Em Ouressa, as maiores dificuldades de aprendizagem merecem atenção total da escola. Mas nem sempre os resultados aparecem.
Luís vai ser um conceituado chefe de cozinha, um dia. Já está tudo pensado: daqui a poucos meses acaba o 9.º ano e a seguir vai direto para uma escola profissional de Hotelaria. A partir daí será acumular experiência e conhecimento até atingir o seu objetivo. Hoje, quando pensa no futuro, o caminho a percorrer é mais claro. Mas ainda há dois anos o mais certo era a escola ficar para trás.
Valeu a intervenção da direção para evitar esse corte final. "Se não fosse o ensino vocacional, estes alunos estariam todos perdidos", garante António Castel-Branco. O diretor olhou para a sua escola, arregaçou mangas e dedicou-se a perceber quem estava na mesma situação que o agora jovem aspirante a chefe. Encontrou cerca de 15 alunos, na altura com idades entre os 14 e os 15 anos, com o interesse pelos estudos em queda abrupta e a precisar de uma intervenção imediata. A solução para evitar mais chumbos? O responsável do Agrupamento de Escolas de Ferreira de Castro, em Ouressa, Sintra, juntou-os todos na turma de ensino vocacional na área da intervenção social e com isso criou no passado ano letivo o 8.º J. "Há dois anos, se estivessem aqui sozinhos, já tinham deitado isto tudo abaixo", lança António Castel-Branco quando encontra a turma reunida na biblioteca, no intervalo entre duas aulas.
Saúde, estética, cozinha, animação social - na turma, apenas uma das alunas admite que o próximo passo não vai passar pela formação profissional. São "diferentes" dos outros alunos do 9.º ano da Escola Básica de 2.º e 3.º Ciclos Ferreira de Castro porque puderam ter um currículo feito à medida dos interesses do grupo. É assim que se explicam as disciplinas de Oficina Criativa, Dinamização de Atividades Lúdico-Desportivas e de Promoção da Saúde.
Mas entrar na sala 4 é chegar a um universo paralelo. Na turma do 6.º J - criada este ano para reunir outros alunos com dificuldades - também há alunos de 14 e 15 anos. Fábio é o mais velho, já fez 17 - e pelo caminho já perdeu três anos em chumbos sucessivos. Na aula de Matemática estão duas professoras. Pschiiuuu. O esforço para manter a turma em silêncio é muitas vezes inglório. Enquanto uma passa os exercícios para o quadro ou explica a matéria, a outra percorre os corredores da sala para dar resposta aos pedidos de ajuda ou incentivar os alunos a terminar a tarefa. Mas quando ambas viram costas Fábio puxa imediatamente o telemóvel para ler a mensagem que entretanto chegou. É difícil manter a concentração e os exercícios de Matemática não ajudam. "Tentamos sempre dar um contexto prático aos exercícios para lhes facilitar a compreensão", explica uma das professoras, Odete Santos.
Numa das paredes laterais da sala está colado um cartaz de promoções de uma cadeia de supermercados. Os descontos daquela semana são alguns exemplos mais à mão para acompanhar a matéria do livro. Odete volta a insistir com Lisandro que acabe o exercício, sem sucesso. "Isto dá bué trabalho, stôra." Antes dos 14 já tinha desistido da escola e partido para outra aventura. É o problema do "contexto", diz o diretor. No caso de Lisandro, o "contexto" é cultural. A partir dos 12 ou 13 anos, as raparigas de etnia cigana viram a página e deixam a escola. Os rapazes aguentam mais um tempo, mas não muito. "O Lisandro já tinha desistido, para fazer os exames tinha de ir a assistente social da escola buscá-lo a casa porque ele esquecia-se", recorda António Castel-Branco. Voltar a sentá-lo numa sala foi uma vitória.
Noutros casos, o contexto é diferente: um estômago vazio até ao lanche da manhã, oferecido pela escola, ou a viagem dos pais para o estrangeiro, à procura da oportunidade de trabalho que não encontraram em Portugal, que os deixa a cargo da avó ou de um tio.
Os colegas mais novos da turma ainda só têm 13 anos, mas partilham todos uma característica: já ficaram retidos pelo menos uma vez. A escola faz tudo o que pode para os trazer de volta ao trilho certo. Às matérias habituais juntaram Jardinagem, Informática e módulos de pequenas reparações. "Estes alunos já tinham desistido" e aquela foi a forma de a escola os puxar para dentro do sistema.
Conseguir sentá-los numa sala de aula foi uma vitória da escola. Aos colegas do Luís, que agora estão no 9.º ano, essa intervenção permitiu-lhes acreditar em qualquer coisa que soe a sucesso profissional. E no último ano lançaram uma associação (Crescer Solidário) que já começou a ajudar famílias carenciadas da zona. Mas para os alunos do 6.º J o caso será diferente. "Quem quer fazer o exame no 7.º ano para continuar a escola normal?", arrisca perguntar o diretor. Algumas cabeças desviam o olhar e as mãos não saem de baixo da mesa.
Fonte: Jornal I
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