A "liberdade de escolha" do modelo sueco, que Nuno Crato vê como modelo para Portugal, está a ser posta em causa pelos resultados desastrosos na qualidade do ensino.
"Acho que tivemos demasiada confiança cega em que mais escolas privadas resultariam em maior qualidade de educação", diz agora à agência Reuters o presidente da comissão parlamentar de Educação, Tomas Tobé. Em duas décadas de implementação, o modelo sueco da "liberdade de escolha" e concorrência entre escolas através do cheque-ensino levou um quarto dos estudantes do país a ingressarem no ensino financiado com dinheiros públicos e gerido por fundos privados.
Mas a falência de um dos maiores grupos privados em maio passado - a JB Education, detida pelo fundo privado dinamarquês Axcel -, deixou onze mil estudantes sem escola e mais de 100 milhões de euros de dívidas. "Muitas das nossas escolas estavam em más condições e embora soubéssemos isso desde o início, não conseguimos lidar com o desafio em tempo útil", desculpa-se agora o assessor de comunicação do fundo, Joachim Sperling.
Se nos primeiros anos o cheque-ensino permitia às escolas obter lucros, a curva demográfica alterou as contas nos últimos anos. Os fundos que não venderam as suas escolas a tempo veem agora um horizonte de prejuízos. A Reuters cita um estudo de uma empresa de informação de crédito que conclui que o risco de falência aumentou 188% e está 25% acima da média do tecido empresarial sueco. A UC acrescenta ainda que uma em quatro escolas privadas suecas já apresenta prejuízos. "Poucos sectores apresentam números tão maus", conclui a empresa.
Estudo PISA mostrou descalabro do sistema
Se há 20 anos, a escola sueca era das mais reguladas do mundo, depressa se tornou numa das mais desreguladas, ao ponto do líder do maior sindicato de professores dizer que "é mais fácil abrir uma escola independente do que uma barraca de cachorros-quentes".
Os resultados na qualidade do ensino ficaram bem à vista com a divulgação do relatório PISA, em que a OCDE avalia a aquisição de conhecimentos em leitura, matemática e ciência por parte dos alunos em 65 países. Nos três items, a Suécia caiu a pique nos últimos dez anos, sendo ultrapassada por Portugal, que melhorou os resultados de forma consistente.
A propaganda que mudou para pior o ensino sueco apresenta semelhanças perturbantes com as propostas de Nuno Crato para mudar o sistema de ensino em Portugal. Tal como o ministro do Governo PSD-CDS, também os impulsionadores do avanço dos fundos privados na Suécia começaram por falar em "escolas independentes" fundadas e geridas por professores e comunidades locais. Na realidade, os fundos privados e as grandes empresas depressa passaram a dominar um sector com um volume de negócios acima dos dois mil milhões de euros.
"Isto não estava previsto nem nos nossos piores pesadelos", diz à Reuters um antigo governante sueco que esteve no início do processo e dirige agora um organismo de avaliação. A precarização dos professores, a falta de condições nas escolas ou os métodos de ensino destinados apenas a dar notas que permitam aos alunos passar de ano são outras componentes do fracasso do modelo que Nuno Crato vê como farol ideológico a importar para Portugal.
Este fracasso tem animado também o debate público na Suécia sobre a participação de privados noutros serviços públicos como a saúde ou os cuidados geriátricos. Segundo uma sondagem recente, 58% dos suecos defende a proibição dos lucros das empresas privadas a atuar em sectores financiados com os impostos da população.
In: Esquerda.net por indicação de Livresco
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