Em quatro secundárias do país, os alunos foram desafiados a refletir sobre os aspectos positivos e negativos da escola. O resultado é um conjunto de filmes que foi exibido a 5 de março na Fundação Calouste Gulbenkian e nos quais eles falam de tudo, sem medos.
Querem menos horas de aulas, mais árvores. A comida na cantina às vezes está salgada, outras vezes falta sal. Querem música, uma rádio, acesso livre à Internet, contestam o facto de só os professores terem a palavra-passe. Estas são apenas algumas das reivindicações de alunos de quatro escolas do país que fazem parte de um conjunto de oito filmes exibido a 5 de março na Fundação Calouste Gulbenkian.
O desafio, feito a alunos do 10º e 11º ano de quatro secundárias do país – em Mondim de Basto, Óbidos, Vilela, e Vila Nova da Barquinha -, consistiu em identificarem os pontos positivos e negativos da escola e, através dessa reflexão, fazerem um filme. Em cada escola constituíram-se dois grupos: um que construiria um ponto de vista sobre o lado positivo; outro acerca do negativo.
Nos filmes há momentos encenados, como as manifestações, mas também há alturas em que eles se esquecem da câmara. Há uma aluna que chora ao mesmo tempo que diz que “gostava de ter uma vida mesmo muito maluca”: “Viajar por todos os sítios, conhecer culturas diferentes”. Faz parte de um grupo de jovens de um curso tecnológico, que estuda fotografia. Queixam-se de que o ambiente da escola não é bom, mesmo entre colegas: “Vejo no olhar das pessoas, aquele olhar de gozo, apontar mesmo, é um bocado mau isso”. Outra colega conta que, se pudesse, mudava o “relacionamento entre professores e alunos”: “Eu sinto muito aqui, principalmente na cantina, sinto um bocado diferença entre alunos e professores. Porque às vezes há filas enormes, os alunos estão ali há muito tempo à espera e os professores chegam lá e almoçam à hora que chegam. E se eles dão aulas, nós também temos aulas. Aliás, sempre me ensinaram que o respeito e mostrar que estou certo vem sempre de cima”.
É uma reflexão sobre a escola, feita por adolescentes. Tem transgressão, tensões: “Quisemos passar a barreira do politicamente correcto”, conta a realizadora Filipa Reis, uma das coordenadoras do projeto Operação Stop, desenvolvido pelo DESCOBRIR – Programa Gulbenkian Educação para a Cultura e Ciência, em parceria com as escolas e com as autarquias de Mondim de Basto, Óbidos, Paredes e Vila Nova da Barquinha.
Literacia visual
Nos vídeos também há momentos em que os jovens elogiam a escola porque é nela que compartilham os “melhores momentos”, porque aprendem, porque os prepara “para o futuro”. Eles encenam manifestações, entrevistas. Gritam: “Queremos comer! Queremos comer! Nós temos fome, queremos comer!” Queixam-se da comida: “Falta-lhe sal sempre!”. O calor nas salas sufoca-os: “Falta ar condicionado. Eu morro de calor! Os meus olhos até choram por eu estar ali cheio de calor”. Há ainda um momento em que uma das alunas faz de funcionária da escola e impede a saída de jovens quando estas dizem que vão ter aulas de teatro. “Quero a confirmação disso”, diz-lhes. “São ordens do conselho diretivo”, frisa. Mas quando duas miúdas dizem que “vão fumar uma ganza”, deixa-as passar.
As oficinas de vídeo, que duraram uma semana, foram orientadas por Filipa Reis e João Miller Guerra, realizadores dos documentários Li Ké Terra e Bela Vista, e também pela actriz e encenadora Maria Gil. A diretora do programa Gulbenkian Educação para a Cultura e Ciência, Maria de Assis, salienta que o objetivo foi também dar aos alunos mais conhecimentos sobre os processos ligados à construção de um vídeo e à leitura de imagens. Admite, porém, que o tema da escola se tornou “tão importante” que acabou por se sobrepor à questão da “literacia visual”.
Mas o projeto teve frutos: houve casos em que os alunos constituíram uma associação de estudantes e outros em que, como em Vila Nova da Barquinha, conseguiram acesso à Internet. “Nós vamos lá fazer uma explosão e depois vimo-nos embora”, brinca Filipa Reis. O professor de Matemática de Vila Nova da Barquinha, Paulo Tavares, não tem dúvidas de que o processo foi “enriquecedor em termos formativos”: “Até para tomarem consciência de que, para conseguirem algo, têm de dizer o que não está bem. Isso dá-lhes uma consciência crítica e construtiva maior”.
Pedro Rodrigues, de 16 anos, escolheu o grupo do “não”, o dos pontos negativos. Justifica que tanto o pai como a mãe trabalham na escola e que, por isso, sempre esteve muito ligado ao “lado bom”. “No lado bom já está tudo bem, é no lado mau que podemos melhorar a escola, e eu gosto de mudança”, acrescenta. No caso desta escola do Agrupamento Josefa de Óbidos, depois da semana das oficinas, os alunos decidiram que devia haver uma Associação de Estudantes. Organizaram-se em listas e marcaram eleições. Pedro Rodrigues é agora o presidente.
In: Público por indicação de Livresco
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