terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Apoio a necessidades especiais rejeitado sem parecer

A Associação Nacional de Empresas de Apoio Especializado (ANEAE) acusa a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) de estar a rejeitar pedidos de subsídios de Educação Especial sem qualquer pedido de avaliação médica nas escolas ou na própria DGEstE. Segundo a associação, "os Diretores Regionais de Educação estão a assumir o papel do médico e, com isso, estão a prejudicar milhares de crianças com deficiência".

A denúncia surge depois de alguns processos de pedido de subsídio terem sido devolvidos pela DGEstE com a justificação de que os requerentes não tinham "necessidades educativas especiais". (...) Bruno Carvalho, presidente da ANEAE, explica que, aquando dos pedidos de subsídio, os pais fazem anexar ao processo um certificado médico atestando a necessidade das crianças. Contudo, "os certificados médicos estão a ser ignorados ou mesmo rejeitados sem que as estas crianças sejam chamadas para qualquer avaliação por parte das escolas ou da própria DGEstE".
In: DN por indicação de Livresco

Comentário:
Há aspetos nesta notícias que devem ser clarificados.
1- A determinação se um aluno tem, ou não, necessidades educativas especiais é da competência das estruturas internas das escolas, com especial destaque para o conselho pedagógico. Deste modo, as Direções dos Serviços Regionais da  Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares não tem competência para determinar se um aluno tem, ou não, necessidades educativas especiais com base num formulário assinado pelos responsáveis escolares pelo processo. Deve prevalecer o princípio da confiança nas instituições. Se existem dúvidas, compete-lhes supervisionar os processos.
2- Segundo as orientações recebidas e constantes do protocolo, em principio, o formulário a solicitar o subsídio de educação especial não carece da assinatura de um médico. As informações aí contidas são da responsabilidade da Unidade Orgânica, criada na escola. Estas informações são, normalmente, retiradas da caracterização do perfil de funcionalidade do aluno, de acordo com o respetivo programa educativo individual.
O protocolo que está na base de todas estas situações pode ser consultado aqui.

Prova dos professores suspensa por meses

Uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF), conhecida ontem, que suspende a prova de avaliação de professores, não derrota definitivamente o Ministério da Educação e Ciência (MEC) mas torna praticamente impossível a Nuno Crato ver concretizada esta ambição antes do final do ano letivo, em julho.

(...) o juiz administrativo e constitucionalista Guilherme da Fonseca, explicou que o MEC "ainda pode recorrer para uma segunda instância, o Tribunal Central Administrativo", mas não tendo o recurso efeito suspensivo, só poderá desbloquear as provas mediante uma decisão favorável na ação principal. E esta não está para breve: "Que eu saiba, não tem caráter urgente", disse, admitindo que "seis meses já não era mau".

Mário Nogueira, da Federação Nacional de Professores (Fenprof), está convicto: a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades para a docência (PACC) "para este ano acabou, morreu . O ministério pode recorrer, mas já não será um recurso de decisão rápida, como nas primeiras ações. Há vários procedimentos e os nossos juristas confirmam-nos que levarão entre seis meses e um ano a concluir", avançou, manifestando ainda dúvidas que "face às ilegalidades graves" apontadas pelo TAF do Porto o ministério venha a ganhar a ação principal. A decisão divulgada ontem incidiu não sobre a prova em si mas sobre o despacho relativo à mesma que o ministro da Educação e Ciência(MEC), Nuno Crato, assinou a 5 de dezembro, 13 dias antes da sua realização.

Nesse despacho, Nuno Crato calendarizava a avaliação, o segundo ciclo de provas, agendado para o segundo trimestre de 2014, dispunha sobre a forma como seria feita a correção dos testes e até os 20 euros que cada professor tinha de pagar para ser avaliado.

Diligências que, ao considerar "procedente" a providência cautelar, determinando "a suspensão da eficácia do despacho n.º 14293-A/2013", o tribunal mandou congelar: "Intimo a entidade requerida a abster-se de praticar qualquer acto conducente à realização da prova de avaliação de conhecimentos", informa o juiz. Para a Fenprof, "não poderá ser desenvolvido qualquer procedimento que leve à sua concretização, designadamente os relativos à correção e classificação das que já se realizaram, a marcação de nova data para a realização da prova geral e mesmo a realização da segunda fase".
In: DN por indicação de Livresco

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Estratégias de Intervenção na sala de aula para alunos com Dificuldades de Aprendizagem Específicas

Conjunto de três workshops onde se apresentam as estratégias que têm sido consideradas, pela investigação e pela prática clínica, as mais eficazes na intervenção em alunos com dificuldades de aprendizagem específicas (DAE): em que consistem, em que situações devem ser utilizadas, como implementar e exemplos concretos de cada estratégia. No decorrer dos workshops irão realizar-se atividades práticas e o visionamento de vídeos para facilitar a perceção dos conteúdos. Pretende-se que no final do workshop os participantes se sintam capazes de implementar as estratégias.


Módulo I: Ensino a Pares e Instrução Direta
15 de janeiro| 16:00 – 19:00
Formador| Leonor Ribeiro
25€

Módulo II: Mnemónicas e Ensino de Estratégias metacognitivas
29 de janeiro | 16:00 – 19:00
Formador| Leonor Ribeiro
25€

Módulo III: Avaliação Baseada no Currículo
29 de fevereiro | 17:00 – 20:00
Formador| Cátia Sacadura
25€

Local de realização dos workshops| CADIn—Cascais
Estrada da Malveira, Edifício CADIn, 2750-782 Cascais
Inscrições| congressos@cadin.net, 214 858 241

2013, o ano triste

O ano de 2013 começou, em matéria de Educação, com a sombra de um “relatório do FMI” que truncava informação, apresentava séries incompletas de dados para justificar um conjunto de propostas destinadas a fazer cortes e mais cortes no sector. Nessa altura escrevi que o ano de 2013 era fulcral na luta contra a encenação e a mistificação que estavam em curso no sentido de promover uma “mudança” e uma “refundação” com base numa despudorada manipulação da informação disponível para a opinião pública.

O ano de 2013 termina com essa luta ainda a ser travada, em situação muito desfavorável, apesar de todos os elementos disponíveis que confirmam, para além de qualquer dúvida razoável, que muitas das opções de política educativa deste MEC e deste Governo estão profundamente erradas e são prejudiciais para o interesse público, em geral, e para o desempenho dos alunos, em particular, não passando de uma tentativa para forçar a implementação de medidas cuja única justificação é de carácter ideológico.

Comecemos quase pelo final do ano com os resultados dos alunos portugueses no PISA 2012 e que revelam uma evolução, em termos comparativos, muito mais favorável do que os resultados dos alunos de países que nos têm sido apresentados como mais desenvolvidos e com soluções que deveríamos adoptar, nomeadamente na área da privatização do ensino e do alargamento de uma alegada “liberdade de escolha”, apresentada como (falsa) panaceia para uma série de males que o nosso sistema educativo sofrerá. O problema é que os dados de que dispomos, em linha com o que já acontecera com os resultados nos testes internacionais PIRLS e TIMMS 2011, contrariem com particular clareza a “narrativa” que nos tem sido apresentada como inquestionável. Ou seja, Portugal tem apresentado uma trajectória ascendente (mesmo que questionemos os ritmos de cada ciclo) nos seus resultados, enquanto países como a Suécia, a Austrália, a própria Alemanha, nos surgem colocados em posições muito piores em termos de evolução, com a existência de uma evidente regressão.

O desempenho dos alunos portugueses melhorou de forma consistente nos últimos 10-15 anos, não podendo essa melhoria ser reclamada, de forma abusiva, pelos autores de qualquer reforma específica e de curto prazo, pois são ganhos conseguidos no tempo próprio da Educação, em que as reformas só produzem efeitos verdadeiramente mensuráveis a médio ou longo prazo. Os ganhos são o resultado acumulado de diversas alterações que podemos nem sempre considerar as melhores, mas que globalmente dotaram o sistema educativo português de melhores condições para que alunos e professores trabalhassem com uma melhor qualidade, desde a formação destes aos meios disponibilizados àqueles.

O ano de 2013 é especialmente triste em matéria de Educação porque se inscreve numa conjuntura que coloca fortemente em risco tais ganhos e o faz em diversos planos.

No caso dos alunos, porque as condições de apoio aos que se encontram situação mais desfavorecida se degradaram de forma muito sensível, seja no caso dos alunos com necessidade educativas especiais com a colocação tardia de muitos professores de Educação Especial e o corte nas verbas para os apoios específicos, seja no caso dos alunos de agregados com carências económicas, através de um modelo de apoio que conduziu a que uma grande parte deles dispusesse de boa parte dos manuais escolares apenas no fim do 1º período de aulas. E nem sequer vou aqui relembrar o constante ziguezaguear em matérias como o ensino do Português e da Matemática, a que acresceria ofait-divers dos exames made in Cambridge.

