terça-feira, 11 de março de 2014

O currículo específico individual e as provas finais de ciclo e os exames

O documento "NORMA para Aplicação de Condições Especiais de Realização de Provas e Exames JNE/2014" contém algumas informações sobre a medida de currículo específico individual, designadamente algumas implicações decorrentes da sua aplicação.


Os alunos que frequentam um currículo específico individual, ao abrigo do art.º 21.º do Decreto‐Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, não realizam provas finais de ciclo do ensino básico nem exames finais nacionais do ensino secundário, no âmbito do seu currículo específico individual.

Estes alunos não realizam provas de exame de âmbito nacional nem provas a nível de escola e não estão sujeitos ao processo de avaliação e de transição de ano escolar característico do currículo comum, uma vez que apenas frequentam um currículo funcional, centrado nos contextos de vida, promotor do desenvolvimento de competências pessoais, sociais, e, sempre que possível, ligadas à inserção no mercado de trabalho, consignados num Plano Individual de Transição, de acordo com os artigos 14.º e 21.º do Decreto‐Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro.

Os alunos que frequentaram um currículo específico individual no ensino básico podem prosseguir o seu currículo específico individual ao abrigo do disposto nos artigos 14.º e 21.º do Decreto‐Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro. Falta mencionar, não sei se propositadamente, que o prosseguimento de estudos no ensino secundário se processa segundo a Portaria n.º 275-A/2012, de 11 de setembro, uma vez que esta se aplica aos alunos com necessidades educativas especiais que frequentaram o ensino básico com currículo específico individual.

Aos alunos que frequentam um currículo específico individual será emitido um certificado para efeitos de admissão no mercado de trabalho. Teoricamente, este aspeto é relevante. No entanto, na prática, tenho dúvidas que o certificado tenha o reconhecimento desejável.

Um currículo funcional deve responder às reais necessidades educativas especiais de um aluno com limitações graves do domínio cognitivo, que não consegue adquirir os mesmos conteúdos programáticos que os seus pares, tendo em conta todos os contextos em que decorre a sua vida: casa, escola e comunidade, ou seja, é um currículo centrado nas aprendizagens funcionais que um aluno deve saber fazer para funcionar em ambientes diversos.

Assim, um currículo específico individual implica obrigatoriamente a redução e eliminação de conteúdos programáticos estabelecidos para cada disciplina, sendo estes substituídos por conteúdos específicos, atividades e estratégias que permitam ao aluno adquirir conhecimentos para desenvolver competências funcionais que lhe proporcione uma vida autónoma e independente, bem como uma integração social e profissional com sucesso. Parece-me que falta acrescentar que podem ser eliminadas disciplinas e ou substituídas por outras áreas que não façam parte do currículo regular.

A aplicação inadequada e imponderada de currículos específicos individuais a alunos que não tenham limitações do domínio cognitivo, implica consequências graves e muito limitativas do seu percurso escolar e compromete as expectativas para o seu progresso educativo, social e profissional. De facto, esta é a realidade nem sempre tida em conta aquando da proposta da medida para um aluno. No entanto, existe uma lacuna grande entre as restantes medidas e a de currículo específico individual. Penso que deveria existir uma medida intermédia que permitisse gerir e flexibilizar o currículo, adaptando-o ao aluno e, simultaneamente, dando-lhe possibilidades de poder continuar o seu percurso escolar regular. Por outro lado, a rede escolar deveria ter em conta os contextos e as especificidades locais, designadamente na exigência e na imposição de um número mínimo de alunos para poder funcionar um CEF ou um curso de ensino vocacional. 

Esta medida educativa deve ser aplicada de forma muito residual e criteriosa, exigindo uma avaliação rigorosa do aluno que apresenta limitações graves do domínio cognitivo, considerando que apenas conduz à obtenção de um certificado de competências adquiridas para efeitos de admissão no mercado de trabalho. Assim, se for aplicado indevidamente um currículo específico individual a um aluno que tenha capacidades de aprendizagem e de aquisição dos conteúdos programáticos do currículo comum, está‐se a prejudicar, de forma inadmissível, o percurso de vida de um jovem, que muito dificilmente conseguirá retomar as aprendizagens do currículo comum. No seguimento do comentário anterior, que fazer perante um aluno que tem capacidade de aprendizagem mas não consegue acompanhar o currículo regular? 

4 comentários:

maisumentremuitos disse...

"(...) que fazer perante um aluno que tem capacidade de aprendizagem mas não consegue acompanhar o currículo regular?"

Esta é uma das questões que urge esclarecer a bem dos nossos alunos.

Muito bom texto, um bem haja João

ana disse...

Obrigada por esta reflexão.
Obrigada pelos comentários.
Tenho uma filha que tem CEI (e se calhar foi uma má opção ....) e no próximo ano terá que ir para o secundário e não faço a minimia ideia como está a ser aplicada a Portaria nas escolas.
Mais uma vez obrigada

Ana Luísa

Anónimo disse...

Boa noite,

Antes de mais muito obrigada por todo o trabalho que tem feito.
Gostaria de colocar uma questão: Segundo as normas do JNE um aluno com dislexia, hiperatividade, entre outros pode usufruir de condições especiais de avaliação no exame nacional, sem que para isso esteja ao abrigo do dec.3/2008, posto isto qual a diferença, prática, de um aluno com dislexia que tenha um PEI e outro que não?
Muito obrigada

João Adelino Santos disse...

"Anónimo"
Os alunos com dislexia, para poderem beneficiar de condições de realização têm de estar ao abrigo do Decreto-Lei n.º 3/2008. Veja a questão n.º 25.
"Para efeitos de não penalização na classificação das provas finais de ciclo do ensino básico ou exames finais nacionais do ensino secundário, pode ser aplicada a Ficha A, emitida pelo JNE, “Apoio para classificação de provas de exame nos casos de dislexia”, nas provas e exames realizados pelos alunos com dislexia diagnosticada e confirmada no 1.º ciclo ou até ao final do 2.º ciclo do ensino básico, desde que:
a) Os alunos do 4.º ou do 6.º ano estejam ao abrigo do Decreto‐Lei n.º 3/2008;
b) Os alunos do 9.º, 11.º e 12.º anos estejam ao abrigo do Decreto Lei n.º 3/2008, e tenham usufruído, ao longo do 3.º ciclo ou do ensino secundário, respetivamente, de apoios pedagógicos personalizados e/ou tecnologias de apoio, constantes do programa educativo individual." Esta situação está fundamentada no ANEXO II do Despacho normativo n.º 5/2013 referente ao regulamento das provas e exames nacionais.
A questão dos hiperativos tem a ver, presumo eu, com o grau de severidade e as suas implicações ao nível da atividade e participação, à semelhança dos diabéticos. São situações mais pontuais em que os alunos não podem ser prejudicados.