O senhor António foi chamado à escola. Pai do Rafael, um menino autista, aluno do 5.º ano de escolaridade, está habituado a ir conversar com a diretora de turma e com os professores de educação especial frequentemente. O Rafael fala muito pouco e tem uma linguagem muito pobre com um vocabulário muito limitado. Não lê nem escreve. Aluno com necessidades educativas especiais, frequenta um currículo específico individual (CEI), composto por disciplinas desenhadas para as suas características próprias acrescido de frequência em tempo parcial de algumas disciplinas do currículo regular, com a turma em que está integrado. A sua ida às aulas da turma não visa a aquisição do currículo regular das disciplinas a que vai, tanto mais que não participa na totalidade das aulas dessas disciplinas. Também a sua avaliação tem características especiais, não incidindo sobre o programa do currículo regular nem se baseando nos instrumentos aplicados aos restantes alunos da turma.
Não estranhou, o senhor António, ter sido chamado à escola, visto que a colaboração estreita entre a família e os professores faz parte do seu quotidiano. Contudo, foi com um misto de perplexidade, incredulidade e indignação que ouviu a questão que lhe foi colocada: teria que declarar se pretendia ou não que o seu educando realizasse as provas de aferição do 5.º ano de Português e de Matemática. No turbilhão de sentimentos que o assaltou, conseguiu, ainda assim, aperceber-se do constrangimento que a diretora de turma debalde tentava disfarçar. Inquiriu-a. Ela explicou que a sua pergunta era uma imposição legal, decorrente do Despacho Normativo n.º 1-F/2016, de 5 de abril: “Cabe igualmente ao diretor, mediante parecer do conselho pedagógico e ouvidos os encarregados de educação, decidir sobre a realização das provas de aferição pelos alunos abrangidos pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, na redação atual.” (ponto 3, artigo 16.º).
Este preciosismo burocrático da legislação que regulamenta as provas de aferição parece-me inscrever-se na mesma pressa com que foram criadas essas provas. Basearam-se em que estudos? Com que conhecimento da realidade? Será que os legisladores sabem o que é um currículo específico individual (CEI)? Parece bem que não…
Sem qualquer debate prévio, logo nos primeiros tempos de vida do novo Governo surgiu a criação de provas de aferição nos anos intermédios de ciclo. Uma ideia nova, que mereceria ter sido debatida por todos os parceiros educativos. Realizar ou não provas de aferição? A ideia de as fazer em anos intermédios de ciclo colhe apoio? Devem ser universais ou realizadas por amostragem? Sendo rotativas pelas diversas disciplinas, com que periodicidade é que uma mesma disciplina deve fazer aferição? Todas estas questões são demasiado importantes para que sobre elas se legisle apressadamente sem ouvir os parceiros educativos. A decisão de 48% das escolas de não realizar as provas de aferição no presente ano letivo (o único em que lhes é dada a possibilidade de o fazer), a que acrescem muitas outras em que o diretor optou pela sua realização apesar do parecer desfavorável do conselho pedagógico, constitui, na minha opinião, um forte sinal da pressa com que se mudam as regras em educação a cada mudança de ministro e da pertinência desse debate.
Provas de aferição: Sim ou não? E em que moldes? Um debate que se impõe.
Armanda Zenhas
Fonte: Educare por indicação de Livresco
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