novos estilos de aprendizagem: "A sala de aula não muda há 300 anos, mas as crianças são diferentes", afirma (...).
Até ao início do próximo ano letivo, a PT espera ter disponíveis 400 vídeos de Matemática. Depois, e até 2014, deverão ser adaptados vídeos de Física, Química e Biologia. As explicações foram traduzidas do inglês e a adaptação aos conteúdos dos programas nacionais foram feitos com a ajuda da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). As prioridades situaram-se nas áreas mais científicas, onde os resultados escolares a nível nacional são mais negativos.
Como explica Teresa Salema, os vídeos da Academia Khan permitem que o professor se concentre "na orientação, na relação com os alunos e na tutoria individual, que constituem os papéis mais nobres da profissão". E acrescenta que a responsabilidade está, cada vez mais, do lado dos alunos, que têm de querer aprender: "O professor deve incentivar o aluno, mas este não pode ser passivo."
Vítor Teodoro, que já recorreu aos vídeos da Academia Khan e a outros semelhantes nas suas aulas, ressalva que, se a utilização destes instrumentos não for feita de forma adequada, podem ser "mais do mesmo", uma vez que foram "pensados para o modelo "missa"". "Quando projeto um vídeo, posso dizer: "Vejam e aprendam." Ou posso parar a apresentação e dizer: "O que é que isto quer dizer?" "Vamos transferir este esquema para o papel"." De acordo com João Barroso, transformações como a da "aula invertida" são "pequenas alterações cosméticas, que não tocam no essencial, que é a pedagogia".
Três futuros possíveis
Para João Barroso, os problemas e os desafios que se colocam à escola fazem parte de uma evolução histórica e há três futuros possíveis para o processo de escolarização: a hiperescolarização, a desescolarização e a refundação, todos eles potenciados pela utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).
A tendência da hiperescolarização está relacionada com o reforço da escola homogénea. Neste caso, as novas tecnologias servem apenas, nas palavras de João Barroso, para fazer o upgrade daquilo que já está a ser realizado. "A sala de aula continua organizada da mesma maneira. O que eu vou melhorando são escolhas que já fazia. Isso não é mau. É o que os professores têm feito com o retroprojetor, com o vídeo... Pequenas transformações nas práticas docentes que têm permitido que se passasse da disposição frontal para a disposição de grupo e que os alunos façam trabalhos de grupo."
A defesa da desescolarização está associada à publicação, em 1971, dos livros The School is Dead, de Everett Reimer, e Deschooling Society, de Ivan Illich, onde se criticava a escola como instituição. Reimer considerava que a "salvação" da educação passava pelo fim da escola, tornando-se necessário devolver o ato de educar aos pais, à comunidade e à livre iniciativa. Illich, por sua vez, defendia que a educação universal por meio da escolaridade não era possível. Atualmente, este movimento da desescolarização foi recuperado pelos defensores do homeschooling (ensino doméstico), em que as famílias optam por educar os seus filhos em casa. Normalmente, o homeschooling está associado a perspetivas mais conservadoras, em que se defende o regresso à vida comunitária das famílias. Como explica João Barroso (...), "as empresas de software educativo têm vindo a apostar nesse público, fornecendo pacotes de programas educativos organizados em função dos vários anos de escolaridade para que os adultos em casa possam colocar os jovens em frente ao computador e aprender com esses programas".
A escola não está morta
João Barroso garante que "a escola não está morta, não desapareceu e será recuperada". Para o investigador, o futuro desejável é o da refundação: "Há uma necessidade de refundação da escola para que ela possa entrar na era digital, mas essa refundação não se faz unicamente com a tecnologia, faz-se também com a alteração das práticas pedagógicas, com a alteração do currículo e alterando o trabalho dos professores."
Esta refundação (o termo corresponde, também, à designação do programa aprovado este ano pela Assembleia da República francesa para preparar a escola para a era digital - La refondation de l'École) assemelha-se a um modelo com um século: o movimento pedagógico conhecido por Educação Nova, que se desenvolveu nos primeiros anos do século XX e que teve o seu impulso com a publicação do livro Transformemos a Escola, de Adolfo Ferrière. Este movimento pretendia assegurar uma educação à medida de cada aluno e caracteriza-se pela defesa do "desenvolvimento das competências individuais, da aprendizagem interativa, da escola criativa e ativa, apostando na autonomia do aluno", diz.
