Etelvina, cabelos apanhados num carrapito, saia comprida, chega apressada, perto das 12h30, à Escola Básica do 1.º ciclo dos Templários, em Tomar. Há mais mães à espera à porta que as suas crianças saiam para o almoço. Mais nenhuma é de etnia cigana, para além dela. Às 12h30 o portão abre-se para vários alunos, incluindo Amélia Alexandre, Orquídea Rosa, mais umas quantas raparigas e um rapaz de cabelos cor de cenoura, todos muito alegres, entre os 8 e os 12 anos. Rodeiam Etelvina. É ela que vai “quase sempre” buscá-los, para os levar a todos para o acampamento ali perto, onde vivem.
Como estão as crianças a adaptar-se à turma só de meninos ciganos que no início deste ano foi criada nesta escola e tanta polémica deu? Etelvina responde de forma evasiva. “Estou cheia de pressa. Se quiser venha comigo.” E seguimos Etelvina e as crianças, todos em passo apressado, rua fora, até ao acampamento.
Orquídea Rosa, 12 anos, diz ofegante, enquanto caminha, que não gosta desta turma “só de ciganos” — quer dizer, agora já não é só de ciganos, porque há tempos deu entrada um rapaz que não é cigano, conta. Orquídea, que com a idade que tem devia estar no 2.º ciclo do ensino básico mas ainda não passou do 1.º, diz que continua a ter problemas “em ler, em escrever... e no Português”.
Preferia estar num grupo com mais “senhores”, diz — “senhores” é o nome que muitos ciganos dão aos não ciganos. Amélia, também com 12 anos, diz o mesmo. “Tudo junto, todos ciganos, é uma confusão.” Conta que tem mais dificuldade agora em acompanhar a aula do que dantes, quando estava com mais “senhores”. Mas porquê? Etelvina resume, despachada: “Todos juntos não prestam atenção a nada.”
O acampamento onde vivem é composto por uma série de barracas, feitas de materiais vários — madeira, zinco, plástico... Há estendais com roupa a esvoaçar e água a correr por carreiros estreitos, que rasgam a terra batida.
Joana Encarnação, 72 anos, diz que não sabe dizer se a neta Amélia se está a dar bem ou não com a nova turma, se aprende mais agora do que dantes. Diz que já não tem “muita cabeça” para pensar nestas coisas, apesar de às vezes ir à escola falar com a professora. Amélia sorri enquanto devora, com uma colher de sopa, arroz branco de uma tigela.
José Mendes, pai de Orlanda, uma menina de 8 anos, também aluna da “turma dos ciganos”, tem mais opinião: “A professora é boa”, começa por dizer. “Mas juntar uma turma só de ciganos não faz sentido. Vocês não sabem o que acontece quando se juntam só ciganos? Nada de bom.”
E continua: “Não estão a aprender nada. Já pensei em tirar de lá as minhas filhas.” Para as levar para onde? “Ficavam aqui no acampamento”, responde revoltado. Não é meigo nas palavras: vê nesta turma que junta crianças de diferentes idades e de diferentes anos de escolaridade um acto de “racismo”.
Turma vai acabar
Como estão as crianças a adaptar-se à turma só de meninos ciganos que no início deste ano foi criada nesta escola e tanta polémica deu? Etelvina responde de forma evasiva. “Estou cheia de pressa. Se quiser venha comigo.” E seguimos Etelvina e as crianças, todos em passo apressado, rua fora, até ao acampamento.
Orquídea Rosa, 12 anos, diz ofegante, enquanto caminha, que não gosta desta turma “só de ciganos” — quer dizer, agora já não é só de ciganos, porque há tempos deu entrada um rapaz que não é cigano, conta. Orquídea, que com a idade que tem devia estar no 2.º ciclo do ensino básico mas ainda não passou do 1.º, diz que continua a ter problemas “em ler, em escrever... e no Português”.
Preferia estar num grupo com mais “senhores”, diz — “senhores” é o nome que muitos ciganos dão aos não ciganos. Amélia, também com 12 anos, diz o mesmo. “Tudo junto, todos ciganos, é uma confusão.” Conta que tem mais dificuldade agora em acompanhar a aula do que dantes, quando estava com mais “senhores”. Mas porquê? Etelvina resume, despachada: “Todos juntos não prestam atenção a nada.”
O acampamento onde vivem é composto por uma série de barracas, feitas de materiais vários — madeira, zinco, plástico... Há estendais com roupa a esvoaçar e água a correr por carreiros estreitos, que rasgam a terra batida.
Joana Encarnação, 72 anos, diz que não sabe dizer se a neta Amélia se está a dar bem ou não com a nova turma, se aprende mais agora do que dantes. Diz que já não tem “muita cabeça” para pensar nestas coisas, apesar de às vezes ir à escola falar com a professora. Amélia sorri enquanto devora, com uma colher de sopa, arroz branco de uma tigela.
José Mendes, pai de Orlanda, uma menina de 8 anos, também aluna da “turma dos ciganos”, tem mais opinião: “A professora é boa”, começa por dizer. “Mas juntar uma turma só de ciganos não faz sentido. Vocês não sabem o que acontece quando se juntam só ciganos? Nada de bom.”
E continua: “Não estão a aprender nada. Já pensei em tirar de lá as minhas filhas.” Para as levar para onde? “Ficavam aqui no acampamento”, responde revoltado. Não é meigo nas palavras: vê nesta turma que junta crianças de diferentes idades e de diferentes anos de escolaridade um acto de “racismo”.
Turma vai acabar
Mas José Mendes não tirou as filhas da escola. “Não se registam situações de absentismo escolar neste momento”, informa, de resto, o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), (..).
