terça-feira, 9 de julho de 2013

VIVER COM A SÍNDROME DE ASPERGER

Gerhard Gaudard, técnico de informática, recebeu há dois anos o diagnóstico de portador da chamada síndrome de Asperger, um transtorno do espectro autista. À swissinfo.ch ele conta sobre o trabalho, as dificuldades do quotidiano e o segredo de um casamento feliz.

Gaudard, 38 anos, formou-se como técnico de informática e hoje trabalha na filial de Berna da empresa dinamarquesa Specialisterne, onde a maioria dos empregados sofre de alguma forma de autismo. A equipa ocupa-se de processamento de dados, programação de software e testes de projetos.

A jornada de trabalho dura oito horas, quatro vezes por semana, e ele faz diariamente o trajeto da cidade de Aarau (leste) até a capital suíça, gastando 40 minutos em comboio. É prolixo, amigável, divertido e aberto a compartilhar as suas experiências com outras pessoas. É o que explica a sua decisão de manter um blog dedicado ao quotidiano de uma pessoa que sofre da síndrome de Asperger. O único sinal visível da doença é o facto de nunca olhar os interlocutores nos olhos.

swissinfo.ch: Em que consiste o seu trabalho?
Gerhard Gaudard: Minha principal função é assegurar que todos os nossos clientes tenham trabalho, projetos ou algo a fazer. Eu também me ocupo do apoio técnico e faço todos os reparos. Além disso, eu também preparo os conceitos e as ideias de novos projetos e da negociação destes com os clientes. Habitualmente oito horas por dias não bastam!

Gosta do que faz?
Sim, bastante. Para mim é como ter ganhado na lotaria. Poder trabalhar sendo portador da síndrome de Asperger, com e para as pessoas que sofrem da enfermidade, é algo que só acontece uma vez na vida.

Já trabalha há quase 20 anos para empresas, podemos dizer, "normais". Como é essa experiência?
G.G.: Há dois anos soube que sofria da síndrome de Asperger. Antes não sabia o que era isso e praticamente toda a minha vida profissional foi uma catástrofe. Agora eu entendo porque não compreendia os outros e o que eles queriam de mim. Por vezes era um pouco como encontrar e perder o emprego.

Esse diagnóstico mudou a sua vida?
Virou-a de pernas para o ar. Eu tive de começar do zero, ou seja, de refletir que tipo de trabalho eu poderia fazer, onde poderia trabalhar, como organizar a minha vida privada, o meu relacionamento, tudo. Era muita coisa para fazer...

O que é mais difícil para alguém como você no quotidiano?
Nós precisamos de uma rotina e cada dia deve ser igual ao outro. Se alguma coisa muda, é terrível para mim. Por exemplo, ontem tive de ir para Zurique encontrar um cliente. Eu tinha sido prevenido na semana passada e assim passei quatro dias a refletir como ir para lá, a que horas iria chegar e o que deveria discutir. Eu tive de refletir quatro dias sobre o tema, pois tratava-se de uma mudança na minha vida.

O ambiente de trabalho parece ser muito bom. Qual a sua opinião?
Se o Thomas (van der Stad, diretor da Specialisterne) diz que o ambiente é bom, é que ele é bom mesmo. Para mim não existe ambiente. Eu não sei o que é isso. Eu não posso senti-lo ou vê-lo.
É algo como um filtro que me impede de ver as emoções. Na verdade não vejo nada. Também não vejo os rostos. É quase como se eu fosse cego. Por isso não posso responder a essa questão.

Por que você começou a escrever um blog?
Por uma razão muito simples: quando recebi o diagnóstico de Asperger, eu comecei a procurar na internet os fóruns de debate sobre o tema, sites e informações, pois tinha necessidade de saber do que se tratava. Depois eu encontrei um fórum, registei-me e li o que era escrever. Assim comecei a comunicar com as pessoas.
Uma pessoa escreveu-me dizendo que eu era um imbecil, que estava completamente enganado e outras coisas. Era uma mãe neurótica (n.r.: termo utilizado por muitos autistas para falar dos não autistas). Eu engoli a história e pensei comigo mesmo que o fórum era feito para pessoas que têm Asperger e não para mães que não sofrem dessa doença. Acabei ficando bastante chateado.
Assim tive a ideia de escrever um blog. Mas como? Era possível fazê-lo com o Google, o que me facilitou bastante o trabalho. Sem ter nenhum conceito na cabeça, simplesmente comecei a escrever. É uma pequena história de sucesso: eu chego a ter 3.500 cliques por mês de todas as partes do mundo.

A maioria dos seus leitores também sofre da síndrome de Asperger?
Eu diria que a metade deles. Algumas pessoas escrevem e contam que o seu parceiro tem a doença e agradecem por um artigo. Outros contam que também sofrem da síndrome, que me compreendem e ficam felizes de saber que não estão sós no mundo.

Tem bastantes lazeres? Penso que o cinema, por exemplo, é difícil para se não é possível compreender as emoções...
O cinema é um dos meus passatempos favoritos! Os filmes de ação são perfeitos para mim. Eu também gosto muito de ficção-científica. Mas as comédias, dramas, histórias de amor e todos esses filmes com sentimentos são incompreensíveis para mim. É como se eles fossem falados num idioma que eu não compreendesse.
Eu também gosto de ler e ver documentários. A música também é uma paixão: eu toquei guitarra elétrica durante quase dez anos. Eu gostava de heavy metal. Para mim o Iron Maiden é o melhor grupo de rock do mundo!

Se  gosta de ler, dá para imaginar escrever um livro?
Certamente. Eu tenho um projeto na cabeça de transformar o meu blog em livro.

Costuma  encontrar-se nas horas livres com outras pessoas que sofrem da síndrome de Asperger?
Não. Eu já tenho contacto com eles durante o meu dia de trabalho. No meu andar só tem gente assim. Na minha vida privada não tenho contacto com elas. Eu praticamente não tenho contacto com outras pessoas a não ser a minha esposa.

Ela é autista também?
Não. Ela teve de aprender um monte de coisas. Uma vez ela informou-se sobre o tema e disse-me: "Bom, para mim não faz diferença se tens essa doença. Eu amo-te como és. Se há qualquer coisa que eu não entendo, então perguntar-te-ei."
Nós estamos juntos há quase um ano. Um dos nossos segredos é que não vivemos juntos: ela está aqui, perto de Berna, e eu vivo em Aarau. Antes eu estive com outra pessoa durante onze anos, dos quais dez em coabitação. Quando recebi o diagnóstico, ela abandonou-me afirmando que não poderia viver comigo sabendo que eu não poderia aprender coisas que eram importantes para ela. Eu tive de superar isso e, assim, decidi dizer à minha mulher desde o início que tinha Asperger.
Hoje, com meu trabalho e a minha esposa, eu estou muito feliz. Para mim essa é a fórmula perfeita para equilibrar a vida profissional e a vida privada.

Thomas Stephens, swissinfo.ch
Adaptação: Alexander Thoele
Texto adaptado para português nacional.

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