quinta-feira, 27 de março de 2014

BULLYING: COMO IDENTIFICAR OS SINAIS?

Não é novidade, mas nunca é de mais lembrar: o bullying já não é só a violência física e psicológica continuada. Agora, manifesta-se também sob a forma de e-mails e sms. E quanto mais cedo os pais e os professores identificarem os sinais, melhor. O PortalBullying pode dar uma ajuda.

[Entrevista a Tânia Paias, psicóloga, que tem como área de investigação as atitudes dos jovens face à violência em contexto escolar, o que a levou a criar o PortalBullying, de que é diretora. Tem uma pós-graduação em Neuropsicologia, mestrado em Saúde Escolar e está a terminar o doutoramento em Ciências Forenses. É autora de Tenho Medo de Ir à Escola (ed. Esfera dos Livros).]

Acaba de publicar o livro Tenho Medo de Ir à Escola [ed. Esfera dos Livros], sobre bullying, e criou um portal sobre o mesmo tema (www.portalbullying.com.pt). Este é um fenó­meno novo?
_Não, na sociedade sempre houve intimi­dadores sociais, agora é que falamos mais sobre estas questões e as modalidades de perpetuação são distintas.

Quando criou o portal, achou que jovens, pais e professores estavam pouco informados?
_A ideia de criar o portal surgiu da mi­nha prática clínica com jovens vítimas de bullying. O denominador comum nestes jo­vens era (e é) o medo, e igualmente a von­tade de denunciar, mas está encapsula­da pelo receio de se tornar pior, ou de não serem capazes de se sair bem. Portanto, criar uma ferramenta com base nas novas tecnologias, através da qual os jovens pu­dessem esclarecer-se, quer pelos conteú­dos disponíveis quer por um fórum (espa­ço público), quer via chat (espaço privado), começou a fazer todo o sentido para mim. Destina-se principalmente aos jovens, e aos pais, mas efetivamente destina-se à comunidade em geral.

Que tipo de ajuda as pessoas encontram no livro e no portal?
_O livro pretende ser um guia para pais e educadores, no sentido de identificarem os sinais debullying e de cyberbullying. O portal, para além de esclarecer dúvi­das, oferece um espaço público [fórum] de «autoajuda», onde as pessoas dão o seu testemunho e ajudam outras, através das suas experiências, a perceber o que se es­tá a passar, como se sentiram e o que po­dem fazer. Existe ainda um espaço priva­do [chat] que esclarece as pessoas nas suas dúvidas específicas. Sempre que o chat es­tá online, a resposta é imediata, mas como este portal não possui qualquer financiamento e não temos capacidade para con­tratar colegas, quando não é possível estar online (dependendo das horas vagas de que disponho), as questões colocadas são en­viadas para o meu e-mail.

As vítimas geralmente não contam a ninguém que são alvo de agressões continuadas, o que agrava a situação. Por que razão o bullying não deve ser silenciado?
_Pelo simples facto de que ninguém deve sofrer em silêncio nem deve permitir que a sua liberdade lhe seja retirada.

Sentem vergonha das agressões?
_Sentem. Pela sua impotência, pelo facto de não se sentir capaz de agir, de ripostar, de parar com aquela constante humilhação. Não nos esqueçamos de que estas idades são decisivas no que concerne à aceitação dos pares, à necessidade de afirmação, de se ser bem visto, de ser popular, de possuir caraterísticas de que os outros gostem.

Segundo dados recolhidos em Portugal, no âmbito do estudo Health Behaviour in School-aged Children [HBSC], da Organi­zação Mundial de Saúde [OMS], e no qual foram entrevistados 6131 jovens, 40 por cento dos estudantes já se tinham envolvi­do em ações de bullying, tanto no papel de vítima como no de agressor. Chocou-a esta percentagem?
_Chocou, é uma percentagem alta. De res­to, também me surpreendeu o resultado de uma investigação levada a cabo por mim, numa amostra de 900 alunos, em que foi possível aferir que a percentagem entre os que maltrataram e os que se sentiram mal­tratados algumas vezes durante um ano le­tivo varia entre 34 e 38 por cento.