“Os alunos que inicialmente integravam a referida turma têm vindo a ser, gradualmente, integrados noutras turmas da mesma escola; a referida turma não será mantida, prevendo-se que no início do próximo ano letivo não exista”, faz saber ainda o ACM.
Em suma: por um lado, o Alto Comissariado não reconhece a constituição da turma de alunos de etnia cigana de Tomar “como uma boa prática”. Por outro, explica que “as crianças abrangidas têm registado bons resultados e têm melhorado o seu comportamento em contexto de sala de aula”. Mais: “Está a ser feita uma aposta na abertura da escola aos encarregados de educação por forma a permitir um trabalho mais sistemático e estruturado.” (...)
As crianças “estão a melhorar”
No acampamento onde vivem algumas das famílias ciganas que têm filhos na turma especial, as crianças chamam os pais para falar (...): “A minha filha está pior”, garante um deles, Fernando Silva. “É isto que é integração?” — interroga-se José Mendes.
Até que Bruna Silva, 23 anos, uma jovem de voz firme, se junta ao círculo de debate improvisado entre as barracas. É cigana — “apesar de dizerem sempre que não pareço”. E começa: “Eu conheço muito bem a escola. Trabalho lá como auxiliar. Concordo que se tenha constituído essa turma. E as crianças estão a melhorar, sim. A Orquídea não lia e já lê.”
Orquídea sorri e abana a cabeça, que não, que não lê não senhora. “Lê sim, que eu já vi”, insiste Bruna. “Depois, a professora dedica-se bastante...”
“E eu não disse que a professora era boa?” — interrompe um dos pais.
“A professora é boa e com esta turma os miúdos têm mais carinho”, continua Bruna, assertiva.
O grupo de pais dispersa-se pelo acampamento. As crianças também. Orquídea vai assistir a tudo ao longe, da porta da barraca. Fica Bruna: “Os ciganos acham sempre que estão a ser rejeitados. Estão sempre de pé atrás. Mas estas crianças... muitas não sabiam ler ainda. Era justo ter crianças que não sabiam ler com outras que sabiam? Agora, a professora pode dar as matérias que estão para trás, percebe?”
Quando era criança, Bruna Silva andou na escola, em Coimbra, também numa turma só de crianças ciganas, conta. Não vê mal nisso. Diz que não a prejudicou. Fez o 9.º ano, anda a pensar voltar a estudar. Já tem dois filhos. O mais velho, de seis anos, “já junta as palavras”, diz com orgulho — frequenta outra escola que não a dos Templários que fica mais em caminho da casa da ama do mais pequeno, justifica. “Juntar as crianças numa turma não teve nada a ver com a etnia, teve a ver com as dificuldades que eles tinham”, remata.
Concluída a defesa da escola, Bruna despede-se, que tem que “ir trabalhar”.
Processo encerrado na provedoria
A separação de alunos por etnia tem sido polémica noutras ocasiões. Um relatório da comissão de Ética do Parlamento, de 2009, dava conta de que alguns estabelecimentos que ensaiaram experiências do género conseguiram “uma redução drástica do abandono escolar”. Mas há sempre dúvidas — ou não recomende o Ministério da Educação que a regra seja a de, na constituição das turmas, “ser respeitada a heterogeneidade das crianças e jovens”.
O processo aberto no seguimento de queixa enviada ao Provedor de Justiça por um representante da comunidade em Tomar foi encerrado em Dezembro. “O Provedor de Justiça efetuou diligências junto da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e do Agrupamento de Escolas Templários. Nestas foi indicado que o critério para a constituição da turma, não foi o de origem étnica, mas as situações de retenção”, informou também a assessoria de imprensa de José Francisco de Faria Costa, (...).
“O Provedor de Justiça foi informado que as aulas da turma estão a decorrer normalmente e de modo bastante satisfatório, com elevada assiduidade e confirmando as expectativas de sucesso referidas.”
O provedor diz, contudo, ter detetado “défice de comunicação com as famílias” e chama a atenção do agrupamento “para que, em casos similares, sejam promovidos atempadamente encontros com os pais e encarregados de educação”. (...)
O ACM garante que “tem sido possível trabalhar as competências das crianças envolvidas, através de um conjunto alargado de atividades promovidas pela escola e em articulação com o projeto Tomar o Rumo Certo”. Nem a escola nem o ACM concretizaram que tipo actividades são feitas com as crianças.
Radiografia de um agrupamento:
A Escola Básica do 1.º ciclo dos Templários faz parte, tal como outros 27 estabelecimentos de educação e ensino, do Agrupamento de Escolas Templários, em Tomar, que tem cerca de 3000 alunos desde o pré-escolar até ao secundário (o 1.º ciclo tem 781).
Cerca de um terço das crianças são beneficiárias da Ação Social Escolar. “Estes valores são aumentados pela realidade, considerando o número de alunos a quem são atribuídos outros auxílios”, lê-se num documento chamado projeto educativo 2014-2017 que consta do site do agrupamento.
“Esta realidade prenuncia dificuldades socioeconómicas que a escola não pode ignorar e que exigem, quando possível, medidas de apoio e acompanhamento dos alunos, e até das famílias, capazes de introduzir equilíbrio e igualdade, que assegurem as mesmas condições de desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”, acrescenta-se.
No 1.º ciclo de ensino básico a taxa de sucesso escolar situa-se nos 92%; é no 2º ano de escolaridade que os valores são mais baixos, 86%. “Reduzir o absentismo dos alunos de diferentes etnias/comunidades”, “melhorar o comportamento e disciplina” e “fomentar a relação Escola-Família” são alguns dos objetivos traçados no plano estratégico. Que define mesmo metas: reduzir em 5% “a taxa de absentismo de alunos de diferentes etnias/comunidades”.
Fonte: Público
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