Mas não só… porque as condições em sala de aula pioraram, com o aumento da dimensão das turmas e, não o neguemos, a sobrecarga de trabalho colocada sobre os seus professores com o aumento do seu horário lectivo efectivo. No rescaldo da greve às avaliações do mês de Junho, o acordo (parcial ou total) alcançado com os sindicatos não teve a devida tradução nas alterações introduzidas na organização dos horários com o despacho normativo 7-A/2013 e a verdade é que os professores passaram a ter mais horas directamente relacionadas com o trabalho em sala de aula ou com os alunos.

E não devemos esquecer que a pressão sobre os professores, exercida de forma injusta ao longo de anos, mais tarde ou mais cedo se reflecte no trabalho em sala de aula, devido a um desgaste psicológico permanente causado por sucessivas declarações acerca do seu número excessivo, da necessidade de se reduzirem as suas remunerações e, pior, acerca do seu alegado mau desempenho profissional, o que culminou na exigência da prestação de uma prova de capacidades e competências a profissionais formados de forma certificada e com anos de exercício da função docente devidamente avaliada por um modelo aprovado por este ministro. Sendo que, nas actuais condições, a prova acabou por ser imposta apenas aos que menos hipóteses têm de ingressar na carreira num horizonte próximo.

O culminar da tristeza que marcou este ano de 2013 deu-se no dia 18 de Dezembro, quando se viu pela primeira vez em décadas, num espectáculo deprimente, polícias dentro das escolas para imporem a realização de uma prova injusta a professor@s, quant@s del@s em lágrimas por sentirem que continuam a ter na 5 de Outubro um inimigo e alguém incapaz ou mesmo desinteressado em mobilizá-los para o essencial: melhorar o seu trabalho com os alunos através de reformas baseadas em dados empíricos transparentes e não em construções ideológicas truncadas.

O ano de 2013 decorreu e termina de forma triste porque, apesar de todos os estudos de opinião demonstrarem o inverso sobre a confiança nos professores, este Governo e este MEC optaram por uma política de continuidade em relação a outros governos recentes em relação à aberta hostilização da classe docente, em especial do ensino público, que gostam de apresentar como responsável por todos os males da Educação e por nenhum dos seus sucessos. Mesmo quando tudo indica o contrário, pois os professores constituem a única variável do sistema educativo que não mudou nestes últimos 10-15 anos em que os resultados dos alunos portugueses melhoraram.

É este um argumento corporativo? Claro que sim, porque é tempo de alguém afirmar sem vergonha o orgulho em ser professor.

Paulo Guinote

Nota: Foi mantida a ortografia original.

domingo, 29 de dezembro de 2013

“É melhor comer na escola, em casa há pouco dinheiro para comida”

Para muitos milhares de crianças em todo o país, as férias de Natal são passadas na escola. E para milhares os almoços são no refeitório, como no resto do ano. É assim com o grupo do Mário. A conversa dos amigos muda rapidamente. O próximo tema: escalões de Ação Social Escolar.
— Quem é [do] escalão A tem o pão da escola.
— Quem é escalão A não paga refeições.
— Os do escalão B pagam metade e quem não tem escalão paga tudo.
— Os do escalão A também não pagam o autocarro se formos a um teatro.
— Eu sou escalão A.
— Eu sou escalão A.
— Eu acho que também sou escalão A.
— Não és nada escalão A! Tu não és pobre!
— Sou mais ou menos pobre...
— Então, és escalão B.

O rapaz a quem “acusam” de “ser escalão B” não esconde a indignação e sussurra ao ouvido do colega:
— Achas que eu sou rico?

Aos 6, 7, 10 anos, ainda não se discutem classes sociais à hora de almoço. Escalões de ação social escolar, sim.

Para quem não sabe exatamente do que estava este grupo de crianças a falar no primeiro dia destas férias de Natal, na cantina da Básica n.º 2 de Massamá, fica uma breve explicação: os escalões de Ação Social Escolar (ASE) estão indexados aos do abono de família. Por exemplo, uma família com duas crianças em idade escolar, que dependa exclusivamente de um único ordenado de até 620 euros por mês (8620 por ano), e não tenha mais património, está no escalão A da ASE. As suas crianças têm refeições e atividades de complemento curricular gratuitas, bem como apoio para manuais e material escolar.

Se o salário for superior a 630 euros, esta mesma família (e sempre desde que não tenha outros apoios) passa a enquadrar-se no escalão B — paga metade do almoço na escola, tem metade do apoio para o resto. Se chegar aos 1260 euros de rendimento mensal, já não é abrangida pela ASE. O que está a acontecer, garantem alguns, é que “os sem escalão” precisam cada vez mais de ajuda. Mas já lá vamos.

Jardins de infância e escolas básicas abertas nas férias, como em Massamá, não é uma novidade. Em alguns concelhos acontece há 10, 20 anos.

Autarquias, associações de pais, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e escolas organizam-se para garantir atividades que ocupem as crianças depois das aulas, ao longo do ano e, em cada vez mais casos, também nas pausas letivas — as famílias, em geral, não têm férias sempre que as crianças têm. “E esta é uma maneira de os meninos não passarem os dias a jogar PlayStation em casa”, diz Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.

É notório que a oferta de atividades nas férias está a aumentar — e, com elas, o número de crianças que as frequentam. E, assim, Filinto Lima diz que a ideia, que de há uns tempos a esta parte começou a passar, de que ter cantinas escolares abertas nas férias significa necessariamente que há meninos com fome em casa, que a escola tem de alimentar, “não é bem assim”. As escolas têm atividades de ocupação de tempos livres (ATL) a funcionar, para dar respostas às famílias que trabalham. “As atividades implicam almoçar e lanchar.” As cantinas tinham “sempre de abrir”.

Um levantamento feito pela Revista 2 revela, contudo, que há mais municípios a aproveitar o facto de as cantinas “terem sempre de abrir”, assegurando as refeições dos meninos que se inscrevem nas ATL ou na chamada Componente de Apoio à Família (CAF), para prestar um outro tipo de apoio. A saber: garantir uma refeição quente a quem é provável que não a tenha em casa. Pelo menos equilibrada, como se quer quando as crianças estão a crescer.

Sintra, Oeiras, Porto, Barreiro são apenas alguns dos que estão a oferecer a possibilidade de os alunos irem à escola durante estas férias de Natal, apenas para almoçar, independentemente de frequentarem ou não os ATL ou a CAF — atividades que implicam, em regra, uma comparticipação dos pais. As refeições são gratuitas para os mais pobres ou rondam os 70 cêntimos para os do escalão B.

“Aproveita-se a existência dos ATL para resolver o problema de alguns elementos e proporcionar-lhes uma refeição”, sintetiza Álvaro Santos, ex-presidente do Conselho de Escolas e atual director da Escola Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, na freguesia de Valadares, concelho de Vila Nova de Gaia.

Uma "forma encapotada" de garantir almoço

Não há nenhuma entidade no país — nem a Associação Nacional de Municípios Portugueses nem o Ministério da Educação e Ciência — que saiba ao certo quantos meninos se alimentam nas escolas durante as férias. O ministério informa que “a decisão de abrir as cantinas escolares durante o período do Natal é das autarquias”. E a associação dos municípios faz saber que este tipo de levantamentos nunca é rigoroso, por isso não o faz.

A Revista 2 procurou saber até que ponto a realidade que estas férias se vive nos refeitórios abertos traduz um agravamento da situação social das crianças. O critério foi este: começámos por contactar as câmaras municipais dos 25 concelhos com mais população e as dos 25 com menos população. A todos se pediram números — tarefa difícil, porque nem todos os fornecem.

Para além disso, analisaram-se as notícias publicadas nos últimos meses que davam conta da preparação de programas para as pausas lectivas em alguns municípios, que não faziam parte da lista inicial de câmaras a contactar. A amostra final é de 58 concelhos. A síntese das respostas pode ser consultada no mapa que encontrará nestas páginas.

Primeira conclusão: neste Natal, só nos concelhos que responderam, mais de 33 mil crianças alimentam-se diariamente na escola.

Nos concelhos menos populosos é mais frequente que as cantinas fechem. Em Vila Velha de Ródão, por exemplo, a câmara informa que “não há nenhum caso de carência que justifique a abertura” da cantina e que, mesmo que houvesse, a situação seria “encaminhada para a Santa Casa da Misericórdia”. Em Freixo de Espada à Cinta, o refeitório também não abre. O mesmo em Marvão ou Barrancos.

Na maioria dos casos, os programas que incluem alimentação estão disponíveis para alunos do pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico — os níveis de ensino que estão sob alçada das câmaras.

Para alguns concelhos, estas férias de Natal foram mesmo uma estreia, com os refeitórios escolares a abrir pela primeira vez. É o caso da Pampilhosa da Serra. Ou de Santo Tirso, que, durante dez dias, tem atividades pedagógicas e de animação para os miúdos nas escolas, suportando a câmara o custo das refeições. O presidente da autarquia, Joaquim Couto, não esconde que o programa de atividades a que chamou Mimar pretende, “de forma encapotada”, criar condições para continuar a servir uma refeição quente que, de outro modo, não chegaria “a um conjunto razoável de crianças”.

