“Quem já sabe a profissão que quer ter?” No laboratório de Biologia da Escola Secundária de Miraflores, estão cerca de 40 alunos do 12.º ano. Apenas três dão respostas positivas.
É quinta-feira de manhã e foram dispensados das aulas para participar numa série de sessões promovidas pela associação Inspirar o Futuro, que têm como objetivo ajudá-los a encontrar um rumo.
"O próximo passo é ir para a universidade. Depois logo se vê." Pedro, 17 anos, está entre a maioria que não sabe responder à pergunta lançada pelo presidente daquela associação. Eduardo Filho, 28 anos, insiste: "O que é que queres ser?" "Feliz, acho eu", atira Pedro, o que provoca uma revoada de risos na sala. Mas ele tem mais para acrescentar porque sabe o que não quer: "Um trabalho repetitivo."
Uma hora antes, vários destes alunos tinham já participado numa sessão sobre o acesso ao ensino superior, a principal do projeto Descobre O Teu Futuro que desde janeiro percorreu 23 escolas secundárias. Até ao final do ano letivo estará em mais 57. No ano passado, o primeiro da iniciativa, esteve em 40.
Na primeira sessão sobre o ensino superior (haverá mais duas durante a manhã) estão cerca de 50 alunos, também do 12.º ano, o que quer dizer que dentro de poucos meses concluirão o secundário. Estão de pé. A ideia é que se vão sentando à medida que não saibam responder às perguntas que André Couceiro, 22 anos, o guia desta apresentação, irá lançar. "Quem quer tirar um curso superior?" Todos ficam de pé. "Quem sabe que curso quer tirar?" Metade da assistência senta-se. "Quem sabe como fazer a candidatura on-line ao ensino superior?" Desta vez só três ficam levantados.
O cenário tem-se repetido nas escolas por onde a equipa da associação Inspirar o Futuro tem passado. "Estão muito perdidos neste mundo entre cursos e profissões, com muitos a procurarem coisas que não sabem o que são. O nosso objetivo é ajudá-los a encontrarem-se", comenta Eduardo Filho. E também a fazer coisas que à partida parecem bem mais simples, como, por exemplo, pedir a senha para a candidatura on-line ao ensino superior (atualmente é só feita por esta via) ou submetê-la sem erros. "Têm de estar atentos às letras pequenas que aparecem no fim. É lá que está o aviso se houver erros no preenchimento", avisa André Couceiro. É que se houver erros "podem estar a queimar opções e ficar com a candidatura comprometida", explica.
Eduardo Filho, André Couceiro e Filipa Cunha, 25 anos, conheceram-se enquanto estudavam no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa. Foi ali, enquanto colaboravam com um dos gabinetes de acesso ao ensino superior existentes na capital, que se aperceberam das dificuldades sentidas pelos alunos do 12.º ano quando chegava a altura de se candidatarem. O projeto que os tem levado agora às escolas secundárias nasceu desta constatação.
No écran do anfiteatro da secundária de Miraflores está projetado um formulário de candidatura que será percorrido, etapa a etapa, por André Couceiro. Uma das principais dificuldades que têm sido reveladas pelos alunos diz respeito à colocação das opções. Na candidatura os alunos podem escolher seis cursos por ordem de preferência. André Couceiro não poupa os conselhos: “Não deixem de escolher uma opção que queiram mesmo só pelo facto de acharem que não têm nota." "As faculdades são espaços abertos. Antes de escolher vão lá, falem com os alunos, que são quase da mesma idade que vocês." "Comparem os planos de estudos antes de se candidatarem porque há cursos que têm nomes iguais, mas são muito diferentes."
Que uma geração que vive on-line tenha dificuldades em informar-se sobre como fazer algo que só está acessível precisamente na Internet não surpreende André Couceiro: "Preocupam-se cada vez mais tarde em saber como funciona. Muitas vezes só depois de fazerem os exames nacionais, em junho. E nessa altura, por exemplo, já há cursos a que não podem aceder porque exigem pré-requisitos que deviam ter sido cumpridos meses antes."
Também não se surpreende pelo facto de tantos não saberem ainda que curso escolher quando já estão na reta final do secundário. Não só é uma escolha que sempre foi difícil para muitos, como também se torna mais complicada quando a escola reduz o seu trabalho de orientação prévia: "Com os mega-agrupamentos chega a existir apenas um psicólogo para mil alunos. Não é possível fazer um trabalho de acompanhamento de forma produtiva nestas condições", diz.
Na secundária de Miraflores há várias sessões a decorrerem em paralelo. Sobre tomadas de decisão e como pensar "fora da caixa". Sobre estudar no estrangeiro, algo que segundo os organizadores está a crescer em popularidade. Na sessão sobre o mercado de trabalho está em curso mais um pequeno diálogo suscitado por uma nova pergunta de Eduardo Filho:
— "O que estás a fazer por ti?"
— "O que podemos fazer exatamente? Tenho 17 anos. Não posso fazer nada."
— "Achas que a idade importa? O que é que queres ser?"
— "Quero ser o que consiga."
— "E acham que a escola chega? O que estão a fazer para além de estar na escola?"
Apenas dois alunos levantam o braço. Um está a fazer um curso de ilustração. Outra, voluntariado num hospital. “E desporto ninguém faz?”, lança Eduardo Filho. Desta vez há muitos braços no ar. Aparentemente não sabiam que contava para efeitos de curriculum.
Há mais perguntas de alunos. "Na faculdade devo interessar-me mais em acabar o curso com uma média muito boa ou também em ter outro tipo de atividades? O que é mais valorizado?" A resposta será dada mais tarde por alguns representantes das 30 empresas que se associaram a este projeto, que conta também com a colaboração de 40 instituições do ensino superior.
Há bancas com material destas escolas e funcionários ou alunos a quem podem ser feitas perguntas. Uma das mais recorrentes é esta: "Quanto custam as propinas?"
Fonte: Público
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