Há dois anos, quando recebi pela primeira vez uma turma de 5.º ano com dois meninos autistas, fiquei em pânico. Não sabia as características deles nem como trabalhar com eles. No entanto, não foi um trabalho sem rede. Foi sempre feito em colaboração com as professoras da educação especial. Confesso que aprendi muito e hoje sinto-me mais completa como professora e como pessoa e completamente apaixonada pela turma, da qual já tive que me despedir, com grande tristeza.
Quando uma turma contém diferenças, ela é muito mais rica em oportunidades de aprendizagem. As diferenças podem ser variadas: diferentes níveis de conhecimento, diferentes nacionalidades (com a existência de imigrantes, por exemplo), diversas necessidades educativas especiais, entre as quais o autismo.
Aprender a conviver com a diferença e a saber resolver situações problemáticas que podem surgir prepara melhor os alunos para a vida. Vou dar alguns exemplos reais da vivência desta turma.
O primeiro mostra como, ao contrário do que, às vezes, se pensa, as aprendizagens académicas numa turma tão heterogénea podem ser mais ricas. Esta turma fez um resumo de uma história para passar para a linguagem SPC (a linguagem escrita usada pelos autistas), para ser lida pelos colegas autistas numa festa. O resumo, uma tarefa já de si complexa, torna-se mais difícil quando tem como objetivo escrever uma história para autistas, porque tem de respeitar as características de um resumo normal e também as características próprias da forma de compreender e comunicar dos autistas. A escolha das palavras torna-se mais importante. A construção das frases requer cuidados específicos. Além disso, é preciso pormo-nos no lugar dos meninos autistas e tentar pensar como eles.
Outros exemplos podem ser apontados. Todos os meninos da turma compreenderam, na prática, como a disciplina e a organização são mesmo importantes porque, se não as respeitassem, os seus colegas autistas ficavam muito nervosos. Aprenderam também a ser tolerantes e a perderem preconceitos. Por exemplo, um dos meninos autistas gostava muito de cumprimentar toda a gente com beijos e às vezes queria cumprimentar os rapazes dessa forma. Eles sabiam que deviam ensiná-lo a cumprimentar de outro modo, mas também eram capazes de aceitar esse cumprimento sem preconceitos.
Termino dizendo que em toda a minha já longa carreira, esta turma se destacou pela solidariedade e pela consistência de valores muito bem adquiridos. E isso traduziu-se também em ganhos académicos, porque havia uma grande interajuda. E quando um menino com mais facilidade numa disciplina ajuda outro que tem mais dificuldade, ambos aprendem, porque quando alguém procura uma maneira de tornar a matéria mais clara para um colega, acaba por a compreender ainda melhor.
Acrescento ainda que tenho a certeza de que todos os alunos não irão nunca esquecer a sua experiência nesta turma, da qual saíram, certamente, mais ricos. Devido à heterogeneidade da turma e à inclusão dos colegas autistas, tiveram a oportunidade de realizar aprendizagens académicas e sociais com um grau de complexidade maior, que, seguramente, contribuíram para abrir novas e diferentes perspetivas e para sedimentar conhecimentos e valores, que lhes darão uma melhor preparação para a realidade complexa do mundo de hoje.
Também eu não esquecerei estes dois anos em que as nossas vidas se cruzaram e em que, uma vez mais, a turma foi um grupo de pertença de alunos, famílias e professores, na qual aprender, ensinar, rir, chorar, ajudar, partilhar, sentir, viver, foram verbos que rimaram numa existência real e construída em conjunto.
In: Educare
Sem comentários:
Enviar um comentário