A situação é muito diversa, de concelho para concelho, como se verá. Há casos em que programas especificamente pensados para assegurar almoço a alunos carenciados não tiveram procura e foram cancelados, como em Ovar (aqui, as cantinas só abrem para os meninos que frequentam o CAF). Ou em Setúbal, onde, em 2011, as cantinas também chegaram a abrir, mas “com pouca ou nenhuma frequência”, faz saber a autarquia.

Há outros, contudo, onde as crescentes dificuldades dos alunos e das suas famílias são denunciadas por todos aqueles que lidam com eles. “O nosso agrupamento escolar vê-se confrontado, todos os dias, com situações de carência grave. Os almoços nas interrupções letivas são mesmo para suprir a falta dessa refeição em casa”, diz, por exemplo, Maria José Tavares, diretora do Agrupamento de Escolas Professor Óscar Lopes, em Matosinhos.

Ao gabinete desta professora, chegam, todos os dias, casos de crianças que vão em jejum para a escola, de famílias sem trabalho e de divórcios que desorganizam os orçamentos domésticos. “Somos muito abordados na rua. Falam-nos em problemas de alimentação, nos escalões da ASE que não estão ajustados”, afirma também Sónia Mendes, presidente da associação de pais numa das escolas do concelho.

"Há sempre a família alargada..."

A Escola Básica da Telha Nova I é a maior escola com pré-escolar e 1.º ciclo do Barreiro. Visitamo-la no 3.º dia de férias do Natal, ao meio-dia. A cantina tem várias salas. Numa, estão os pequenos do pré-escolar, que por esta altura ainda não estão de férias (o calendário escolar é diferente do calendário do ensino básico) com as suas batas de xadrez. A maioria come sem problemas. Mas há sempre um ou outro que cospe a sopa de legumes para cima da mesa. Sempre os legumes... Blargh!

Noutra sala, a mesa está posta para um pequeno grupo de alunos mais velhos. Estão de férias. A maior parte diz que, por estes dias, passa a maior parte do tempo em casa, a jogar no tablet ou no telemóvel da mãe e a ver televisão. Mesmo quem diz que tem os pais desempregados, e vem à escola só para comer, fala dos tablets e dos smartphones “com a maçã atrás” que existem lá em casa. Ou que ainda não existem, mas gostavam de ter tido neste Natal.

Perto do meio-dia, saem de casa e põem-se a caminho da escola para comer, uns levados pelos pais, outros sozinhos.
A Luísa, 8 anos, uma menina de cabelos claros e casaco cor-de-rosa, trouxe-a o pai:
— É melhor comer na escola do que em casa porque em casa há pouco dinheiro para comprar comida. Na escola, há fruta e outras coisas. Foi por isso que o meu pai e a minha mãe me puseram [a comer] aqui.

Não tem tablet para jogar. Mas ocupa o tempo com várias outras coisas. Esta manhã, por exemplo, antes de vir para a escola, esteve a ajudar a mãe “a tirar cobre de dentro de televisões estragadas”. São televisões que o pai encontra no lixo ou que “as pessoas lhe dão”. Em casa, continua Luísa, abrem-nas, metem o cobre dentro de uma caixa “para ver quanto aquilo pesa”, depois vão ao ferro-velho e vendem “para ganhar algum dinheiro”.

O pai e a mãe de Luísa estão desempregados. A mãe do Henrique, de 9 anos, que está sentado mesmo ao lado, também. As professoras elogiam-no — é muito autónomo, todos os dias faz o pequeno-almoço sozinho, prepara-se e vai para a escola, também sozinho. Ele confirma, sentado à mesa, muito direito, a comer como um crescido.

Esta manhã acordou, fez o pequeno-almoço — “tostas e leite com café” —, vestiu-se e foi ver televisão. Depois foi jogar à bola com a irmã, que tem 1 ano. Até que chegou a hora do almoço. Diz que não gosta muito desta ideia de ter de sair de casa de propósito para ir comer à sua escola. “A minha mãe está desempregada e é um bocado mau porque assim não ganha dinheiro para comprar comida e roupa.”

Susana Santos, da Rumo, a cooperativa que trata das refeições das escolas do concelho, conta que tem conhecimento de pais que não inscrevem os filhos para as refeições, durante as férias, “para não os expor”. Nesta escola, não há que enganar: o ATL não está a funcionar durante a pausa letiva (custava 35 euros e não houve inscrições) e quem vai à escola e já não tem idade para andar no pré-escolar, é mesmo porque precisa de lá ir comer. 

A diretora do agrupamento a que pertence a Telha Nova I, Arlete Cruz, não acredita que as crianças carenciadas que não vão à cantina nas férias passem mal. “Podem é não ter uma refeição completa, tão equilibrada”, explica. “E, depois, há sempre a família alargada — as pessoas organizam-se, os meninos comem nos tios, nos avós...”

Está convencida de que a situação é pior nas escolas secundárias do concelho, onde tem encontrado mais famílias com problemas mais graves. Aí, um programa deste género faria ainda mais falta, mas acredita que os jovens não iam aderir. “Nessas idades têm mais vergonha.”

É o que diz Álvaro Santos. Na sua escola, em Valadares, a cantina não abre. “Não é porque não haja necessidade. É porque nestas idades já há alguma vergonha. Às vezes, os pais querem e os miúdos não querem. Mas as famílias vão-se organizando para encontrar outras soluções. Nesta zona, ainda há laços muito fortes dentro das famílias.” Para além disso, acrescenta, têm surgido um conjunto de outras respostas sociais na freguesia. Acredita que não há quem fique sem rede.

"Repetem muito, muito mesmo"

Matosinhos é dos poucos casos em que as refeições dos alunos dos 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário também são comparticipadas pela autarquia. “É uma especificidade de Matosinhos: nós acolhemos todos os alunos”, sublinha Correia Pinto, vereador da Educação. Confirma, contudo, que os do secundário se sentem mais inibidos por “recorrer a uma solução desta natureza e normalmente almoçam depois dos outros”. Ainda assim, há três anos, eram menos de 10, hoje são 20.

Visitámos a cantina da EB1 da Cruz de Pau — uma das 19 que funcionam nestas férias no concelho — na primeira semana de férias. A cozinheira Ana vai enchendo os pratos. Filetes de pescada, dois para os mais crescidos, um para os mais pequenos, arroz de cenoura, brócolos — muitos brócolos vão ficar no prato. Há legumes especialmente mal-amados, que custam a engolir.

Há também cenoura ralada. E, para a sobremesa, gelatina de morango.

A cantina recebe as 43 crianças que frequentam o pré-escolar e, à hora de almoço, o número de alunos duplica — chegam mais 42, todos carenciados, de acordo com a câmara, que, durante estas férias, só vão à escola, entre as 12h30 e as 13h30, para almoçar. Chega João, 13 anos, com a irmã, de nove — ele já foi aluno desta escola, agora está noutra, a frequentar o 6.º ano. Chega José, de 8, com a irmã, Francisca, de 5. Francisca não gosta da sopa (“É sempre a mesma”, queixa-se, “não é sempre a mesma”, garante o irmão) e tem de ser a funcionária Célia Silva a ajudá-la a comer.

João conta que vai à escola almoçar “para não ficar sempre em casa”. E que um dia quer ser cozinheiro — em casa já ajuda a mãe.
— Ponho a massa, faço aletria, ajudo a fazer arroz.

Apesar de hoje o almoço ser peixe, esperam-se alguns pedidos para repetir a dose. É sempre assim nesta sala envidraçada, não há muitas esquisitices à mesa. “Repetem muito, muito, muito, mesmo muito”, garante Célia, que também trata dos registos das refeições num caderno de linhas e capa preta onde escreve o nome dos alunos. De ano para ano, nas interrupções letivas, há cada vez mais cadeiras do refeitório ocupadas e mais pratos retirados dos armários. A cozinheira Ana diz que sabe o que isso significa. “Fico um bocado triste, mexe sempre connosco.”

No concelho de Matosinhos, há três anos que os refeitórios escolares estão abertos nas férias de Natal e da Páscoa e desde que as aulas terminam, depois de mais um ano de escola, até ao fim do mês de Julho. Nestas férias de Natal, 19 refeitórios estão a funcionar. Além dos 262 alunos referenciados como carenciados (em 2010 eram apenas 36), recebem mais 314 crianças do ATL, a maioria não carenciada. O serviço é gratuito para quem não pode pagar.

O aumento de miúdos de famílias com poucos rendimentos é, para o vereador, um sinal de que “as dificuldades das famílias estão a crescer”. E, atualmente, a câmara já suporta uma fatura de cerca de 5000 euros por nove dias de almoços. “É uma quantia que não tem grande significado no orçamento da câmara. São trocos para os benefícios que a medida representa para tantas crianças e jovens”, afirma Correia Pinto.

