O estudo explora “episódios de vergonha vividos na infância e na adolescência e em que medida passaram a funcionar como memórias traumáticas e autobiográficas, condicionando a sua identidade"
Um estudo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FCEPUC) revela que as “experiências de vergonha na infância e na adolescência” afetam a saúde mental e bem-estar em adulto.
“Indivíduos, cujas experiências de vergonha na infância e na adolescência funcionam como memórias traumáticas e se tornam centrais para a sua identidade e história de vida, estão mais propensos a desenvolver psicopatologia (sofrimento psicológico e emocional) na idade adulta”, afirma, numa nota hoje divulgada, a Universidade de Coimbra (UC).
Realizada ao longo dos últimos cinco anos, esta investigação – “Memórias da vergonha que moldam quem somos” – é a primeira, a nível internacional, sobre “a fenomenologia das experiências e memórias de vergonha (as suas componentes emocionais, cognitivas e comportamentais)”, salienta a mesma nota.
O estudo explora “episódios de vergonha vividos na infância e na adolescência e em que medida passaram a funcionar como memórias traumáticas e autobiográficas, condicionando a sua identidade, comportamento e saúde mental na idade adulta”, refere a UC.
“Fundamental para regular as nossas relações sociais e para a formação da nossa identidade”, a vergonha “ainda é uma emoção menosprezada”, mas esta investigação da FPCEUC evidencia como a “vergonha pode ser uma experiência bastante dolorosa, intensa e com um impacto nocivo” na forma como as pessoas se veem e no seu bem-estar.
“Verificámos que as experiências de vergonha, vividas na infância e na adolescência, operam como memórias traumáticas, influenciam a construção da identidade dos indivíduos (por exemplo verem-se como pessoas inferiores, desvalorizadas, falhadas, etc.) e contribuem para o surgimento de sintomas de psicopatologia, como depressão, ansiedade, stresse, ideação paranoide ou ansiedade social, na idade adulta”, sublinha Marcela Matos, que desenvolveu a sua tese de doutoramento no âmbito deste projeto.
As conclusões da pesquisa, que envolveu três mil entrevistas, junto da população geral, e 120 em pacientes com diagnósticos diversos (depressão, perturbações ansiosas, do comportamento alimentar e da personalidade, entre outros), alertam para a necessidade de intervenção clínica, não só na vergonha, mas também nas memórias da vergonha.
“Os clínicos devem estar mais atentos a esta emoção e ao seu papel na sintomatologia do doente”, sustenta a investigadora do Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental da UC.
“A vergonha é uma emoção transdiagnóstica e se não for detetada e tratada atempadamente pode não só funcionar como um obstáculo à terapia, mas também estar associada a vários sintomas de psicopatologia e levar à autodestruição”, adverte Marcela Matos.
É igualmente necessário, acrescenta e especialista, “apostar na adoção de medidas de prevenção na infância e na adolescência, nomeadamente junto dos agentes educativos”.
No estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e orientado pelos professores José Pinto Gouveia, da UC, e Paul Gilbert, da Mental Health Research Unit (Reino Unido), as memórias de vergonha mais traumáticas referidas pelos entrevistados são “experiências de abuso físico, abuso sexual, negligência emocional, crítica e desvalorização, comentários negativos sobre o corpo, ‘bullying’ e a comparações negativas com outros”, como, por exemplo, irmãos.
In: Jornal I
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