Todos os anos chumbam em média 150 mil alunos do ensino básico e secundário. “Esta é talvez a situação mais grave do sistema de ensino em Portugal”, alertou nesta segunda-feira o presidente do Conselho Nacional da Educação (CNE), David Justino. O CNE aprovou esta segunda-feira uma recomendação com vista a sensibilizar os partidos políticos para a premência deste problema. Vários estudos nacionais e internacionais têm revelado que os alunos que ficam retidos têm mais probabilidades de voltar a chumbar. E também que esta prática conduz frequentemente ao abandono escolar.
Todos os 12 especialistas ouvidos pelo CNE, no âmbito da preparação do parecer aprovado nesta segunda-feira, consideraram que “a retenção é um problema” e sete deles reconheceram a “existência de uma cultura associada a este fenómeno”, com expressão na escola e na sociedade em geral. Este fenómeno já foi denunciado em anteriores relatórios do CNE e também da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Portugal é o terceiro país da União Europeia com maiores percentagens de chumbos. Em 2012, 34,3% dos alunos do básico e secundário tinham chumbado pelo menos um ano. A Bélgica e o Luxemburgo lideram esta lista (36,1% e 34,5%, respetivamente), enquanto em países como a Lituânia, Reino Unido, Islândia e Finlândia estas percentagens não chegam aos 4%. Já a Noruega apresenta uma taxa de retenção nula.
No relatório técnico que sustenta o parecer hoje aprovado descrevem-se algumas das medidas que estarão na base dos baixos níveis de chumbos registados nestes países. Por exemplo, os programas de recuperação que são adotados na Lituânia no final do ano letivo ou a decisão de progressão automática no decorrer da escolaridade obrigatória, em vigor no Reino Unido, Islândia e Noruega. Neste documento lembra-se, a propósito, uma das conclusões apontadas no último relatório da rede Eurydice sobre a retenção escolar, datado de 2011: “A grande variação de taxas de retenção entre os países europeus não está apenas relacionada com a legislação em vigor, pois a prática de reter os alunos também parece estar incorporada numa ‘cultura’ de retenção e na crença comum de que a repetição de um ano é benéfica para a aprendizagem dos alunos.”
Portugal é apontado como um dos países em que esta crença persiste. No ano letivo de 2012/2013, o último com dados, cerca de 13% dos alunos portugueses chumbaram. No básico, a taxa de retenção e desistência foi de 10,8%; no secundário subiu para 19%.
O relatório do CNE confirma, por outro lado, o alerta já constante na última edição do Estado da Educação, divulgada no ano passado por este organismo consultivo da Assembleia da República e do Governo: depois de uma melhoria durante a primeira década deste século, os chumbos voltaram a aumentar no ensino básico, em todos os anos de escolaridade, a partir de 2011.
Entre os maiores aumentos destacam-se os registados no 6.º ano de escolaridade, onde a taxa de retenção duplicou, passando de 7,4% em 2011 para 14,8% em 2013; no 9.º ano passou de 13,8% para 17,7%; e no 7.º ano subiu de 15,4% para 16,5%. Para os especialistas ouvidos pelo CNE, a este aumento dos chumbos não é alheia a extensão dos exames nacionais ao 4.º e 6.º ano de escolaridade.
No mesmo período registou-se um ligeiro decréscimo de chumbos no secundário, com a taxa de retenção a passar de 20,8% para 19%. Em todos os ciclos de escolaridade, as taxas de retenção são substancialmente mais reduzidas no ensino privado do que no público.
Para os especialistas ouvidos pelo CNE, as principais razões apontadas para o elevado número de chumbos prendem-se com o impacto dos exames e a “crença que nem todos conseguem”. Quanto a alternativas, quase metade considera não ser necessária nova legislação, já que a existente “explicita que a retenção é uma medida excecional”. O diagnóstico precoce das dificuldades, logo a partir do pré-escolar, foi a solução mais apontada, seguindo-se-lhe “a aposta em parcerias com as famílias, autarquias e restante sociedade civil; os projetos vocacionados para o sucesso educativo; o trabalho colaborativo entre docentes/coadjuvação; e a formação de professores”.
Foram ouvidos pelo CNE os diretores dos agrupamentos de escolas de Arraiolos, Carcavelos, Proença-a-Nova, Moimenta da Beira, Ponte de Sor e Dr. Azevedo Neves (Amadora). Também participaram os responsáveis pelo programas EPIS e Fénix, de combate ao insucesso escolar, investigadores das universidades de Coimbra e Évora e representantes da Direção-Geral da Educação e da Inspeção-Geral da Educação e Ciência.
Num parecer sobre a educação dos 0 aos 12 anos, o Conselho Nacional da Educação assumiu, há dois anos, que “o problema das repetições assume, em Portugal, proporções catastróficas”. Portugal é dos poucos países da Europa “que não conseguem apoiar de modo eficaz os seus alunos, penalizando-os pela ineficácia do sistema”, concluiu.
Fonte: Público
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