A propósito do Encontro “Nascer e Crescer Hoje… Que Futuro?” (7/12), promovido pela Associação de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, em que tive o prazer de participar, gostaria de partilhar convosco algumas reflexões.
Penso que ter um filho hoje é um ato de esperança face ao desânimo que se instalou na nossa população. Acontece muitas vezes em fim da idade de procriar e apesar das condições económicas, que tardam em estabilizar ou crescer.
Tal cenário faz com que sejam mais frequentes as famílias onde prima o filho único. As questões em torno da natalidade são, contudo, controversas, como afirmou Coimbra de Matos (psicanalista), pois o nosso planeta já se encontra no limite em termos de capacidade de resposta às necessidades de espaço, comida e água que a população humana representa. Por outro lado, como sublinhou Raquel Varela (historiadora das relações laborais), hoje as famílias fazem um grande investimento no percurso académico dos filhos (o que por vezes só é possível para um filho), pois reconhece-se que quem tem mais habilitações tem maiores opções de escolha no futuro.
Quando pensamos na família, não podemos deixar de a inserir na economia capitalista, onde muitas vezes parece relegada para um segundo plano face à primazia da produção laboral. A produção e oconsumo parecem dominar as relações atuais, bem como o discurso que é dirigido à família. Por um lado, tudo está milimetricamente encaixado para que se possa dar mais tempo ao trabalho e produzir mais. Por outro lado, realça-se uma ideia de bem-estar associado ao consumo de bens (produtos e serviços) ligados a uma imagem de sucesso e de atividade constante.
Tal expectativa invade a esfera da vida familiar, defendida por estudos de especialistas que defendem que a aquisição e consumo de determinados produtos e serviços está diretamente associada ao sentimento de felicidade e ao excelente desenvolvimento das competências dos nossos filhos.
A situação de crise em que vivemos traz dificuldades de monta no cumprimento de tal expectativa social, dada a precaridade e a instabilidade do emprego. Além disso, muitos são os pais que se sentem enredados num ciclo perverso: para dar mais também têm de trabalhar mais e sacrificar o tempo com os filhos. Parece-me existir uma frustração geral no que toca à disponibilidade parental em proporcionar uma relação com qualidade, uns porque se sentem condicionados pelas exigências de disponibilidade de tempo (incondicional) do emprego, outros porque se sentem deprimidos e encurralados em empregos insatisfatórios, mas que não se arriscam a perder, outros por causa do desemprego.
Neste panorama, penso que, salvo raras exceções, a maioria dos pais tem de lidar com a frustração, o receio e a culpa (por vezes inconsciente) de não terem a capacidade de oferecer tudo o que desejam para o seu filho. E sentem-se falhar na sua função parental.
Mas será que o bom desenvolvimento dos nossos filhos precisa de tudo o que socialmente é defendido hoje? Estaremos diante de uma crise económica ou também de uma crise de valores?
O meu apelo é pensarmos nos valores essenciais à família. Não estou com isto, claro, a pretender desvalorizar a importância do fator económico, mas a perspetivar outras vias de desenvolvimento na família, trazendo, porventura, um sentimento de satisfação mais duradoiro e de fortalecimento de laços de intimidade.
Penso que não é preciso dar tudo aos filhos. É preciso dar oessencial. E isso não é um falhanço, é uma mudança de perspetiva face à vida, porventura mais adequada à realidade que vivemos. Os pais emocionalmente disponíveis pressentem que a sua presença efetiva, afetiva e entusiasmada é a base dos sentimentos de ser-se amado e admirado e na formação da resiliência necessária aos desafios da vida. Efetivamente, o nosso maior “ativo” é interno: saber-se reconhecido como agente competente da sua própria vida por quem amamos e admiramos.
Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta
In: Público
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