quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Os devoristas

(...) A proposta de orçamento para 2014 prevê uma redução de 969 milhões de euros com funcionários públicos. Metade desse corte (565 milhões) será feito com a redução da despesa do pessoal do ensino não superior (redução de salários e diminuição de efetivos). A verba consignada à educação pré-escolar sofre um corte de 67,5 milhões de euros. Significativamente, as transferências previstas para o ensino privado não só não sofrem qualquer corte como crescem dois milhões de euros, totalizando 240 milhões. Globalmente, estamos perante um corte de 8% face ao ano transacto, altura em que atingimos o menor esforço com a educação, em relação ao PIB, em 39 anos de democracia. Passos Coelho e Nuno Crato julgam-se predestinados como tiranos, sem noção do mal que semeiam. Em dois anos de subserviência ao estrangeiro, aproveitando um conformismo que se banalizou, traçaram uma linha de costa que divide o país em dois: um litoral, concentracionário, e outro interior, desertificado. Tal linha virtual permitiu a metáfora recorrente: quando o Governo invoca melhoria da eficiência e aproveitamento de recursos, sabemos que se refere ao encerramento de milhares de escolas e ao despedimento de 38.000 professores. E se já era problema grande a desigualdade que caracterizava o sistema, agora ganhou foros de escândalo. Com efeito, enquanto crescem as transferências do dinheiro público para o ensino privado, diminuem drasticamente as verbas para o ensino público. Enquanto aumenta a autonomia do ensino privado, diminui a autonomia das escolas públicas. A capacidade de decisão das escolas públicas para criarem cursos profissionais e os recursos inerentes foram fortemente cerceados, enquanto o sentido inverso nos estabelecimentos particulares se tornou diariamente patente na folha oficial da República. Os apoios, não importa de que índole, disponibilizados para combater o insucesso e o abandono precoce do ensino público desapareceram. As crianças com necessidades educativas especiais foram, sem qualquer réstia de pudor, consideradas meros apêndices administrativos e liminarmente segregadas das turmas do ensino regular. A falácia do ensino dual reconduziu-nos à escola do Estado Novo: curta e pobre para os pobres, rica e financiada pelos impostos de todos para as famílias privilegiadas.
Santana Castilho
In "Público" de 23.10.13, via FB

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