A aproximação do final do ano lectivo e das provas de avaliação leva a que, todos os anos, por esta altura, surjam anúncios, notícias e debates sobre medicamentos que visam aumentar as capacidades de atenção e memória e, consequentemente, melhorar o rendimento escolar.
Sejam de venda livre (na maioria dos casos só vantajosos para quem os vende, quando não prejudiciais para quem os toma), sejam princípios activos que carecem de prescrição cuidadosa e indicação específica (que, quando as não têm, podem acarretar riscos acrescidos para a saúde) são, por norma, todos tratados por igual, sem distinção de eficácias ou de contra-indicações e, muito menos, de possíveis indicações clínicas.
As dificuldades de aprendizagem podem contudo ter causas que devem ser esclarecidas. Algumas delas são do foro médico ou psicológico e podem ser tratadas. Entre estas, uma das mais estudadas é a Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA).
A PHDA é caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas de desatenção, impulsividade e agitação motora que perturbam o rendimento escolar e profissional, a vida familiar e as relações sociais das pessoas que dela sofrem. Claramente exagerados, atendendo à idade e às situações, estes sinais manifestam-se em todas, ou quase todas, as circunstâncias da vida. Presentes logo desde a infância, prolongam-se pela adolescência e, frequentemente, pela vida adulta.
A PHDA resulta de uma perturbação no desenvolvimento do sistema nervoso (antes ainda do nascimento) e tem um componente hereditário. A probabilidade de um adulto com PHDA ter um filho com o mesmo problema é de 50%. Por isso, é frequentemente identificada nos pais e nos irmãos de crianças a quem foi inicialmente feito o diagnóstico.
Cerca de 5 a 8% das crianças em idade escolar têm PHDA. Destas, cerca de metade, continuarão a ter sintomas de PHDA ao longo de toda a vida.
Nas crianças a PHDA é diagnosticada mais frequentemente nos rapazes (eventualmente por a hiperactividade ser mais exuberante nestes). As raparigas, mais sossegadas e com menos sinais de hiperactividade, serão menos notadas, apesar de sofrerem igualmente de Défice de Atenção.
Contudo, é o Défice de Atenção que, a médio prazo, conduz a uma maior taxa de insucesso (escolar, profissional, mesmo social…). O Défice de Atenção traduz-se na grande dificuldade em fixar e manter a atenção e a concentração, sobretudo quando se trata de assuntos que o próprio considera menos interessantes ou mais monótonos. A dificuldade de controlar a atenção pode ainda manifestar-se por uma atenção exagerada e desadequada em determinadas situações, com tendência para se “arrastar nas coisas”. A isto chamamos “hiperfocagem” e é tão típica da PHDA como o é a desatenção.
A forma como a PHDA se apresenta nos adultos é necessariamente diferente da forma como se manifesta nas crianças. O crescimento, a vivência e, consequentemente, o “amadurecimento” da personalidade, contribuem para que algumas das manifestações mais exuberantes, como a extrema irrequietude ou agitação, sejam raras no adulto.
A impulsividade e, sobretudo, a desatenção tendem porém a persistir e podem causar incapacidades importantes no funcionamento emocional e social, particularmente evidentes nas relações interpessoais e no desempenho profissional. As mudanças de humor, as práticas de risco, o insucesso académico, a mudança repetida de emprego, as mudanças de objectivos, os projectos que se iniciam com entusiasmo e se largam de seguida, o desencontro dos ritmos de sono e vigília, a dificuldade em estabelecer prioridades e em gerir o tempo, são sinais que surgem associados à PHDA.
Em todos os casos, há que ter a certeza que as manifestações de hiperactividade, de impulsividade ou mesmo as de desatenção, não são explicáveis por outras causas (alterações do sono, consumo de substâncias, doença psiquiátrica, etc.). O diagnóstico de PHDA é clínico, e não existem análises ou exames médicos que o permitam fazer. Tem como base a avaliação da história clínica e a análise do comportamento nos vários locais (escola, emprego, casa, tempos livres).
No caso de suspeita de PHDA, deverá ser consultado um médico ou psicólogo com experiência nesta perturbação. Só eles poderão fazer o diagnóstico.
É grande a importância de diagnosticar e tratar a PHDA. O tratamento adequado não só diminui os sintomas da perturbação, como restitui à pessoa a possibilidade de usar as capacidades que realmente tem. Finalmente, tratando a PHDA diminuem os riscos de aparecimento de outras perturbações que frequentemente lhe estão associadas (ansiedade, depressão, comportamentos de risco, etc.).
Calros Nunes Filipe
Médico psiquiatra e director científico do CADIn – Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil
In: Público
Nota: Foi mantida a ortografia original.
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