Raros são os dias em que o vereador não recebe pedidos de famílias para acionar o apoio da ação social escolar ou para mudanças de escalão porque os rendimentos emagreceram. Processos que podem demorar três meses. “E a criança tem de comer.” Por isso, as escolas receberam indicação para que nenhuma criança deixe de almoçar. Mesmo se o processo demora.

As famílias escondem-se

Em Massamá, Mário e os amigos estão imparáveis. Estiveram a manhã toda com atividades — que tanto podem passar por estudar Matemática como por jogar à bola. Mas estão longe de parecer cansados.

Para a maioria, vir para a escola em tempo de férias, mesmo significando isso acordar à hora de sempre, não é problema. Gostam. Mas, com o refeitório ainda em rebuliço, é de comida que se volta a falar. Sabem perfeitamente o que é saudável e o que não é — na escola, há a preocupação de passar a mensagem. “Os legumes fazem bem.” “A sopa faz falta.” Mas é do que é suposto ser menos saudável que falam.
— A minha avó faz lasanha e aqui na escola não [há]. E pizza...
— E McDonalds...
— Não gosto da comida da escola porque não há pizza.
— Na minha casa, como lasanha muitas vezes. A minha mãe e o meu irmão gostam muito de lasanha.
— Eu às vezes só como flocos ao jantar. Eu e o meu irmão não é nada raro comermos flocos.

Há dez anos que os refeitórios escolares funcionam em Sintra no Natal, para as crianças dos ATL. No ano passado, os alunos carenciados (os dos escalões A e B da ASE de que falavam Mário e os amigos) passaram a poder almoçar no refeitório escolar nas férias, mesmo sem estarem nos ATL. Este ano, o novo executivo, liderado por Basílio Horta, foi mais longe: os familiares directos dos alunos que quiserem aparecer — pais, irmãos, avós — também podem inscrever-se para almoçar na cantina, durante a quadra natalícia. Cerca de 18 mil folhetos com esta informação foram enviados para as casas dos alunos.

A refeição é constituída por sopa, prato de carne ou peixe, salada, doce ou fruta. É gratuita para alunos carenciados inseridos no escalão A, custa 73 cêntimos aos do escalão B e 1,46 euros aos não carenciados. Para os “familiares” que acompanhem os alunos nestas férias, o preço é de 1,46 euros para crianças e 3,80 euros para adultos.

No dia 18, uma quarta-feira cinzenta, 1.º dia de férias do Natal, o recém-eleito presidente vai à escola de Massamá falar publicamente do iniciativa, enquanto os miúdos se divertem com o aparato das câmaras dos jornalistas. “Há muitas carências alimentares no concelho, isto é apenas o pico do icebergue. As pessoas às vezes olham para Sintra e veem a serra, a vila histórica, os palácios e as quintas, mas também há Massamá, Queluz, Monte Abraão, a tapada das Mercês. Muitas pessoas que aqui vivem procuraram esta zona porque as rendas eram mais baratas do que em Lisboa e queriam viver melhor. Mas o empobrecimento do país sente-se imenso”, explica Basílio Horta. “Devemos ter mais de 30 mil desempregados. E temos o maior número de jovens, 66 mil, e o maior número de jovens em risco, seis mil”, prossegue.

A câmara diz que recebeu 100 inscrições de familiares de alunos para a nova modalidade de apoio — comer em alguma das escolas do concelho. Na Básica n.º 2 de Massamá, que Basílio Horta visita, apenas três apareceram no primeiro dia de férias. Não por necessidade, garantem: uma mãe diz que esta é uma maneira de poder conhecer melhor a escola, as funcionárias e a cantina onde todos os dias come a filha. E trouxe o outro filho mais velho, que também já andou na n.º 2 e quis matar saudades.

Outro pai, Paulo Bernardo, 49 anos, conta que achou “piada” à ideia de comer na cantina com a filha — e inscreveu-se para ir dois dias. Não mais. “Acho que as famílias que tiverem mesmo dificuldades não virão. Escondem-se. Vão às 11 da noite buscar comida à paróquia de Massamá. Às 11, para não serem vistas”, diz, enquanto a filha Diana o puxa pela mão para ir para a mesa.

Rui José da Costa Pereira, vice-presidente da Câmara de Sintra, sublinha que não se pretendeu desenvolver um programa estigmatizante. “É também um programa de melhoria da alimentação — redução do sal, reintrodução do hábito de comer sopa, que muitos crianças já não têm, de comer vegetais, saladas. A vinda cá dos pais é útil também para percepcionarem essas estratégias, para que as possam reforçar em casa.”

Os números fornecidos pela autarquia são reveladores do aumento dos miúdos que nas férias vão à escola comer — nomeadamente dos que são considerados carenciados: no ano passado, serviram-se nas cantinas de Sintra, durante as férias do Natal, 47 mil refeições. Este ano deverão ser 60 mil.

No total, estima-se que cerca de 3850 crianças se alimentarão nas escolas do concelho, ao longo desta quadra, umas integradas nos ATL e Centros de Estudo, outras não. Destas, quase 60% são consideradas carenciadas, porque estão no escalão A ou B da ASE — é um aumento de 27%, em apenas um ano. “E se calhar para o ano ainda vai ser mais”, diz Basílio Horta.

Muitos só vão porque os pais estão a trabalhar

Quando terminam os últimos acordes da canção natalícia, as crianças da Escola de S. Tomé de Negrelos, em Santo Tirso, atiram-se para o chão. É quase hora de almoço e a música é um pequeno ritual antes da refeição, assinalando o final das atividades da manhã.

Em cima das oito mesas rodeadas de cadeiras verdes estão os desenhos feitos durante a manhã pelos alunos — personagens de desenhos animados, casas e, sobretudo, árvores de Natal. No fim da cantiga correm em direção à cantina e param à porta, abruptamente. Ninguém diz uma palavra, mas os alunos do 1.º ciclo parecem lembrar-se de repente das regras da hora de almoço: fazem uma fila junto à entrada ou aproveitam um banco corrido para descansar do último sprint de brincadeira e esperam pela sua vez.

São 12h15 e os primeiros pratos de sopa estão a ser servidos. A ementa de hoje começa a ser anunciada: à sopa, seguir-se-á peixe estufado, acompanhado por arroz e salada de tomate. Diana torce o nariz. “Gosto mais de carne.”

É aluna do 4.º ano, mas habitualmente frequenta a escola de uma freguesia vizinha. Por isso, o programa Mimar, lançado pela Câmara de Santo Tirso neste Natal, é uma descoberta para ela. Diz que gosta da experiência de, durante uns dias, poder ir para uma escola diferente e fazer coisas diferentes do habitual. Há oficinas de pintura, pastelaria, dança ou karaté, bem como um programa de visitas a instituições e monumentos do concelho, que incluem uma escola agrícola, uma IPSS, um jornal local e até o Desportivo das Aves, que milita na 2.º liga do futebol nacional. A cantina da escola de Negrelos é outra novidade: “É muito grande, na nossa escola só somos 32 alunos.” Aqui, são mais de 100.

Ao seu lado, Helena, aluna do 2.º ano, ouve-a com atenção. Também não está entusiasmada com o prato do dia. Tinha preferido a carne do dia anterior, mas gosta da comida da escola “mais do que da de casa”, confessa. Diana e Helena não se conheciam até à véspera. São de escolas diferentes. Estão juntas aqui por causa do Mimar.

O facto de poderem conviver, nas férias, na mesma escola, alunos de várias zonas do concelho, é descrito pela professora Paula Torres como uma das coisas “bonitas” do programa. Estão inscritos 750 alunos, pouco mais de um terço do total da população do 1.º ciclo no concelho, que a autarquia decidiu juntar em oito centros escolares, para criar alguma economia de meios. “Pensamos em organizar um programa que permitisse que as crianças viessem à escola e pudessem ter a mesma qualidade de atividades que têm durante o período escolar”, explica o presidente da câmara, Joaquim Couto. Ao mesmo tempo, garantem-se as refeições a quem eventualmente não as teria. O investimento é de 50 mil euros.

A câmara contratou também duas nutricionistas para fazer o acompanhamento das dietas das escolas, de modo a compensar algum desequilíbrio que possa haver em casa. Em Santo Tirso, metade dos alunos do 1.º ciclo do concelho estão dentro dos dois escalões de apoios sociais definidos pelo Estado. E, entre os inscritos no Mimar, um quarto tem escalão A. O que não se estranha se tivermos em conta que o concelho está no vale do Ave, uma das zonas do país mais afetadas pela crise. O desemprego ronda os 20%.

André Sousa, presidente da associação de pais da EB1 da Aldeia Nova, numa freguesia vizinha, conhece muitos desses “casos problemáticos”. “Se não fosse este período, havia crianças cuja alimentação não seria a ideal”, sublinha. Nota contudo que nem todos os alunos que estão inscritos o fazem por motivos económicos. “Uns vêm porque têm os pais a trabalhar, outros porque querem fazer mais do que ver TV e jogar consola. Há aqui uma aprendizagem importante para eles.”

