(...) Veja-se o caso da burocracia que este governo não conseguiu ou não quis eliminar, limitando-se a uma cosmética legislativa que cobriu com nova nomenclatura o que já existia, não eliminando toda a ganga de procedimentos que só é necessária se tiver como fundamento a falta de confiança no trabalho dos professores.
O exemplo mais evidente foi o do estatuto do aluno, acrescentado da questão da ética escolar, que em vez de aligeirar processos os sobrecarregou com obrigações e diligências que culminaram na sua não aplicação prática naquilo que afirmava trazer de novo… as multas para as famílias dos alunos não cumpridores. Letra legislada em gabinete, letra morta na prática corrente. Mesmo se implicou a manutenção de um número desnecessário de procedimentos para os directores de turma.
Avancemos para a questão dos planos de recuperação que o actual MEC afirmou ter eliminado. Nada de mais mistificador, pois o herdeiro do PR, o PAPI – Plano de Acompanhamento Pedagógico Individual – se tornou exactamente o mesmo, pois os professores continuam a ser pressionados para produzir sucesso e justificar o insucesso, pelo que os PAPI podem até ter ficado com menos páginas (nada como estreitar margens entre linhas e reduzir o tipo de letra) mas são o mesmo de sempre: papéis destinados a justificar a avaliação dada pelos docentes, que existem, em muitos casos, apenas porque um certo aluno está menos bem numa disciplina e é proposto para aulas de apoio, sendo necessário que isso fique registado no seu processo individual. Não é raro, pois, que existam 10 ou mais PAPI em turmas que, no final do período, apresentam taxas de insucesso muito baixas, não por causa do dito plano, mas apenas porque ele é uma excrescência burocrática.
Mas podemos avançar para a questão dos exames, tão cara a este MEC e cuja importância eu reconheço, que é outra fonte de uma inenarrável burocracia papelenta, herdeira directa das práticas de outrora com mais requintes de “rigor” e perda de tempo, em virtude de tantas épocas, fases e temporadas previstas para que se realizem, possam ser repetidos, classificados e validados.
Basta um aluno requerer a realização de provas de equivalência à frequência por ter faltado quase todo o 6º ano e ter anulado a matrícula e é colocada em movimento uma máquina trituradora de tempo e recursos: pelo menos 2 professores por disciplina para produzir cada prova a nível de escola e, no dia da realização, 3 a 5 pessoas do secretariado, 2 vigilantes e 1 coadjuvante, mais uma dose industrial de registos a assinar para comprovar que todos estiveram lá à entrada e à saída, não esquecendo ainda 1 ou 2 professores para a classificação da prova escrita e parafernália equivalente se existir prova oral.
E nem sequer comecei ainda a falar do processo indescritível das provas extraordinárias dos cursos profissionais do ensino secundário, avaliados por módulos, que chegam a ter três temporadas, épocas ou fases para serem realizadas, mesmo depois de sucessivas provas de recuperação durante o ano lectivo.
A reforma do estado na Educação deveria passar pelo aligeiramento – quantas vezes prometido – de todos estes procedimentos nascidos da falta de confiança da tutela nos professores e que deslocam imenso tempo e esforço - que poderiam ser usados de forma muito mais útil e eficaz - para tarefas administrativas que se limitam a produzir certificados de actos. Mas isso implica um nível de concepção da reforma que exige conhecimento concreto do quotidiano e capacidade de apresentação de alternativas, não dependentes de um pensamento em que continua a predominar a preocupação com representação e o registo do acto. E isso não mudou.
Nada mudou de essencial na Educação em matéria de reforma do Estado. Fizeram-se cortes, ordenaram-se cortes. Nada se fez em prol da qualidade e eficácia do sistema. Reduziram-se encargos, mas não se apostou minimamente na produtividade, muito pelo contrário. Não adianta andarem menos a trabalhar mais, se andam a fazer tarefas desnecessárias.
Paulo Guinote
In: Público
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