"Hoje, também é necessário transformar a escola de acordo com os mesmos princípios e em benefício de uma educação à medida de cada aluno, garantindo a equidade, a igualdade de oportunidades e a inclusão social", escreve o investigador no texto A Escola e o Futuro. As novas ferramentas podem permitir realizar estes ideais: "Todas as inovações pedagógicas tentadas durante o século XX - como a da Escola da Ponte (uma escola portuguesa, no distrito do Porto, organizada segundo uma lógica de projeto e de equipa, onde não existem salas de aula, no sentido tradicional, mas sim espaços de trabalho), a pedagogia Freinet (proposta pedagógica para modernizar a escola, surgida em 1924, que dá primazia ao desenvolvimento do espírito crítico, utiliza a curiosidade das crianças como ponto de partida para a aprendizagem, feita em cooperação) - foram muito localizadas. As novas tecnologias possibilitam que as inovações pedagógicas se desenvolvam de maneira massificada."
Mas, como explica Vítor Teodoro, "nada se passa fora do enquadramento tecnológico, mas achar que se pode usar a tecnologia para provocar a mudança é ingénuo. O que temos de ter é uma lógica daquilo que queremos para a escola".
Se não é por mudar a tecnologia que muda a escola, também não é pelas mudanças que ocorrem a nível político que a escola se vai transformar, uma vez que, como afirma João Barroso, "as grandes reformas políticas são feitas de cima para baixo, acabando por ficar à porta da sala de aula". As mudanças que estão em curso vão ter de envolver, obrigatoriamente, cinco dimensões: a política, a tecnológica, a pedagógica, a curricular e a da formação de professores.
O especialista em políticas da educação e formação considera que faz sentido pensar o futuro da escola em função das mudanças que ocorrerem dentro da sala de aula. "O futuro da escola é a mudança da organização do ensino, da relação pedagógica entre professores e alunos, da organização do tempo, do espaço, do currículo. No fundo, a transformação da sala de aula, que é o núcleo duro da escola."
O modelo finlandês
Quando se fala em mudar a escola e a educação, muitos políticos, educadores e pedagogos referem, de uma maneira geral, o sistema educativo finlandês. Não é por acaso: a Finlândia ocupa o primeiro lugar ou os lugares cimeiros nas diferentes categorias testadas pelo Programme for International Student Assessment (PISA), que procura medir as capacidades de leitura e de literacia matemática e científica dos jovens com 15 anos nos 34 países da OCDE.
No documentário The Finland Phenomenon: Inside The World"s Most Surprising School System, de 2010, Tony Wagner quis perceber as razões do sucesso deste sistema de ensino. Através de visitas a salas de aula e entrevistas a professores e alunos, o investigador chegou a algumas conclusões. Numa das primeiras cenas do documentário, Wagner conta aquilo a que assistiu numa sala de aula da segunda classe: nas semanas anteriores, as crianças tinham aprendido a distinção entre energias renováveis e não renováveis e, no momento da visita do investigador, a professora pediu aos alunos que criassem um espetáculo de marionetas, imaginando que a eletricidade falhara em suas casas e aquilo que deveriam fazer nessa situação. "Experiências da vida real, conceitos abstratos e artes - tudo integrado no mesmo currículo", comenta Wagner em voz-off.
Um dos professores explica ao investigador aquilo que considera importante na educação dos jovens: "Compreender as razões por detrás das coisas, ler, sonhar, falar, encontrar soluções por si próprio."
Ao longo do filme, Tony Wagner chega a outras conclusões. As salas de aula, repara, são pequenas, as turmas têm cerca de 20 alunos e o ambiente é íntimo e relaxado, com as crianças a tratar os professores pelo primeiro nome. Há menos aulas expositivas durante o dia e mais tempo para atividades de projeto e para aprofundar as aprendizagens.
Cada escola goza de grande liberdade para desenhar os seus próprios currículos. No sistema educativo finlandês, os jovens têm muito poucos trabalhos de casa e são submetidos a poucos testes e exames.
Na Finlândia, a profissão docente é altamente prestigiada. Uma das razões para que isto aconteça deve-se à elevada exigência da formação dos professores. Só os melhores alunos conseguem entrar numa das oito universidades que preparam docentes. Estudam durante cinco anos, tempo que inclui o mestrado, e treinam observando os seus professores a ensinar.
