A premência de assegurar uma educação que seja realmente “para todos” colocou em cheque a possibilidade de educar só alguns e rejeitar – pelo insucesso ou pelo abandono forçado – muitos dos outros. Hoje parece-nos quase incompreensível como é que, por exemplo, a cidade do Porto tivesse apenas há 50 anos atrás só dois liceus masculinos, dois femininos e umas poucas de escolas técnicas.
A massificação do ensino – termo que eu não gosto por me lembrar mais a construção civil do que a formação humana – isto é, o acesso de uma educação realmente básica para toda população, trouxe consigo, para além de outros, o problema de responder à diversidade. Hoje, é sabido que as escolas têm de lidar com uma grande heterogeneidade e isso configura-se como um problema. Problema porque os alunos que teriam um acesso muito restrito à escola se mantêm nela por muito mais tempo. Assim as diferenças entre cada um dos alunos são agora muito mais presentes e permanentes na escola e isso cria problemas inéditos e que frequentemente a escola tem dificuldade em resolver.
A minha pergunta é: como podem os sistemas educativos responder a esta exuberante diversidade de culturas, de conhecimentos, de ritmo de aprendizagem, de apoio familiar, de premência de suportes e de apoios para a aprendizagem, etc.? A resposta parece apontar para duas vias que se podem tornar complexas mas que são na sua raiz simples e claras: a) ou se criam vias educativas alternativas ou b) se desenvolvem apoios para vias unificadas. Vamos discutir brevemente uma e outra.
Criar vias alternativas significa que se reconhecem nos alunos – ainda precocemente – um conjunto de competências que aconselham desde logo currículos separados que eventualmente melhor servem o desenvolvimento das suas capacidades. A ideia não parece má, mas existem várias objeções poderosas a este pensamento aparentemente tão benigno. Uma destas objeções prende-se com o facto destes julgamentos sobre o encaminhamento destes alunos para um ou outro percurso escolar ser feito muito precocemente. Sendo feito precocemente pode ser injusto por não levar em conta todas as potencialidades do aluno (desafio o leitor a pensar no seu próprio caso, isto é, que diferente seria a sua vida se, por exemplo, aos 13 anos lhe fosse delineado o seu percurso escolar). Por outro lado sabemos que apesar de tudo o que é dito, a possibilidade de reverter as opções que são feitas nestas vias alternativas, são muito restritas: a percentagem de alunos que consegue “sair dos carris” em que foi colocado é muito diminuta. Até porque o aluno tende a assimilar o comportamento que pensa que dele se espera. Uma terceira objeção é a qualidade das vias alternativas. É sabido que a qualidade das escolas, dos professores, dos recursos e sobretudo das expectativas nestas vias alternativas é muito diferente. Desta forma, não se trata só de um ensino diferente mas sim de um ensino claramente pior. E isto fere gravemente a equidade e a qualidade que todos os sistemas educativos pretendem atingir.
A outra via é desenvolver um sistema unificado de ensino – semelhante ao que atualmente vigora nas nossas escolas – respondendo à diversidade através de um conjunto de serviços que permitam diversificar a oferta formativa. Este modelo evidencia vantagens claras: permite o desenvolvimento de comunidades de aprendizagem mais representativas da heterogeneidade social e encoraja a promoção de culturas mais abertas à diferença, à negociação e à solidariedade. Mas existem igualmente problemas neste modelo. Se a escola não mudar os seus métodos de ensino e os seus modelos de aprendizagem para acolher toda esta “nova” diferença, invalida este modelo unificado porque se alunos diferentes forem ensinados como se fossem iguais, isto hipoteca a possibilidade de sucesso. Por outro lado, a carência de recursos – indispensáveis para o apoio e para a diversificação do currículo – pode inviabilizar um sistema que, se procura manter uma cultura comum, também busca o respeito pela diferença e pela identidade cultural e de percursos de aprendizagem.
É muito importante refletir sobre as causas pelas quais o modelo do sistema unificado de ensino parece estar atualmente cada vez mais fragilizado. É claro que, se as escolas não forem eficazmente apoiadas para diferenciar o currículo e para criar sistemas efetivos de apoio aos alunos, poderá haver a tentação de dizer que o problema está no facto de o ensino ser unificado. Mas o tiro falha o alvo: é preciso visar não o modelo unificado mas as cada vez mais estranguladas condições que lhe são dadas para ele poder ser bem-sucedido.
David Rodrigues
Professor Universitário e presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.
In: Público
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