A insolvência do Colégio Novos Rumos, em Matosinhos, uma escola privada de ensino especial para crianças e jovens dos 6 aos 24 anos, obrigou um grupo de seis pais a chamar a si a gestão da instituição. Com um projeto educativo que, asseguram, vai ao encontro das necessidades dos filhos “mais do que qualquer escola pública”, Irene Barreira, um dos elementos da equipa de gestão, quer apoio para continuar de portas abertas. “Acreditamos que fazemos um bom trabalho, mas as crianças que temos na instituição ainda não chegam para pagar as despesas.”
A história não começa com os pais a serem informados sobre o encerramento do Colégio, em finais de janeiro de 2014. É preciso recuar a 2007, quando duas mães se viram sem opções no ensino público, onde primeiro tentaram integrar os filhos com necessidades educativas especiais. Desistiram. Porque perceberam que as crianças não se desenvolviam, nem eram estimuladas. Se uma criança com necessidades educativas especiais (NEE) está numa sala com mais 20 colegas e começa a perturbar a aula, o que acontece? Irene Barreira soube, com amargura, a resposta a esta pergunta. Quando descobriu que o filho, autista, a frequentar o 5.º ano no ensino público, fugia para o portão da escola a chamar pela mãe.
Passados cinco anos sobre esse episódio, Irene questiona as boas intenções da escola inclusiva. “A inclusão acontece nos primeiros dias de aulas, ou então quando as crianças estão muito medicadas.” Como “tiveram a coragem” de sugerir que Irene fizesse ao filho. António, com 14 anos, frequenta agora a escola privada de ensino especial que a mãe, juntamente com outros pais, tenta salvar. E para trás ficaram os tempos em que passava as aulas de Matemática a “pintar o Peter Pan” sob a vigilância de “uma tarefeira”.
A história de Anabela Gonçalves tem o mesmo enredo. João, agora com 14 anos, tem um atraso no desenvolvimento e problemas de comportamento. Durante o pré-escolar foi sempre apoiado, mas as preocupações começaram no primeiro ano de escola. Na primeira semana, os responsáveis do colégio particular que o filho frequentava chamaram Anabela para dizer que “algumas vezes iam ter de o tirar da sala de aula”. A mãe não se opôs. Até que percebeu que João nem sequer à sala de aula ia.
A solução: tentar integrar o filho no ensino público. “Mas matricular o João na escola pública foi tão difícil quanto depois o tirar de lá”, recorda Anabela. Nessa passagem, a mãe tomou as rédeas da educação do filho para tentar que ele aprendesse o alfabeto. “Fiz joguinhos de letras e tentei várias vezes reunir-me com a professora do ensino especial.” Mas a mãe acabou por constatar que João nem sequer tinha aulas: “Ficava o dia todo com duas auxiliares na escola à minha espera.”
Voltamos à insolvência. Quando este grupo de pais percebeu que o colégio ao qual confiara os filhos ia fechar e a alternativa era transferi-los para outras instituições ou voltar ao ensino público, “Só vimos duas opções: ou cruzávamos os braços ou fazíamos alguma coisa.” Decidiram-se pela segunda via e uniram-se. Agora, em acordo com a sócia-fundadora, que se mantém em funções, detêm o capital do colégio. Estão a saldar as dívidas aos fornecedores e aos funcionários. E esperam apenas que a Segurança Social e a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares possam comparticipar com o encaminhamento de crianças e jovens para a instituição.
Assim que as dívidas estiveram pagas, a ideia é juntar o colégio com a Associação Rumo à Vida, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), criada pelo grupo de pais e técnicos que gere o colégio. “Queremos alargar a nossa ação”, explica Irene Barreira. “Há meninos e jovens que precisam de ensino assim estruturado e desenvolver as suas competências, mas cujos pais não têm disponibilidade financeira para os colocar aqui”, acrescenta.
A mensalidade para as várias modalidades de frequência “não é cara, quando comparada com a de outras instituições”, explica Anabela Gonçalves. O projeto educativo é um orgulho para todos os pais. Cada aluno tem um Programa Educativo Individual (PEI), tal como acontece no ensino regular, que é validado pelo Ministério da Educação e Ciência.
Mas, neste caso, para além da componente letiva, há aulas de natação, terapia com equitação, educação física, ateliers e saídas de autonomização. Uma equipa de professores de educação especial, terapeutas da fala, da motricidade e psicóloga. Os resultados veem-nos nos próprios filhos, como explica Anabela: “O António e o João estão ocupados com atividades de que gostam, são felizes, dão-se bem com os amigos e nas férias estão sempre a pedir para vir para o colégio.”