Mas, para Wagner, o aspecto mais surpreendente de todos é o facto de o sistema se basear na confiança: "O Governo confia nos municípios para adaptarem o currículo nacional de acordo com as necessidades locais. Os municípios confiam nos professores e nas escolas para que estes façam aquilo que é correto. Os professores confiam na capacidade de os alunos usarem o seu tempo de forma correcta e a Internet e outras tecnologias de forma responsável."
Acabar com as salas?
Há outros exemplos de "escolas do futuro". Através delas, é possível perceber como é que as salas de aula estão a mudar. E as mudanças passam, muitas vezes, pelo próprio desaparecimento do espaço tradicional da sala de aula. Na Vittra Telefonplan, em Estocolmo, em vez de salas de aula, praticamente não existem divisões, à exceção de algumas salas fechadas, para que possam ser à prova de som, destinadas à prática da dança ou do canto ou para a visualização de filmes. Os estudantes sentam-se em sofás almofadados e de formas arredondadas, utilizam mesas que se assemelham às que existem nas cafetarias, onde os alunos podem comer ou trabalhar, ou fazer as duas coisas em simultâneo. A organização do espaço foi pensada para permitir a livre circulação dos estudantes. Os espaços diferenciados pretendem estimular as crianças a aprender à sua maneira.
Segundo uma reportagem na revista Exame (Brasil), na Escola Orestad, em Copenhaga, existem algumas salas de aula tradicionais, mas 50% das atividades são realizadas em espaços abertos, onde os alunos resolvem os exercícios em pequenos grupos.
Na Bélgica e nos Estados Unidos, surgiram laboratórios para testar mudanças profundas na forma de organizar o espaço e o trabalho. Em Bruxelas, a associação European Schoolnet, criada pelos ministros de Educação da União Europeia para encorajar as escolas a otimizar a utilização das novas tecnologias, criou o Future Classroom Lab, onde existe uma sala de aula aberta com cinco zonas adaptadas a diferentes atividades: recolha e tratamento da informação, comunicação, divulgação e debate e produção multimédia. O projecto TEAL (Technology Enable Active Learning), no MIT, em Boston, tem salas compostas com mesas redondas, todas equipadas com computadores. O professor fica no centro da sala. Os estudantes trabalham em grupo e ensinam-se uns aos outros.
João Barroso resume (...) o que acontece na maior parte destes espaços: "Os alunos não se dividem por disciplinas, mas por atividades - os que estão a trabalhar, os que estão a dialogar, os que estão a recolher informação, os que estão a fazer trabalho autónomo, os que estão a fazer trabalho de grupo, aqueles que estão a desenvolver conceitos, aqueles que praticam exercícios. Os espaços são sobretudo abertos e a sua estrutura central, para além da presença da tecnologia, são grandes mesas redondas para nove, dez alunos." Para além da tecnologia, aquilo que é mais valorizado é o convívio, o debate e a ação, explica.
Isto significa que "a dimensão da relação humana é extremamente valorizada na idealização da escola do futuro, do ponto de vista espacial, organizativo e temporal". João Barroso tem uma visão contrária àquela que acredita que as novas tecnologias podem levar ao isolamento dos adolescentes, quando estes passam horas em frente ao computador: "Estas tecnologias podem ser geridas de uma maneira individualista e de autofechamento, mas, por outro lado, convidam ao debate, à discussão, ao diálogo."
O papel do professor
E é também aqui que entram os professores e a escola, que, segundo este especialista, "tem um papel fundamental em educar os jovens no uso das tecnologias de informação". Não se trata de ensinar as crianças e os adolescentes "a utilizar o computador, os smartphones ou o iPad", diz. Se o papel do professor se resumir a ser um mediador entre o aluno e o computador, passamos a ter um professor que não é professor, mas um "operacional".
Segundo João Barroso, o professor tem de ser um mediador, sim, mas "entre o aluno e o conhecimento", assegurando "situações criativas para o uso das tecnologias". Desta forma, o docente mantém a imagem "do adulto junto do jovem, do professor reflexivo que pensa nas suas práticas e que procura atualizá-las, do porteiro do conhecimento e daquele que garante os valores da educação pública na escola".
