terça-feira, 14 de maio de 2013

Pedido de desculpas aos alunos do 4.º ano

Meus queridos alunos:

Hoje, dia 10 de Maio, 107 mil de vós fazem o segundo exame nacional do 4.º ano. Antes de mais deixem-me dizer-vos – sem “dar graxa” – que vocês são o melhor que nós podemos esperar para o futuro deste nosso país. Nestes 107 mil de vós estão as pessoas que daqui a poucos anos vão desenvolver, promover, coordenar, organizar todas as ações importantes do nosso país. Começo pois por vos saudar meus bravos 107 mil compatriotas!

Mas hoje é dia de exames nacionais. É o “grande dia”. Sei que nos últimos meses foi grande o trabalho nas escolas, em casa e em “salas de estudo” para que vocês estejam preparados para fazer boa figura nesta avaliação. As pessoas da minha geração tiveram também “dores de barriga” no exame da “quarta classe” como então se dizia. Na altura, o exame da quarta classe servia para muitos alunos encerrarem os seus estudos. Por exemplo, na escola em que eu andei, havia 30 alunos na quarta classe mas só eu (por razões que não têm nada a ver como a minha inteligência) continuei a estudar. Portanto, na altura sabíamos para que era o exame mas agora não sabemos porque os alunos vão todos continuar a estudar. Não sabemos por várias razões:

1. Sabemos – para isso basta consultar o relatório sobre a Educação em 2012 publicado pelo Conselho Nacional de Educação – que existem assimetrias regionais, isto é, que os resultados que os alunos obtêm estão também relacionados com as regiões em que habitam. Se é para confirmar a existência de assimetrias, então não vale a pena. Vale sim a pena atalhar as causas que as originam. E, para isto, infelizmente os exames não são nada eficazes.

2. Este exame poderia ser útil para sabermos quais são os resultados que os alunos conseguiram após 4 ou 5 anos de ensino obrigatório. Mas os resultados que os alunos obtêm têm que ser relacionados com as condições de ensino em que são obtidos, por exemplo, a qualificação e experiência dos professores, as condições materiais da escola, a riqueza e diversidade do currículo, as condições de apoio que a escola proporciona aos alunos com dificuldades, etc. Só é possível fazer uma avaliação justa dos resultados do processo educativo e do que os alunos aprenderam se, ao mesmo tempo, se fizer um levantamento honesto das condições que lhes foram dadas para aprender. Se isto não for feito, já se sabe… vamos reforçar que a escola funciona bem para os alunos para quem a vida funciona bem. Se este processo não tiver este carater formativo, é gerador de desigualdade (o oposto da “equidade”). Portanto, pode ser que estes exames contribuam para saber o que cada um sabe mas… para quê?

3. A avaliação é indispensável ao progresso da Educação. E por isso, precisamos de uma avaliação que relacione o que se semeou com o que se colheu. E por isso, um exame nacional se não permitir que entrem no processo de avaliação os percursos que alunos de 9 ou 10 anos fizeram nas suas escolas, é incompleto e desnecessário. Se os exames são só de Português e de Matemática, afinal todas as outras áreas não precisam de avaliação (?).

Meus queridos alunos: o exame que vão fazer é uma prova de resistência à pressão e nesse aspeto espero que estejam bem apoiados e informados para poderem vencer este desafio e aproveitar desta experiência. Mas, infelizmente, este exame não vai contribuir para o vosso sucesso nem para o sucesso do sistema educativo que a minha geração vos legou. Este exame vai, talvez, servir para que se queira fazer crer que há mais controlo, mais “seriedade”, mais responsabilidade na educação mesmo nas idades mais baixas. “Fazer crer”, não esqueçam. Oxalá que este exame não seja usado contra vós: isto é que não seja o primeiro passo para obter dados “objetivos” que fundamentem o fim dos ciclos unificados no ensino básico rumo aos melífluos “sistemas duais”.

Por tudo isto tenho que vos pedir desculpa por estes exames nacionais. Eu sei que não fui eu que os instituí, mas vejo nos vossos olhos a pergunta “Porquê ?” e não sei responder. E devia saber. Desculpem lá.

David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial 
Publicado no jornal Público

1 comentário:

Mª Antónia S. P. Lourenço disse...

Gostei de ler e revejo-me. Muito bom!!!
Mãe e educadora de infância Antónia