Vera Barroso, mãe de um aluno do 1.º ano, está desempregada e diz que podia ter o filho consigo durante as férias, mas nem pensou “duas vezes” quando lhe explicaram o que estaria disponível: “Nem todos os miúdos têm acesso a atividades destas” se a escola não as proporcionar, sublinha esta mãe.

"A fome é das situações mais complexas que temos"

Foi em 2005 que o Ministério da Educação definiu as regras de financiamento aos municípios para que as refeições escolares se generalizassem a todo o 1.º ciclo. Mas, nota a Câmara do Seixal, as comparticipações do ministério não contemplam as pausas letivas.

Mas no Seixal, como noutros locais, é o município que assume a despesa nessas alturas. Neste Natal, espera fornecer 520 refeições por dia.

Várias câmaras têm, aliás, alargado o seu raio de ação. Em Vila Nova de Gaia, calculava-se, na semana passada, que cerca 1800 crianças iriam frequentar o “projeto de interrupção letiva”, que inclui alunos do pré-escolar, 1.º ciclo e também do 2.º ciclo. A inscrição nas atividades custa entre 2,5 euros e 10 euros. Cerca de 40% dos alunos são do escalão A ou B da ASE (ou seja, não pagam almoço ou pagam metade). É um aumento de quase 30% em relação ao ano passado.

Em Arronches, o município entendeu igualmente fornecer nesta quadra refeições a alunos do 1.º e 2.º ciclos que frequentem o Centro Lúdico Municipal, e não apenas às do pré-escolar, como era habitual. E, no Porto, há um programa para refeições que abrange irmãos, até aos 10 anos, dos alunos das escolas. Mesmo que não estejam inscritos na rede pública de ensino.

— Posso repetir a dose? 
José, 13 anos, come de forma tão rápida como fala. O almoço — massa com frango — servido na cantina da antiga Escola Primária de Olhão desaparece num ápice. A salada (alface e tomate) que acompanha a refeição fica de lado.
— Não gosto de salada.

É, já sabíamos, uma frase recorrente.

José integra o projeto designado por Craques da Rua, uma experiência lançada há cinco anos pela autarquia, com o objetivo de ocupar os tempos livres das crianças oriundas dos bairros sociais dando-lhes condições para a prática desportiva, de forma gratuita. O rapaz, que os colegas dizem ser mesmo um craque, mas que quer ser empresário, e não futebolista, é um dos que frequentam as sete cantinas abertas no concelho durante estas férias. Estão inscritos 67 alunos. Mais 20% do que no ano passado. “São todos oriundos de famílias de fracos recursos económicos”, diz o presidente da câmara, António Pina.

Constatando que, “no atual momento, em que o país passa por um período de dificuldades económicas e sociais, se verifica um aumento de carências alimentares em crianças e jovens que frequentam as escolas, situação que exige intervenção com medidas concretas com o objetivo de resolver esses casos”, o Governo lançou no ano letivo passado o Programa Escolar de Reforço Alimentar (PERA).

O objetivo primeiro do PERA é sinalizar (com “discrição”, como se lê nas orientações do programa) alunos com carências alimentares, que vão para a escola sem pequeno-almoço, e garantir-lhes a primeira refeição do dia, todos os dias de escola. Em julho, foram apresentados os resultados do primeiro ano da medida. E são impressionantes: 50% dos 10.186 abrangidos viram o seu aproveitamento escolar melhorar.

Mas o que se passa nas férias letivas, com os alunos abrangidos pelo PERA? Quem garante que o fecho da escola não representa uma deterioração da alimentação das crianças?

Segundo o Instituto de Segurança Social (ISS), nas últimas férias do Natal, nas da Páscoa e nas do Carnaval, 835 alunos do PERA foram apoiados “no âmbito das cantinas sociais” — uma outra resposta que o actual Governo criou no âmbito do Programa de Emergência Social que consiste na assinatura de protocolos com IPSS que têm cantinas nos seus lares de idosos, centros de dia, creches e afins, pagando-lhes para fornecerem também refeições take away a famílias pobres.

Nas férias de Verão, os agrupamentos escolares sinalizaram 2726 alunos ao ISS como podendo precisar de ser acompanhados. Estudados os casos, concluiu-se que 1523 já beneficiavam através dos respetivos agregados familiares de outros programas ou apoio. Ou seja, estavam integrados em famílias que se alimentavam com refeições fornecidas por cantinas sociais ou que recebiam alimentos através do Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados. Alunos integrados em famílias com Rendimento Social de Inserção (RSI) também eram contabilizados como já estando enquadrados por alguma medida.

Havia, contudo, 1114 crianças e jovens que precisando de pequeno-almoço em tempo de aulas, se arriscava a ficar à margem de qualquer apoio em tempo de férias. Sendo o segundo objetivo do PERA encaminhar as famílias dos alunos com carências para as respostas sociais mais adequadas, quando elas não foram ainda acionadas, foi o que aconteceu com cerca de 400 destes alunos — as famílias passaram a receber RSI, ou a frequentar cantinas sociais, por exemplo.

Mas uma grande parte — 700 alunos — recusou ajuda, informa o ISS. É impossível avaliar que soluções encontraram. “Isto não é o Biafra”, sublinha várias vezes uma assessora de uma das câmaras contactadas por estes dias. Quer assim enfatizar a ideia de que abrir os refeitórios escolares nas férias não é um sinal de fome generalizada — até porque há muitas outras medidas públicas a funcionar em tempo de crise.

Não sendo, evidentemente, o Biafra, Correia Pinto, o vereador que tem a pasta da Educação em Matosinhos, não tem dúvidas: “A fome é das situações mais complexas que temos e os miúdos, como sabemos, não têm capacidade de lutar pela resolução do problema.”

Nota: Na generalidade dos casos, os nomes dos alunos citados nesta reportagem são fictícios.

Por Andreia Sanches, Idálio Revez, Samuel Silva e Sara Dias Oliveira com António José Rodrigues, Carlos Dias, Graça Barbosa Ribeiro, Idálio Revez, Inês Boaventura, Jorge Talixa, Marisa Soares, Ricardo Vilhena
In:  Público

sábado, 28 de dezembro de 2013

Orgulho e preconceito

O ministro Nuno Crato manifestou (mais uma vez, mas agora com a gravidade ministerial) uma posição crítica relativamente às Escolas Superiores de Educação (ESE) e às Ciências da Educação. Estas, sendo essencialmente um saber, assente, tanto quanto possível, em dados científicos baseados na experiência, constituem parte significativa do currículo daquelas escolas de formação de educadores de infância e de professores dos 1.º e 2.º ciclos.

A verdade, porém, é que essa posição reflecte um preconceito que o seu orgulho não lhe permite reconhecer:

– Os únicos testes internacionais em que o desempenho dos alunos portugueses ficou claramente acima da média foram o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) em Língua Materna (compreensão de leitura), tendo os alunos portugueses de 10 anos ficado em 13.º lugar em 45 países (no mesmo nível da Itália e da Alemanha e à frente da Austrália ou da França…); o TIMMS (Trends in International Mathematics and Science Study) em Matemática (os alunos portugueses de 10 anos ficaram em 14.º lugar em 50 países, à frente da Alemanha, por exemplo…) e em Ciências (em 16.º lugar nos mesmos 50 países). (1)

Estes resultados datam de 2012, correspondem a testes efectuados em 2011 – não há forma de os considerar indicadores de que alguma coisa fosse mal na formação de educadores de infância e professores do 1.º ciclo…

– Mais ainda: como Portugal tinha participado no TIMMS em 1995 é possível avaliar a evolução dos respectivos resultados neste período de 16 anos. O que se constata é que Portugal foi o país que mais evoluiu em Matemática e o segundo dos que mais evoluíram em Ciências. Ora o número de educadores e professores formados pelas ESE só pode ter aumentado durante este período.

Não digo que estes sejam os únicos dados a considerar na apreciação da qualidade de formação de educadores e professores, mas são os únicos que consistem em resultados quantitativos, objectivos, isentos e transparentes tão do agrado do sr. ministro. Segundo os seus próprios critérios, a qualidade da formação de educadores de infância e professores do 1.º ciclo não pode, pois, estar em causa – a não ser que o sr. ministro disponha de alguns outros estudos de que não nos dê conhecimento – o que não é certamente possível depois de tantos anos a defender a divulgação dos resultados dos testes internacionais.

A formação de professores pode – e deve – certamente melhorar – mas acho que não no sentido que o sr. ministro aprioristicamente desejaria.

Bem podem os estudantes aprender Trigonometria que não será só por isso que ensinarão melhor as operações aritméticas a crianças de sete ou oito anos.