Para além disso, as novas tecnologias, em vez de diminuírem o estatuto do professor, podem aumentá-lo: "Hoje o professor perde muito tempo com tarefas menores do ponto de vista educativo, e a tecnologia pode permitir aliviar o professor dessas atividades rotineiras e pouco significativas do ponto de vista da profissão docente e deixá-lo livre para aquilo que é fundamental: a relação com a criança e com o jovem no acesso ao conhecimento", diz o investigador.
Para António Dias de Figueiredo, responsável pela fase-piloto do Projecto Minerva, que consistiu na introdução das TIC nas escolas do ensino básico e secundário, um projeto nacional de renovação pedagógica só é possível se dermos confiança aos docentes e criarmos modelos de organização em que seja possível dotar os professores de autonomia: "Se lhes for dada a hipótese de agirem como pessoas inteligentes e não como "funcionários"... Um professor apaixonado consegue fazer milagres."
Mas para que a escola mude, é necessário que algo mude também junto dos professores, defende Vítor Teodoro. A formação dos professores tem de sofrer alterações para se aproximar mais da formação dos médicos, por exemplo: "A aprendizagem das profissões que envolvem interações com outras pessoas deve fazer-se mais pela integração num grupo, pelo acompanhamento, pelo exemplo e pela discussão e análise das situações." Ou seja, os futuros professores deveriam aprender através de casos concretos: assistindo a aulas reais, por exemplo, e não recebendo aulas sobre como se ensina.
Para Vítor Teodoro, o ensino devia ser, cada vez mais, uma atividade de grupo, com equipas que preparam os materiais e as aulas em conjunto. Segundo o professor, isto é válido tanto para a formação dos professores como para a prática profissional.
Precisamos de disciplinas?
Ao mesmo tempo que muda a pedagogia e a tecnologia, o currículo também tem de mudar. João Barroso defende que os currículos devem desenvolver competências transversais e que, ainda que continuemos a falar de disciplinas, o ensino não precisa de estar organizado assim: "As tecnologias podem potenciar atividades transdisciplinares e interdisciplinares, não segmentando os saberes, como hoje acontece na organização disciplinar." Os momentos de transmissão do conhecimento continuariam a existir, mas seriam mais reduzidos: "Há o tempo necessário para aquilo que são os conceitos-chave e depois todo o grande trabalho é na operacionalização desses conceitos - é aí que se resolvem as dúvidas e se inter-relacionam os conceitos."
Para Vítor Teodoro, o modelo da missa que tem dominado a educação deve ser combinado com o modelo do apprenticeship, introduzindo-se bons laboratórios, uma forte componente prática, uma forte componente artística, desenvolvendo o trabalho de projeto dos alunos e colocando a ênfase no trabalho com pequenos grupos.
Segundo o professor, "isto é o oposto do que está a acontecer em Portugal". Como explica (...), a escola está a ser transformada numa escola mínima. A função tradicional da educação de empowerment tende a ser cada vez menor e tudo aquilo que está relacionado com as expressões artísticas, como o desporto, a arte e a música, estão a desaparecer, afirma Vítor Teodoro.
A escola precisa de mudar, mas essa mudança vai ser na direção errada, lamenta: "Vai mudar para um sentido mais pobre e utilitário - as crianças saem da escola com uma utilidade meramente económica."
O professor defende que em Portugal deveriam ser adotados os programas do International Baccalaureate (como já fizeram 144 países) - uma fundação internacional para a educação, sem fins lucrativos, que desenvolveu quatro programas educativos para crianças e jovens com idades entre os 3 e os 19 anos e que, segundo Vítor Teodoro, "dá uma grande importância às artes e à iniciativa dos estudantes".
Num desses programas, destinado a crianças entre os 3 e os 12 anos, a aprendizagem da língua materna, dos estudos sociais, da matemática, das artes, da ciência e da educação pessoal, social e física é feita de uma forma transdisciplinar, abordando as seguintes questões: quem somos; em que espaço e em que tempo é que estamos; como é que nos expressamos; como é que o mundo funciona; como é que nos organizamos e partilhar o planeta. Para os mais velhos (dos 16 aos 19 anos), o programa exige aos alunos que realizem um ensaio com quatro mil palavras e um trabalho sobre a Teoria do Conhecimento em que devem analisar as diferentes formas de conhecimento (perceção, emoção, linguagem e razão) e examinar os tipos de conhecimento (científico, artístico, matemático e histórico). Há ainda um envolvimento em atividades artísticas, desportos individuais ou coletivos, projetos internacionais e atividades comunitárias e serviço social. Nestas idades, os alunos podem também optar por seguir um programa de ensino profissional.
