Acabam de acontecer as eleições autárquicas. As competências e a intervenção dos municípios em matéria de educação têm vindo a aumentar não só no pré-escolar e no 1.º ciclo, mas noutros níveis de ensino. As autarquias assumem agora um papel de crucial importância nas políticas de proximidade da educação e na provisão de recursos para os alunos e para as suas famílias.
Nem todas as autarquias estarão capazmente apetrechadas para este ambicioso papel educativo: muitas delas têm pelouros da educação diluídos entre outras competências e equipas muito reduzidas de pessoas que possam apoiar capazmente o desenvolvimento e a dinamização de políticas educativas ao nível local. Isto já para não falar na questão orçamental: embrenhadas em compromissos e em gastos de pessoal as autarquias despendem com a educação uma verba inferior aquela que, em percentagem, o Orçamento do Estado destina à educação nacional. A título de exemplo, a autarquia em que eu sou eleitor dedica 3% do seu orçamento à educação. Gostaria de chamar a atenção, para problemas que foram, muitas vezes, identificados durante a campanha e que agora é tempo de encontrar soluções.
O primeiro problema é o dos transportes escolares. Hoje em dia devido à forma como o tecido habitacional e a rede escolar se sobrepõem, é fácil constatar que não pode haver escola pública capaz, escola pública “para todos” se não houver uma política de transportes que permita aos alunos frequentar a escola.
Uma escola pública que dependa de transportes privados não é verdadeiramente pública. Os exemplos são conhecidos: escolas sem acesso a transportes públicos ou com transportes públicos que “organizam” os horários letivos. Sabemos da complexidade deste assunto mas existem boas práticas de contratualização com as empresas de transporte de serviços que podem permitir uma efetiva frequência da escola.
Uma segunda questão é a das Áreas de Enriquecimento Curricular(AEC). As AEC são um elemento central na construção de uma escola de qualidade na medida em que permitem o funcionamento da escola em tempo integral favorecendo a criação de espaços de apoio aos alunos e de maior enriquecimento do seu currículo. O financiamento das AEC é proveniente do poder central mas existem áreas em que as autarquias devem intervir. Antes de mais na sua viabilização (assegurando a sua efectivação quando a oferta não é suficiente nem confiável), depois no seu enriquecimento (por exemplo celebrando protocolos entre os serviços da autarquia e as escolas) e por fim na sua qualidade assegurando recrutamento e remunerações dignas para os profissionais que trabalham nas AEC.
Cabe dizer que é gritantemente injusto que um docente seja pago diferentemente conforme trabalha nas AEC ou nas disciplinas curriculares. As AEC não são educação? Não são currículo? Pagar seis euros à hora para leccionar aulas de AEC é a mesma coisa que anunciar a inutilidade destas áreas. Com este desinvestimento não é de estranhar que seja encarada como “natural” a falta de preparação dos docentes das AEC’s por exemplo para incluir alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE). Gostaria de relembrar aos novos autarcas o seu compromisso com as AEC durante os quatro anos do seu mandato.
Por fim a questão dos alunos com NEE. Estes alunos podem precisar de serviços suplementares para a sua educação. Ao contrário do que muitas vezes se pratica, estes alunos não precisam de menos educação: precisam de mais serviços de educação. Diminuir os serviços de educação a estes alunos seria como seguir uma terapêutica de redução de água a uma planta desidratada.
As autarquias podem cooperar com as escolas para suprir serviços que não são prestados, suprir necessidades de transporte adaptado, enfim permitir através da contratualização de serviços que os alunos com NEE tenham acesso à escola, às visitas de estudo e às oportunidades que a escola oferece aos seus alunos.
Gostaria de desejar aos autarcas que se vão ocupar da educação nos seus municípios um mandato ativo e cheio de sucessos. E sobretudo que nunca percam o rumo de onde queremos chegar. Por vezes até contra a evidência é preciso e possível articular, coordenar, conversar e encontrar consensos a favor de uma escola que seja efetivamente pública, efetivaremte para todos e obviamente de qualidade. Como aquela que queremos para os nossos filhos.
David Rodrigues
Professor Universitário e presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.
In: Público
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