Bem podem os estudantes especializar-se em Camilo, Eça ou Saramago ou no infinito pessoal da Língua Portuguesa que não será só por isso que saberão ensinar melhor crianças pequenas a aprender a ler.

Bem podem os estudantes tornar-se peritos em Cristalografia que não será só por isso que satisfarão melhor a avidez de descobrir o mundo e a vida de uma criança de cinco ou 10 anos.

Entendamo-nos: aprenderem mais só lhes fará bem. Serem apaixonados pela sua área de estudo será sempre uma vantagem. Mas há um saber específico para lidar com crianças pelo menos até aos 11 ou 12 anos que é absolutamente necessário para se ser educador ou professor e que é o que cabe às ESE.

Melhoremos, pois, a formação de educadores e professores, mas noutros aspectos, por exemplo, através da criação de um ano de indução (uma espécie de estágio acompanhado nas escolas de 1.º e 2.º ciclos), findo o qual seria admissível uma avaliação externa que contasse para a nota final dos candidatos; ou através de um sistema de formação contínua cuja nota de avaliação contasse para as colocações.

Tudo isto, é claro, dá muito mais trabalho do que instaurar um exame arbitrário cuja única função é responsabilizar os próprios pelo seu despedimento já decidido noutras instâncias.

1) Ver CNE, O Estado da Educação, 2012., pp. 142 – 148. E Filomena Matos, “Avaliações internacionais: Celebremos o que há a celebrar!" In JL de 27/4/2013

Maria Emília Brederode Santos
Membro do Conselho Nacional de Educação

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Psicólogos escolares? Psicólogos clínicos?

“Tenho uma dúvida quando falam na notícia em psicólogos escolares. Já que são encaminhados das escolas, para clínica privada, centros de saúde, hospitais, etc., tantas crianças, não faria sentido também a contratação de psicólogos na área clínica? Parece-me uma questão que merece alguma reflexão. Obrigada.” Célia Barreiros

Tenho de “fugir” do meu gabinete do “Serviço de Psicologia e Orientação”(SPO) na escola, sempre que preciso de realizar uma tarefa que exija um maior esforço de concentração e que não implique atendimento direto. Sem exagerar, há sempre alguém a bater à porta, um telefone a tocar ou um pedido urgente de atendimento a chegar. Quando, em algum momento, isto não acontece, sou invadida por uma sensação de estranheza e, quase inconscientemente, questiono-me sobre “o que estará hoje a acontecer?”! O trabalho em contexto escolar permite uma intervenção imediata quando as situações são urgentes e uma articulação célere com famílias, quando estas estão presentes, com professores e com outras entidades, que possam contribuir para a resolução dos problemas e que, muitas vezes, até já estão a desenvolver um qualquer tipo de intervenção. Os pedidos são tantos, que muitas vezes o psicólogo é invadido pelo peso da impotência, pois gostaria de atender e acompanhar mais de perto os encaminhamentos que lhe são dirigidos, mas o tempo esgota-se… e o técnico também se esgota, porque é humanamente impossível responder da forma que seria desejável.

Uma explicação para esta sobrecarga a que estão submetidos os psicólogos escolares é dada pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, que defende a existência de mais psicólogos nas escolas (um acréscimo de cerca de 790) para que o rácio desejável e aconselhável de um psicólogo por cada mil alunos seja uma realidade, sobretudo num momento de crise que potencia a procura destes serviços. Este ano, curiosamente, anunciou-se um aumento de cinco vagas, de 176 para 181, mas as escolas foram informadas de que teriam um psicólogo a meio tempo. Para quem trabalha em contexto escolar, este “meio tempo” soa a absurdo, a ridículo, a falta total da noção do que é o trabalho desenvolvido pelo psicólogo em contexto escolar. O que é meio tempo, num mar imenso de solicitações? Se numa fase inicial, quando o serviço dava os primeiros passos, há muitos anos atrás, eram sobretudo os adultos que batiam à porta do SPO, agora são muitas vezes os alunos que tomam a iniciativa e, quando o fazem, as situações são geralmente graves e exigem uma intervenção célere e urgente. 

As famílias estão desorientadas, nomeadamente no que se refere à educação dos filhos. Há muitos pedidos que chegam ao SPO que se prendem com a incapacidade de os pais educarem corretamente. Não há dúvida nenhuma que isto é verdade. Por isso, e porque ninguém nasce ensinado, é que muitas vezes o trabalho é desenvolvido com os pais, sendo estes sensibilizados para a importância e urgência de alterarem as suas práticas parentais.

Os psicólogos escolares acompanham o percurso dos alunos e a sua intervenção é muitas vezes iniciada numa fase precoce. Poderia dizer que eles estão na primeira linha de intervenção, podendo contribuir de forma decisiva para que os problemas não se agudizem, encaminhado, quando necessário, para outro tipo de técnicos, nomeadamente psicólogos clínicos, pedopsiquiatras ou pediatras do desenvolvimento. A contratação de psicólogos clínicos faz todo o sentido, até porque está provado que uma em cada quatro crianças/jovens poderá vir a sofrer de problemas de saúde mental. O que não faz sentido é achar que uns excluem os outros. Cada um dos profissionais em questão é necessário, pois têm atuações que se complementam. O que infelizmente acontece é que, também na área clínica, os psicólogos que trabalham em serviços públicos se debatem com o mesmo problema: incapacidade para responder ajustadamente a tantas solicitações!

Andreia Campos
In: Educare

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Genes influenciam mais as notas do que pais ou professores revela estudo britânico

Os genes influenciam mais as notas dos estudantes do ensino secundário do que “os professores, as escolas ou a família”, segundo um estudo divulgado na quarta-feira pelo King`s College de Londres.
Os autores do estudo analisaram a importância da genética no êxito escolar e, para isso, utilizaram como amostra as notas de mais de 11.000 exames de alunos de 16 anos do ensino secundário.
Em disciplinas como inglês, matemática, ciência, física, biologia e química, os cientistas descobriram que os genes influenciam mais nas notas (em 58%), enquanto em matérias de humanidades, como arte e música, os genes contam 42%.
Apesar de destacar o peso dos genes no sucesso escolar, o estudo esclarece que o ambiente em que vive o aluno também é importante, pois influencia as notas em 36%, referindo também a importância das escolas.
“A pergunta a que estamos a tentar responder é: porque é que há diferenças entre os alunos nos exames do fim do secundário? Pensamos imediatamente: são as escolas. Mas se as escolas fossem o único fator, os alunos da mesma turma teriam todos as mesmas notas”, salientou Robert Plomin, autor do estudo.
Para resolver a questão, os autores do estudo analisaram as notas obtidas num exame para o Certificado Geral de Educação Secundária (GCSE, na sigla em inglês) por dois gémeos que partilhavam 100% dos seus genes e outros dois que partilhavam apenas metade dos genes. Os quatro gémeos cresciam num ambiente similar.

Estudo mencionado na notícia:

Notícia do King’s College London

Sou mãe de um sobredotado


Clicar na imagem para ampliar e facilitar a leitura.

Notícia da Sábado de 12 de dezembro de 2013 retirada de Crianças a torto e a Direitos.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Uma Educação pouco Especial

Dou aulas, com esta ou aquela intermitência, há mais de 25 anos. Nos últimos 12 com uma incidência particular em turmas dos velhos “currículos alternativos”, actualmente turmas de PCA, e apoio a alunos com necessidades educativas especiais. Não tenho especial formação para o efeito, sou um professor de modelo antigo, com uma licenciatura em História e profissionalização posterior em exercício, quando já tinha tempo de serviço suficiente para fazer apenas o ano das chamadas “teóricas”.

Em alguns anos a maior parte do meu horário foi ocupada desta forma, chegando mesmo a ser completamente preenchida com turmas PCA e apoio em Língua Portuguesa, agora Português, ou Iniciação à Informática a alunos com necessidades educativas especiais (NEE). Sou parte interessada, mas as coisas sempre correram razoavelmente bem no plano da relação pessoal e profissional com os alunos, mas nem sempre fiquei certo de ter tomado as melhores opções. Em muitos casos naveguei à vista, experimentando e tacteando, sem dominar conhecimentos teóricos que me pudessem orientar ou o domínio de técnicas que permitissem fazer melhor. Sempre senti a necessidade da existência nas escolas de equipas multidisciplinares que permitissem um verdadeiro trabalho aprofundado, sistemático e fundamentado, com a multiplicidade de situações com que os professores são confrontados e às quais devem saber responder de forma diversificada. Sempre senti que a abordagem “à descoberta” tem tantas vantagens quanto inconvenientes. E sempre achei que, indo para além da catalogação ou rotulagem, a intervenção de colegas especializados numa fase precoce do trajecto educativo dos alunos é essencial para o estabelecimento do que chamarei, como leigo, “diagnósticos de referência”, assim como um trabalho de continuidade é ainda mais indispensável nestes casos.

