Desculpem o lugar-comum mas é tempo de voltar a afirmar que não é a economia que manda na política mas é a política que manda na economia.
Quando se assiste a debates públicos de ideias e de estratégias, as pessoas que são mais próximas da “situação” defendem a inevitabilidade das medidas que estão a ser tomadas com a ideia de “economie oblige”. Querem dizer que “… até gostavam que fosse de outra maneira, compartilham as indignações, os desapontamentos, os desânimos de todos os portugueses que sofrem… mas… não há outra saída: a economia, a malfadada economia, a isso nos obriga”.
Longe de mim subestimar o avassalador impacto que tem a crise financeira e económica nas decisões sobre a nossa vida coletiva. A economia teve, tem e terá um papel decisivo no escrutínio e na adoção de programas políticos. Mas não devemos retirar à política o fator fundamental de regulação das finanças e da economia que sempre teve e terá.
As opções sobre onde se corta, quando se corta, como se corta, a quem se corta, etc., são opções políticas que, apesar de tornadas prementes pelas condições económicas, não deixam de ser políticas, nem deixam de ser opções. A ação dos governos tem que ser analisada, louvada ou criticada pelas escolhas políticas que fazem. Não temos dúvidas que outro qualquer governo, com a mesma situação económica e financeira, optaria por medidas, pelo menos, parcialmente diferentes. Não é pois saudável nem justo avaliar o desempenho dos governos pelas condições económicas em que atuaram; serão sempre avaliados pelas opções políticas que conseguiram pôr em prática.
No presente momento assistimos uma prevalência da razão da economia. Se a culpa não é da dívida, é da “troika”, ela que não deixa, que bloqueia até os mais ténues esforços para contrariar a austeridade sobre o estado social. Mas a questão é de que forma esta austeridade serve a agenda política do Governo? Por outras palavras será que o Governo está a aproveitar a “calçadeira” da crise para melhor fazer passar as suas opções políticas? Não vou ser categórico mas algo me leva a crer que é possível, muito possível, que assim seja. E tomo o exemplo da Educação.
Antes de mais a privatização da Educação. Ninguém sabe explicar como é que a privatização da Educação contribui para uma melhoria da situação económica. Será que o facto de se criar uma verdadeira possibilidade de escolha para as famílias melhora ou controla os custos da Educação? Não parece razoável. Para criar a tal propalada “possibilidade (liberdade) de escolha” era preciso construir uma rede de ensino privado que se estendesse eficazmente pelo menos a todos os concelhos do país.
Talvez haja – e há – grupos económicos que queiram investir no litoral urbano mas se eles não quiserem investir na construção e montagem de escolas no interior rural, quem o vai fazer? É o Estado? Portanto das duas, uma: ou não assegura esta rede – o que torna perfeitamente demagógica a conversa sobre a “possibilidade de escolha” – ou monta esta rede e encarece despropositada e inutilmente o custo Educação.
Por outro lado, no incentivo aos sistemas duais de ensino. Se as escolas forem cerceadas dos apoios que precisam para apoiar a educação de todos os alunos que a frequentam – o que está atualmente a acontecer – torna-se “inevitável” que, sem apoio na escola “de todos”, estes alunos tenham que ir para uma escola “de alguns”. Assim, se justificam, em nome do “interesse dos alunos e das suas famílias”, o seu encaminhamento para vias de ensino “paralelas”. Sabemos que estas vias paralelas são vias também de menor qualidade, de menores expectativa sobre os resultados, são as vias que conforme nos mostram os relatórios educativos internacionais, têm mais dificuldade em atrair os bons professores. O alastramento exponencial dos Currículos Alternativos é disto uma prova.
Lemos estes dois exemplos como prova do que antes apontamos: o primado da política sobre a economia. Nem num caso nem noutro existe evidência que estas decisões são tomadas em nome da economia. A privatização do ensino e o incentivo aos sistemas duais são opções políticas, programáticas, voluntárias e conscientes por parte do Governo.
Gostaria que aparecessem mais com a sua verdadeira face e não disfarçadas de respeito pelas famílias ou respeito pelos alunos. Trata-se de opções políticas e que devem ser avaliadas enquanto isso.
É sim uma pena que à semelhança do que se passa noutras áreas da atuação do Governo, estes assuntos não tenham uma cara, uma justificação, uma fundamentação que nos leve a seriamente discutir as vantagens e os inconvenientes destas opções.
Não discutir estas opções políticas à luz do conhecimento existente e disponível nas Ciências da Educação é sim um incentivo ao “eduquês”.
David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.
In: Público
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