quarta-feira, 11 de maio de 2016

Aos alunos portugueses e ao atual ministro da Educação

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Há algumas semanas veio a público a notícia de que os alunos portugueses, segundo os dados da OCDE, são os que mais se aborrecem com a escola, com as aulas. Recuperemos parte desse artigo de Março deste ano. Questionados sobre se gostam da escola, veja-se o resultado: “Cerca de um quarto dos adolescentes de 15 anos dos 42 países e regiões participantes dizem que sim. A Arménia tem o melhor resultado, a Bélgica francófona o pior [sede do terrorismo, note-se], Portugal surge com a 33.ª pior posição: só 11% dos rapazes e 14% das raparigas dizem que gostam bastante da escola. Os adolescentes portugueses são também dos que maior pressão sentem com a vida escolar e dos que menos se têm em conta como alunos. É assim desde cedo: aos 11 anos, aparecem quase no fim da tabela, com a 38.ª pior autoavaliação do seu desempenho escolar. Aos 15 é pior. Só 35% das raparigas e 50% dos rapazes consideram que têm bom desempenho escolar, quando a média dos 42 países é 60%.”

Sr. Ministro, meu caro Tiago Rodrigues, uma das razões mais evidentes e que justificam estes resultados tem que ver com o provincianismo de muitas decisões políticas tomadas na educação nos últimos anos. Alterações constantes aos currículos, desestabilização do quadro profissional e respetivas colocações, agravamento das condições básicas de trabalho, a começar com a indignidade de ser esta uma profissão mal paga e constantemente atacada; a perda do peso simbólico do papel de professor numa sociedade que edificou a formação técnica a cumes injustificados, tudo isso é, aos olhos dos alunos, motivo mais que suficiente para que eles não vejam na Escola senão o lugar da diversão e, paradoxalmente, da pressão. A ideologia do divertimento tem origem na pedagogia do “aprender brincando” e outras pérolas do mesmo teor; a pressão resulta do equívoco que é julgarmos que uma enxurrada de exames pode resolver as dificuldades de base que os alunos sentem seja na língua materna, seja nas áreas de ciências. A verdade é que não é com ações de formação de um dia (nem sequer com o tipo de ações de formação que o Ministério normalmente promove) que se resolvem, ou começam por resolver, algumas questões urgentes no ensino em Portugal.

Santana Castilho, Maria do Carmo Vieira, em tempos o próprio Vasco Graça Moura, Helena Buescu, entre tantas outras personalidades, têm visto sob vários ângulos as consequências de uma educação por demais falha de coerência e objetivos claros. Devo dizer que, no caso de uma disciplina como a de Português, é imperativo que o Sr. Ministro, seguindo a vontade do Presidente da República, leia e oiça (leia e oiça, de facto, com generosidade pelos alunos que tutela) tudo quanto se tem dito e escrito sobre o Acordo Ortográfico. É imperativo que o Minstério da Educação, concertado com o Mistério da Cultura e dos Negócios Estrangeiros – assim poderíamos talvez compreender uma expressão tão vaga quanto essa estafada expressão de “política da língua” - cesse, elimine, acabe de vez com a ilegalidade de facultar aos nossos alunos uma ortografia que conduz a permanentes erros de interpretação, de pronúncia e de morfologia. É necessário, Sr. Ministro, que erros do passado – a eliminação da literatura portuguesa nos programas do Português – não se repitam. As Metas Curriculares procuraram suprir a ausência da memória histórico-literária na Escola. Estou em crer que uma das causas mais óbvias para o facto de os nossos alunos não gostarem de estudar se prende com a falta da memória do nosso património cultural e de que a Escola é o reflexo. Não podem gostar de ler o que não entendem e não entendem porque foram rasuradas disciplinas fundamentais como História, a Filosofia e as Artes. Não podem gostar de uma Escola que padroniza, que infantiliza e estupidifica. Pressentem os alunos que algo está profundamente errado: “querem-nos despolitizados, inconscientes, alienados”, disse-me um aluno numa Secundária, em Lisboa.

Conjugam-se, veja bem, Sr. Ministro, todas estas questões: as alterações permanentes aos programas, o desinvestimento do Estado nos Centros de Investigação, nomeadamente nos que se dedicam às áreas de letras e ciências sociais. Os alunos não podem gostar de uma Escola que decapitou a utopia e a liberdade (sim... pode rir-se da palavra “utopia”, Sr. Ministro... mas foi a perseguição de um sonho que o fez estar longe do país, não foi?...). Não podem aderir às aprendizagens com sucesso se tudo é formatado e bloqueia as energias próprias da infância e da adolescência. Por outro lado, é urgente dignificar a classe docente, Sr. Ministro. Defender uma remuneração digna desse nome: trabalhamos com crianças e jovens que nos pedem o melhor que temos todos os dias. Não pode a classe docente continuar a ser vilipendiada: que pensa um professor do sentido da sua vida quando, esmagado por uma burocracia nefanda e uma lógica tentacular e bacoca de avaliação, recebe uma miséria a cada final do mês? Que pensarão os alunos dos professores se os veem sem interesse a ministrar as aulas porque há muito a esperança fugiu e o sentido de uma formação para a cidadania é uma expressão vazia?

Continuar provincianamente a alterar o que há de bom (o regresso da Literatura aos programas de Português) e insistir em ensinar um Acordo Ortográfico absolutamente absurdo, eis o que o Sr. Ministro, com coragem e lucidez, deve ter em conta. Afinal, Tiago Rodrigues, lembra-te de Herberto Helder: não queiras ser um burrocrata. Um ministro é, como ensina a língua latina, aquele que serve. Isso te pedem os alunos. Isso te exigem professores de gerações mais velhas a quem deves estar grato, aprendendo a humildade. Não alteres o que está a ser consolidado no processo ensino-aprendizagem e procura dar aos professores tempo para que possamos, com rigor e verdade, ler, ler, ler – é essa a chave para aulas de que os alunos venham a gostar para aprender.

António Carlos Cortez

Professor e crítico literário

Fonte: Público por indicação de Livresco

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