Pelo que me choca perceber que os governantes consideram que a inclusão de alunos com NEE em turmas regulares é algo de tipo meramente “administrativo” e que nesta área basta ter os professores colocados a 1 de Setembro ou umas semanas depois para tudo estar bem. Esquecendo-se que um ano lectivo só começa a 1 de Setembro, neste caso sim, do ponto de vista “administrativo”. A necessidade de caracterização dos alunos com NEE e do seu acompanhamento em continuidade, de maneira a ir registando a sua evolução não tem relação com calendários escolares na sua versão mais redutora É algo que necessita de um trabalho especial que não pode estar a ser abandonado e recomeçado de um ano para outro e que não assenta – ou não deveria assentar – apenas em relatórios escritos, mas em relações humanas e pedagógicas que se desenvolvem, ganhando a confiança dos alunos, a colaboração das famílias e o envolvimento dos restantes professores.

A publicação do decreto-lei 3/2008 de 7 de Janeiro representou uma oportunidade perdida na forma de encarar a questão dos alunos com necessidades educativas especiais pois, por entre um articulado cheio de procedimentos a seguir, se optou por considerar a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da O.M.S. como referencial único para a elaboração dos relatórios técnico-pedagógicos, o que limitou o alunos a enquadrar aos que fossem detentores de necessidades educativas de tipo “permanente”, o que foi factor de exclusão de muitos com problemas graves, só que tidos como “transitórios”.

Mas até essa forma redutora de encarar a problemática poderia ter sido ultrapassada se as escolas pudessem dispor dos meios humanos especializados (que vão para além dos professores de Educação Especial, na sua acepção curta, para efeitos de concurso de colocação pelo MEC) necessários e indispensáveis para dar apoio aos alunos que mais dele necessitam. E não tem sido esse o caso. É particularmente chocante verificar como no Orçamento para 2014 as verbas para a Educação Especial sofrem um corte dramático, curiosamente muito próximo ao acréscimo das verbas destinadas a financiar uma maior privatização da Educação, privatização essa que em regra se destina a favorecer grupos de alunos que já antes se encontravam numa situação privilegiada em relação à generalidade dos seus colegas.

Mesmo correndo o risco de ser acusado de demagogia, é inevitável verificar que cada vez mais se aposta numa Educação desigual, em que se apoia aqueles que menor necessidade têm à custa dos que mais necessitam. É verdade que o investimento exigido pelos alunos com necessidades educativas especiais é maior do que os alunos “regulares”. Mas esse é um daqueles encargos que devemos ter orgulho em suportar, porque significa um esforço de toda a sociedade para apoiar com qualidade os mais frágeis e vulneráveis. É triste e vergonhoso que exista que considere a questão apenas na perspectiva da “racionalidade económica”, dos rácios, dos custos médios por aluno. O que está em causa é o modelo de sociedade que se defende. E vai imperando um modelo de governação que, de forma clara e assumida, promove o favorecimento dos privilegiados à custa de todos os outros, com efeitos mais graves entre aqueles que menos meios de defesa têm.

Paulo Guinote
Artigo Para A Revista Educação Inclusiva De Dezembro

Feliz Natal


Mudar vidas

Carlos apaixonou-se. Tudo aconteceu no último campo de férias promovido pela Associação Spina Bífida e Hidrocefalia de Portugal. Durante 10 dias, ele, do alto dos seus 13 anos, arranjou uma namorada – que mantém pelo Facebook –, fez amigos, deu inúmeros mergulhos na piscina, cantou karaoke, foi à discoteca, fez caças ao tesouro e por alguns dias esqueceu-se que havia uma cadeira de rodas, que era doente, que dependia da mãe, que mora num prédio sem elevador, que apenas alguns meses antes esteve entre a vida e a morte num hospital. Mas não foi só a vida do Carlos que mudou. Foi a de outras 30 crianças e das suas famílias – e isto só este ano.

Maria Isabel Dias da Costa Malheiro, Professora da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e Presidente da Associação Spina Bífida e Hidrocefalia de Portugal, lembra: “O projeto surgiu para que estes miúdos aprendessem a cuidar de si, a ser autónomos nas atividades de vida diárias – no vestir, despir, fazer higiene – e quanto mais pequeninos aprenderem estas coisas menos repercussões têm ao nível da integração escolar.

O projeto tem por isso como objetivo capacitar estes miúdos para serem autónomos, para poderem entrar na adolescência com autonomia e serem independentes na vida adulta”. Para tal, o campo não é só brincadeira. Todos os dias de manhã há sessões – sempre diferentes – que englobam desde o que é a espinha bífida, às necessidades, à higiene e o banho, ao vestir e despir, às úlceras de pressão ou às feridas e à algaliação. “Não só é dada uma breve lição mas são também levantados os problemas que eles sentem.

Na parte da tarde há atividades desportivas porque são miúdos muito sedentários, que têm poucas possibilidades de fazer exercício físico”, lembra Isabel. E os resultados estão à vista: “Quando faço a avaliação e falo com as mães, elas dizem que as coisas mudaram completamente. Agora chegam a casa e os filhos têm tudo feito! Uma delas até me disse que arranjou namorado porque o filho já não precisava dela 24 horas por dia, outra começou a trabalhar – nunca tinha trabalhado na vida. Portanto, isto também tem muitas mudanças em termos da vida das famílias”.

Para tornar tudo isto possível são necessários 20 mil euros, que o ano passado foram suportados pela Missão Sorriso. Nádia Reis, representante deste projeto, relembra: “Nestes últimos 10 anos já doámos cerca de sete milhões de euros, o que é muito significativo; já oferecemos apoios e equipamentos a mais de 90 instituições. Estamos a falar de mais de 2100 equipamentos hospitalares. Mas consideramos que estes 10 anos ainda são poucos e este estamos muito expectantes para o que aí vem”.

Já está à venda o livro da Leopoldina por três euros. Metade vai para ajudar o Carlos, a Associação Espinha Bífida e outras 270 associações que este ano se inscrevem com projetos na Missão Sorriso, de Norte a Sul do país. Porque a solidariedade não se faz só no Natal.

Por Patrícia Cintra
In: Sol

Escola pública vive clima de instabilidade intolerável

A Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) defendeu, em carta aberta ao ministro Nuno Crato, um compromisso alargado para a Educação a longo prazo e considerou “intolerável o clima de instabilidade existente atualmente” na escola pública.

“Não se pode compreender que o ano letivo ainda não esteja a funcionar em pleno no final do 1.º período, nomeadamente que existam escolas que não funcionam até às 17:30 (sem AEC - Atividades de Enriquecimento Curricular), sem os necessários apoios educativos especiais e sem o adequado funcionamento da Ação Social Escolar. A escola hoje, porque global, realiza também um papel social fundamental”, defende a Confap, na carta dirigida ao ministro da Educação e Ciência, datada de 21 de dezembro e hoje divulgada à comunicação social.

Para os representantes dos pais, limitar neste período recursos das escolas no apoio às famílias, coloca em causa a igualdade de oportunidades e não ajuda a combater as desigualdades sociais.

A Confap deixa ainda críticas às criações e alterações com “frequência excessiva” de medidas educativas.

“Por isso, se lamenta que a Educação esteja cada vez mais instrumentalizada com preocupações desfocadas do essencial - as crianças e os jovens portugueses - e assim, que os partidos ainda não tenham sido capazes de assumir um compromisso para a Educação que garanta a estabilidade e um rumo das políticas educativas a longo prazo, o que se considera essencial para o superior interesse do país”, lê-se na carta.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Projeto iTEC - Cursos a distância para professores

No âmbito do projeto iTEC, a European Schoolnet Academy abriu cursos a distância sobre a construção de Cenários de Aprendizagem para a escola do futuro ("Future Classroom Scenarios") e práticas inovadoras para o ensino das CTEM ("Innovative Practices for Engaging STEM Teaching").

Os cursos decorrem entre fevereiro e março de 2014.

Os interessados podem proceder à sua inscrição através da página web da European Schoolnet Academy.

Para mais informações, aceder à página da Direção-Geral da Educação - ERTE.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Pensar a família hoje

A propósito do Encontro “Nascer e Crescer Hoje… Que Futuro?” (7/12), promovido pela Associação de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, em que tive o prazer de participar, gostaria de partilhar convosco algumas reflexões.

Penso que ter um filho hoje é um ato de esperança face ao desânimo que se instalou na nossa população. Acontece muitas vezes em fim da idade de procriar e apesar das condições económicas, que tardam em estabilizar ou crescer.

Tal cenário faz com que sejam mais frequentes as famílias onde prima o filho único. As questões em torno da natalidade são, contudo, controversas, como afirmou Coimbra de Matos (psicanalista), pois o nosso planeta já se encontra no limite em termos de capacidade de resposta às necessidades de espaço, comida e água que a população humana representa. Por outro lado, como sublinhou Raquel Varela (historiadora das relações laborais), hoje as famílias fazem um grande investimento no percurso académico dos filhos (o que por vezes só é possível para um filho), pois reconhece-se que quem tem mais habilitações tem maiores opções de escolha no futuro.

