segunda-feira, 27 de maio de 2013

«O ensino diferenciado deve ser visto como um investimento que pode ser transversal à sociedade»

Entrevista com Josep Barnils sobre os desafios do modelo de Educação Diferenciada.

O IV Congresso Internacional de Educação Diferenciada, organizado pela Associação Europeia para a Educação Diferenciada (EASSE, sigla em inglês), realizou-se na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa nos passados dias 19 e 20 de abril.
Josep Barnils, um dos oradores da conferência e atual presidente da EASSE, respondeu a algumas perguntas sobre Educação Diferenciada, uma das formas de organização da escola que pretende possibilitar o desenvolvimento, em sala de aula, da educação personalizada recorrendo à divisão entre géneros.

O que é o Modelo de Educação Diferenciada?
A educação diferenciada foca-se nos aspetos distintos da educação de rapazes e raparigas. Estamos a falar em grupos distintos, que têm características distintas, formas de pensar e interesses diferentes, e há que tratá-los e educá-los de formas distintas em casa, na escola e na sociedade. Esta afirmação não pretende referir que uns são melhores do que outros; simplesmente são distintos, não só fisiologicamente, mas em múltiplos aspetos.

Quais são as vantagens deste modelo de educação? E as desvantagens?
Há cerca de três anos a UNESCO publicou um documento onde referiu que devia haver educação personalizada, tratando cada pessoa de acordo com a sua forma de ser, as suas características, as suas necessidades e limitações. A educação diferenciada torna o processo mais fácil. Estando rapazes e raparigas separados é mais fácil tratá-los de formas distintas. Há ritmos de aprendizagem e de maturidade diferentes; crescem, por isso, também com ritmos distintos, caraterísticas que nos permitem compreender que somos iguais, mas, naturalmente, com diferenças.

Em que idades seria adequada a educação diferenciada?
Embora nem todos os especialistas estejam de acordo, na minha opinião, o que coincide com a da maioria dos estudiosos, a melhor idade é 6-18 anos. Ou seja, desde ensino primário até à conclusão do secundário.

O ensino diferenciado é adequado a todos? 
Em todo o mundo e em todas as culturas há educação diferenciada. Em todo o mundo os rapazes e raparigas são diferentes, e é igualmente aplicável este tipo de ensino. O ensino diferenciado deve ser visto como um investimento que pode ser transversal à sociedade. Um dos objetivos primordiais do ensino diferenciado é ensinar hoje os jovens e formá-los para serem melhores pessoas sempre, transmitindo valores que vão para além do critério académico.

As taxas de sucesso escolar são diferentes para rapazes e raparigas?
Em geral, o êxito escolar é melhor nos colégios de educação diferenciada do que nos colégios mistos. As raparigas normalmente conseguem melhores resultados face aos rapazes até aos 18 anos. Segundo um estudo da Universidade da Pensilvânia (EUA), as escolas de raparigas em Seul (Coreia do Sul) são as que têm maior sucesso, seguida das de rapazes e, por fim, as escolas mistas.

Num momento em que a educação inclusiva é a norma, fruto de luta de décadas, que sentido faz hoje a educação exclusiva?
A educação mista generalizada foi o resultado de uma luta justa para garantir que as mulheres tivessem a mesma educação e as mesmas oportunidades que os homens, porque durante séculos as mulheres foram criados para serem esposas, mães e donas de casa. As pessoas que lutaram nesses movimentos confiaram que o caminho certo para alcançar essa igualdade era colocar rapazes e raparigas nas mesmas salas de aula. Alcançado esse objetivo, tem sido questionado se essa era a única e melhor solução. Muitos investigadores consideram que existem outras possibilidades e, geralmente, mais fáceis, para proporcionar uma educação de qualidade para ambos os géneros. Um desses caminhos é a educação diferenciada, que afirma que, em aulas mistas ou em classes separadas, a preocupação passa por educar meninos e meninas de acordo com as suas características e, portanto, como resultado da sua condição sexual.