Vítor Teodoro está convencido de que a escola portuguesa deveria ser uma variante destes programas e que "entre seis meses e dois anos" seria possível adotar os currículos ao sistema português.
O aluno da era concetual
Segundo João Barroso, aquilo que os empregadores hoje valorizam no estudante - mais do que aquilo que ele sabe - "é a capacidade que ele tem de aprender coisas novas, de se adaptar às situações, de produzir conhecimento, de interagir".
Um currículo caracterizado pela transdisciplinaridade permite trabalhar a operacionalização dos conceitos, explica João Barroso. No ensino tradicional, geralmente é aí que está o problema - o aluno quer utilizar o conhecimento na sua vida prática e não sabe como fazê-lo.
Para o investigador, "os trabalhos desenvolvidos com recurso às TIC, uma vez que disponibilizam um grande volume de informação, desenvolvem a capacidade de selecionar informação, de tratá-la e de ser capaz de utilizá-la de maneira organizada para um objetivo imediato".
Para Vítor Teodoro, aquilo que distingue um bom profissional de um mau profissional é a autonomia. "Quando me perguntam o que é que eu quero que os alunos sejam, respondo: "Mais autónomos e capazes do que eu próprio"."
No livro A Whole New Mind: How to Thrive in the New Conceptual Age, Daniel Pink apresenta as quatro eras das sociedades dos últimos 150 anos - agrícola, industrial, da informação e, iniciada no século XX e estendendo-se até agora, do conhecimento. Atualmente, começa a emergir uma outra era, a que Pink chamou "era concetual", na qual se valorizam os trabalhadores que consigam ser mais criativos e com maior inteligência emocional.
A escola de hoje, explica também António Dias de Figueiredo, inspirou-se no cartesianismo, que privilegia tudo o que é racional, deixando de fora aquilo que é emocional. Esta visão racionalista do ensino desenvolve as competências racionais da criança e evita os aspetos emocionais, artísticos e as visões humanistas do mundo: "A escola do ponto de vista da preparação para a razão faz um bom trabalho, mas tem visto a criança como metade daquilo que ela é. O que a escola não está a conseguir encontrar é um equilíbrio entre a razão e a arte. Não está a desenvolver as competências criativas."
Para António Dias de Figueiredo, estamos a construir o século XXI com visões sobre a educação que são do século XIX: "Vivemos na era industrial porque temos uma visão neoliberal da educação. Achamos que a educação é melhor se for uniformizada, o que é uma contradição com o mundo em que vivemos, em que só aqueles que se diferenciam é que arranjam emprego."
Num artigo escrito em 2009, intitulado Inovar em Educação, Educar para a Inovação, António Dias de Figueiredo defendeu que as escolas têm de preparar os cidadãos para "um mundo globalizado, complexo, de mudança, centrado no conhecimento, onde todos competem com todos, sem fronteiras, e onde a capacidade de cada um para criar valor, com empenho e inovação, passou a ser fator crítico, não apenas de sucesso, mas de sobrevivência".
Passados 28 anos sobre o primeiro projeto nacional para as TIC no ensino não-superior, António Dias de Figueiredo considera que evoluímos muito pouco na transformação das escolas em espaços de inovação e criatividade. Os alunos, afirma, "estão a ser produzidos industrialmente e a transformar-se em funcionários. Não têm autonomia".
O professor mostra uma imagem que ilustra esta convicção. A figura está dividida em duas partes. No topo, a frase "What today"s world needs" ("Aquilo de que o mundo de hoje precisa"). Depois, a figura correspondente: bonecos de todas as cores, organizados em grupos com diferentes dimensões e formas. Por baixo, uma outra frase: "What the school systems are producing" ("Aquilo que os sistemas escolares estão a produzir") e três filas de bonecos cinzentos, como se estivessem dispostos em linhas de montagem, sem nada que os distinga entre eles.
Por Catarina Fernandes Martins
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