Educar ou cuidar
A inclusão das crianças e jovens com necessidades educativas especiais (NEE) no ensino regular lança encarregados de educação e professores num debate que está longe de ter fim. David Rodrigues, presidente da Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, defende que “a escola regular é reconhecidamente o meio mais eficaz, dinâmico e estimulante para educar os alunos que tenham dificuldades e deficiências”. Mas, ressalva, “a questão é que nem sempre, até mais vezes do que seria de esperar, consegue concretizar estas potencialidades da inclusão”.
Os motivos são “conhecidos e múltiplos”, enumera David Rodrigues: “A falta de recursos da escola, a falta de apoio aos professores, a carência de estruturas de apoio aos alunos, a dificuldade de diferenciar o currículo, etc.” Assim, “não é de estranhar que pais que tiveram experiências negativas com a inclusão digam que só funciona com medicamentos ou no início das aulas”, reconhece. “É compreensível que procurem criar uma escola que esteja mais ao alcance das capacidades dos seus filhos do que se mostrou estar a escola regular.”
Porém esta escolha “tem os seus riscos”, alerta David Rodrigues: “As redes sociais de conhecimento e de apoio das crianças ficam muito atrofiadas, as atividades tendem a tornar-se mais ocupacionais e menos funcionais.” No limite, “talvez se desvaneça mesmo o objetivo da educação e se sobreponha o objetivo do cuidado e da ocupação”, antevê.
Legalmente, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 12 de maio, deixa claro que a educação inclusiva “visa a equidade educativa”, sendo esta definida como “a garantia de igualdade, quer no acesso quer nos resultados”. Esta ideia esteve também na base da criação das Unidades de Apoio Especializado, nas escolas públicas, em 2008. “A lei diz que no ensino público estes meninos devem fazer o que os outros fazem. Isto é do mais belo que existe, mas não funciona”, lamenta Anabela Gonçalves.
Pressionar a escola regular para fazer o que lhe compete pode ser outro caminho a seguir, diz David Rodrigues, lembrando a atuação da plataforma “Pais para a Inclusão” que recentemente apresentou uma petição na Assembleia da República a reivindicar uma escola inclusiva para os filhos depois do 3.º ciclo. “Temos muito boas experiências da efetividade desta ação colaborativa e mesmo reivindicativa sobre a escola”, acrescenta David Rodrigues, insistindo: “Se a inclusão for excluída não é por não funcionar, é porque foi tornada impossível por falta de recursos e atitudes discriminatórias e homogeneizadoras.”
Irene Barreira tentou a inclusão “até ao limite”. Desistiu porque percebeu que o filho “estava em sofrimento físico pela situação” e foi alertada por médicos para não insistir. Por isso, está à vontade para dizer que não excluiu António só porque o retirou do ensino regular. “Não aceitar o meu filho com as limitações que ele tem seria discriminá-lo”, esclarece a mãe, garantindo que, na instituição de ensino especial, “os miúdos estão integrados, fazem o que gostam e o que conseguem fazer, mas isto não quer dizer que nos limitemos a isso, estamos sempre a pedir que façam mais”.
A elegibilidade para apoios é outra das questões sensíveis quando se fala em necessidades educativas especiais. Quando a escola suspeita que algum aluno precisa de apoio especializado, o primeiro passo é contactar os pais. Após a autorização dos encarregados de educação inicia-se uma avaliação que vai determinar se a criança ou o jovem é elegível para a educação especial.
Neste processo é utilizada a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, versão para crianças e jovens (CIF-CJ). No final é produzido um relatório técnico-pedagógico, onde é descrito o perfil funcional do aluno e que servirá de base para a elaboração do Programa Educativo Individual (PEI). Mas a utilização desta classificação está longe de ser consensual. As vozes mais críticas levantam questões sobre a sua utilidade pedagógica, já que foi criada para fins médicos e não educacionais.
Quando a dúvida é frequentar ou não o ensino público, a opinião “não pode ser dada no abstrato”, sublinha o neuropediatra Nuno Lobo Antunes. Recentemente, numa conferência para pais dedicada às perturbações do espetro do autismo, Nuno Lobo Antunes comentava (...), a propósito do “caso” de António: “O autismo é uma família larga com membros muito diversos nos obstáculos que têm de transpor, nas suas competências, quer intelectuais quer sociais, por isso, admito que na generalidade a inclusão é melhor, mas pode haver exceções.”
Por um lado, tudo “depende da qualidade do trabalho feito pelas escolas”. Por outro, “é preciso perceber se os progressos estão a ser de acordo com o potencial da criança”. Como cada caso é individual, Nuno Lobo Antunes partilha uma sugestão que dá aos pais que o procuram com este tipo de incertezas: “Quando acharem que o conselho dos técnicos é contrário àquilo que sentem que é do melhor interesse da criança, sigam o instinto, mais do que o conselho dos técnicos.”
Fonte: Educare
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