Este modelo de ensino não é um retrocesso em termos sociais?
De todo. O que pretende é dar uma educação personalizada da mais alta qualidade a todas as crianças, tornando menos difícil o trabalho dos professores.

No nosso modelo de sociedade em que se luta todos os dias pela igualdade entre géneros, não será redutor fazer a separação de rapazes e raparigas?
Pelo contrário. Verifica-se que as mulheres que estudaram em colégios de raparigas têm seguido uma carreira científica de sucesso, bastante superior às raparigas provenientes de colégios mistos. Se analisarmos os últimos 25 anos, que mulheres têm chegado ao poder e a ocupar cargos de importância? E podemos constatar que muitas delas estudaram em colégios de raparigas. Por exemplo Margaret Thatcher, Hillary Clinton…

As raparigas e os rapazes são de tal modo diferentes em aspetos relevantes que necessitam de formas diversas de lhes ministrar a educação?
Como somos diferentes temos de ser educados de forma diferente. Os rapazes são mais irrequietos, distraem-se mais e têm mais dificuldade em estar atentos nas aulas. As raparigas leem melhor e controlam melhor as suas emoções. Com esta contextualização conseguimos ver a educação diferenciada como uma solução a partir de uma determinada idade, com um objetivo claro: fazer corresponder a aprendizagem correta à pessoa exata, acompanhar o crescimento, apoiar o estudo, personalizar o ensino, ou seja, adaptamos o ensino à natureza própria de cada aluno.

As diferenças entre sexos são de carácter biológico, e portanto inevitáveis, ou resultam de aspetos culturais, e portanto podem mudar-se?
Praticamente todos os investigadores e especialistas concordam que as diferenças de género são biológicas. Nos últimos anos, todos os cientistas concordam que o cérebro de uma mulher e do cérebro do homem são diferentes, apesar de ainda não se ter verificado todas as consequências que isso pode ter no processo educativo dos alunos.

O próprio facto de se sugerir a possibilidade de haver diferenças inatas equivale a insinuar que há menorização de um sexo face ao outro?
Ser diferente não implica superioridade face ao outro, apenas distinção. Os homens e mulheres são diferentes, o que não significa que as mulheres são superiores aos homens nem que os homens são superiores às mulheres.

Deveria o Estado oferecer aos pais e aos alunos a opção por um ensino diferenciado? Porquê?
Para mim o mais importante para uma pessoa é a liberdade. É um dos principais objetivos permitir que os pais possam escolher o modelo de educação a dar aos seus filhos, tanto na escolaridade pública como na privada, para que seja uma decisão que não seja feita com base no poder económico. Há uns tempo questionaram-me se eu era contra as escolas mistas. Eu respondi que não, sou apenas a favor da liberdade. Hoje estou aqui a defender as escolas single sex, quem sabe se não existissem escolas mistas, eu estaria aqui a promover escolas mistas?

Este modelo de ensino não perpetua a ideia de que os homens e as mulheres serão sempre diferentes?
A educação diferenciada pretende que tanto no seio familiar, como na escola ou na sociedade, se tenha em consideração que homens e mulheres são diferentes e que, por esse motivo, deverão ser tratados justamente e de um modo distinto. E naturalmente homens e mulheres sempre foram diferentes, nenhum é melhor do que o outro, apenas diferentes.

A evolução social tende a situar homens e mulheres lado a lado, com equivalência de direitos e deveres, na família, no trabalho e em geral na vida quotidiana. Em que medida o ensino diferenciado tem em conta esta evolução?
A educação diferenciada não só tem em conta, como potencia que cada aluno conheça, respeite e valorize o outro sexo. Foi traçado um plano de igualdade, de modo transversal, aplicado a todo o processo educativo dos alunos.

Por Maria João Pratt
In: Crescer

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