Quando pensamos na família, não podemos deixar de a inserir na economia capitalista, onde muitas vezes parece relegada para um segundo plano face à primazia da produção laboral. A produção e oconsumo parecem dominar as relações atuais, bem como o discurso que é dirigido à família. Por um lado, tudo está milimetricamente encaixado para que se possa dar mais tempo ao trabalho e produzir mais. Por outro lado, realça-se uma ideia de bem-estar associado ao consumo de bens (produtos e serviços) ligados a uma imagem de sucesso e de atividade constante.

Tal expectativa invade a esfera da vida familiar, defendida por estudos de especialistas que defendem que a aquisição e consumo de determinados produtos e serviços está diretamente associada ao sentimento de felicidade e ao excelente desenvolvimento das competências dos nossos filhos.

A situação de crise em que vivemos traz dificuldades de monta no cumprimento de tal expectativa social, dada a precaridade e a instabilidade do emprego. Além disso, muitos são os pais que se sentem enredados num ciclo perverso: para dar mais também têm de trabalhar mais e sacrificar o tempo com os filhos. Parece-me existir uma frustração geral no que toca à disponibilidade parental em proporcionar uma relação com qualidade, uns porque se sentem condicionados pelas exigências de disponibilidade de tempo (incondicional) do emprego, outros porque se sentem deprimidos e encurralados em empregos insatisfatórios, mas que não se arriscam a perder, outros por causa do desemprego.

Neste panorama, penso que, salvo raras exceções, a maioria dos pais tem de lidar com a frustração, o receio e a culpa (por vezes inconsciente) de não terem a capacidade de oferecer tudo o que desejam para o seu filho. E sentem-se falhar na sua função parental.

Mas será que o bom desenvolvimento dos nossos filhos precisa de tudo o que socialmente é defendido hoje? Estaremos diante de uma crise económica ou também de uma crise de valores?

O meu apelo é pensarmos nos valores essenciais à família. Não estou com isto, claro, a pretender desvalorizar a importância do fator económico, mas a perspetivar outras vias de desenvolvimento na família, trazendo, porventura, um sentimento de satisfação mais duradoiro e de fortalecimento de laços de intimidade.

Penso que não é preciso dar tudo aos filhos. É preciso dar oessencial. E isso não é um falhanço, é uma mudança de perspetiva face à vida, porventura mais adequada à realidade que vivemos. Os pais emocionalmente disponíveis pressentem que a sua presença efetiva, afetiva e entusiasmada é a base dos sentimentos de ser-se amado e admirado e na formação da resiliência necessária aos desafios da vida. Efetivamente, o nosso maior “ativo” é interno: saber-se reconhecido como agente competente da sua própria vida por quem amamos e admiramos.

Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta

sábado, 21 de dezembro de 2013

Deficientes motores só podem usar CP com aviso de 48 horas

As pessoas com deficiência motora têm de avisar a CP com 48 horas de antecedência quando querem andar de comboio e não podem viajar a qualquer hora, como aconteceu a Marisa Lino, que até já ficou esquecida numa carruagem.
Marisa Lino tem 29 anos e sofre de artrogripose múltipla congénita, uma doença rara que lhe atrofia as extremidades do corpo, pernas e braços, obrigando-a a deslocar-se numa cadeira de rodas.
Como vive em Alverca, e porque mora próximo da estação, Marisa elegeu o comboio o seu transporte público de eleição sempre que precisa deslocar-se a Lisboa.
O problema é que isso obriga a que planeie a sua vida com pelo menos 48 horas de antecedência, mas nem mesmo quando o faz é garantido que tenha a viagem que pretende.
A 30 de Setembro fez um pedido junto da CP para, a 7 de Outubro, poder ir a Lisboa assistir a uma aula de dança adaptada.
"A hora de ida de Alverca para Entrecampos marquei para por volta das três e tal da tarde. O regresso marquei para as 20h37. No dia seguinte recebi a resposta por e-mail e foi-me negado essa viagem. Não pude viajar depois das 20h30 da noite", contou à Lusa.
Segundo a própria, a explicação por parte da CP é que depois das 20h30 as bilheteiras estão fechadas e não há ninguém nessa altura para colocar a rampa que possibilita o acesso das pessoas em cadeiras de rodas ao comboio.
A CP confirmou, através de resposta escrita, que o seu Serviço Integrado de Mobilidade (SIM), que tem por objetivo apoiar as pessoas com mobilidade reduzida, funciona "dentro dos recursos disponíveis da empresa", sendo necessária "marcação prévia de assistência no embarque e desembarque".
De acordo com a empresa, não é possível prestar este serviço a todas as horas porque está dependente das "disponibilidades humanas e materiais" da CP. Explicou que os recursos humanos não são iguais em todas as estações e que, por isso, há estações onde o serviço funciona até às 23h30, mas outras há onde esse "horário tem outras limitações".
Queixou-se, por outro lado, que o facto de não poder andar de comboio à noite limita as possibilidades de encontrar um novo emprego, de fazer uma formação ou até mesmo de sair à noite com os amigos.
No entanto, as limitações no serviço da CP não são os únicos motivos de reclamação.
"Já tive duas situações em que os revisores esqueceram-se de me fazer sair do comboio. Uma das vezes era para sair em Entrecampos, fui parar a Benfica, duas paragens à frente, noutra cheguei a Alverca e foi por segundos que não voltei para Sintra", contou.
Segundo Marisa, as situações foram prontamente resolvidas, mas decidiu mesmo assim reclamar junto da CP. Posteriormente, a 19 de outubro, um revisor da CP deixa-lhe uma mensagem no seu mural de facebook, criticando a sua postura e aconselhando-a a ter apoio psicológico por ter um "problema mental".
Em nome do revisor, o Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante vem explicar que a atitude daquele funcionário da CP foi resultado da frustração sentida por entender que está a fazer o melhor trabalho possível e não compreender as reclamações apresentadas por Marisa.
Para Luís Bravo, a mensagem do revisor "é o desabafar de uma situação de injustiça", sublinhando que a utente "teve sempre toda a atenção" por parte dos revisores e funcionários das bilheteiras.
"Estes trabalhadores estão diariamente disponíveis para ajudar e não compreendem o descontentamento da Marisa face ao serviço da CP", apontou o sindicalista.
Segundo a CP, a mensagem deixada pelo revisor "está a ser alvo de averiguação interna" e "caso se comprove violação de dever laboral, serão retiradas as devidas consequências".
Entretanto, Marisa Lino tem alguns desejos que gostava de ver cumpridos: poder viajar depois das 20:30, não ter de organizar a vida com 48 horas de antecedência e receber um pedido de desculpas.

Ação de Formação: A Dislexia no terceiro ciclo e no ensino secundário


Formadora: Mestre Fátima Almeida

2014

É frequente afirmar-se que com os alunos disléxicos mais velhos já pouco há a fazer, para além do treino de estratégias compensatórias. Este mito está a ser questionado pela investigação, que, devido ao que a plasticidade cerebral e a neurogénese revolucionariamente afirmam, nos permite perceber que em idades mais tardias (inclusivamente no ensino secundário) há um caminho ainda longo a percorrer. E um conjunto de ganhos que o decorrer da idade ou qualquer apoio não especializado não irá trazer.
As estratégias propostas nesta formação poderão também ser aplicadas com alunos disléxicos a frequentarem o ensino superior.

Objetivos: 
• Clarificar o que é a Dislexia.
• Esclarecer os docentes sobre as implicações da dislexia na aprendizagem no 3º ciclo e no ensino secundário.
• Facultar estratégias de diferenciação a terem lugar numa sala de aula com alunos disléxicos no 3º ciclo e no ensino secundário.
• Perceber o que professores de ensino regular poderão trabalhar em contexto de apoio por eles facultado.
• Elucidar sobre o que é um apoio especializado na Dislexia no 3º ciclo e no ensino secundário.

Duração do curso: 25 horas, a decorrer nos dias 8, 15, 22 e 29 de março de 2014 

Horário: 
8 e 15 de março – 9h30-13h00 / 14h30-17h30
22 e 29 de março – 9h30-13h00 / 14h30-17h00 

Público-alvo: Professores, psicólogos e outros profissionais de educação e pais/encarregados de educação.

Pagamento/Propina única: 100€

Nº mínimo de participantes: 15

NOTA: Curso acreditado pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua com o registo nº CCPFC/ACC-75318/13, com a atribuição de 1 crédito.


INSCRIÇÕES ABERTAS até 21 de fevereiro de 2014
Mais informações:
Secretariado dos Cursos de Pós-Graduações,
Mestrados e Doutoramentos (Drª Rosa Martins)
Universidade Católica Portuguesa
Centro Regional das beiras 
Estrada da Circunvalação 
3504-505 VISEU
E-mail: pgfinfo@crb.ucp.pt 
Telefone: 232 419 500
Fax: 232 428 344

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