Está em discussão nos agrupamentos de escola e escolas a proposta de municipalização da Educação conhecida por Contrato de Educação e Formação Municipal. O objetivo é transferir para os municípios a responsabilidade de decisão nas seguintes áreas: políticas educativas; administração da escola; currículo; organização pedagógica e administrativa e gestão de recursos.
O contexto desta proposta assenta no reconhecimento de que os municípios são recursos instrumentais para a democratização e eficiência por estarem mais próximos dos atores. Este pressuposto é apoiado pela descrença na gestão centralizada e na eficácia da escola, acrescido da ideia de que a tarefa de administrar de cima para baixo é difícil, complexa e conflituosa, pelo que é melhor descentralizar ou municipalizar. É curioso notar que o desejo de alargar a municipalização aos agrupamentos de escola e escolas surge de cima para baixo com o propósito nacional justificado pelo quadro exposto. No processo de municipalização já implementado em escolas do 1.º e 2.º ciclos as competências do desenvolvimento curricular e da avaliação e organização pedagógica não constam dos contratos de execução.
Neste contexto parece-me pertinente interrogar sobre o que vai mudar naEducação com a delegação de competências nas áreas do Desenvolvimento Curricular, Avaliação Pedagógica e Organização Pedagógica, áreas diretamente relacionadas com a questão mais difícil de resolver na escola: a aprendizagem.
A análise da proposta de delegação de responsabilidades apresentada às escolas nas áreas acima descritas revela que muitos dos domínios de intervenção estão regulamentados pelo poder central através dos normativos Decreto-lei 139/2012 de 5 de julho, Portaria n.º 74-A/2013 de 15 de fevereiro e Despacho Normativo n.º 6/2014 de 26 de maio, para citar os mais importantes. Por exemplo, nos 19 domínios de intervenção de delegação de decisão da área do Desenvolvimento curricular não encontro um que não possua regulamentação. Ainda a título de exemplo, a gestão flexível do currículo só existe ao nível do texto e do discurso porque na prática exige regulamentação, como se pode ler no Decreto-lei n.º 139 /2012 de 5 de julho nos pontos 2 dos artigos 5 e 6.
Nas áreas da Avaliação pedagógica e Organização pedagógica os domínios de responsabilidade ficam com quem já os tinha: a escola e o Ministério da Educação e Ciência. O Despacho Normativo n.º 6/2014 de 26 de maio (organização do ano letivo) exemplifica bem a lógica de escola-empresa com um novo modelo de gestão e organização administrativa, cheio de regras, onde o espaço de manobra da escola é definido por uma fórmula matemática.
Na área da Avaliação pedagógica os resultados obtidos na avaliação externa medem a qualidade, a eficácia e o desempenho da escola (V. Cláusulas 39 e 40 e 45 do contrato). Estes indicadores são facilmente avaliáveis e não têm em conta a multiplicidade de contextos locais. A preocupação excessiva com os resultados educativos deve-nos fazer refletir sobre as consequências educativas locais. Hoje a escola não é a única responsável pela aprendizagem.
Em síntese, nos aspetos pedagógicos o Contrato de Educação e Formação Municipal não inova em relação ao modelo atual, uma vez que se caracteriza por uma perspetiva normativa regulada pela administração central assente em resultados escolares obtidos na avaliação externa. Revela ainda uma política centralista e controladora onde a autonomia do município e da escola é a de (re) interpretar o que tem que ser administrativamente controlado (Pacheco, 2000). Nada muda as práticas curriculares, crenças, hábitos, mentalidades, normas, ou conceções sobre o currículo que professores e alunos põem em prática diariamente na escola. Pelo contrário. A avaliação externa orienta o desenvolvimento curricular na preparação para os exames em lugar de investir de forma sólida na avaliação interna da escola como sugere o relatório Eurydice de Janeiro 2015 sobre “a avaliação externa das escolas”.
Nesta reflexão sobre a descentralização ou municipalização da Educação de cima para baixo, não se trata de estar contra, ou a favor. Trata-se, sim, de saber que modelo se adapta melhor à realidade do país, dos vários municípios. Qual o significado da delegação destas competências curriculares? Aumentar a autonomia curricular? Aumentar a oferta educativa?
Nos últimos dez anos a descentralização e a autonomia escolar estiveram na agenda da política educativa europeia. Segundo o relatório Eurydice de 2008, Níveis de autonomia e responsabilidade dos professores na Europa, a grande variedade de interpretações locais do currículo criaram grandes diferenças entre escolas, comprometendo a existência de uma escola inclusiva. Segundo o mesmo relatório, a delegação de competências curriculares demonstrou falta de consenso relativamente aos benefícios da autonomia curricular e, nos sistemas educativos mais descentralizados, é apontada como um risco, por colocar em causa o incumprimento dos objetivos prioritários de eficácia educativa e de igualdade.
Maria Plantier Lobo Antunes
Mestre em Educação na área de especialização Didática da Ciência
Fonte: Público
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