quarta-feira, 22 de maio de 2013

Depressão na adolescência

Cruzei-me com ela no recreio. Estava na companhia de uma colega da turma que comecei a acompanhar este ano letivo. Interromperam-me a marcha e solicitaram a minha atenção timidamente. Compreendi de imediato que me queriam transmitir alguma informação, mas tratava-se de um assunto delicado. A colega insistia para que me mostrasse algo, algo que ela já vira e que achava que também eu deveria ver. Após a insistência da outra, puxou as mangas do casaco e expôs perante o meu olhar os braços mutilados. O x-ato era certamente a arma que usara, para lutar contra a dor interior, que conheço e acompanho há alguns anos. Procurando controlar ao máximo a expressão facial que o impacto daquelas marcas profundas me provocaram, insisti na necessidade de falarmos. Com o seu ar doce de sempre abanou a cabeça, concordando imediatamente com a minha proposta. 

A Alexandra vive num contexto socioeconómico muito desfavorecido, em que por vezes falta o essencial para a satisfação das necessidades básicas e condições mínimas para garantir o sucesso escolar. Contrariamente aos outros elementos mais novos da família, irmãos e primos, alguns dos quais também conheço e acompanho, assume uma postura amistosa e irrepreensível nos contextos onde se move. O seu comportamento é elogiado pela mãe e pelos professores. Os irmãos e primos somam processos disciplinares, enquanto ela soma interiormente a sua dor, procurando proteger a mãe e as tias de mais desgostos. A sua raiva, a sua dor e as suas dificuldades do dia a dia não desestabilizam aulas porque as internalizou.

"Cortei os braços porque sou gorda e feia." Conheço bem a sua baixa autoestima e os sentimentos constantes de autodesvalorização. Estes têm sido analisados, desmontados e trabalhados desde que o seu atendimento teve início. "Gorda e feia, Alexandra?", questionei-a. Ao que ela respondeu: "Sim, gorda e feia." "Como gostaria que o teu espelho refletisse a Alexandra que eu vejo, sempre tão bonita e elegante." A minha perceção e a dela são dissonantes e, neste momento, o que lhe digo é olhado com desconfiança, pois é interpretado como mera tentativa de a ajudar. Antes de a Alexandra verbalizar os seus sentimentos, foi preciso um longo percurso, em que lhe mostrei a urgência de, sem vergonha, emitir pedidos de ajuda.

Os braços cortados levaram-me a explorar outros sentimentos e a suspeitar de algo mais. A Alexandra, para além de um humor deprimido - desânimo persistente, tristeza, baixa autoestima, sentimentos de inutilidade e vazio - pensava na morte numa perspetiva libertadora. A fadiga aumentara comparativamente ao passado e a capacidade de concentração diminuíra. O sono também estava alterado, dado que refere acordar várias vezes durante a noite. A vontade de chorar é frequente e as lágrimas são muitas vezes o escape para a dor, assim com também os comportamentos de automutilação.

Pensando na depressão como o resultado da interação de múltiplos fatores, tal como é possível constatar pela visualização do esquema, não há dúvida de que a Alexandra reúne múltiplas condições de vulnerabilidade para que esta lhe batesse à porta.


A constatação de que a Alexandra não estava somente triste, mas deprimida, uma vez que o seu sofrimento psíquico estava a causar transtorno no seu comportamento, na afetividade e nos relacionamentos sociais e familiares, levou-me a sensibilizá-la para a urgência de envolver a mãe e outros técnicos de saúde. Implorou-me que não o fizesse, que a tristeza que sentia logo passaria. Apesar de lhe ter explicado que uma depressão não tratada, ou tratada de forma inadequada, pode tornar-se crónica e afetar definitivamente a qualidade de vida, ela manteve-se irredutível: mãe e médica, não! Mesmo não conseguindo que ela compreendesse a urgência de envolver outros adultos, eu não tinha outra alternativa, já que se trata de um caso de elevado risco. Neste tipo de situações, o sigilo profissional deve ser quebrado, em prol de um bem maior. Quando compreendeu a minha impossibilidade de guardar sigilosamente o que só a mim confiara, lançou-me um olhar duro e desolado, como nunca lhe tinha visto, mostrando-me claramente que a nossa relação, tão bem cimentada, poderia futuramente carecer de reconstrução!

Adriana Campos
In: Educare

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