sexta-feira, 13 de maio de 2016

A história da criança com multideficiência que um colégio privado não quis e a escola pública recebeu

São menos de três quilómetros a separar um episódio, no mínimo, controverso. Susana Sousa Rios, mãe de uma criança de 13 anos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), terá sido aconselhada a procurar uma escola pública quando tentou inscrever o filho no privado. Em depoimento escrito e entrevista telefónica à VISÃO, esta progenitora, de 36 anos, acusa o Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas de ter discriminado o seu filho. “Visto que não podiam negar-me a inscrição, «convidaram-me» a inscrevê-lo na escola pública, mais precisamente na Escola de Paços de Brandão, pois aí, não sendo o ideal, teria melhores condições do que o colégio privado”, sugeriram-lhe, segundo a sua versão. Chocada e “revoltada” com a “indiferença” que sentiu na reunião tida para o efeito, esta encarregada de educação acabaria mesmo por recorrer à tal instituição pública. “E em boa hora o fiz”, assume, pois a criança lá continua. “O meu filho gosta da escola, de todos os profissionais, do professor ao assistente operacional. Embora as condições não sejam as ideais, fazem mais e melhor”, explica, satisfeita. Susana, “mãe a tempo inteiro por força das circunstâncias”, refere que o filho sofre de multideficiência, destacando a epilepsia e os problemas motores e hormonais. “Em Paços de Brandão têm sido muito abertos, têm-no acompanhado na medida das possibilidades. Se mais verbas tivessem, melhor faziam”, esclarece.

UMA DENÚNCIA, DUAS VERSÕES

O caso, segundo ela, ocorreu em meados de 2014.

Nessa altura, tentou inscrever o seu filho no Colégio de Santa Maria de Lamas, estabelecimento de ensino privado situado no concelho de Santa Maria da Feira que mantém um contrato de associação com o Estado no valor de quase seis milhões de euros anuais relativos a 74 turmas. Há dois anos, o seu filho, acabado de fazer o 4º ano, ia ingressar no 2º ciclo. Susana solicitou uma reunião à direção do colégio, uma vez que é residente na freguesia e, como tal, teria prioridade na inscrição. Diz ter abordado o assunto com a diretora Joana Vieira, sendo depois encaminhada para uma psicóloga e uma educadora especial. “Após verem os relatórios, sem margem para dúvidas, disseram-me que o colégio não tinha verbas para fazer a integração de meninos como o meu filho”, relata. Foi então que, de acordo com a sua narrativa, lhe acabaram por sugerir a inscrição no agrupamento de escolas de Paços de Brandão, a pouco mais de dois quilómetros. “A nossa equipa de Ensino Especial não tem registo da situação que descreve”, reage, porém, Joana Vieira, diretora pedagógica do Colégio de Lamas. “Se, de facto, essa mãe procurou o colégio, a única razão para não termos acolhido o aluno poderia ser uma eventual multideficiência da criança, para a qual não temos meios de resposta. Nesse caso, o que é dito aos encarregados de educação é que devem procurar uma unidade de apoio a alunos com multideficiência, que existe em determinados núcleos, mas seguramente não em Paços de Brandão”, garante.

Ana Paula Pinto, subdiretora do estabelecimento de ensino público que acolheu a criança, confirmou, no entanto, (...) ter recebido alunos com NEE oriundos da escola privada. “Não sei se foram recusados, não podemos afirmá-lo. Nem vou dizer quantos são. Quero frisar que não estamos em guerra com ninguém. A verdade é que, por qualquer razão a que somos alheios, alguns alunos que não conseguiram inscrever-se ou continuar inscritos no Colégio de Lamas vieram parar aqui”, assinala, lembrando também uma situação inversa. “Tivemos um aluno com NEE que saiu e depois tentou inscrever-se no Colégio de Lamas. Não conseguiu. Neste momento, ao que sabemos, está em Espinho”, refere.