O que pode estar por detrás das condutas vio­lentas na escola? Podem ser manifestações de quê?
_A violência, ou a propensão para ser vio­lento, é algo inerente à condição humana, e a verdade é que no espaço escolar, onde se encontram diversas realidades sociais, faixas etárias distintas, é natural que ha­ja conflito, divergência. É por esta altura que os jovens são atraídos por muitos es­tímulos externos, são permeáveis às mar­cas, pouco tolerantes com a diferença, têm dificuldade em flexibilizar o pensamento, em se colocarem no lugar do outro, ficando assim o caminho aberto para as condutas mais violentas. Agora, o mau ambiente familiar, o desajuste social, o sentimento de rejeição e a necessidade de chamar a atenção ampliam em grande escala estas condutas, potenciando que as divergências inerentes à fase em que se encontram assumam outras proporções. Também não nos devemos esquecer de que o temperamento (a personalidade) dos jovens irá determinar em grande escala uma maior ou menor adequação à resolução destas situações.

Qual é o perfil da vítima de bullying?
_Ainda que qualquer criança/jovem possa estar no papel de vítima/agressor/espetador, podemos considerar alguns sinais de uma maior tipificação: crianças mais tímidas, inseguras, com baixa autoestima, ansiedade, introversão.

E do agressor?
_Não respeita o espaço dos outros, possui uma conduta muito agressiva, o grupo e o tipo de interesses que desenvolve continuadamente atentam a liberdade dos outros.

O que se passa na cabeça de um e de outro?
_Ambos possuem desajustes relativa­mente à agressividade. Se por um lado o agressor necessita deste tipo de condu­ta para se sentir superior aos outros, na maioria dos casos para esconder os seus próprios sentimentos de solidão, tristeza, a vítima engendra todo o tipo de ação pa­ra fazer face a estas situações, mas o me­do faz que não se sinta capaz de colocar em prática aquilo que quer fazer. Instala-se assim uma espiral descendente com sen­timentos de incapacidade, raiva, revolta para consigo mesmo (e para com os outros também), vergonha, etc.

Com base naquelas caraterísticas pessoais, é possível os pais saberem se têm filhos potencialmente vítimas ou potencialmente agressores?
_É possível aos pais, se estiverem atentos ao estilo de convivência dos filhos, à sua propensão natural para lidar com as cir­cunstâncias e ao ambiente em que estes circulam, aperceberem-se de algumas ca­raterísticas que jogam um papel decisivo numa e noutra conduta.

A partir de que idade [dos filhos] os pais de­vem preocupar-se?
_Se é verdade que existe uma idade mais complexa (11/15 anos) e uma tipificação maior dos comportamentos, também te­nho tido conhecimento de situações que envolvem a dinâmica dobullying já no pré-escolar. Portanto, se sabemos que em anos mais tardios devemos vigiar os com­portamentos, não devemos esquecer-nos de que estes primeiros anos escolares ser­virão como sinais de alerta para o tipo de relacionamento entre pares.

E como é que os pais podem ajudar os filhos, num caso e no outro?
_No caso das vítimas, devem auxiliar na restituição da capacidade de resposta e is­to faz-se pensando com eles, ensinando-os a procurar alternativas, a ensaiar res­postas, atitudes, formas de estar e de se relacionar com os outros. Ajudá-los a in­tegrarem-se novamente, isto porque a ví­tima acaba por se sentir excluída dos gru­pos. Quanto aos agressores, é necessário fazer-lhes perceber que existem certos ti­pos de comportamentos que são inaceitá­veis, devem desenvolver a sua capacida­de de se colocar no lugar do outro, traba­lhar as competências sociais, a empatia. É importante canalizar a componente mais agressiva para meios mais saudáveis, como o desporto por exemplo.

E qual o papel da escola? Castigar ou colocar à disposição das vítimas e dos agressores um terapeuta, por exemplo?
_A escola deve responsabilizar, porque o mais importante nestas situações é que estes jovens compreendam a repercussão dos seus atos e isso faz-se implicando-os na resolução dos mesmos. Mas também é necessário acompanhar estes jovens com apoio especializado: no caso das vítimas é necessário ensinar-lo a defender-se, resti­tuir a sua capacidade de resposta e autoes­tima; no caso dos agressores é necessário trabalhar a agressividade, as condutas de base, a forma como se relacionam consigo mesmos e com os outros.

In: Notícias Magazine por indicação de Livresco

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