“As escolas privadas, na prática, nunca recusam os alunos. As desculpas que usam são outras: dizem que não têm condições para os receber ou que não têm vagas”, esclareceu (...) Ana Luíza Sezudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes. “Com a alteração da legislação no ano passado, essas instituições também já não podem rejeitar esses alunos. São obrigadas a fazer o mesmo que fazem as escolas públicas, ou seja, a tentar integrar as crianças”. Desde 2003, quando o Colégio D. Diogo Sousa em Braga rejeitou a inscrição de uma criança com deficiência, que a APD não recebe qualquer queixa do género.

A ESCOLA QUE NUNO CRATO PREMIOU

O Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas, cuja lema é “Uma escola com valor e com valores”, compromete-se, no seu projeto educativo para 2015/2016, a assegurar “a todos os seus alunos o valor fundamental da igualdade de oportunidades”, escudando-se no contrato de associação que tem vindo a celebrar com o Ministério da Educação desde o início da década de 1980. A diretora pedagógica desta instituição de ensino, que se tem distinguido na luta contra o fim dos contratos com escolas privadas anunciado pelo Governo, garante que, no ano letivo em curso “presta acompanhamento a cerca de 80 alunos, cujas necessidades educativas especiais são muito diversificadas e exigentes em termos de apoio individualizado”. Segundo Joana Vieira, pelo Colégio de Lamas “passaram e passam alunos com paralisia, síndrome de Duchenne, cegueira e baixa visão, espinha bífida, síndrome de Down, deficiência mental moderada e ligeira, autismo e síndrome de Asperger”. Nestes termos, acrescenta, “a denúncia feita carece de fundamento”.

Susana Sousa Rios, porém, vive inconformada desde o dia em que se sentiu “empurrada” para outras opções em nome da melhor educação para o seu filho. Com a polémica recente sobre o anunciado fim dos compromissos do Estado com instituições privadas, ainda mais se sentiu revoltada. “A escola de Paços de Brandão, mesmo não tendo uma unidade de apoio para alunos com multideficiência, foi capaz de incluir o meu filho, sendo sensível ao facto de este não poder fazer grandes deslocações. Acolheu-o e integrou-o com êxito. Isto é inclusão!”, afirma, mantendo as críticas ao Colégio de Lamas. “Falam em poder escolher entre escola pública e privada. Eu, para bem do meu filho, não pude escolher. Fui «convidada» a escolher uma escola pública”, ironiza, lamentando a alegada “exclusão” praticada à sombra de dinheiros públicos. “Um colégio que apregoa ser um dos melhores, melhor do que o público, com bom projeto educativo, não foi capaz, com os milhões que recebe do Estado (sendo o Estado todos nós), de integrar uma criança com NEE”, acusa. “Sinto-me revoltada, pois todos os dias pago impostos para este colégio, que «convidou» o meu filho a não frequentá-lo”, desabafa.

O agrupamento de escolas de Paços de Brandão, onde a criança de 13 anos acabou por ser inscrita, é um dos que, no final do ano letivo passado, mereceu uma distinção por parte do Governo PSD/CDS.

Num total de 274 escolas a nível nacional que superaram “patamares elevados de exigência” de acordo com o ministério então liderado por Nuno Crato, Paços de Brandão foi uma das oito instituições de ensino que atingiram a pontuação máxima de crédito de horas semanais atribuídas (50) pela sua “eficácia educativa” e “redução de alunos em abandono ou em risco de abandono [escolar]”. Essas horas creditadas permitem mais recursos para as escolas e liberdade para fazerem escolhas adequadas às suas necessidades. Entre outras coisas, podem reforçar a carga curricular em várias disciplinas, colocar professores em atividades destinadas à promoção do sucesso escolar ou contratar técnicos em falta para diversas áreas não docentes. Um prémio à superação das metas definidas pelo Ministério da Educação que o agrupamento de escolas públicas não desaproveitou.

Miguel Carvalho 

Fonte: Visão

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